31 de agosto de 2023

“Ela não me disse nada: mas eu compreendi tudo”

 


A conversão de Afonso Ratisbonne 

  Plinio Maria Solimeo

Há um adágio latino bem conhecido, citado pelo Pe. Manoel Bernardes em sua obra Nova Floresta, que exprime uma verdade de observação corrente: “Nemo repente fit summus”, que poderia se traduzir por “ninguém se torna muito grande ou muito ilustre repentinamente”. Mais comumente se diz que “nada de grande ou de muito importante se faz de repente”. 

É o que vemos na série de fatos aparentemente indiferentes que prepararam a conversão do judeu Ratisbonne, transformando-o de feroz inimigo da Igreja em seu apóstolo. 


Quem era Afonso Ratisbonne 

Afonso nasceu em Estrasburgo em 1814 em uma rica e proeminente família de banqueiros. Perdeu a mãe quando tinha apenas quatro anos. Seu pai era presidente do conselho provincial da Alsácia. Um irmão mais velho, Teodoro, converteu-se ao catolicismo em 1827 e ordenou-se sacerdote em 1830. Isso provocou um escândalo em toda a família, principalmente em Afonso. Formado em Direito, ele se tornou membro do banco de um tio e ficou noivo. 

Tudo parecia lhe sorrir na vida que escolhera. 

Inescrutáveis caminhos de Nossa Senhora 


Em 1841, aos 27 anos, sendo sua noiva ainda um pouco nova para se casar, Afonso resolveu fazer uma longa e despreocupada viagem pelo Oriente. 

Embora nominalmente judeu, após a conversão do irmão ele se tornou um ateu radical, passando a ter um “ódio virulento” a tudo que era católico. 

Ratisbonne viajou para Nápoles, para de lá passar por Istambul, e chegar finalmente à Palestina. Em Nápoles ele comprou passagem para ir primeiro até Malta, mas tomou o navio errado e acabou chegando a Roma no dia 5 de janeiro. 

Na Cidade Eterna resolveu visitar um antigo companheiro de escola, o barão Gustavo de Brussières, a quem não via há muito tempo. O barão era protestante, e compartilhava a hostilidade do judeu contra o catolicismo. 

Como Ratisbonne lhe disse que desejava conhecer um pouco Roma, Gustavo indicou-lhe seu irmão Teodoro, que o judeu conhecera em sua casa, como a pessoa mais apta para guiá-lo. O problema é que Teodoro tinha se convertido ao catolicismo, e era amigo sincero do irmão de Afonso, também Teodoro. 

Teodoro de Brussières era um aristocrata de trato ameno e agradável. Contudo, Ratisbonne julgou-o um católico fanático e muito insinuante. Para evitá-lo, decidiu partir de Roma na madrugada do dia 17. Mas antes de partir quis despedir-se de Gustavo, deixando com ele um cartão para Teodoro. 

Não tendo encontrado Gustavo, Afonso dirigiu-se à casa de Teodoro, para deixar seu cartão. Pensava entregá-lo na porta e sair rapidamente para não encontrá-lo. Porém, um criado italiano não entendeu o que ele queria, e o conduziu à sala de estar, onde estava Teodoro com a esposa e duas filhas. 

Ratisbonne ficou extremamente aborrecido, mas dissimulou com um sorriso reservado. E ao cumprimentar o dono da casa, disse-lhe, para provocá-lo, que visitara o gueto de Roma, onde “contemplou a miséria e a degradação dos judeus”. Isso o havia indisposto ainda mais com os católicos. 

Ante as invectivas de Afonso contra os católicos, afirmando “nasci judeu e judeu morrerei”, De Bussières procurou defender com toda energia a religião verdadeira. 


Medalha Milagrosa e Lembrai-Vos 


Passando ao contra-ataque, De Brussières teve uma súbita inspiração e lhe disse abruptamente: “Já que você detesta superstição e se declara tão liberal em relação à doutrina sendo tão iluminado, terá coragem de se submeter a um simples e inocente teste que vou lhe apresentar?” 

Sorrindo, Ratisbonne perguntou: “Que teste?” 

Erguendo uma Medalha Milagrosa, disse-lhe o barão: “Apenas usar por uns dias esta medalha da Santíssima Virgem que lhe darei.” 

Ao vê-la, o judeu afundou-se na poltrona com um gesto de indignação e repulsa. “Que proposta mais bizarra e pueril!”, pensou. 

De Brussières argumentou: “Parece muito ridículo, não é? Mas eu atribuo grande valor e eficácia a esta pequena medalha. Do seu ponto de vista, isto deve ser uma questão de total indiferença, ao passo que me daria o maior prazer se aceitasse”. 

Ratisbonne caiu na gargalhada e disse. “Oh, eu não vou recusar. Pelo menos lhe mostrarei que as pessoas não têm o direito de acusar os judeus de preconceito obstinado e insuperável. Além disso, o senhor está me fornecendo um capítulo encantador para minhas anotações e impressões de viagem...”

Conquistado este terreno, o Barão foi rápido em tirar vantagem. “Para aperfeiçoar o teste, você deve dizer todas as noites e todas as manhãs uma oração muito curta e muito eficaz, o Lembrai-Vos, que São Bernardo dirigiu à Bem-Aventurada Virgem Maria. Recusar-se a recitar a oração tornaria o teste inútil e provaria que os judeus realmente eram tão obstinados quanto muitos afirmavam”

Por fim, exausto pela ridícula impertinência de Teodoro e não querendo dar muita importância ao assunto, Ratisbonne disse: “Bem, então prometo fazer essa oração. Se não me faz bem, não pode me fazer mal”


“Você tem que adiar sua viagem”  

Na manhã seguinte, Afonso foi visitar o barão e lhe disse: “Vim me despedir porque estou partindo esta noite”. 

Ao que De Bussières respondeu sem saber por que: “Quanto à sua partida, você absolutamente deve adiá-la por uma semana”

Ratisbonne escreveria mais tarde: “Fui induzido incompreensivelmente a prolongar minha estada em Roma. Cedi à insistência de um homem que mal conhecia, e a quem havia recusado obstinadamente ter entre meus amigos mais íntimos”

Já que passaria assim mais uns dias na Cidade Eterna, decidiu deixar De Brussières tornar-se seu guia. 

Acontece que, enquanto isso, Ratisbonne não conseguia parar de recitar mentalmente o Lembrai-Vos. “Continuei a murmurar para mim mesmo, embora com grande impaciência, aquela eterna e importuna invocação de São Bernardo”. 


O Conde de La Ferronays 

O Barão de Brussières tinha um grande amigo em Roma, o Conde de La Ferronnays, Pedro Luís Augusto Ferron. Profundamente católico, nasceu em 1777 e foi Ministro das Relações Exteriores de Carlos X entre 1828 e1829; no ano seguinte exerceu o cargo de embaixador da França junto à Santa Sé. O Barão lhe falou de Ratisbonne, pedindo-lhe orações pela sua conversão. 

Movido por uma graça especial, La Ferronays fez mais do que isso: ofereceu a própria vida nessa intenção. E foi ouvido, falecendo repentinamente de um enfarte aos 64 anos, no dia 17 de janeiro de 1842. 

A aparição e a conversão 

No dia seguinte Ratisbonne saiu com De Brussières para continuarem a visita à Cidade Eterna. Ao passarem diante da igreja San Andrea delle Fratte [foto acima], o barão lhe pediu que o esperasse um pouco, pois teria que entrar a fim de tratar de um assunto importante. O judeu poderia também entrar e esperar dentro, por causa do frio. 

Afonso entrou e começou a analisar a igreja. Achou-a muito feia e notou que a estavam preparando para um funeral. Perguntou ao barão quem era o falecido. De Brussières lhe respondeu que era um amigo seu, De La Ferronnays, por quem tinha grande estima, que falecera subitamente na véspera. 

A igreja estava na penumbra e Ratisbonne chegou diante do altar de São Miguel Arcanjo. De repente, todo o templo ao seu redor desapareceu. Ele escreve: “Não vi mais nada. Ou melhor, ó meu Deus, eu vi apenas um objeto!” Era a Rainha do Céu, em todo o esplendor de sua beleza. 

Ratisbonne depois escreveu: “Fiquei prostrado, com o coração completamente absorto e perdido, quando De Brussières me trouxe de volta à vida. Não pude responder às suas perguntas, mas agarrei minha medalha e beijei a imagem da Virgem, radiante de graça. Era de fato Ela mesma. Eu sabia que De Laferronnays havia orado por mim. Não posso dizer como soube disso, assim como não posso explicar as verdades das quais de repente ganhei tanto o conhecimento, quanto a crença. Tudo o que posso dizer é que no momento em que a Santíssima Virgem fez o sinal de sua mão, o véu caiu de meus olhos [...] aí de uma tumba, de um abismo, e estava vivendo, perfeitamente, vivendo energicamente”


Afonso de Ratisbonne se converteu de tal maneira, que se fez sacerdote. Com seu irmão Teodoro fundou uma congregação religiosa para rezar pela conversão dos judeus — Congregação Nossa Senhora do Sion —, um ramo masculino e outro feminino. E passou os últimos anos de sua vida na Terra Santa, onde faleceu no dia 6 de maio de 1886.

29 de agosto de 2023

Simbolismos históricos na movimentação das nuvens


✅  Plinio Corrêa de Oliveira 

Se eu fosse pintor, gostaria de me dedicar a pintar grupos de nuvens representando o acontecer humano. Por exemplo, há certos grupos de nuvens nos quais podemos notar algo que nos leva a imaginar impérios que entram na História. Outras nuvens que se movem à maneira de guerras entre impérios; há nuvens que parecem representar a dissolução dos impérios; eles aparecem inteiros e depois se desfazem como as nuvens.

Por vezes o céu fica repleto de pequenas nuvens como neblinazinhas, ou como nuvens em frangalhos. Elas podem dar certa ideia do que houve no passado. Depois os grupos de nuvens se despedem e o céu fica todo azul. 

Seria como se Deus passasse uma esponja sobre o quadro negro e apagasse todas as figuras. Em seguida, Ele forma outros desenhos. Acho muito bonito observar esses movimentos que podem lembrar fatos da história. 

Gostaria de pintar em nuvens um quadro assim: Constantino, o grande imperador romano, as guerras que ele travou, as vitórias que obteve, os editos que ele promulgou, por exemplo, aquele que deu liberdade à Igreja Católica e aos fiéis para a prática da Religião. Seria como um dragão de tempestade, mas que o vento soprou, desfez o perigo e a história continua. As nuvens vão como que historiando para nós os acontecimentos passados. 

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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 6 de dezembro de 1987. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.





22 de agosto de 2023

Quando o bebê retribui à mãe por seu sacrifício


  John Horvat II*

A relação mãe-filho é um maravilhoso vínculo espiritual e físico mais profundo do que se imagina... É uma relação íntima e emocional. A mãe dá tudo ao bebê que se desenvolve em seu ventre em um ato de amor. Tal solicitude e sacrifício tocantes explicam a apreciação universal da maternidade. Também pode explicar a antipatia da esquerda, que odeia todos os elos de dependência e vê a gravidez como uma restrição à liberdade da mulher.

No entanto, o vínculo não é apenas sobre sacrifício. Enquanto a ciência explora o mistério da maternidade, pesquisadores estão fazendo algumas descobertas extraordinárias. Por exemplo, a relação mãe/filho não é uma doação unidirecional da mãe. O vínculo não termina no nascimento. Há momentos em que a criança retribui maravilhosamente à mãe por seu sacrifício. 

Cada descoberta torna cada vez mais evidente que a criança é um ser único e individual, independente da mãe, mas fabulosamente conectado. Incrivelmente, essa relação altamente emocional e espiritual se reflete no funcionamento biológico do vínculo. 

O bebê e a mãe trocam células 

De fato, as células do bebê são diferentes das da mãe desde a concepção. No entanto, como a mãe está constantemente nutrindo e ajudando o desenvolvimento do bebê, suas células encontram seu caminho para o corpo da criança. 

Os cientistas agora dizem que as células do bebê encontram seu caminho para o corpo da mãe e permanecem lá. Até 6% do DNA flutuante na mãe grávida pode ir do bebê, que diminui com o tempo. 

O processo de troca e circulação das células é chamado de microquimerismo. Assim, a presença física da criança na mãe continua bem após o nascimento. As células do bebê deixam uma marca permanente nos tecidos, sangue, ossos, cérebro e pele da mãe — onde podem permanecer por décadas. Essa presença inclui todos os filhos da mãe, mesmo em casos de aborto espontâneo ou aborto de segundo termo. 

Estas células são muitas vezes células-estaminais com incríveis poderes regenerativos e reprodutivos. Um artigo fascinante na Scientific American afirma que uma "conversa constante" acontece entre as células. Após o nascimento, os cientistas acreditam cada vez mais que essa questão genética pode influenciar a saúde da mãe por muitos anos. 

Bebê para o resgate 

Os estudos dessas conversas microquiméricas ainda estão em fase inicial de análise. No entanto, evidências crescentes mostram uma consideração tocante por parte dessas células fetais. Durante a gravidez, algumas doenças maternas desaparecerão porque essas células-tronco fetais correrão para o local da lesão e vão curar o órgão ou o coração danificados da mãe. 

Assim, a mãe protege o bebê do perigo externo, enquanto as células-tronco do bebê detectam riscos internos e reconstroem a mãe para um parto seguro. 

Cuidados naturais de saúde materna 

Após o nascimento, as células do bebê continuam seu trabalho, que diminui com o tempo. Alguns pesquisadores acreditam que as células-tronco fetais reduzem o risco de câncer de mama e outros. As células parecem lutar contra doenças, como a artrite reumatoide. Eles foram encontrados para ajudar as mães com danos na tireoide e fígado, transformando-se em células do órgão. O coração da mãe pode ser o objeto das missões de reparo das células. 

O número de filhos parece não afetar o poder regenerativo das células fetais. O fator importante foi a data do último nascimento. A duração da gravidez deve ser de pelo menos 20 semanas para ter um efeito. O poder regenerativo das células diminui com o tempo e elas se reproduzem menos. 

Uma conclusão antifeminista 

As descobertas são maravilhosas, mas não surpreendentes. Essa assistência mútua é consistente com a forma como Deus criou as coisas com propósito. O sacrifício amoroso e vivificador da maternidade teria de encontrar reciprocidade na natureza. Seria natural que um vínculo físico complementasse o vínculo moral e até mesmo que ele diminuísse à medida que a criança avança em direção a menos dependência na vida adulta. 

Essa relação aponta para a tragédia do aborto, que pode destruir o bem-estar moral e mental da mãe e privá-la também de benefícios físicos. 

Feministas afirmam que a gravidez coloca em risco a saúde da mãe. Pelo contrário, a maternidade contribui para a saúde da mãe. Tanto a mãe quanto o filho se beneficiam física, psicológica e espiritualmente. Os filhos são uma bênção para o bem-estar da mãe em todos os aspectos, não uma maldição para sua liberdade. As feministas fariam bem em seguir a ciência e abraçar a maternidade. 

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Fonte: https://www.tfp.org/when-the-baby-marvelously-repays-the-mother-for-her-sacrifice/

19 de agosto de 2023

O espírito acomodatício leva à derrota


A covardia velada de prudência e moderação fez mais estragos na Igreja de Deus que os gritos e golpes furiosos da impiedade 


Em sua edição de março de 1983 (Nº 387), a revista Catolicismo publicou comentário sobre a fisionomia e o porte de um dos maiores bispos que a história latino-americana registra, e sua síntese biográfica. É ele São Ezequiel Moreno Diaz (canonizado em 1992, sua festa é celebrada no dia 19 de setembro), o indômito Pastor da diocese colombiana de Pasto, falecido em 1906, que se distinguiu por sua energia em face dos inimigos da Igreja.

O trecho que transcrevemos abaixo, extraído de uma de suas obras, denuncia o dano espiritual que causa às almas a tática acomodatícia de católicos em face do mal. Suas expressões são mais do que oportunas para nossos dias, pois essa tendência de apoucar e distorcer a verdade, infelizmente, cresceu de modo impressionante, graças à ação corrosiva do progressismo "católico". 

Eis as palavras do Prelado: 

"Os males que hoje afligem a Igreja não são causados principalmente pelos grandes incrédulos, os grandes ímpios, os grandes perseguidores; a obra desses imitadores de Lúcifer seria praticamente estéril, se os conciliadores não os ajudassem, os que chamam de intransigência à luta decidida contra o mal, os que sem dúvida se esqueceram dessa sentença do Salvador: 'Os que não estão comigo estão contra mim'. Os maiores perigos que a verdade e a virtude correm hoje em dia não são as grandes e escandalosas heresias, mas as falsificações da virtude e da verdade. Quanto mais hábeis são essas falsificações, tanto mais seduzem e mais são perigosas. 

Compreende-se que certos homens queiram e peçam ministros do Altar que sejam complacentes, flexíveis, prudentes segundo a carne; mas é um engano total o daqueles que querem tirar partido para o bem da Igreja cedendo hoje um pouco a seus inimigos, empregando uma linguagem incolor e frases acomodatícias, e mais tarde andando com eles e recebendo seus aplausos. Evitai esta conduta, veneráveis cooperadores nossos[...]. 

É um erro, e erro funesto à Igreja e às almas, transigir com os inimigos de Jesus Cristo e ter uma postura branda e complacente com eles. A covardia velada de prudência e moderação fez mais estragos na Igreja de Deus que os gritos e golpes furiosos da impiedade [...]. 

Que bem se conseguiu com as branduras e flertes com os inimigos de Jesus Cristo? Que males se evitou? Não se consegue outra coisa com essa conduta que afiançar o poder dos maus acalmando — oh dor! — o santo ódio que se deve ter à heresia e ao erro, acostumando os fiéis a ver essas situações de perseguição religiosa com indiferença". 
(Cartas Pastorales, Circulares otros escritos de Ilmo. y Revmo. Sr. D. Fray Ezequiel Moreno Diaz, obispo de Pasto, Madrid, Imprenta de La Hija de Gomez Fuentenebra, 1908, pp.243 -244). 
• Fonte: Revista Catolicismo, Nº 422, Fevereiro/1986.

14 de agosto de 2023

Considerando as almas que viram Nossa Senhora subir ao Céu, veremos um reflexo d’Ela

  Plinio Corrêa de Oliveira 


Morte e Assunção da Virgem (Relicário-Tabernáculo)
Fra Angélico (1395-1455).
Isabella Stewart Gardner Museum, Boston.
V
endo a Assunção da Santíssima Virgem aos Céus, certamente os Apóstolos ficaram sem saber o que dizer; sentiram-se impregnados pelas graças d’Ela, tal como o papel embebido com azeite perfumado.

Eles certamente viram figuras angélicas cantando, que rodeavam Nossa Senhora. Imaginavam que os anjos fossem mais esplendorosos do que Ela, mas viram que Ela havia chegado ao auge de seu esplendor, superando todos os anjos, de modo tão indizível que os próprios anjos eram figuras pálidas se comparados com Ela. 

Encantados, os Apóstolos contemplam a Assunção de Nossa Senhora em corpo e alma aos Céus. Elevando-se, Ela olha com afeto para eles no momento da separação; eles se alegram, choram, se extasiam, se sentem ao mesmo tempo no Céu e na Terra de exílio, enquanto os anjos cantam indizivelmente. 

Em certo momento, Ela desaparece no vértice dos anjos, levada por eles, que revoavam e cantavam. Os Apóstolos fincam juntos e sós; começam a lembrar de cenas passadas com Nossa Senhora e dizem: “Ela estará conosco, e onde está Ela, está Ele”. 

Não ousei descrever Nossa Senhora. Eu A descrevi na reação daqueles que olhavam para Ela, pois não há talento para descrevê-la adequadamente. Considerando as almas que A viram subir ao Céu, veremos um reflexo d’Ela. 
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 15 de agosto de 1980. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

12 de agosto de 2023

O que não é para a glória de Deus é vaidade


A respeito da futilidade da vaidade, ou falsa modéstia, seguem alguns pensamentos que podem nos ajudar em nossas meditações.


“Muitas vezes o homem se vangloria com muita vaidade do próprio desprezo pela vanglória”. 
(Santo Agostinho) 

“Há pessoas que desejam saber só por saber, e isso é curiosidade; outras, para alcançarem fama, e isso é vaidade; outras, para enriquecerem com a sua ciência, e isso é um negócio torpe: outras, para serem edificadas, e isso é prudência; outras, para edificarem os outros, e isso é caridade”. 
(São Tomás de Aquino) 

“Nos gozos e gostos recorre logo a Deus com temor e verdade, e não serás enganado nem envolvido em vaidade”. 
(São João da Cruz) 

“A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto, e que mais facilmente engana os homens”. 
(Pe. Vieira) 

“A falsa modéstia é o último requinte da vaidade.” 
(Jean de la Bruyere) 

“A modéstia doura os talentos, a vaidade os deslustra”. 
(Marquês de Maricá)

7 de agosto de 2023

CARDEAL MERRY DEL VAL


Leia também: https://www.abim.inf.br/fulgurante-pontificado/

É quase impossível falar de São Pio X sem mencionar, ainda que de passagem, seu Secretário de Estado, o Cardeal Merry del Val (1865-1930), seu confidente e braço direito em todas as polêmicas, sobretudo aquelas relativas ao Movimento Modernista.

De família nobre anglo-espanhola, seu nome completo era Rafael María José Pedro Francisco de Borja Domingo Gerardo de la Santíssima Trinidad Merry del Val y Zulueta. Recebeu a púrpura cardinalícia com apenas 38 anos de idade e foi um modelo de sacralidade e alta compostura eclesiástica. A pedido do Papa Pio XII, em 1953 foi aberto o processo para a sua canonização. Atualmente ele tem o título de Servo de Deus. 

A respeito desse brilhante Cardeal, transcrevemos a seguir a tradução de um documento inédito [fac-símile abaixo] cujo original encontra-se no Arquivo Apostólico Vaticano, com depoimento de Plinio Corrêa de Oliveira entregue no Vaticano quando de sua visita a Roma em 1952. 



Cireneu de Pio X 

A distância do tempo, que lentamente coloca cada personalidade em sua verdadeira perspectiva histórica, contribui para tornar cada vez mais conhecida e cada vez melhor compreendida a notável personalidade do Cardeal Merry del Val. Aos olhos de um número crescente de historiadores, homens de pensamento e de ação, o grande Cardeal se faz ver hoje, com a ajuda de uma crítica histórica muito precisa, a personificação da piedade, da sabedoria e da força.
No Brasil, graças aos esforços do grande Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer, aumenta significativamente o número de pessoas que conhecem e veneram a memória do inesquecível Secretário de Estado do Beato Pio X.
Visitando Roma, não foi sem profunda emoção que me dei conta — ajoelhado junto ao túmulo do Cardeal Merry del Val — do movimento de profunda veneração que ele inspira nos visitantes que ali vão, recolhidos e confiantes, pedir a Deus que a auréola que brilha na fronte de Pio X resplandeça também um dia na fronte daquele que com tanta razão foi chamado seu Cireneu.
Roma,16 de julho de 1952
Plinio Corrêa de Oliveira
Prior da Ordem Terceira do Carmo, em São Paulo

2 de agosto de 2023

120º aniversário da elevação de São Pio X à Cátedra de Pedro

Um dos maiores Pontífices de todos os tempos, combateu destemidamente os inimigos internos e externos da Santa Igreja Católica; acolhedor e afável em relação aos bons, foi espada inexorável contra as heresias. 



Fonte: Editorial da e Revista Catolicismo, Nº 872, Agosto/2023

Em sua história vinte vezes secular, houve períodos em que uma “guerra total” foi declarada à Santa Igreja Católica, não por seus adversários externos, mas por inimigos internos. Precedendo ou seguindo as pegadas de Lutero, ora eles alegavam que a Igreja precisava rever sua doutrina, ora que necessitava se “modernizar”, abrir suas portas às novidades mundanas. 

Um dos períodos mais cruciais transcorreu durante o Pontificado de São Pio X (1903-1914). Ele combateu rijamente os sectários do Modernismo, demonstrando que não era a Igreja que precisava se adaptar ao mundo — o que seria uma capitulação —, mas que era o mundo que devia adaptar-se à Igreja, pois instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo com seus ensinamentos imutáveis. O Santo Pontífice não transigiu. Pelo contrário, reafirmou a integridade dos ensinamentos para manter todo o mundo católico sempre unido na fidelidade total aos preceitos divinos. 

Conta-se que certa feita perguntaram a um sacerdote adepto do Movimento Modernista — cujo livro havia sido condenado devido à pregação de princípios anticatólicos — se ele renunciaria às suas ideias, ou se sairia da Igreja e deixaria a batina. Cinicamente, ele respondeu: “Comprarei uma nova batina”. 

Mais astutos que Lutero, os Modernistas não saíam da Igreja, mas permaneciam nos ambientes eclesiásticos, inclusive ocupando altos cargos, para transformá-la por dentro. Nessa “guerra total”, eram piores do que os inimigos externos, pois abriam as portas da Igreja às fétidas influências do mundo. 

Em sentido oposto, visando influenciar o mundo com o bom odor da Santa Igreja, o intenso combate de São Pio X ao Movimento Modernista foi um dos grandes lances de sua vida. Qual Anjo empunhando a espada de fogo, ele enfrentou destemidamente vários outros combates. 

Essa constitui a principal matéria e o tema escolhido para a capa da revista Catolicismo [foto acima] deste mês, quando se completam 120 anos da elevação à Cátedra de Pedro de um dos maiores Papas de todos os tempos. 

Os herdeiros dos erros do Modernismo sobrevivem nos eclesiásticos progressistas, adeptos da “teologia da libertação”. São eles que vão comandar os rumos do próximo Sínodo sobre a sinodalidade

Tendo em vista esse evento vaticano, rezemos a São Pio X para que nos socorra novamente, não permitindo que os hereges e os erros que ele intrepidamente combateu renasçam das cinzas e incendeiem a Santa Igreja. 
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* Para fazer uma assinatura da revista Catolicismo envie um e-mail para: catolicismo@terra.com.br

1 de agosto de 2023

Às vezes é preciso um bebê para despertar em nós a humanidade


✅  John Horvat II 

O personagem principal deste drama era um bebê despretensioso na parte de trás do avião. 

As viagens aéreas hoje podem ser consideradas o triunfo do individualismo. Envolve pessoas em suas próprias bolhas correndo para destinos com pouco contato humano. É o caso de "cada homem contra cada homem" de Hobbes, já que todos os viajantes competem entre si para navegar dentro da multidão solitária. Todos pensam em si mesmos em um clima que pode rapidamente degenerar em egoísmo e indisciplina sempre que obstáculos ameaçam o conforto pessoal e as agendas. 

Assim, com exceção dos companheiros de viagem, a maioria das pessoas bloqueia os outros. As viagens aéreas tornaram-se uma experiência antissocial estéril. Apesar de inúmeras ocasiões para interações e proximidade com outros viajantes, a maioria das viagens são chatas e sem intercorrências. 

Essa auto-absorção interna transforma aeroportos e aviões em lugares sensíveis, onde atrasos podem causar explosões. A menor perturbação pode dar origem a incidentes desagradáveis que aumentam o stress das viagens aéreas. 

Raros momentos de alívio 

No entanto, algo extraordinário ocasionalmente quebra o isolamento, e as pessoas saem de seus mundos e se comunicam com os outros. Momentos tão raros dão um vislumbre de como as pessoas podem ser interessantes. 

O incidente particular aqui relatado não é extraordinário. Envolveu um processo de embarque normal com sua corrida louca para garantir assentos e espaço no compartimento superior. Cada pessoa foi absorvida em encontrar uma bolha dentro da seção econômica lotada do avião. 

Durante esse processo rotineiro, aconteceu algo humano que tirou todos de sua auto-preocupação. 

Uma situação desesperadora 

O personagem principal deste drama era um bebê despretensioso na parte de trás do avião. Durante dez minutos durante o processo de embarque, o pobre bebê aterrorizado não conseguia parar de chorar a plenos pulmões, apesar das tentativas desesperadas da mãe de acalmá-lo. 

Quando chegou a hora de fechar a porta da cabine, a comissária de bordo responsável ficou preocupada. Ela tinha visto situações como essa degenerarem em incidentes indisciplinados com passageiros barulhentos e reclamantes. Ela teve que fazer uma ligação rapidamente. Se o choro não parasse, mãe e filho teriam que deixar a aeronave. 

Ela discutiu essa opção abertamente com outra comissária de bordo. Ela tentou convencê-la de que talvez o bebê acabasse parando e pediu um tempo para tentar acalmá-lo. Seus esforços maternos fracassaram miseravelmente; O bebê só chorava mais alto. 

Enquanto as duas comissárias de bordo discutiam o assunto, os que estavam na frente da seção ouviram o dramático debate se desenrolar. Os passageiros ficaram em silêncio no isolamento, imaginando o que aconteceria. No entanto, ninguém ousou intervir. Enquanto isso, a tensão aumentava dentro da cabine. 

Um resgate improvável 

Parecia praticamente certo que mãe e filho seriam expulsos à medida que os minutos passassem quando algo inesperado aconteceu. 

Cerca de uma dúzia de fileiras da frente, uma voz soou. 

"Dê um tempo para o pobre bebê! Podemos aguentar! Não tem problema."

Aquela primeira voz solitária desencadeou um coro de apoio de todo o avião. A cabine explodiu em gritos para deixar o bebê ficar. Todos se ofereceram para aguentar o choro. Havia uma certa alegria em suas ofertas de sacrifício. 

"Podemos aguentar, não expulsá-los", disse um. "Se há quem esteja atrás com problemas, que venha para frente onde há lugares vazios." A humanidade triunfa 

Até a pessoa mais introvertida parecia acordar e se envolver na missão de resgate. Pais experientes começaram a sugerir maneiras de acalmar a criança. Alguns até sugeriram cantar algo. Durante cinco minutos, o avião ficou agitado de interação. Ficou interessante. 

A manifestação de apoio à criança pequena acabou com todos os vacilos. A comissária de bordo percebeu que tinha o apoio dos passageiros. Se alguém causasse um incidente, o viajante indisciplinado, não o bebê, seria alvo de hostilidade. 

A porta da cabine foi fechada e o avião avançou para longe do terminal. Quando a aeronave se posicionou na pista, o bebê parou de chorar. A paz voltou à cabine, e todos voltaram ao isolamento de suas bolhas. A humanidade havia triunfado sobre as rígidas regras mecânicas. 

Interesse próprio destrói soluções humanas 

Há uma lição em tudo isso. O desaparecimento do elemento humano nas interações cotidianas e estruturas familiares estáveis torna a vida estéril. Tudo é projetado para minimizar o contato humano e prender as pessoas em processos mecânicos. Ninguém está disposto ao sacrifício. 

A mania do autoatendimento garante que as pessoas permaneçam em suas bolhas auto-impostas. Esse isolamento cria uma mentalidade que tende a desconsiderar e ressentir qualquer um que interfira na vida egoísta. Não permite que o elemento humano atue. 

De fato, pelo menos metade daqueles que mostraram tanta compaixão pelo pobre bebê e sua mãe no avião provavelmente eram favoráveis ao aborto provocado. Eles compartilhariam a opinião de que bebês indesejados teoricamente representam uma intrusão na vida e na carreira de alguém e, portanto, deveriam ser apagados da existência. Quando apresentado em termos tão vagos e teóricos, o interesse próprio governa tudo, e as soluções humanas são deixadas de lado. 

Infelizmente, às vezes é preciso o choro de um bebê para despertar sentimentos de humanidade em corações tão endurecidos e insensíveis.