31 de julho de 2025

Cerimonial grandioso e tradicional X Simplificação igualitária e modernista

 

Coroação do Papa Pio VI — Antonio Poggioli (1795–1830). Metropolitan Museum of Art, Nova York

“Nas fileiras católicas, não faltou infelizmente quem tivesse a audácia de propor à Santa Sé que, para conciliar melhor as simpatias das massas, o Papado se ‘democratizasse’ e o Pontífice Romano renunciasse às manifestações exteriores e solenes de seu supremo poder”


O artigo que segue foi publicado há 86 anos, mas agora vem à tona a propósito do novo pontificado que se iniciou em 8 de maio com o Papa Leão XIV.

O texto é de Plinio Corrêa de Oliveira (Legionário, 12-3-1939). Ele expõe duas questões que se tornaram candentes no noticiário sobre a morte de Francisco e a eleição de Leão XIV, sobretudo no que tange ao “espetáculo grandioso das cerimônias do Vaticano”.

O ósculo dos pés na Basílica de São Pedro, em Roma — Antoinette Cécile Hortense (1784-1845). Museu do Louvre, Paris.

REX PACIFICUS

 

   Plinio Corrêa de Oliveira



N
o dia em que se desenrolam em Roma as cerimônias faustosas da coroação do novo Pontífice, deve ser grato aos corações católicos meditar atentamente as circunstâncias dentro das quais essa solenidade se realiza. 

No século passado, em que o liberalismo político grassava pela Europa inteira, agravado por uma monomania democrática vizinha do delírio, as grandes solenidades pontifícias se desenrolavam não raramente sob o olhar hostil e a censura surda de grandes setores da opinião pública. Evidentemente, durante toda a vida da Igreja, nunca faltou a esta o amor de filhos dedicados e entusiastas. 

 

Entretanto, é incontestável que, no século passado, os fulgores dessas belas provas de amor alternavam sombriamente com o rancor igualitário daqueles que, na faina de destruir toda a ordem religiosa, política e social, não suportavam o espetáculo grandioso das cerimônias do Vaticano. 

 

Os argumentos não faltavam para servir de pretexto a tanto rancor. O primeiro deles, já antigo, era da autoria de Judas Iscariotes: por que gastar tanto dinheiro, em lugar de dar aos pobres? O outro, de sabor mais acentuadamente luterano: não haverá idolatria em se prestar a um homem tantas provas de sumo respeito? Finalmente, a blasfêmia anarquista não deixava de se fazer ouvir neste triste concerto: quando chegará o dia feliz em que enforcaremos o último Papa nas tripas do último rei? 

 

A Santa Sé nunca deu atenção a tais rancores. Com uma sublime e desassombrada energia, ela continuou a manter intacto seu magnífico e suntuoso cerimonial, que outra coisa não é senão a afirmação, através de cerimônias perceptíveis pelos sentidos, do princípio da autoridade, de que o Papa é o mais alto e mais sagrado representante na Terra. 

 

Nas fileiras católicas, não faltou infelizmente quem tivesse a audácia de propor à Santa Sé que, para conciliar melhor as simpatias das massas, e vencer mais facilmente a revolução social que se fazia prenunciar de modo sinistro, o Papado se "democratizasse" e o Pontífice Romano renunciasse às manifestações exteriores e solenes de seu supremo poder. 

 

A Igreja, entretanto, nunca deu ouvidos a essa falaciosa proposta. Não é de seu feitio transigir com o erro, ou procurar entabular com ele um duelo de subtilezas e astúcias.


Quando o princípio de autoridade periclitava no mundo inteiro, pondo em risco a autoridade de todos os monarcas e chefes de Estado, não era o Vigário de Cristo, do qual provém toda a autoridade, que tomaria ares de pactuar com a revolução. A missão da Igreja não consiste em se adaptar aos séculos, mas de adaptá-los a si própria. Ela nunca baixará até os erros dos homens, mas elevará a humanidade até si. 

 

Por isso, enquanto as monarquias ruíam fragorosamente, as repúblicas se dissolviam na anarquia das crises sociais, e as mais antigas dentre as cortes sobreviventes se democratizavam a olhos vistos, o Vaticano conservou intacto seu grandioso cerimonial.

Vem, agora, o outro aspecto da questão.

 

Comício nazista em Nuremberg, em 1934


Um verdadeiro vendaval político-social foi a consequência da pregação das doutrinas liberais. Esse vendaval suscitou a tendência geral para uma consolidação de autoridade. Todos os povos, outrora minados pela febre da liberdade, se sentem hoje trabalhados por uma intensa propaganda a favor da consolidação do Poder público, com preterição ou até supressão dos mais sagrados direitos da pessoa humana. 

 

Os novos césares, como o exige a natureza das doutrinas que pregam, sentem a necessidade de confirmar sua autoridade com os sinais exteriores do poder, desenvolvidos através de imponentes cerimônias cívicas. E, com isso, todo um cerimonial político renasce em nossos dias, que bem poderia ser chamado a liturgia faustosa dos novos ídolos que as massas levantam acima de si mesmas para lhes prestar adoração. 

 

Interessante é notar, a esse propósito, o ambiente que cerca essa nova e estranha liturgia política. Duas notas a caracterizam: força e domínio. Atente-se para uma cerimônia nazista. Em algum imenso estádio da Alemanha, comprime-se uma multidão incontável, que se torna cada vez mais densa porque os ônibus e os trens despejam ondas humanas sempre mais numerosas. Para encher o tempo, inúmeros alto-falantes transmitem a voz de um locutor. 

 

Do que fala ele? Da luta do partido nazista, de suas vitórias passadas, dos inimigos que esmagou, esmaga e esmagará. Quando, ao cabo de uma longa série de injúrias e de ameaças, o locutor se cala para tomar fôlego, a multidão entoa cânticos guerreiros. Refletores deslumbrantes erguem para o céu colunas verticais. Uma tribuna imensa, composta de blocos graníticos pesados e brutais, se ergue no centro de tudo isso. De repente, estrugem gritos e urros de entusiasmo. É o “Führer” que chega. 

 

As canções guerreiras redobram. Os canhões estrugem. A multidão ulula como um mar enfurecido. O “Führer” começa a falar: do outro lado das fronteiras, Chamberlain treme de medo, apoiado em seu guarda-chuva; Daladier prefere fingir que não ouve, para não ter de brigar (como os meninos bem educados, quando passam perto dos moleques na rua e ouve seus insultos, fingindo não notar nada). Mussolini presta atenção: é tão bonito; quem sabe se ele conseguirá fazer igual! Roosevelt não entende bem como é que, tendo ele tantos milhões de dólares, Hitler não é amigo dos Estados Unidos. E os povos fracos da Terra tremem. 

 

Exéquias do Papa Pio XI

Para completar o quadro, seria suficiente que uma legião de demônios aparecesse no céu, vociferando em gritos agrestes: glória ao novo messias, a opressão, na terra, para os povos que não têm canhões! E o mundo inteiro aplaude ou treme; mas, quer aplaudindo, quer tremendo, secretamente admira!

É sob o signo dessa dura liturgia do ódio e da guerra, do sangue e da luta, que o mundo curva a cabeça em atitude respeitosa e admirativa. Nessas grandes festas públicas, não há outro gáudio senão o do orgulho exacerbado e do ódio satisfeito. 

 

Não são propriamente festas, esses tremendos “sabbats” cívicos. São bacanais em que as multidões não se embriagam mais, como no tempo dos césares, com o vinho capitoso e subtil das plantações itálicas, mas com o licor espiritual grosseiro, de um patriotismo levado até à loucura. 

 

Enquanto isso, morre para o mundo e nasce placidamente para o Céu o Papa Pio XI. Sua morte não anunciada pelo troar dos canhões, mas pelo som paternal e suave dos sinos de São Pedro, que repercutem de campanário em campanário, até os extremos da China ou da Groenlândia. 

 


Nenhum Departamento de Propaganda engaiola as multidões para levá-las à força para Roma. Mas Roma se enche de uma multidão que faria babar de inveja o Ministério da Propaganda da Alemanha [do período nazista], e muitas repartições congêneres de outros países. Não há desfiles marciais de soldados, nem desenrolar de tropas agressivas. Apenas a gendarmerie pontifícia, que contém e policia paternalmente a multidão pacífica e enlutada. 

 

Anuncia-se, depois, o novo Papa. Uma multidão aguarda seu nome. Outras multidões afluem de todas as ruas e de todos os becos de Roma, para saber quem foi o eleito. Todo o mundo aplaude. Mas, ainda aí, não há outro eco senão o das sonoras e musicais trombetas de prata dos arautos, as harmonias graves dos sinos da Cidade Eterna, e os vivas da multidão. 

 

 Pio XII abençoa a multidão reunida na Praça de São Pedro. 

Não, o Vaticano não é a caserna em que o gado humano é arregimentado para a carnificina, mas a casa suntuosa, porém acolhedora, do Pai comum, que é o lar espiritual de todos os povos da Terra, que ali ombreiam uns com os outros, numa alegria despreocupada e pacífica, de que só o Vaticano, hoje em dia, é teatro. 

 

Pio XII sendo levado na
Sede Gestatória
no dia de sua coroação.

Finalmente, anuncia-se a coroação do Papa. Nenhuma cerimônia, no mundo inteiro, é mais majestosa. Nenhuma, porém, é ao mesmo tempo mais pacífica, mais serena, mais familiar. O povo não treme diante de um ídolo, mas delira de contentamento diante de um Pai. O povo não se ajoelha diante de um algoz, mas beija reverente os pés daquele que é uma branca e suave figura. E na majestade de seu porte, a Santidade e a Majestade suprema do Criador. 

 

E, no menor Estado do mundo, que é o Vaticano, uma das maiores multidões que a Itália — mesmo a fascista — tenha jamais contemplado, celebra, à sombra do Vigário de Cristo, ao mesmo tempo a mais pacífica e a mais jubilosa das cerimônias deste sinistro século de lutas e de guerras.


29 de julho de 2025

VIDA — HEROISMO OU INSIGNIFICÂNCIA



✅  Paulo Roberto Campos 

Dizer que a vida é uma luta é um chavão muito comum, mas uma verdade irretorquível. Assim como viver é lutar, lutar é viver, e viver só para viver não é vida, é mediocridade. Ninguém vive sem esforço. Não apenas os pobres precisam se esforçar para viver, mas todos e de qualquer classe; os bem abastados muitas vezes são obrigados a se esforçarem ainda mais do que aqueles de classes inferiores. 

As dificuldades diárias ao longo da vida são inerentes à nossa existência neste campo de batalha — neste “Vale de Lágrimas”, como rezamos na oração “Salve Rainha”. Inerentes a todos sem exceção, pois nascemos com a mancha original devido à desobediência a Deus cometida pelos nossos primeiros pais, motivo da expulsão deles do Paraíso terrestre. Por isso, somos, como consta na mesma oração, os “degredados filhos de Eva”. 

E a beleza da vida consiste justamente em vencer as dificuldades, tanto as externas como as internas. É a beleza que contempla e a alegria que tem um alpinista escalando uma montanha deparando-se com mil dificuldades, mas todas vencidas. Quando ele atinge o pico da montanha, é uma conquista realizada. Uma conquista sobre a montanha e sobre si. Ele do alto, mesmo muito esgotado pelo esforço, contempla a beleza do panorama e a vitória sobre si mesmo por não ter desistido no meio do caminho. É a alegria do heroísmo por ter chegado ao pico. Metáfora aplicável ao alpinismo na vida espiritual; vamos escalando a montanha — com o objetivo de contemplar Deus — vencendo as provações, as tentações, os desânimos, as cruzes ao longo de nossos caminhos. 

Esse aspecto da vida, como uma luta contínua, nos reporta ao Hino dos Tamoios, poema de Gonçalves Dias. Aqui a primeira estrofe, uma alusão ao pai exaltando a bravura que deve ter o filho a fim de ser verdadeiramente um índio tamoio: 
Não chores, meu filho; 
Não chores, que a vida 
É luta renhida: 
Viver é lutar. 
A vida é combate, 
Que os fracos abate, 
Que os fortes, os bravos 
Só pode exaltar. 

 

Para refletirmos sobre o valor da luta, à qual o homem medíocre tem horror, seguem alguns pensamentos: 

 

“A vitória no combate não depende do número, mas da força que desce do Céu.”  
(I Macabeus 3, 19) 

 

“Não há nada, por fácil que seja, que a nossa tibieza não apresente como difícil e pesado; como nada há tampouco tão difícil e penoso que o nosso fervor e determinação não torne fácil e leve.”  
(São João Crisóstomo) 

 

"Não há, caríssimos, obras de virtude sem experiência da tentação, fé sem provações, combate sem inimigo, vitória sem luta."  
(São Leão Magno) 

 

“Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito para ser insignificante. Tentar de novo mostra como você está disposto a lutar por aquilo em que acredita.”
(Santo Agostinho) 

 

“Os grandes choques e as grandes lutas robustecem a alma e forjam o caráter. As almas que não têm às vezes sobressaltos não são comumente grandes almas.” 
(Padre J. Baeteman)

 

16 de julho de 2025

Festa de Nossa Senhora do Carmo — 16 de julho

 

No século XII, como consequência do estabelecimento do Reino Latino de Jerusalém, muitos peregrinos da Europa vieram se juntar aos solitários da santa montanha do Carmelo [foto abaixo], na Palestina, aumentando-lhes assim o número. Pareceu bom dar à sua vida, até então mais eremítica que conventual, uma forma que fosse mais de acordo com os hábitos ocidentais. Foi quando o Legado Aimeric Malafaida, Patriarca de Antioquia, os reuniu em uma comunidade sob a autoridade de São Bertoldo, a quem foi dado pela primeira vez o título de Prior Geral. Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém e igualmente Legado Apostólico, completou, nos primeiros anos do século seguinte, a obra de Aimeric, concedendo uma Regra fixa à Ordem, que começou a se expandir em Chipre, na Sicília e nos países de além-mar, favorecida pelos príncipes e pelos cavaleiros, de volta da Terra Santa. 


Logo depois, tendo Deus abandonado os cristãos do Oriente aos castigos merecidos por suas faltas, tornaram-se tais — nesse século de adversidades para a Palestina — as represálias dos sarracenos vitoriosos, que uma assembleia geral, realizada no Monte Carmelo, sob os auspícios de Alain le Breton, decretou a emigração total dos religiosos, não deixando para cuidar do berço da Ordem senão alguns poucos sedentos de martírio. No preciso momento em que ela se extinguia no Oriente (1245), Simão Stock foi eleito Geral, no primeiro Capítulo do Ocidente, reunido em Aylesford, na Inglaterra.

Na noite do dia 15 para 16 de julho do ano de 1251, a graciosa Soberana do Carmelo confirmava a seus filhos, por um sinal externo, o direito de cidadania que Ela lhes havia obtido nas novas regiões para as quais os havia conduzido seu êxodo. Senhora e Mãe de toda a Ordem religiosa, Ela lhes conferia de suas próprias e augustas mãos o escapulário, parte do vestuário que caracteriza a maior e mais antiga das famílias religiosas do Ocidente. São Simão Stock, no momento em que recebia da Mãe de Deus essa insígnia [representação na pintura abaixo], enobrecendo-a ainda pelo contato de seus dedos sagrados, ouviu a própria Virgem Santíssima dizer: “Todo aquele que morrer dentro deste hábito não sofrerá de maneira nenhuma as chamas eternas”


A Rainha dos Santos manifestou-se posteriormente a Jacques d’Euze, que o mundo iria saudar em breve como novo Papa sob o nome de João XXII. Anunciava-lhe Ela sua próxima elevação ao sumo pontificado, e, ao mesmo tempo, recomendava-lhe publicar o privilégio de uma pronta libertação do purgatório, que Ela havia obtido de seu divino Filho para seus filhos do Carmelo: “Eu, sua Mãe, descerei por misericórdia até eles, no sábado que se seguir à sua morte, e a todos que encontrar no purgatório livrá-los-ei e levá-los-ei à montanha da eterna vida”. São as próprias palavras de Nossa Senhora, citadas por João XXII na bula em que ele disto deu testemunho, e que foi chamada Sabatina em razão do dia designado pela gloriosa libertadora, no qual Ela exerceria o misericordioso privilégio. 

A munificência de Maria, a piedosa gratidão de seus filhos pela hospitalidade que lhes dava o Ocidente, a autoridade, enfim, dos sucessores de Pedro, tornaram logo essas riquezas espirituais acessíveis a todo o povo cristão, pela instituição da Confraria do Santo Escapulário, que faz seus membros participarem dos méritos e privilégios de toda a Ordem do Carmo.

Quando o Papa Bento XIII, no século XVIII, estendeu a festa do dia 16 de julho para a Igreja inteira, ele, por assim dizer, nada mais fez do que consagrar oficialmente a universalidade do fato de que o culto da Rainha do Carmelo havia conquistado quase todas as latitudes do orbe. 

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Dom Prosper Guéranger, O.S.B., L’Année Liturgique – Le temps après la Pentecôte, Maison Alfred Mame et Fils, Tours, 1922, tomo IV, excertos das pp. 149-153.

9 de julho de 2025

As guerras têm como principal causa os pecados das nações


 

Na edição de março último, a revista Catolicismo publicou trecho de uma matéria do Prof. Plinio concernida na memorável polêmica que travou com os periódicos Kierunki e Zycie i Mysl, ambos pertencentes ao grupo progressista polonês Pax

Em continuação, a revista reproduziu, na edição de maio, outro oportuno trecho dessa matéria, estampada originalmente na edição de Catolicismo de novembro/1965. 

Aqui segue a transcrição de tal trecho.




  Plinio Corrêa de Oliveira

Santo Agostinho defende a tese de que não podendo as nações ser recompensadas nem castigadas na outra vida, recebem neste mundo mesmo o prêmio de suas boas ações e a punição de seus crimes. 

Assim, se queremos evitar as guerras e as hecatombes, combatamo-las em suas causas. A corrupção das ideias e dos costumes, a impiedade oficial dos Estados leigos, a oposição cada vez mais frequente entre as leis positivas e a Lei de Deus, isto sim, é que nos expõe à cólera e ao castigo do Criador, e nos conduz mais do que tudo, à guerra. 

Se, para evitá-la, cometessem as nações do Ocidente um pecado maior do que os atuais, como seria a aceitação de existir sob o jugo comunista em condições que a moral católica reprova, desafiariam desse modo a ira de Deus e chamariam sobre si os efeitos de sua cólera. 

E isto tanto mais quanto a concessão que hoje se fizesse com referência à abolição da propriedade privada, amanhã teria de ser repetida com relação à abolição da família e assim por diante. Pois assim procede com inexorável intransigência a tática das imposições sucessivas, inerente ao espírito do comunismo internacional. Desse modo, até que torpeza, até que abismo, até que apostasia não rolaríamos? 

A existência humana, sem instituições necessárias como a propriedade e a família, não vale a pena de ser vivida. Sacrificar uma ou outra, para evitar a catástrofe, não importa em “propter vitam vivendi perdere causas”? [para viver, perder aquilo que é a razão de ser da vida]. Para que viver num mundo transformado em uma imensa senzala de escravos atirados a uma promiscuidade animal? 

Em face da opção dramática da hora presente, que este artigo procura pôr em evidência, não raciocinemos como ateus, que ponderam os prós e os contras como se Deus não existisse. 

Um ato supremo e heroico de fidelidade, nesta hora, poderia apagar diante de Deus uma multidão de pecados, inclinando-O a afastar o cataclismo que se aproxima. 

Um ato de fidelidade heroica... um ato de inteira e heroica confiança no Coração d’Aquele que disse: “Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de Coração, e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mat. 11, 29). 

Sim, confiemos em Deus. Confiemos na sua Misericórdia, cujo canal é o Coração Imaculado de Maria.

6 de julho de 2025

CARDEAL MINDSZENTY — (1975 – 2025)

O Cardeal József Mindszenty, Arcebispo-Príncipe de Esztergom-Budapeste, indômito herói anticomunista da Hungria, exemplo do destemido combate católico.


Fonte: Editorial da Revista Catolicismo, Nº 895, Julho/2025

“Derrotado, venceu” (em latim, Devictus, vincit). Lema episcopal escolhido pelo Cardeal József Mindszenty em 1944. 
O lema bem expressa sua vida de luta, pois, mesmo derrotado, venceu no sentido análogo ao de Nosso Senhor Jesus Cristo, que aparentemente “derrotado” — pois fora crucificado —, triunfou da morte, redimiu o gênero humano, ressuscitou, abriu as portas do Céu e estabeleceu a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. 

O prelado húngaro, Arcebispo-Príncipe de Esztergom-Budapeste, apesar de morrer no exílio em Viena, em 1975, terminou seus dias vitorioso e carregado de honra, pois teve a coragem de enfrentar o tirânico governo comunista que havia subjugado sua pátria. 

Várias vezes preso e torturado cruelmente por agentes do comunismo, permaneceu inquebrantável. Ele teve a coragem de suportar as dores da perseguição, especialmente uma dor ainda mais cruel: a provação de ver as mais altas autoridades da própria Igreja Católica pedir-lhe para cessar sua luta anticomunista. 

Mas o Cardeal Mindszenty continuou a resistir destemidamente, atuando contra vários programas do governo comunista húngaro, como por exemplo a Reforma Agrária, o divórcio, o ensino marxista nas escolas, a estatização socialista etc. 

As autoridades eclesiásticas agiam para estabelecer um acordo entre a Igreja e o Estado comunista, com o qual Ela se submeteria aos projetos do Kremlin. Desse modo, haveria uma coexistência pacífica entre o Vaticano e Moscou. Esse embate levou o jornal londrino The Sunday Telegraph a descrever assim vida do Cardeal Mindszenty: “Crucificado pelo Kremlin e traído pelo Vaticano”

Queriam que o Cardeal ficasse em silêncio, mas, obviamente, isso ele considerava uma cumplicidade com o bolchevismo e até mesmo uma traição ao ensino perene da Igreja. 

Aquela atitude do alto clero progressista-colaboracionista — da época do Concílio Vaticano II nos pontificados de João XXIII e Paulo VI — foi bem oposta à do Papa anterior, Pio XII, ao comentar, em junho de 1956, que a resistência de Mindszenty “causava admiração aos Anjos de Deus”

Em 10 de dezembro de 1948,
manifestação católica em
apoio ao Cardeal Mindszenty
O Cardeal teria sido um derrotado aos olhos dos homens e de Deus se tivesse capitulado, mas se tornou um símbolo imortal da resistência ao comunismo e ao progressismo ecumenista; ele estimulou com seu exemplo os católicos do mundo inteiro a não cruzarem os braços no bom combate. 

Destacamos aqui um aspecto da admirável vida do invencível Cardeal József Mindszenty, mas com a leitura da matéria de capa da edição deste mês da revista Catolicismo, comemorativa do cinquentenário da morte do heroico prelado, o leitor se encantará com vários outros aspectos do seu bom e exemplar combate.