12 de setembro de 2024

DO FUNDO ABENÇOADO DO BAÚ


  Paulo Roberto Campos 


Procurando uma foto “do fundo do baú”, encontrei por acaso um recorte antigo de jornal que merece ser reproduzido. 

Trata-se do costume, então em vigor, de na maioria das famílias se pedir a bênção aos pais e avós — e até mesmo a outros parentes, como tios e padrinhos —, inclusive de lhes beijar respeitosamente as mãos no momento do pedido. De modo geral isso era feito no momento de os filhos irem dormir, ao acordarem, ao saírem para o colégio e outras atividades distantes do lar. 

 A bênção do avô
– Adolph Tidemand (1875).
 Museu de Arte de Bergen, Noruega.
Sinal de que os filhos consideravam os pais como canais para receberem as graças de Deus. E os pais também tinham essa noção de que Deus estava abençoando os filhos por meio deles. 

De modo popular, nas regiões rurais simplificava-se com “a bença pai”, “a bença mãe”; ou simplesmente, “abença”. Quando longe do lar por razões de estudos, em cartas depois de escreverem o nome do local e a data, vinha “meus pais, abençoem-me”. Em muitas famílias, os pais respondiam: “Deus e Nossa Senhora te abençoem!” Abençoar deriva do latim “bene-dicere” (dizer bem, desejar o bem, falar coisas boas). 

Aos nossos primeiros pais, Adão e Eva, “Deus os abençoou” e disse: “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a Terra e submetei-a” (Gênesis 1, 28). Assim, ao recebermos as bênçãos de nossos pais biológicos, estamos rememorando aquela primeira bênção divina aos homens. 

O bom costume da bênção paterna e materna, atualmente bastante esquecido e relegado aos tempos de outrora, merece ser recordado e restaurado. Conheço muitos pais que na infância tinham o hábito de pedir a seus pais que os abençoassem, mas que não transmitiram essa tradição aos filhos. Que tal restabelecê-la hoje mesmo? É tão simples e abençoado! No Deuteronômio ficou recomendado por Deus para todos os tempos: “Honra teu pai e tua mãe, como te mandou o Senhor, para que se prolonguem teus dias e prosperes na terra que te deu o Senhor teu Deus” (5,16). 
A Santíssima Trindade (det.)
– Antonio de Pereda (1611–1678).
 Museum of Fine Arts, Budapest, Hungria


“Abençoarei aqueles que te abençoarem” 

Há na Sagrada Escritura várias passagens com a recomendação da bênção na família. Eis dois exemplos que encontrei: 
“Quem honra sua mãe é semelhante àquele que acumula um tesouro. Quem honra seu pai achará alegria em seus filhos, será ouvido no dia da oração. Quem honra seu pai gozará de vida longa; quem lhe obedece dará consolo à sua mãe. Quem teme ao Senhor honra pai e mãe. Servirá aqueles que lhe deram a vida como a seus senhores. Honra teu pai por teus atos, tuas palavras, tua paciência, a fim de que ele te dê sua bênção, e que esta permaneça em ti até o teu último dia. A bênção paterna fortalece a casa de seus filhos, a maldição de uma mãe a arrasa até os alicerces” (Eclesiástico 3, 5-11). 

Nesta última frase, podemos por antonímia ter a profunda noção do valor da bênção ao considerarmos a ruína que pode causar o contrário, ou seja, a maldição (male-dicere). Se esta pode desgraçar, prejudicar e arrasar; a bênção só pode agraciar, favorecer e elevar.

No capítulo 12 do Gênesis, sobre a promessa de Deus ao fundador da nação hebraica, o Patriarca Abraão, encontramos estes versículos: 
“Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da Terra serão benditas em ti” (12, 2-3).

 Jacó abençoando os filhos de José
– Rembrandt (1656).
 Gemäldegalerie Alte Meister, Dresden, Alemanha.


“Põe teu olhar sobre essa menina” 

Enquanto procurava a citação acima, deparei-me com o “Protoevangelho de São Tiago” — um evangelho apócrifo, mas autorizado pela Igreja. No capítulo relativo ao Nascimento da Virgem Maria, encontrei um belo trecho no qual se diz que ao completar um ano de vida, seu pai 
“Joaquim deu uma grande festa, convidando os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. E Joaquim apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram com estas palavras: ‘Ó Deus de nossos pais, abençoa essa menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações’. E todo o povo respondeu: ‘Assim seja. Amém’. Joaquim também a apresentou aos príncipes dos sacerdotes e esses a abençoaram: ‘Ó Deus altíssimo, põe teu olhar sobre essa menina e outorga-lhe a maior bênção’”.*
Com essas breves noções sobre bênçãos, reproduzo aqui, como prometido no início, o recorte do “fundo do baú”. 


BÊNÇÃO DOS PAIS  

“Bênção, Pai”… “Bênção, Mãe”…, e em tempos já distantes, pegando a mão do pai e da mãe, a beijávamos, enquanto ouvia-se um “Deus te abençoe”. 

Não se usa mais. 

Mas que falta que faz! 

Abençoar alguém significa desejar coisas tão boas que só podem vir de Deus. A bênção materna e paterna deve ser dada de forma mais especial: 

“Filho, Deus te abençoe”. “Deus te acompanhe”, “Deus te proteja”. Estas expressões têm poder, porque constituem um sinal muito forte da proteção divina. 

Não se usa mais. 

Mas que falta que faz! 

A mão que abençoa representa a bênção, o apoio, o carinho dos pais para com o filho. A bênção é uma ação divina que dá vida e da qual Deus é a fonte. 

Não se usa mais. 

Mas que falta que faz! 

À noite, assentar na calçada, crianças e adultos conversar, contar causos…

Filhos cediam o lugar aos mais velhos, com todo respeito. 

Mães trocavam receitas de remédios caseiros. 

As famílias se visitavam, frequentavam a igreja… Nas refeições todos se assentavam à mesa. E outras coisas mais… 

Não se usa mais. 

Mas que falta que faz! 

Nós somos fracos, somos carentes, e quando estamos em situação difícil, precisamos da bênção de Deus como se fosse um abraço, um colo, um carinho… 

Quanta falta nos faz! 

Ditinha Schanoski 
Cadeira nº 19 — Patrono Dr. Benedito Motta Navarro 


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Nota: * Evangelhos Apócrifos, Tradução de Urbano Zilles, Coleção Teologia – 17, 3ª edição, EdiPUCRS, Porto Alegre, 2004, pag. 29.

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