5 de fevereiro de 2016

A Itália do Family Day


Roberto de Mattei (*) 

O Family Day de 30 de janeiro trouxe à luz a existência de outra Itália, bem diversa daquela relativista e imoral apresentada pela mídia como a única real. 

A Itália do Family Day é aquele conjunto de pessoas, mais amplo do que habitualmente se imagina, que permaneceu fiel (ou retornou nos últimos anos) àquilo que Bento XVI definiu como “valores não negociáveis” — a vida, a família, a educação dos filhos —, na convicção de que somente sobre esses pilares é possível fundar uma sociedade bem ordenada. 

A Itália do Family Day é contrária ao projeto de lei apresentado pela senadora Monica Cirinnà para introduzir o casamento e a adoção homossexual em nosso País. 


A Itália do Family Day não é só uma Itália que defende a instituição familiar, mas antes uma Itália que se arregimenta contra os inimigos da família, a começar pelo grupo de relativistas que, por trás do pano da lei Cirinnà, quer impor ao País uma ideologia e uma prática pansexualista. Esta minoria é apoiada pela União Europeia, pelo lobby marxista-iluminista e pela maçonaria de vários níveis e graus, mas goza infelizmente da simpatia e da benevolência de uma parte dos bispos e dos movimentos católicos. 

Nesse sentido, a Itália do Family Day não é a de Dom Nunzio Galantino, secretário da Conferência Episcopal Italiana (CEI), nem a de associações como Comunhão e Libertação, Agesci, Focolari, Renovação Carismática, que em 30 de janeiro desertaram do Circo Máximo [local da concentração, em Roma]. Dom Galantino procurou por todos os meios evitar a manifestação, e posteriormente, na impossibilidade de impedi-la, quis impor-lhe outro objetivo, como observa Riccardo Cascioli em “La Nuova Bussola quotidiana” de 1º de fevereiro: “chegar a uma lei sobre as uniões civis que mantenha a diferença com a família fundada no casamento entre homem e mulher e que evite as adoções. Em outras palavras, a CEI quer o DICO contra o qual ela mesma combateu há oito anos”

O primeiro Family Day foi de fato promovido pelos bispos italianos em 2007, contra a legalização das uniões civis (DICO, acrônimo de “direitos dos conviventes”), justamente apresentada pela CEI como uma porta aberta ao pseudo-casamento homossexual. Hoje ela nos conta que é preciso aceitar as uniões civis a fim de evitar o referido “casamento”. 

Pleteia-o, entre outros, em uma entrevista, Dom Marcello Semeraro, bispo de Albano: “Em princípio, não tenho objeção ao fato de que, na esfera pública, se dê consistência jurídica a essas uniões. Parece-me que a oposição refere-se ao aspecto da filiação, das adoções, não ao reconhecimento público das uniões. O importante é que não sejam assimiladas à realidade do casamento.” E, para que não restem dúvidas, acrescenta: “Não há nenhum problema em se fazer uma lei sobre uniões civis” (“Corriere della Sera”, 31-1-16). A posição é clara: não à adoção de crianças pelos homossexuais, sim à legalização das uniões homossexuais, desde que não sejam formalmente definidas como casamento. Se fossem removidos do projeto de lei Cirinnà alguns elementos que equiparam em tudo as uniões civis homossexuais ao casamento, então um católico poderia aceitá-lo. 

Dom Semeraro é considerado, como Dom Galantino, um confidente do Papa Francisco. Portanto, a pergunta surge naturalmente: qual é a posição do Papa sobre o assunto? 

No “Libero” de 31 de janeiro, Antonio Socci observa que foi “evidentíssima a ausência e palpável a frieza” do Papa Francisco, que nem sequer enviou uma saudação ao Family Day, nem o mencionou no discurso da audiência da manhã de sábado nem no Ângelus do dia seguinte. Como julgar esse silêncio, quando o Governo e o Parlamento italiano estão se preparando para infligir uma ferida moral na Itália? 

Tanto mais quanto a Congregação para a Doutrina da Fé já declarou três décadas atrás que a homossexualidade não pode reivindicar qualquer reconhecimento jurídico, porque aquilo que é mau aos olhos de Deus não deve ser admitido oficialmente como justo (Carta sobre a assistência pastoral das pessoas homossexuais, 1º de outubro de 1986, nº 17). 

A Itália do Family Day talvez ignore este documento, que o
Papa não pode ignorar. Mas tendo como arma apenas o bom senso, ela proclamou no dia 30 de janeiro o seu não claro e límpido não apenas à chamada stepchild adoption [adoção de enteado, ou seja, de um filho ou filha do parceiro ou da parceira homossexual], mas a todo o projeto Cirinnà. Quanto ao posicionamento da multidão que abarrotava o Circo Máximo, ele pôde ser conferido pela força dos aplausos que acompanharam os discursos mais fortes de alguns oradores italianos e estrangeiros, como Seljka Marrkic, líder da Iniciativa cívica que promoveu na Croácia o referendo que rejeitou a união civil e, três meses depois, derrubou o presidente do Conselho de ministros. 

Devemos reconhecer com serena objetividade que a Marcha pela Vida — que vem ocorrendo na Itália desde 2011 — quebrou o gelo ao desfazer um mito que pesava sobre o mundo pró-vida italiano: a ideia de que era impossível, ou pelo menos contraproducente, fazer uma grande manifestação pública em defesa da vida. 

Nas pegadas da March for Life dos EUA, mas também da grande Manif pour tous da França, nasceu o Family Day, desejoso de aglomerar uma massa tão grande quanto possível, reunindo diferentes correntes. Intransigentes algumas, outras abertas ao compromisso. A razão do seu sucesso em termos de quantidade é também a razão de sua fraqueza em termos de substância e metas. A batalha em curso não é de fato política, mas cultural, que não se ganha tanto pela mobilização das massas quanto pela força das ideias que se contrapõem ao adversário. 

Trata-se de uma batalha entre duas visões do mundo, ambas fundadas em alguns princípios fundamentais. Se admitirmos a existência de uma Verdade absoluta e de um Bem absoluto que é Deus, nenhuma concessão é possível. A defesa da verdade deve ser levada até o martírio. 

A palavra mártir significa testemunho da verdade, e hoje, ao lado do martírio cruento dos cristãos, que recomeçou em muitas partes do mundo, há um martírio sem derramamento de sangue, mas não menos terrível, infligido pelas armas midiáticas, jurídicas e psicológicas, com a intenção de ridicularizar, fazer calar, e, se possível, aprisionar os defensores da ordem natural e cristã. 

Por isto esperamos que o “Comitê de defesa dos nossos filhos”, promotor do Dia da Família, continue a denunciar as iniquidades da lei Cirinnà, mesmo se esta vier infelizmente a ser aprovada e ainda que sob uma fórmula edulcorada. 

A Manif pour tous francesa levou pela primeira vez quase um milhão de pessoas às ruas em 13 de janeiro de 2013, poucas semanas antes do debate no Parlamento da lei Taubira. Mas continuou a se manifestar, com força ainda maior, mesmo após a aprovação do pseudo-casamento homossexual, provocando um movimento que abriu caminho a muitos outros na Europa. Dias atrás, Christiane Taubira, de quem a celerada lei francesa toma o nome, saiu de cena, demitindo-se de suas funções de ministro da Justiça. 

Portanto, esperamos que se realizem novas manifestações na Itália, conduzidas com força e determinação, ainda que o número de participantes devesse ser menor, pois o que importa não é a magnitude do número, mas a força da mensagem. 

Não utilizamos a expressão Family Day para nos referirmos aos organizadores daquele evento, mas para identificar uma multidão que vai muito além daquela fisicamente reunida no Circo Máximo em 30 de janeiro. Esta Itália não está resignada, quer lutar e precisa de um guia. Os guias devem ser autênticos, nas suas intenções, ideias, linguagem e comportamento. E a Itália do Family Day está pronta para denunciar os falsos guias com a mesma força com a qual continuará a combater os verdadeiros inimigos.
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(*) Fonte: “Corrispondenza Romana”, 3-2-2016. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.

Um comentário:

NEREU AUGUSTO TADEU DE GANTER PEPLOW disse...

maravilha... fico emocionado com reações dessa linha.... a derrota do Mal está próxima...