14 de agosto de 2025

NOSSA SENHORA ASSUNTA AOS CÉUS PRIVILÉGIO ÚNICO NA HISTÓRIA

Assunção de Nossa Senhora – Ambrogio di Stefano da Fossano (1470–1524). The Metropolitan Museum of Art de Nova York


“Com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos S. Pedro e S. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio XII).

  Paulo Roberto Campos

 

Neste mês celebramos uma das mais sublimes festividades marianas da Igreja: a gloriosa Assunção da Santíssima Virgem aos Céus. Sempre festejada no dia 15 de agosto, neste ano acentua-se-lhe um fator muito especial, que merece destaque, pois completam-se 75 anos da solene proclamação e definição do Dogma da Assunção.

Trata-se da celebração litúrgica mais remota em homenagem a Nossa Senhora, que ocorre desde o século IV. São Gregório de Tours (séc. VI), no Ocidente, foi o primeiro a falar da Assunção d´Ela em corpo e alma aos Céus. No século seguinte, o Papa Sérgio I estabeleceu uma procissão noturna em honra da Assunção. Na França, a procissão do dia 15 de agosto recorda a consagração do país à Santa Mãe de Deus, proferida pelo rei Luís XIII, em 1638. E somente no século XX raiou o tão esperado bendito dia da proclamação do dogma.

 Papa Pio XII

A proclamação de um dogma, uma verdade de fé incontestável, constitui um ato tão sério, tão meticulosamente estudado e tão raro, que este, de 75 anos atrás, é o mais recente na história do Supremo Magistério da Igreja.

O termo Dogma é assim definido pelo Manual de Instrução Religiosa, um clássico da doutrina católica, do Cônego Auguste Boulenger: “É uma verdade revelada por Deus, e proposta pela Igreja, à nossa crença. Infere-se desta definição que duas condições são requeridas para constituir um dogma. É preciso: a) que tal verdade seja revelada por Deus, ou garantida pela autoridade divina; — b) que seja proposta pela Igreja, à nossa crença, quer por sua proclamação solene, quer pelo ensino comum e universal. As verdades que têm estes caracteres são chamadas verdades de fé católica.”1

 

O Papa Pio XII proclama o Dogma da Assunção de Nossa Senhora no dia 1º de novembro de 1950.

À semelhança de Jesus, a glorificação do corpo virginal da Mãe Santíssima

Baseado em intensos estudos exegéticos, históricos e teológicos, após consulta ao episcopado do mundo inteiro e contando com o pedido de 2.505 bispos a Pio XII para que proclamasse do Dogma da Assunção, ele, no exercício da infalibilidade papal, atendeu e mandou dar a público a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus (Generoso Deus) no dia 1º de novembro de 1950. Na ocasião desse ato solene, o Pontífice, contou com a presença de mais de 800 mil fiéis!

Com essa Constituição dogmática foi declarado ex cáthedra um privilégio único na História concedido a um ser humano, mas que já estava consignado na tradição da Igreja; já era preconizado pelos Apóstolos e desde os primeiros séculos da Igreja acreditado pelos fiéis, ou seja, o que assinala o documento do Papa Pio XII:

“Convém sobretudo ter em vista que, já a partir do século II, os santos Padres apresentam a Virgem Maria como nova Eva, sujeita sim, mas intimamente unida ao novo Adão [Jesus Cristo] na luta contra o inimigo infernal. E essa luta, como já se indicava no Protoevangelho, acabaria com a vitória completa sobre o pecado e sobre a morte, que sempre se encontram unidas nos escritos do apóstolo das gentes (cf. Rm 5; 6; l Cor 15,21-26; 54-57). Assim como a ressurreição gloriosa de Cristo constituiu parte essencial e último troféu desta vitória, assim também a vitória de Maria Santíssima, comum com a do seu Filho, devia terminar pela glorificação do seu corpo virginal. Pois, como diz ainda o apóstolo, ‘quando... este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá o que está escrito: a morte foi absorvida na vitória’” (1Cor 15,14).2

 

“A Mãe de Deus não morreu de doença, por não ter pecado original”

A Dormição da Virgem
Hugo van der Goes (1440 1482).
Museu Groeninge, Bruges, Bélgica.

A Assunção de Nossa Senhora aos Céus transcorreu após uma morte suavíssima — semelhante ao adormecer de um leve sono de uma criança —, qualificada pelos Padres da Igreja, por grandes santos e teólogos como a Dormitio Beatae Mariae Virgine (Dormição da Bem-Aventurada Virgem Maria”).

Alguns autores crêem que Ela não teria morrido propriamente, mas que ocorrera um suave “trânsito” da vida terrena para a vida gloriosa e eterna no Céu. Donde a invocação de Nossa Senhora do Trânsito, celebrada no mesmo dia 15 de agosto. Outros, como o grande São Francisco de Sales, defendem a tese que sim, Ela desejou morrer a fim de assemelhar-se mais ao seu Divino Filho, mas não padeceu as dores próprias à separação da alma do corpo, pois isenta de qualquer falta. Tendo adormecido no sono da morte, Ela foi assunta ao Céu, onde foi de imediato recebida gloriosamente e coroada como Rainha dos anjos e dos homens.3

Mas, tendo morrido, seu imaculado corpo não sofreu a corrupção da sepultura. Que filho, se desejasse e pudesse, não faria isso por sua mãe? Que filho não deseja o melhor para ela? Evidentemente, Nosso Senhor Jesus Cristo desejou isso para sua Santíssima Mãe, e podia, pois detém todos os poderes. Assim, pôde suspender as leis naturais relativas ao corpo humano após a morte d’Aquela que foi concebida sem pecado original, escolhida para ser a obra-prima de toda a Criação. Desse modo, Ela não padeceu a decomposição — própria a todos nós, concebidos com o pecado de nossos primeiros pais —, mas A elevou ao mais alto do Céu em corpo e alma.

A respeito, assim se expressou um Doutor da Igreja — chamado também como “Doctor Assumptionis” (Doutor da Assunção), devido a seus escritos a respeito — São João Damasceno (675-749): “A Mãe de Deus não morreu de doença, porque ela, por não ter pecado original, não tinha porque receber o castigo da doença. Ela não morreu de velhice, porque não tinha por que envelhecer, já que a ela não lhe chegava o castigo do pecado dos primeiros pais: envelhecer e acabar por fraqueza. Ela morreu de amor. Era tanto o desejo de ir para o Céu onde estava o seu Filho, que este amor a fez morrer”.

 

“Para aumento da glória da sua augusta Mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja”

A proclamação do dogma dessa gloriosa Assunção era esperada pelos católicos de todo o mundo há muitos séculos, assim como foi ardentemente desejada pelo povo fiel a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, com a Bula dogmática Ineffabilis Deus.

Proclamações esperadas pelos católicos porque Deus concedeu à Virgem das virgens privilégios, dons muito especiais e a plenitude de graças, o que A elevava muito acima de qualquer outro mortal.

Da magistral Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, a parte certamente mais relevante é o final — e que bem expressa a santidade da Igreja e a beleza do poder das chaves concedido por Nosso Senhor Jesus Cristo a São Pedro e a seus sucessores de “ligar e desligar”4 na Terra — com os itens de 44 a 47:

“Pelo que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus onipotente que à virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos S. Pedro e S. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.

“Pelo que, se alguém, o que Deus não permita, ousar, voluntariamente, negar ou pôr em dúvida esta nossa definição, saiba que naufraga na fé divina e católica.

 “Para que chegue ao conhecimento de toda a Igreja esta nossa definição da assunção corpórea da Virgem Maria ao Céu, queremos que se conservem esta carta para perpétua memória; mandamos também que, aos seus transuntos ou cópias, mesmo impressas, desde que sejam subscritas pela mão de algum notário público, e munidas com o selo de alguma pessoa  constituída em dignidade eclesiástica, se lhes dê o mesmo crédito que à presente, se fosse apresentada e mostrada.

 “A ninguém, pois, seja lícito infringir esta nossa declaração, proclamação e definição, ou temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la. Se alguém presumir intentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

“Dado em Roma, junto de São Pedro, no ano do jubileu maior, de 1950, no dia 1 ° de novembro, festa de todos os santos, no ano XII do nosso pontificado.

Eu PIO, Bispo da Igreja Católica assim definindo, subscrevi”.5

 

Assunção como antecipação da glorificação de Nossa Senhora no Céu

Dormição e Assunção da Virgem
 (detalhe) Fra Angelico (1434). 
Isabella Stewart Gardner
Museum (Boston).

Suplicando à Santa Mãe de Deus para todos a graça do nosso bom trânsito deste “vale de lágrimas” para a glória celestial e o ressurgimento da Santa Igreja da terrível crise progressista que procura abatê-la em nossos dias, encerramos essas considerações com comentário do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (texto abaixo), não sem antes recomendar aos leitores duas coisas: assistir a uma velha filmagem, de 1950, com cenas históricas, na Praça de São Pedro, da solene cerimônia da proclamação do Dogma da Assunção (link abaixo indicado6) e uma atenta leitura do muito evocativo texto do sacerdote francês Thomas de Saint-Laurent, célebre autor de espiritualidade e grande devoto de Nossa Senhora [matéria que postaremos amanhã, 15 de agosto].

“A Assunção representa para a Virgem Santíssima uma verdadeira glorificação aos olhos dos homens e de toda a humanidade até o fim do mundo, bem como proêmio da glorificação que Ela deveria receber no Céu.

“A Igreja triunfante [no Céu] inteira vai recebê-la, com todos os coros de Anjos; Nosso Senhor Jesus Cristo a acolhe; São José assiste à cena; depois Ela é coroada pela Santíssima Trindade. É a glorificação de Nossa Senhora aos olhos de toda a Igreja triunfante e aos olhos de toda a Igreja militante [na Terra].

“Com certeza, nesse dia, a Igreja padecente [no Purgatório] também recebeu uma efusão de graças extraordinárias. E não é temerário pensar que quase todas as almas que estavam no Purgatório foram então libertadas por Nossa Senhora nesse dia, de maneira que ali houve igualmente uma alegria enorme. Assim podemos imaginar como foi a glória de nossa Rainha.

“Algo disso repetir-se-á, creio, quando for instaurado o Reino de Maria, quando virmos o mundo todo transformado e a glória de Nossa Senhora brilhar sobre a Terra”7

__________

Notas:

1. "Manual de Instrução Religiosa" — Doutrina Católica, por Boulenger, Curso Superior, Coleção FTD, Livraria Francisco Alves Paulo de Azevedo & Cia. (1927). Primeira Parte, p. 18.

2. Munificentissimus Deus, § 39. https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html  (acessado em 12 de julho de 2025).

3. Cfr. Obras Selectas de San Francisco de Sales, I, preparadas sobre la edición típica de las “Obras Completas de Annecy”, por el P. Francisco de la Hoz, S.D.B., de la real Academia Sevillana de Buenas Letras, Asuncion de la Santissima Virgen, pp. 471 a 489, B.A.C., Madrid (1953).

4. “Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt 16, 18-19).

5. Munificentissimus Deus, § 44 e 45.

6. https://www.youtube.com/watch?v=S3qnNZ78k3M

7. Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 14 de agosto de 1965. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

 Fonte: Revista Catolicismo, Nº 896, Agosto/2025.

Assunção da Virgem
Matteo di Giovanni (1474).
The National Gallery (Londres)


ORAÇÃO A NOSSA SENHORA ASSUNTA AO CÉU

[Composta pelo Papa Pio XII]

 

Oh Virgem Imaculada, Mãe de Deus e dos homens. Cremos com todo o fervor de nossa fé em tua triunfante Assunção em alma e corpo ao Céu, onde és aclamada rainha por todo o coro dos Anjos e por todos os Santos, e a eles nos unimos para louvar e bendizer o Senhor que Te exaltou sobre todas as demais criaturas: para oferecer-se a veemência de nossa devoção e de nosso amor. Sabemos que teu olhar, que maternalmente acaricia a humilde e sofredora humanidade de Cristo na Terra, se sacia no Céu na contemplação da gloriosa humanidade da sabedoria incriada, e que o gozo da tua alma, ao contemplar face a face a adorável Trindade faz com que teu coração palpite com beatífica ternura.

 Coroação de Nossa Senhora
Fra Angelico (1395–1455).
 Museu do Louvre, Paris.

E nós, pobres pecadores, nós, a quem o corpo se sobrepõe aos anseios da alma, nós Te imploramos que purifique nossos sentidos, de maneira a que aprendamos, cá embaixo, a deleitar-nos em Deus, tão-somente em Deus, no encanto das criaturas. Estamos certos de que teus olhos misericordiosos fixar-se-ão em nossas misérias e em nossas angústias: em nossas lutas e em nossas fraquezas; que teus lábios sorrirão sobre nossas alegrias e em nossas vitórias; que Tu ouvirás a voz de Jesus dizer-Te de todos nós, como o fez Ele de seu amado discípulo: Aqui está teu filho.

E nós, que Te invocamos, Mãe nossa, nós Te tomamos como o fez João, como guia forte e consolo de nossa mortal vida. Nós temos a vivificante certeza de que teus olhos, que choraram na Terra, banhada pelo sangue de Jesus, voltar-se-ão uma vez mais para este mundo presa da guerra, de perseguições, de opressão dos justos e dos fracos. E, em meio à escuridão deste vale de lágrimas, nós esperamos de tua luz celestial e de tua doce piedade, consolo para as aflições de nossos corações, para atribulações da Igreja e de nosso país.

Cremos finalmente que na glória, na qual Tu reinas, vestida de sol e coroada de estrelas Tu és, depois de Jesus, o gozo de todos os Anjos e todos Santos. E nós, que nesta Terra passamos como peregrinos, animados pela fé na futura ressurreição, olhamos para Ti, nossa vida, nossa doçura, nossa esperança. Atraí-nos para Ti com a mansidão de tua voz, para ensinar-nos um dia, depois de nosso exílio, a Jesus, bendito fruto de teu seio, ó graciosa, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!

 

13 de agosto de 2025

ASSUNÇÃO — Triunfo da Santíssima Virgem, Glória da Santa Igreja

 Assunção da Virgem (Iluminura) – Mestre de Jaime IV da Escócia (1465-1541). Coleção Getty Center, Los Angeles (EUA). No belíssimo quadro, o artista pintou também um Anjo entregando a São Tomé um cordão. Segundo a tradição, ele chegou atrasado no momento em que Ela foi assunta ao Céu. Como consolação, Ela lançou para o Apóstolo o seu cinto (relíquia hoje venerada na Catedral de Prato, Itália). À esquerda do quadro a representação dos Apóstolos levando o Imaculado Corpo da Santíssima Virgem.


“Maria subiu aos Céus Regozijai-vos com os Anjos Regozijai-vos porque Ela reina com Cristo!” 


Fonte: Editorial da Revista Catolicismo, Nº 896, Agosto/2025

Muito bem relacionada com a recepção e coroação da Santíssima Virgem no Céu, sua gloriosa Assunção em corpo e alma é celebrada no dia 15 de agosto de cada ano. Neste, uma efeméride precisa ser especialmente comemorada: 75 anos da proclamação do Dogma da Assunção

Este foi o mais recente dogma proclamado pelo Supremo Magistério, um ato soleníssimo realizado pelo Papa Pio XII em 1950, numa grandiosa cerimônia na Praça de São Pedro com centenas de milhares de fiéis, sobretudo italianos, mas também de todas as partes do mundo. 

Foi um gáudio universal, pois havia muitos anos se esperava a confirmação como verdade de fé de uma devoção nascida desde os tempos mais remotos; uma maravilha arrebatadora que honrou a mais solar pureza de corpo e de alma d’Aquela que é “mais pura do que a neve”.

Era tal a magnitude do amor de Nossa Senhora por seu Divino Filho, que a vida não resistiu. Ela adormeceu no sono da morte, sem nenhuma dilaceração, trauma ou corrupção corpórea — o que é inerente a todos nós mortais —, pois concebida sem pecado original, viveu isenta de qualquer mancha. Como poeticamente bem expressa o “imperador da língua portuguesa”, o Padre Vieira: “Não era decoro que o ventre que trouxera Deus, a carne que Lhe dera carne, fosse entregue à podridão do sepulcro”

São Francisco de Sales (séc. XVII) fez um sermão muito ousado, quando afirmou que a Assunção de Nossa Senhora foi ainda mais gloriosa e triunfante do que a própria Ascensão de Nosso Senhor aos Céus. Por quê? — Segundo este grande santo bispo de Genebra, na Ascensão os Anjos vieram ao encontro de Jesus, mas na Assunção da Imaculada, além dos Anjos, o próprio Jesus veio novamente à Terra para honrar e A levar ao Paraíso celeste, onde foi exaltada e coroada como Rainha do Céu e da Terra. 

Essa sublime trasladação — privilégio único na História — foi um acontecimento tão belo e portentoso, que deveria ser feriado em todos os países. Infelizmente só o é em alguns, como Áustria, Colômbia, Espanha, França, Itália, Portugal e alguns outros. No Brasil, é feriado apenas em algumas cidades, como Belo Horizonte e Fortaleza, onde Ela é padroeira. 

Certamente o será no Reino do Imaculado Coração de Maria — época que virá, como previsto por São Luís Grignion de Montfort (grande missionário francês do século XVII) e conforme promessa feita em Fátima em 1917 —, a fim de que a Assunção seja plenamente rememorada universalmente para maior glória da Santa Mãe de Deus e de todos seus filhos nesta Terra de exílio. 

É nesse mesmo sentido, para a maior glória d’Ela, que Catolicismo presta sua homenagem com a matéria de capa da edição deste mês, comemorativa do 75º aniversário da proclamação do Dogma da Assunção.

2 de agosto de 2025

Beleza da movimentação do mar




✅  Plinio Corrêa de Oliveira

Quando eu tinha tempo de ficar olhando o mar — hoje eu nado no mar da luta, não no mar H2O... —, ele me apresentava dois pontos extremos, com todas as gamas intermediárias. Era agradável ver tantas belezas que Deus apresentava fazendo o mar passar de um extremo ao outro através das gamas intermediárias; ou fazendo de repente interromper a sequência, dar um giro e passar para o outro lado. 

Agradava-me ver avançar aquelas grandes ondas, em ofensiva para a terra — não ondas descabeladas, o descabelado não me agrada —, mas grandes ondas em ordem, um ataque em regra como de uma cavalaria nobre, numa “bataille rangée”, batalha ordenada em fileiras.

É bonita a variedade, porque às vezes as ondas não chegam a arrebentar, elas quase arrebentam, formam aquelas proeminências e vão adiante. 

Outras ondas, pelo contrário, arrebentam e há um “gáudio” de gotas pelo ar que depois caem e seguem sua ofensiva, parando um pouco antes de chegar à terra para saltitar pelo ar. Elas bailam um pouco pelo ar jubilosamente, como guerreiros que antes de dar o ataque definitivo dançam o baile da vitória. 

Agrada também ver o mar inteiramente calmo, quase imóvel. Dir-se-ia que está de tal maneira absorto na contemplação do céu que nem pensa em si mesmo. 

De repente, de um lugar qualquer, a surpresa surge, algo começa a se mover. É um vagalhão, é uma bagunça aquática, é um assalto contra a terra, em que os vários elementos do mar não vêm em bataille rangée, mas parecem se empurrarem uns aos outros para tomar a dianteira e conquistar a terra mais depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto. 


Esse é mais um
pulchrum do movimento — a beleza da movimentação do mar. Se o mar fosse feio, o movimento dele não seria bonito. 

Um exército que avança é muito bonito quando é composto de homens robustos; se é um exército de capengas que se arrasta, não vale dois caracóis. O mar é belo, mas sua movimentação está à altura dele. 

Os mistérios que ele contém, é outro pulcrhum, um outro mundo que se move nas entranhas que ele oculta. 
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 25 de novembro de 1988. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

31 de julho de 2025

Cerimonial grandioso e tradicional X Simplificação igualitária e modernista

 

Coroação do Papa Pio VI — Antonio Poggioli (1795–1830). Metropolitan Museum of Art, Nova York

“Nas fileiras católicas, não faltou infelizmente quem tivesse a audácia de propor à Santa Sé que, para conciliar melhor as simpatias das massas, o Papado se ‘democratizasse’ e o Pontífice Romano renunciasse às manifestações exteriores e solenes de seu supremo poder”


O artigo que segue foi publicado há 86 anos, mas agora vem à tona a propósito do novo pontificado que se iniciou em 8 de maio com o Papa Leão XIV.

O texto é de Plinio Corrêa de Oliveira (Legionário, 12-3-1939). Ele expõe duas questões que se tornaram candentes no noticiário sobre a morte de Francisco e a eleição de Leão XIV, sobretudo no que tange ao “espetáculo grandioso das cerimônias do Vaticano”.

O ósculo dos pés na Basílica de São Pedro, em Roma — Antoinette Cécile Hortense (1784-1845). Museu do Louvre, Paris.

REX PACIFICUS

 

   Plinio Corrêa de Oliveira



N
o dia em que se desenrolam em Roma as cerimônias faustosas da coroação do novo Pontífice, deve ser grato aos corações católicos meditar atentamente as circunstâncias dentro das quais essa solenidade se realiza. 

No século passado, em que o liberalismo político grassava pela Europa inteira, agravado por uma monomania democrática vizinha do delírio, as grandes solenidades pontifícias se desenrolavam não raramente sob o olhar hostil e a censura surda de grandes setores da opinião pública. Evidentemente, durante toda a vida da Igreja, nunca faltou a esta o amor de filhos dedicados e entusiastas. 

 

Entretanto, é incontestável que, no século passado, os fulgores dessas belas provas de amor alternavam sombriamente com o rancor igualitário daqueles que, na faina de destruir toda a ordem religiosa, política e social, não suportavam o espetáculo grandioso das cerimônias do Vaticano. 

 

Os argumentos não faltavam para servir de pretexto a tanto rancor. O primeiro deles, já antigo, era da autoria de Judas Iscariotes: por que gastar tanto dinheiro, em lugar de dar aos pobres? O outro, de sabor mais acentuadamente luterano: não haverá idolatria em se prestar a um homem tantas provas de sumo respeito? Finalmente, a blasfêmia anarquista não deixava de se fazer ouvir neste triste concerto: quando chegará o dia feliz em que enforcaremos o último Papa nas tripas do último rei? 

 

A Santa Sé nunca deu atenção a tais rancores. Com uma sublime e desassombrada energia, ela continuou a manter intacto seu magnífico e suntuoso cerimonial, que outra coisa não é senão a afirmação, através de cerimônias perceptíveis pelos sentidos, do princípio da autoridade, de que o Papa é o mais alto e mais sagrado representante na Terra. 

 

Nas fileiras católicas, não faltou infelizmente quem tivesse a audácia de propor à Santa Sé que, para conciliar melhor as simpatias das massas, e vencer mais facilmente a revolução social que se fazia prenunciar de modo sinistro, o Papado se "democratizasse" e o Pontífice Romano renunciasse às manifestações exteriores e solenes de seu supremo poder. 

 

A Igreja, entretanto, nunca deu ouvidos a essa falaciosa proposta. Não é de seu feitio transigir com o erro, ou procurar entabular com ele um duelo de subtilezas e astúcias.


Quando o princípio de autoridade periclitava no mundo inteiro, pondo em risco a autoridade de todos os monarcas e chefes de Estado, não era o Vigário de Cristo, do qual provém toda a autoridade, que tomaria ares de pactuar com a revolução. A missão da Igreja não consiste em se adaptar aos séculos, mas de adaptá-los a si própria. Ela nunca baixará até os erros dos homens, mas elevará a humanidade até si. 

 

Por isso, enquanto as monarquias ruíam fragorosamente, as repúblicas se dissolviam na anarquia das crises sociais, e as mais antigas dentre as cortes sobreviventes se democratizavam a olhos vistos, o Vaticano conservou intacto seu grandioso cerimonial.

Vem, agora, o outro aspecto da questão.

 

Comício nazista em Nuremberg, em 1934


Um verdadeiro vendaval político-social foi a consequência da pregação das doutrinas liberais. Esse vendaval suscitou a tendência geral para uma consolidação de autoridade. Todos os povos, outrora minados pela febre da liberdade, se sentem hoje trabalhados por uma intensa propaganda a favor da consolidação do Poder público, com preterição ou até supressão dos mais sagrados direitos da pessoa humana. 

 

Os novos césares, como o exige a natureza das doutrinas que pregam, sentem a necessidade de confirmar sua autoridade com os sinais exteriores do poder, desenvolvidos através de imponentes cerimônias cívicas. E, com isso, todo um cerimonial político renasce em nossos dias, que bem poderia ser chamado a liturgia faustosa dos novos ídolos que as massas levantam acima de si mesmas para lhes prestar adoração. 

 

Interessante é notar, a esse propósito, o ambiente que cerca essa nova e estranha liturgia política. Duas notas a caracterizam: força e domínio. Atente-se para uma cerimônia nazista. Em algum imenso estádio da Alemanha, comprime-se uma multidão incontável, que se torna cada vez mais densa porque os ônibus e os trens despejam ondas humanas sempre mais numerosas. Para encher o tempo, inúmeros alto-falantes transmitem a voz de um locutor. 

 

Do que fala ele? Da luta do partido nazista, de suas vitórias passadas, dos inimigos que esmagou, esmaga e esmagará. Quando, ao cabo de uma longa série de injúrias e de ameaças, o locutor se cala para tomar fôlego, a multidão entoa cânticos guerreiros. Refletores deslumbrantes erguem para o céu colunas verticais. Uma tribuna imensa, composta de blocos graníticos pesados e brutais, se ergue no centro de tudo isso. De repente, estrugem gritos e urros de entusiasmo. É o “Führer” que chega. 

 

As canções guerreiras redobram. Os canhões estrugem. A multidão ulula como um mar enfurecido. O “Führer” começa a falar: do outro lado das fronteiras, Chamberlain treme de medo, apoiado em seu guarda-chuva; Daladier prefere fingir que não ouve, para não ter de brigar (como os meninos bem educados, quando passam perto dos moleques na rua e ouve seus insultos, fingindo não notar nada). Mussolini presta atenção: é tão bonito; quem sabe se ele conseguirá fazer igual! Roosevelt não entende bem como é que, tendo ele tantos milhões de dólares, Hitler não é amigo dos Estados Unidos. E os povos fracos da Terra tremem. 

 

Exéquias do Papa Pio XI

Para completar o quadro, seria suficiente que uma legião de demônios aparecesse no céu, vociferando em gritos agrestes: glória ao novo messias, a opressão, na terra, para os povos que não têm canhões! E o mundo inteiro aplaude ou treme; mas, quer aplaudindo, quer tremendo, secretamente admira!

É sob o signo dessa dura liturgia do ódio e da guerra, do sangue e da luta, que o mundo curva a cabeça em atitude respeitosa e admirativa. Nessas grandes festas públicas, não há outro gáudio senão o do orgulho exacerbado e do ódio satisfeito. 

 

Não são propriamente festas, esses tremendos “sabbats” cívicos. São bacanais em que as multidões não se embriagam mais, como no tempo dos césares, com o vinho capitoso e subtil das plantações itálicas, mas com o licor espiritual grosseiro, de um patriotismo levado até à loucura. 

 

Enquanto isso, morre para o mundo e nasce placidamente para o Céu o Papa Pio XI. Sua morte não anunciada pelo troar dos canhões, mas pelo som paternal e suave dos sinos de São Pedro, que repercutem de campanário em campanário, até os extremos da China ou da Groenlândia. 

 


Nenhum Departamento de Propaganda engaiola as multidões para levá-las à força para Roma. Mas Roma se enche de uma multidão que faria babar de inveja o Ministério da Propaganda da Alemanha [do período nazista], e muitas repartições congêneres de outros países. Não há desfiles marciais de soldados, nem desenrolar de tropas agressivas. Apenas a gendarmerie pontifícia, que contém e policia paternalmente a multidão pacífica e enlutada. 

 

Anuncia-se, depois, o novo Papa. Uma multidão aguarda seu nome. Outras multidões afluem de todas as ruas e de todos os becos de Roma, para saber quem foi o eleito. Todo o mundo aplaude. Mas, ainda aí, não há outro eco senão o das sonoras e musicais trombetas de prata dos arautos, as harmonias graves dos sinos da Cidade Eterna, e os vivas da multidão. 

 

 Pio XII abençoa a multidão reunida na Praça de São Pedro. 

Não, o Vaticano não é a caserna em que o gado humano é arregimentado para a carnificina, mas a casa suntuosa, porém acolhedora, do Pai comum, que é o lar espiritual de todos os povos da Terra, que ali ombreiam uns com os outros, numa alegria despreocupada e pacífica, de que só o Vaticano, hoje em dia, é teatro. 

 

Pio XII sendo levado na
Sede Gestatória
no dia de sua coroação.

Finalmente, anuncia-se a coroação do Papa. Nenhuma cerimônia, no mundo inteiro, é mais majestosa. Nenhuma, porém, é ao mesmo tempo mais pacífica, mais serena, mais familiar. O povo não treme diante de um ídolo, mas delira de contentamento diante de um Pai. O povo não se ajoelha diante de um algoz, mas beija reverente os pés daquele que é uma branca e suave figura. E na majestade de seu porte, a Santidade e a Majestade suprema do Criador. 

 

E, no menor Estado do mundo, que é o Vaticano, uma das maiores multidões que a Itália — mesmo a fascista — tenha jamais contemplado, celebra, à sombra do Vigário de Cristo, ao mesmo tempo a mais pacífica e a mais jubilosa das cerimônias deste sinistro século de lutas e de guerras.


29 de julho de 2025

VIDA — HEROISMO OU INSIGNIFICÂNCIA



✅  Paulo Roberto Campos 

Dizer que a vida é uma luta é um chavão muito comum, mas uma verdade irretorquível. Assim como viver é lutar, lutar é viver, e viver só para viver não é vida, é mediocridade. Ninguém vive sem esforço. Não apenas os pobres precisam se esforçar para viver, mas todos e de qualquer classe; os bem abastados muitas vezes são obrigados a se esforçarem ainda mais do que aqueles de classes inferiores. 

As dificuldades diárias ao longo da vida são inerentes à nossa existência neste campo de batalha — neste “Vale de Lágrimas”, como rezamos na oração “Salve Rainha”. Inerentes a todos sem exceção, pois nascemos com a mancha original devido à desobediência a Deus cometida pelos nossos primeiros pais, motivo da expulsão deles do Paraíso terrestre. Por isso, somos, como consta na mesma oração, os “degredados filhos de Eva”. 

E a beleza da vida consiste justamente em vencer as dificuldades, tanto as externas como as internas. É a beleza que contempla e a alegria que tem um alpinista escalando uma montanha deparando-se com mil dificuldades, mas todas vencidas. Quando ele atinge o pico da montanha, é uma conquista realizada. Uma conquista sobre a montanha e sobre si. Ele do alto, mesmo muito esgotado pelo esforço, contempla a beleza do panorama e a vitória sobre si mesmo por não ter desistido no meio do caminho. É a alegria do heroísmo por ter chegado ao pico. Metáfora aplicável ao alpinismo na vida espiritual; vamos escalando a montanha — com o objetivo de contemplar Deus — vencendo as provações, as tentações, os desânimos, as cruzes ao longo de nossos caminhos. 

Esse aspecto da vida, como uma luta contínua, nos reporta ao Hino dos Tamoios, poema de Gonçalves Dias. Aqui a primeira estrofe, uma alusão ao pai exaltando a bravura que deve ter o filho a fim de ser verdadeiramente um índio tamoio: 
Não chores, meu filho; 
Não chores, que a vida 
É luta renhida: 
Viver é lutar. 
A vida é combate, 
Que os fracos abate, 
Que os fortes, os bravos 
Só pode exaltar. 

 

Para refletirmos sobre o valor da luta, à qual o homem medíocre tem horror, seguem alguns pensamentos: 

 

“A vitória no combate não depende do número, mas da força que desce do Céu.”  
(I Macabeus 3, 19) 

 

“Não há nada, por fácil que seja, que a nossa tibieza não apresente como difícil e pesado; como nada há tampouco tão difícil e penoso que o nosso fervor e determinação não torne fácil e leve.”  
(São João Crisóstomo) 

 

"Não há, caríssimos, obras de virtude sem experiência da tentação, fé sem provações, combate sem inimigo, vitória sem luta."  
(São Leão Magno) 

 

“Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito para ser insignificante. Tentar de novo mostra como você está disposto a lutar por aquilo em que acredita.”
(Santo Agostinho) 

 

“Os grandes choques e as grandes lutas robustecem a alma e forjam o caráter. As almas que não têm às vezes sobressaltos não são comumente grandes almas.” 
(Padre J. Baeteman)

 

16 de julho de 2025

Festa de Nossa Senhora do Carmo — 16 de julho

 

No século XII, como consequência do estabelecimento do Reino Latino de Jerusalém, muitos peregrinos da Europa vieram se juntar aos solitários da santa montanha do Carmelo [foto abaixo], na Palestina, aumentando-lhes assim o número. Pareceu bom dar à sua vida, até então mais eremítica que conventual, uma forma que fosse mais de acordo com os hábitos ocidentais. Foi quando o Legado Aimeric Malafaida, Patriarca de Antioquia, os reuniu em uma comunidade sob a autoridade de São Bertoldo, a quem foi dado pela primeira vez o título de Prior Geral. Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém e igualmente Legado Apostólico, completou, nos primeiros anos do século seguinte, a obra de Aimeric, concedendo uma Regra fixa à Ordem, que começou a se expandir em Chipre, na Sicília e nos países de além-mar, favorecida pelos príncipes e pelos cavaleiros, de volta da Terra Santa. 


Logo depois, tendo Deus abandonado os cristãos do Oriente aos castigos merecidos por suas faltas, tornaram-se tais — nesse século de adversidades para a Palestina — as represálias dos sarracenos vitoriosos, que uma assembleia geral, realizada no Monte Carmelo, sob os auspícios de Alain le Breton, decretou a emigração total dos religiosos, não deixando para cuidar do berço da Ordem senão alguns poucos sedentos de martírio. No preciso momento em que ela se extinguia no Oriente (1245), Simão Stock foi eleito Geral, no primeiro Capítulo do Ocidente, reunido em Aylesford, na Inglaterra.

Na noite do dia 15 para 16 de julho do ano de 1251, a graciosa Soberana do Carmelo confirmava a seus filhos, por um sinal externo, o direito de cidadania que Ela lhes havia obtido nas novas regiões para as quais os havia conduzido seu êxodo. Senhora e Mãe de toda a Ordem religiosa, Ela lhes conferia de suas próprias e augustas mãos o escapulário, parte do vestuário que caracteriza a maior e mais antiga das famílias religiosas do Ocidente. São Simão Stock, no momento em que recebia da Mãe de Deus essa insígnia [representação na pintura abaixo], enobrecendo-a ainda pelo contato de seus dedos sagrados, ouviu a própria Virgem Santíssima dizer: “Todo aquele que morrer dentro deste hábito não sofrerá de maneira nenhuma as chamas eternas”


A Rainha dos Santos manifestou-se posteriormente a Jacques d’Euze, que o mundo iria saudar em breve como novo Papa sob o nome de João XXII. Anunciava-lhe Ela sua próxima elevação ao sumo pontificado, e, ao mesmo tempo, recomendava-lhe publicar o privilégio de uma pronta libertação do purgatório, que Ela havia obtido de seu divino Filho para seus filhos do Carmelo: “Eu, sua Mãe, descerei por misericórdia até eles, no sábado que se seguir à sua morte, e a todos que encontrar no purgatório livrá-los-ei e levá-los-ei à montanha da eterna vida”. São as próprias palavras de Nossa Senhora, citadas por João XXII na bula em que ele disto deu testemunho, e que foi chamada Sabatina em razão do dia designado pela gloriosa libertadora, no qual Ela exerceria o misericordioso privilégio. 

A munificência de Maria, a piedosa gratidão de seus filhos pela hospitalidade que lhes dava o Ocidente, a autoridade, enfim, dos sucessores de Pedro, tornaram logo essas riquezas espirituais acessíveis a todo o povo cristão, pela instituição da Confraria do Santo Escapulário, que faz seus membros participarem dos méritos e privilégios de toda a Ordem do Carmo.

Quando o Papa Bento XIII, no século XVIII, estendeu a festa do dia 16 de julho para a Igreja inteira, ele, por assim dizer, nada mais fez do que consagrar oficialmente a universalidade do fato de que o culto da Rainha do Carmelo havia conquistado quase todas as latitudes do orbe. 

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Dom Prosper Guéranger, O.S.B., L’Année Liturgique – Le temps après la Pentecôte, Maison Alfred Mame et Fils, Tours, 1922, tomo IV, excertos das pp. 149-153.