23 de junho de 2019

As cruzes e a felicidade


“Beau-Dieu” na fachada central da catedral
de Nossa Senhora de Amiens, França
Guilherme Félix de Sousa Martins

“Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto no seu amor. Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 9-11).

Com essas consoladoras palavras aos Apóstolos, nosso Divino Redentor, na véspera de sua Paixão, nos mostra o quanto deseja a nossa felicidade; e para torná-la possível, Ele morreu na cruz por nós. Não nos prometeu, evidentemente, a felicidade que o mundo promete. Nossas amargas experiências cotidianas provam com abundância que o mundo não cumpre suas falaciosas promessas, portanto não precisaríamos de comprovação científica para ter esta certeza.

A novidade, no entanto, é que instituições universitárias de renome começam a oferecer cursos especiais dedicados a ensinar aos universitários como conseguir a felicidade.1 Já se pode desde logo prever o insucesso dessa empreitada, pois a “alegria completa” mencionada no Evangelho de São João apresenta esta condição: “se guardardes os meus mandamentos”. E o que se conhece sobre a generalidade desses profissionais do ensino universitário leva-nos a prever que tal condição será sistematicamente ignorada, quando não ridiculizada.

Com efeito, as regras que Deus nos impõe, sob a forma de Mandamentos, são garantias para atingirmos o grau de felicidade possível nesta Terra. São como o corrimão de uma escada: servem de apoio no caminho ascendente para o Céu, e ao mesmo tempo preservam-nos das quedas a que estamos sujeitos pela fraqueza e concupiscência. Se a obediência a essas regras exige sacrifício — portanto, certo sofrimento —, maior sofrimento traz a desobediência a elas. 

O divórcio arruína a família


“Não me casei contigo porque te quisesse,
casei-me contigo para querer-te”.
Palavras do Chanceler alemão Otto von Bismarck
em resposta a uma carta de sua esposa
Johanna (ambos no quadro).
Um exemplo frisante nos foi oferecido em 12 de agosto último pelo insuspeito diário madrileno “El País”, versão on-line,2 com o título A economia do desamor. O autor analisa, a partir de dados estatísticos da Europa e dos Estados Unidos, as consequências do divórcio na vida financeira dos cônjuges. O cabeçalho já contém um significativo resumo: “Romper o vínculo familiar supõe, para as classes médias, uma viagem rumo ao empobrecimento”. Se bem que os aspectos econômicos não sejam os mais importantes no matrimônio e no divórcio, não se pode negar-lhes a importância. Afinal, a propriedade é o esteio da família; e a comunhão de bens, associada ao caráter indissolúvel do matrimônio como Nosso Salvador o instituiu, visa exatamente garantir a estabilidade da célula mater da sociedade.

A busca da felicidade fora das sendas iluminadas pelo amor de Deus não poderia conduzir a precipício maior que o divórcio. Do ponto de vista estritamente econômico, o divórcio “é um pedágio caro, pois quem passa por essa experiência perde, em média, 77% de seu patrimônio”. O autor o compara ao fenômeno astronômico do buraco negro: “O divórcio atrai e arruína o patrimônio com a mesma determinação com que essa geografia do espaço encarcera a luz e a matéria”.

Após uma análise toda ela voltada para as estatísticas — preocupada com os números, mas esquecida dos aspectos principais do matrimônio — o leitor é surpreendido por uma insólita conclusão: “Longe da geografia dos números, o estado ideal de todo casal […] é conviver como consta em uma carta que há mais de cem anos Otto von Bismarck escreveu a sua mulher. Naqueles dias, [as cartas] demoravam a chegar, ou não chegavam nunca. ‘Tenho medo de que te esqueças de mim’, anotou sua esposa. O chanceler alemão respondeu: ‘Não me casei contigo porque te quisesse, casei-me contigo para querer-te’. Oxalá a vida de casal transcorresse sempre como neste tempo do verbo”.

Ao que tudo indica, Bismarck compreendeu melhor que os liberais modernos o modo de encontrar a felicidade no matrimônio. No fundo, sua resposta — “casei-me contigo para querer-te” — pressupunha a determinação de vencer os obstáculos que ele desde o início divisara. Em linguagem católica, esses obstáculos chamam-se “cruzes”. São os sacrifícios que a obediência aos mandamentos supõe — aos casados, não menos que aos solteiros — sobretudo em um mundo paganizado, que rejeitou o jugo suave de Nosso Senhor.

Para atingir a “alegria perfeita”, a fórmula é clara: “perseverar no amor de Deus, guardando seus mandamentos”. Obviamente, com a assistência benfazeja da graça divina, inesgotável para aqueles que a procuram.
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Notas:
 Fonte: Revista Catolicismo, Nº 814, Outubro/2018

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