6 de novembro de 2023

OCIDENTE EM GUERRA

 


✅  Roberto de Mattei 

“Allah Akbar!” – “Alá é grande!” Este grito ressoou em todo o mundo por meio de vídeos documentando a violência de terroristas islâmicos contra mulheres, crianças, jovens de todas as nacionalidades, massacrados ou raptados [fotos abaixo] no dia 7 de outubro de 2023, enquanto uma avalanche de mísseis atingia Israel. A mesma invocação “Allah Akbar!” ressoou nos dias seguintes nas praças árabes e nas redes sociais ocidentais pró-islâmicas, para celebrar a agressão do Hamas contra Israel. Pouco importa que isto tenha ocorrido em território israelita e não em território europeu. O importante é que uma nova guerra foi declarada. 

O ataque ocorreu no alvorecer de um dia simbólico para o Ocidente — o aniversário da vitória de Lepanto em 7 de outubro de 1571 —, tal como o ataque às Torres Gémeas em 11 de setembro coincidiu com o aniversário da libertação de Viena dos turcos, ocorrida entre 11 e 12 de setembro de 1683. Dois acontecimentos emblemáticos que para o Islã devem ser vingados mediante a Jihad ou “guerra santa”, a doutrina que obriga cada muçulmano a estender ao mundo a sharia, lei religiosa e política de Alá. 

O Islã não é uma religião monolítica, mas todas as tendências dentro dele concordam com a necessidade de lutar contra o Ocidente corrupto. Nesta luta o Islã não distingue entre cristãos e judeus. A Declaração da Frente Islâmica Mundial para a jihad contra Judeus e Cruzados data de 23 de fevereiro de 1998, inspirada e assinada por Osama Bin Laden e Ayman al-Zawahiri. O primeiro objetivo da Frente Islâmica, tal como do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), é a reconquista de Jerusalém, cidade de onde o profeta Maomé fugiu num carro de fogo e onde se ergue a Mesquita de Al-Aqsa, construída sobre as ruínas do Templo. O segundo objetivo é a conquista de Roma, também definida como a “Maçã Vermelha” (Kizil-Elma), em analogia ao globo de ouro que encimava a estátua do imperador Constantino na capital bizantina. Depois de Constantinopla, Roma tornou-se a “Maçã Vermelha”, ou seja, o destino do triunfo do Islã sobre o Cristianismo. 

A estratégia de expansão do Islã envolve a invasão migratória da Europa e a destruição do Estado de Israel. Nos dias do ataque a Israel, nasceu em Paris a “Aliança das Mesquitas”, a nova associação de muçulmanos de toda a Europa, inspirada na ala da Irmandade Muçulmana, que teoriza a “soft-jihad”, a jihad de islamização “suave” da Europa. O ataque do Hamas em 7 de outubro é antes uma expressão sensacional da “jihad dura”, que passa pelo terrorismo e pela guerra. Por trás da primeira linha estratégica está a Turquia, que controla os fluxos migratórios na Europa e que durante anos tentou aderir à União Europeia para miná-la. Atrás da segunda linha está o Irã, por meio dos seus agentes Hamas e Hezbollah, que sitiam o Estado de Israel ao sul e ao norte. 

No dia 5 de outubro, na Universidade Luiss de Roma foi apresentado um relatório, elaborado pela Fundação Med-Or, sobre o tema: Inimigo Silencioso. Presença e evolução da ameaça jihadista no Mediterrâneo mais amplo. O relatório descreve detalhadamente o desenvolvimento do fenômeno jihadista, operando em muitas áreas do Mediterrâneo mais amplo, com particular atenção para a África, principal área de incubação desse fenômeno. O conflito ucraniano monopolizou a atenção internacional, mas o jihadismo, alerta o relatório, faz parte de uma ampla operação para desestabilizar o Ocidente, num contexto geopolítico em que o Islã não é o único ator. 

Em 5 de outubro, na XX assembleia do think tank russo Valdaj Club, Vladimir Putin fez um discurso sobre A multipolaridade justa. Ele falou da existência de uma “guerra de civilizações em curso” e apelou para os laços que a Rússia mantém com o mundo árabe, a China e a Índia para combater o papel hegemônico do Ocidente. Por outro lado, o conflito russo-ucraniano revelou a existência de uma frente interna na Europa e nos Estados Unidos, que olha com simpatia para Putin e critica o apoio ocidental à Ucrânia. A ideia de “inimigos do Ocidente” parece estar se evaporando na consciência de parte da opinião pública europeia. Esta atitude de benevolência para com os agressores é um dos fatores psicológicos que explicam a debacle do sistema de inteligência israelita, considerado o mais eficiente do mundo, mas que se revelou incapaz de prever o ataque de 7 de outubro, também por se ter iludido sobre a possibilidade de diálogo entre Israel e o Hamas. 

Mesquita de Al-Aqsa, construída sobre as ruínas do Templo, em Jerusalém

Entrementes aproxima-se a abertura de uma terceira frente de guerra, a de Taiwan, que a China se prepara para invadir. Não será fácil aos Estados Unidos apoiar simultaneamente seus aliados em múltiplos campos de batalha, na Europa Oriental, no Médio Oriente e no Extremo Oriente. Isto acontece um ano depois das eleições americanas, em que se anuncia a luta entre dois candidatos, Joe Biden e Donald Trump, desgastados e mutilados por vários motivos, enquanto nas eleições europeias se perfila a vitória de um “terceiro partido”, na linha do novo presidente eslovaco, Robert Fico, e da possível presidente francesa, Marine Le Pen, determinados a aprofundar o fosso entre a Europa e os Estados Unidos. 


É com a fraqueza do Ocidente que seus inimigos contam, especialmente depois do vergonhoso abandono do Afeganistão em 2021, que marcou uma dura derrota moral para os Estados Unidos e a Europa. Essa fraqueza, antes de ser política, é moral e tem sua raiz na perda de identidade do Ocidente. 

Um sintoma tragicamente eloquente desta confusão é-nos oferecido pela situação em que a Igreja Católica se encontra hoje. Na meditação proferida no dia 1º de outubro aos participantes da assembleia geral do Sínodo dos Bispos, o Padre Timothy Radcliffe, ex-mestre geral dos Dominicanos, começou afirmando: “Quando o Santo Padre me pediu para pregar este retiro, senti-me muito honrado, mas também nervoso. Tenho plena consciência das minhas limitações pessoais. Sou velho – branco – ocidental – e homem! Não sei o que é pior! Todos esses aspectos da minha identidade limitam minha compreensão. Peço, portanto, perdão pela inadequação de minhas palavras.” 

A rejeição da identidade de branco, de ocidental, de homem — e por que não também de padre? — revela o abismo em que caem os líderes da Igreja, confrontados com um ataque muito pior que o das invasões bárbaras dos séculos V e VI. Com efeito, então a Igreja, guiada pelos grandes pontífices, não abandonou o seu lugar, mas hoje renuncia ao cumprimento da sua missão. 

Existe uma profunda diferença teológica entre católicos e judeus, que na sua negação da Santíssima Trindade são mais parecidos com o Islã do que com a Igreja de Roma, mas o que resta da Europa cristã luta contra o mesmo inimigo que Israel. Da mesma forma, a Rússia quer recolher o legado de Constantinopla, enquanto o Islã é o herdeiro dos turcos que o destruíram, mas hoje têm um inimigo comum. Este inimigo é o Ocidente, alvo econômico, político e militar da China comunista, que se autoproclama herdeira dos erros de Marx e Lenine, espalhados pela Rússia pelo mundo.

A confusão é dramática e a guerra, tal como as catástrofes naturais, parece comprimir a Europa num círculo inexorável. É uma “guerra do caos” da qual não se pode escapar, escreve Vittorio Macioce no Il Giornale de 9 de outubro: “É um destino que nos persegue de casa em casa e toca a Europa e a Itália”. A Itália é o coração do mundo, porque acolhe a sede da Cátedra de Pedro, que é o único fundamento de um possível renascimento da civilização cristã. E é preciso lembrar que tudo é possível com Deus, quando tudo parece perdido. Devemos acreditar nisso com profunda confiança na Providência Divina, numa das horas mais sombrias da História. 
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Fonte: Corrispondenza romana, 11-10-2023. Tradução Hélio Viana.

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