Plinio Maria Solimeo
Com a permissividade que grassa hoje em todos os campos, sobretudo no Ocidente, o casamento religioso reduziu-se a uma mera ostentação, perdendo, na maioria dos casos, o seu significado mais profundo, que é a união de um homem com uma mulher “até que a morte os separe”. Pois os nubentes já vão com a ideia de que, “se não der certo”, terão uma “segunda, ou mesmo terceira oportunidade”. Muita música, muitas flores, muitos padrinhos, muita falta de decoro nos trajes, e nenhuma profundidade religiosa.
Em algumas regiões do globo, contudo, algo ainda resta. Pelo seu profundo espírito religioso, ocorreu-me narrar aqui um casamento a que assisti na Índia, no ano de 1994, de membros da comunidade católica siro-malabar, numa região de seringais nas proximidades de Cananor, no norte do Estado de Kerala.
Os católicos do rito siro-malabar reclamam sua origem nada menos que ao Apóstolo São Tomé, nos primeiros tempos do cristianismo. Ao longo de sua história, acabaram sendo desviados por bispos nestorianos, mas voltaram definitivamente ao seio da Igreja no século XVI, graças aos bons ofícios de nossos patrícios portugueses. Desde então, formam uma comunidade pujante — sobretudo no Estado de Kerala, no sudoeste da Índia —, tendo hoje um cardeal-arcebispo, mais de vinte bispos e cerca de cinco milhões de fiéis.
Muito religiosos — sobretudo os do camp
o — quase todos eles têm pequenos oratórios em suas casas [ao lado, um exemplar típico], diante dos quais todos os membros da família rezam à noite o Rosário e as orações de término do dia.
Por ser um sacramento, o casamento ainda é para eles — como não poderia deixar de ser — um dos atos mais importantes da vida. Tudo gira em torno dessa consideração. Por isso, ele é cercado de todo um cerimonial, no qual se nota a profunda fé de seus participantes.
Em casa, o noivo é auxiliado a terminar de se vestir para a cerimônia pelos irmãos, cunhados e irmãs, que dão os últimos retoques. Uma vez pronto, há uma cerimônia muito bonita, na qual ele vai pedindo a bênção a todos os seus maiores, começando pelos pais, tios, tios-segundos, primos dos pais, que também chamam de tios, etc. Tudo isso feito com muita seriedade e compenetração de parte a parte.
Depois todos se dirigem ao oratório da família — eles existem em todas as casas —, onde um sacerdote inicia uma série de orações pelos futuros esposos e pelo futuro lar.
Enquanto isso, na casa da noiva, a mesma cena se repete. É necessário dizer que ela conheceu o futuro marido, como é geral na Índia, através dos pais, que se entenderam previamente com os futuros sogros, em cuja casa, de acordo com o costume, ela nunca foi. Fá-lo-á só depois de casada.
Depois desses atos em família, os noivos se dirigem separadamente à igreja, onde há a cerimônia de casamento, na essência semelhante às daqui, apenas com alguns pormenores mais locais. Ela se realiza sempre durante a Missa.
Um dos costumes, curiosos para nós, existentes nos casamentos na Índia, tanto nos de católicos quanto nos de hindus (não sei os muçulmanos, porque não assisti a nenhum), é que geralmente a noiva entra vestindo um sári de seda, geralmente muito bonito, evidentemente dado pelos pais.
Quando, por sua vez, o noivo entra na igreja, leva outro sári dobrado no braço (ou já o deixa no genuflexório). Na cerimônia do casamento, após o “sim” de ambos e a troca de alianças, o sacerdote abençoa um cordão de ouro, que o noivo coloca no pescoço da noiva, como uma espécie de “tomada de posse”. Depois o sacerdote abençoa também o sári que o noivo apresenta. Este o põe então sobre a cabeça e os ombros da noiva. Uma das madrinhas ajuda nessa cerimônia, livrando depois a noiva da incômoda cobertura, dobrando cuidadosamente o sári, e dando a ela para que o tenha dobrado no braço direito. Terminada a cerimonia, a recém-casada vai para uma sala interna da igreja, onde troca de sári, tirando o recebido dos pais e colocando o que lhe dera o marido.
O novo casal recebe depois os cumprimentos na igreja, findos os quais os convidados se dirigem para o local onde será o almoço de casamento. Este, como de costume, é sempre num bufê. Tudo encerrado, os recém-casados vão para a casa paterna do marido, onde irão morar se, de acordo com a tradição, ele for o filho mais velho.
A sogra espera a nova filha do lado de fora, abraça-a, e lhe dá a bênção. Depois lhe dá um Rosário, como lembrança e sinal de boas-vindas. Encaminha-a depois carinhosamente para seu novo lar, mostrando-lhe cada uma das dependências.
Só depois é que os recém-casados se dirigem ao local da recepção, onde então começa o almoço de casamento.
O resto não difere muito do que ocorre aqui no Brasil.
Para finalizar, resta dizer que, apesar de o casamento ser arrumado pelos pais e os noivos se conhecerem não muito tempo antes, com todo esse teor religioso, o vínculo entre os esposos se torna muito forte e quase nunca termina em divórcio, como, lamentavelmente, esta ficando frequente no Ocidente.
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