26 de novembro de 2017

Notas de perplexidade acerca da Mensagem do Papa Francisco sobre o final da vida

Federico Catani

A mensagem enviada pelo Papa Francisco aos participantes do Encontro Regional Europeu da Associação Médica Mundial [ao lado a mensagem no site do Vaticano] sobre questões relacionadas com o final da vida, realizado no Vaticano de 16 a 17 de novembro, teve grande eco midiático. Em particular, a mídia secular destacou uma guinada considerável da Igreja sobre a eutanásia: de uma clara censura se teria passado a uma abertura prudente, mas clara. A resposta no campo católico foi geralmente a de que o Papa reiterou a doutrina de sempre, e que, a admitir-se uma mudança, ela diz respeito apenas à maneira de abordar a questão e ao idioma usado, percebido como mais dialogante. 

Se é verdade que a mídia laicista obviamente se serviu da Mensagem papal para seus próprios interesses e, portanto, para promover, em particular na Itália, uma lei sobre o chamado “testamento biológico” (ou seja, a legalização da eutanásia), é igualmente inegável que as palavras de Francisco contêm alguns pontos em relação aos quais se fica pelo menos perplexo.


1. Em primeiro lugar, o Papa põe o foco de sua atenção na chamada “obstinação terapêutica” — que é o tema central da Mensagem —, como se este fosse o principal problema hoje no mundo hospitalar. Mas fatos que foram objeto de crônicas muito recentes, como o do pequeno Charlie Gard, mostram que esse não é o caso. A doutrina moral da Igreja certamente sempre condenou a obstinação terapêutica e, nesse sentido, o Papa Francisco de fato não diz nada de novo. Deve-se, contudo, notar que os grupos que favorecem a legalização da eutanásia fazem deliberadamente confusão em torno dos conceitos de “obstinação terapêutica” e de “eutanásia”, apoiando-se na emoção da opinião pública e apresentando à atenção da mídia casos humanos extremos e devastadores. Apresenta-se amiúde como desproporcional uma terapia ou um tratamento que não o é realmente. Confundir e deturpar as palavras faz parte da estratégia da Revolução, neste caso denominada “cultura da morte”.

2. Mas o ponto mais preocupante do discurso é aquele no qual o Papa Francisco acena para um acordo entre as várias correntes em luta, e até mesmo para a aprovação de uma eventual legislação em matéria de fim de vida: "No seio das sociedades democráticas, tópicos delicados como esses devem ser confrontados com calma: de modo sério e reflexivo, e bem dispostos a encontrar soluções — mesmo normativas — tanto quanto possível compartilhadas. Por um lado, de fato, deve-se ter em conta a diversidade de visões do mundo, as convicções éticas as afiliações religiosas, em um clima de recíproca escuta e aceitação.”


Na prática, a doutrina sobre os princípios não negociáveis é pela enésima vez esquecida. A impossibilidade de se chegar a um compromisso nesses temas fundamentais — cujo enunciado por Bento XVI lhe atraiu as críticas e os dardos do mundo — já não é considerada como tal por Francisco. O Papa de fato reconhece que pode haver uma lei para reger o chamado fim de vida. E até mesmo declara que isso deve acontecer tirando uma linha média entre as diferentes posições e visões, com o que se chegaria inevitavelmente a um resultado contrário à doutrina moral católica. A contradição com o n° 73 da Evangelium vitae também é evidente. No caso da Itália, ainda não existe uma lei sobre o chamado “testamento biológico” e o mundo católico deve impedir que isso aconteça. Se de fato se ceder nesse ponto, acontecerá com a eutanásia o mesmo que aconteceu com o aborto, com o divórcio e com o “casamento” homossexual: abrir-se-á uma brecha no dique e será dificílimo fechá-la, pela técnica hoje bem conhecida do slippery slope, ou ladeira escorregadia. Aprovar hoje uma lei sobre o assunto só serve para isso. 

3. Além disso, o Papa Francisco afirma que “para determinar se uma intervenção médica clinicamente apropriada é realmente proporcionada não é suficiente aplicar mecanicamente uma regra geral. É preciso um discernimento cuidadoso, que considere o objeto moral, as circunstâncias e as intenções das pessoas envolvidas”. A mesma linguagem usada para os divorciadas recasados em Amoris laetitia... No entanto, os médicos normalmente já fazem isso: cada paciente e cada doença é um caso à parte, sem prejuízo, entretanto, da verdade moral, que não muda. Aqui, pelo contrário, o Papa escolhe uma linguagem que favorece o relativismo, já amplamente em uso nesses casos.

Bem diversa foi a resposta que a Congregação para a Doutrina da Fé deu, em 2007, aos dubia da Conferência Episcopal dos Estados Unidos ao afirmar claramente que, por exemplo, a hidratação e a alimentação artificiais, exceto obviamente nos casos em que o corpo não pode absorver mais nada, nunca devem ser consideradas como obstinação terapêutica.

Isso não transparece nas palavras de Francisco, as quais, na verdade, inclusive podem confundir: “As intervenções no corpo humano estão se tornando cada vez mais eficazes, mas nem sempre são decisivas: podem sustentar funções biológicas que se tornaram insuficientes, ou mesmo substituí-las, mas isso não equivale a promover a saúde”. Conforme observou Tommaso Scandoglio em La Nuova Bussola quotidiana, para evitar interpretações enganosas bastaria adicionar o advérbio “sempre” diante da expressão “a promover a saúde”

Como conclusão, além de qualquer interpretação destinada a minimizar ou acentuar a pretensa novidade da Mensagem papal, sem todas as observações técnicas possíveis e independentemente das intenções reais ou não, um resultado é evidente: as palavras do Papa Francisco, pelo menos na Itália, ofereceram ajuda e publicidade àqueles que vêm lutando para introduzir a eutanásia no sistema legal. 
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Fonte: https://www.atfp.it/
Tradução: Hélio Dias Viana

2 comentários:

GERALDO CONDÉ disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
GERALDO CONDÉ disse...

ESTA CLORO PARA TODOS NÓS CATÓLICOS QUE FRANCISCO NÃO VEIO PARA EXPLICAR ,E SIM PARA CONFUNDIR . SÓ OS CEGOS DE ESPIRITO NÃO CONSEGUEM VER