6 de maio de 2018

Maio de 1968 – Maio de 2018: 50 anos depois, o que mudou na mentalidade dos católicos?

De maio de 1968 até os nossos dias, o mundo sofreu profunda mudança. Uma verdadeira revolução cultural transformou as mentalidades e as sociedades. Não escapou desse fenômeno o católico “comum”. Segundo o IBGE, 93% dos brasileiros se declaravam católicos em 1960, caindo para 64,6% em 2010. Quais foram, nesse meio século, as principais mudanças nos modos de ser, pensar e sentir dos católicos? 

Benoît Bemelmans

Esta matéria aqui reproduzida foi publicada
na Revista Catolicismo, Nº 809, Maio/2018
Os acontecimentos de maio de 1968, na França, são denominados de vários modos: “revolta estudantil”, “movimentos sociais”, “revolução da Sorbonne”, ou ainda “revolução de maio 68”. Foram explosões temperamentais, acompanhadas de greves operárias e estudantis, numerosos enfrentamentos violentos com a polícia, manifestações, ocupações de universidades, fábricas e teatros, protestos passivos (sit-in) e “assembleias populares”. Aconteceram não somente na Sorbonne de Paris, mas em todas as faculdades e universidades da França; e depois, com características diversas, em muitos pontos do mundo. 

Não sem acerto, o jornalista francês Jean-François Revel, em suas memórias, define assim os acontecimentos de maio de 1968: “Foi um movimento internacional que trouxe uma profunda [...] transformação nos costumes, nas sensibilidades, nas mentalidades”. 

O que pretendiam os agitadores de 68 

As características do movimento são bem conhecidas. Os estudantes se revoltaram antes de tudo contra qualquer tipo de autoridade e contestaram as hierarquias, todas as hierarquias. Queriam acabar com o capitalismo, com a propriedade privada, queriam uma sociedade baseada na “cooperação”, quando não diretamente na “autogestão”. Por meio de assembleias populares em todas as partes, pretendiam instaurar uma democracia “participativa”. Rejeitavam os preceitos da moral e da religião, pregavam o amor livre, e lançaram de fato a revolução sexual, justificando todas as perversões, inclusive a pedofilia. 

Outra característica muito importante: afirmavam que o poder deve ser tomado pelos jovens. Nesse sentido, foram influenciados pela revolução cultural maoísta que se implantava então na China, segundo a qual os jovens “guardas vermelhos” substituem os “velhos” dignitários comunistas. 

Atribuindo valor absoluto à espontaneidade da juventude e ao seu entusiasmo lúdico, julgando-a capaz de guiar a sociedade por novos caminhos, consideravam os “velhos” como burgueses reacionários, que impedem o advento de um novo mundo. A infantilização das mentes era proposta como método revolucionário para alcançar a igualdade. 

Em resumo, pregavam a derrubada da família, da propriedade, das tradições, das instituições, das nações e das fronteiras, da moral, das hierarquias, das classes sociais, e até da razão e da lógica. 
Feministas a favor do abroto

Os slogans da Sorbonne 

Numerosos slogans contendo algum espírito e muita maldade, pichados nos muros da Sorbonne e de outras universidades, dão bem a medida do que queriam alcançar com sua revolta:  
É proibido proibir 
• A imaginação no poder 
• Todo poder é um abuso. 
• As hierarquias são como as estantes: quanto mais altas menos servem  
• Se quiseres ser feliz, enforca o teu proprietário 
• Desfrute sem limites  
• Gozar aqui e agora  
• Invente novas perversões sexuais  
• A chateação é contrarrevolucionária 
• Nem Senhor nem Deus. Deus sou e 
• Mesmo se Deus existisse, seria preciso suprimi-lo  
• A mercadoria é o ópio do povo  
• A preguiça é um direito  
• Nunca trabalheis  
• Você também pode voar 
• Seja realista, exija o impossível  
• Todo ensinante é ensinado, todo ensinado é ensinante  
• Tudo que é discutível deve ser discutido  
• O respeito se perde, não vá atrás dele 
• A política se faz na rua 
• A mais bonita escultura é o paralelepípedo que lançamos na cara da polícia
• Abramos as portas dos manicômios, das prisões e demais faculdades. 

Uma profunda transformação da sociedade 

Nas semanas e meses que se seguiram aos levantes e às greves, aparentemente a vida voltou ao normal, e o movimento revolucionário parecia momentaneamente ter fracassado. Na realidade, uma profunda revolução psicológica e cultural foi se desenvolvendo até hoje, transformando completamente a sociedade. 

Para medir essa transformação, basta considerar a que ponto chegamos em termos de destruição da família, com a implantação do divórcio, do aborto [foto acima], do “casamento” homossexual, da Ideologia de Gênero, além da invasão da pornografia que hoje está ao alcance inclusive das crianças. 

 As elites tradicionais estão desaparecidas da vida da sociedade, tentando apenas sobreviver no seu canto sem chamar a atenção. Foram substituídas por falsas elites, o jet-set. Qualquer pessoa que ocupe um posto hierárquico, seja na economia, na política, ou mesmo na Igreja, faz questão de se apresentar como um homem qualquer, comum, mesmo se para isso tiver que rebaixar a dignidade do seu cargo. 

Os países ocidentais caminham com celeridade rumo a uma sociedade sem classes. A noção de herança, de bens de família cuja propriedade se transmite como um patrimônio precioso, tornou-se uma noção rejeitada por quase todos, mesmo quando se imaginam contrários ao comunismo. 

A civilização da imagem, comandada pelo turbilhão midiático que não deixa um minuto para a reflexão e a análise — internet, redes sociais, smartfones, televisão — são todos filhos da mentalidade de Maio de 68. Uma de suas consequências é a decadência da linguagem, e portanto do pensamento e do raciocínio, com a incapacidade para a abstração e o pensamento doutrinário. Eis o campo ideal para uma nova forma de coletivismo. Não mais o coletivismo dos meios de produção, mas o coletivismo dos meios de informação e formação da opinião, que se resume a um pensamento único. Tudo isso não deixa de ter semelhanças com o “modelo” tribalista, mas de tribos superconectadas, proposto por alguns a partir da Revolução de 1968. O avanço do feminismo, do trans-humanismo, do animalismo, do papel que se deseja dar à “inteligência” artificial, tudo caminha de acordo com a ideologia de Maio 68. 

Mudança de mentalidade do católico “comum” 

O leitor de Catolicismo não é um católico “comum”, cela va sans dire (nem precisaria dizer). Por isso mesmo entende sem dificuldades que, para medir a quanto estamos nessa destruição dramática do que foi outrora uma sociedade fundada nos princípios católicos, precisamos tentar medir até que ponto o conjunto dos católicos convencionais, “comuns”, se deixou levar por essas mudanças no seu modo de pensar e de agir. Quanto perdemos ou abandonamos, sem praticamente nos darmos conta? Até onde chegamos na aceitação dessa nova mentalidade? Qual a diferença entre o católico de hoje e aquele de 50 anos atrás? 

Para apalpar essa realidade, vejamos o quadro psicológico dos católicos antes de 1968. Nessa época, o que prevalecia era ainda a “Igreja constantiniana”, sobre a qual diremos algumas palavras. Nos três primeiros séculos do cristianismo, a Igreja Católica viveu a maior parte do tempo perseguida e nas catacumbas. Em 313, o Imperador romano Constantino deu-lhe liberdade pelo Edito de Milão. A Igreja passou então a influenciar a fundo as instituições e toda a vida da sociedade temporal, nascendo dessa influência a civilização cristã. Uma socióloga francesa definiu o papel da Igreja, durante os séculos seguintes, como “matriz de civilização”. Com altos e baixos, essa influência modeladora da Igreja sobre as sociedades em que os católicos são preponderantes se manteve até os anos 1960. 

O católico “constantiniano” dos anos 1960 

Independentemente de sua prática religiosa e de sua piedade maior ou menor — ou seja, independentemente de sua vida espiritual — o católico “constantiniano” dos anos 60 mantinha um apreço essencial ao fato de que o espírito católico rege profundamente a vida da sociedade. Estava um passo atrás, digamos, em relação à moda em vigor. Embora pessoalmente nem sempre seguisse todos os Mandamentos, recusava o amor livre e queria que as normas da moral católica fossem as normas da sociedade, não frequentava socialmente quem as violasse abertamente. Era contra o divórcio, e uma prova cabal disso é a campanha de abaixo-assinado que a TFP brasileira realizou em 1966. Em apenas 20 dias, 570.000 brasileiros firmaram esse abaixo-assinado contra o divórcio.

O católico “constantiniano” dos anos 60 tinha um apreço pelo formal e pelo cerimonioso, até nos artigos de jornais. Sentia um desgosto pelo baixo nível e a proletarização dos hippies. Tinha um gosto preferencial pelas formas tradicionais de beleza artística, desaprovando a arte moderna e a extravagância.

Mais nacionalista do que admirador da civilização cristã, o católico “constantiniano” era afeito a uma vida social ainda com hierarquias de classes sociais e de dignidades individuais. O direito de propriedade era central na concepção da vida, daí ser anticomunista por temperamento. Gostava de ler livros e artigos profundos, com raciocínios lógicos apoiados na doutrina social da Igreja, da qual já não era muito bom conhecedor. Sem ter sempre claros todos os princípios ideológicos, vivia num ambiente que se pode designar segundo a trilogia tradição, família, propriedade. 
O que o católico “comum” de hoje pensa das hierarquias? O que pensa, por exemplo, das elites que vê, do Papa, do Presidente da República?

Como definir o católico de hoje? 

O que o católico “comum” de hoje pensa das hierarquias? O que pensa, por exemplo, das elites que vê, do Papa, do Presidente da República? 

Como se comporta em relação às modas — na praia, por exemplo? 

O que pensa sobre o Estado laico, sobre o papel que a Igreja deve exercer para moldar as instituições, as leis e os costumes? 

Como se comporta em relação às pessoas que praticam o amor livre, o divórcio, o aborto, o homossexualismo, o concubinato? O que acha da facilidade com a qual a Igreja declara nulos os casamentos? 

Como sente a distinção entre o clero e os leigos? O que opina sobre a democracia participativa dentro da Igreja? 

Com que vigor defende ainda a propriedade privada? Qual o grau de rejeição ao socialismo e seu conhecimento da doutrina social da Igreja? 

Em que medida, quando se mantém católico praticante, aceita viver num mundo que voltou para o paganismo? 

Essa espécie de “exame de consciência coletivo” que propomos é fundamental para se perceber até que ponto o católico “comum” de hoje se afastou dos conceitos, normas de vida e de comportamento que compunham a mentalidade do católico constantiniano. Nenhuma reação efetiva poderá ser feita, se a compreensão dessa profunda decadência não estiver suficientemente clara. 

Em face da situação de decadência, o que fazer? 

Diante deste quadro, o leitor se perguntará naturalmente o que fazer. A primeira coisa, de grande importância, é ver o problema de frente e entendê-lo em seus matizes e múltiplos aspectos. Nós nos deixamos muitas vezes levar demasiadamente por certa torcida, queremos agir antes de ter feito uma análise profunda. Ver e compreender são os primeiros passos da ação. 

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nos trechos do livro Revolução e Contra-Revolução que reproduzimos no final, acentuou a importância de conhecermos essa forma de revolução psicológica enquanto atuando nas tendências, a fim de denunciá-la, e usar todos os recursos legítimos e cabíveis para combatê-la.
Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung

Alguns pontos cronológicos dos eventos de 1968 na França e no mundo

Em 1966, começa na China a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung; seus jovens guardas vermelhos liquidam toda sorte de hierarquia, no partido e na sociedade. 
"Primavera de Praga"
Início da “Primavera de Praga” na Checoslováquia.  
Na Itália, em fevereiro, ocupação primeiramente da Universidade de Roma, e depois da Vila Borghese, com confrontos violentos com a polícia. Mais tarde, durante a primavera, greve geral operária.  
Nos Estados Unidos, manifestações violentas na Califórnia, em Chicago e na Carolina do Sul, onde são mortos três estudantes. Motins em muitas cidades depois da morte de Martin Luther King.  
Manifestações violentas na Alemanha, no Japão, no Canadá e na Suíça. 
No Brasil, manifestações estudantis no Rio contra o regime militar; bombas terroristas em prédios de jornais e da Bolsa de Valores.  
Barricadas nas ruas de Paris
Maio de 1968 na França  
Nos primeiros dias de maio, ocupação violenta da Sorbonne, de Nanterre e demais faculdades de Paris. No dia 3, primeiras barricadas para impedir o acesso à Sorbonne e primeiros enfrentamentos com a polícia. Os estudantes lançam pedras do calçamento contra os policiais. Primeiras detenções.  
No dia 6, violentos enfrentamentos com a Polícia em todo o Quartier latin [bairro da Sorbonne], com centenas de feridos.  
Dia 9: começam as primeiras greves operárias e ocupações de fábricas. 
Nos dias seguintes, noites de barricadas e enfrentamentos com a polícia.  
13 de maio: início da greve geral em toda a França, que se estende por vários dias. No dia 22 de maio o número de grevistas chega a oito milhões. 
Linhas telefônicas e correios não funcionam mais. Falta gasolina. Continuam as barricadas e as manifestações violentas.  
Dia 27: o governo propõe os “Acordos de Grenelle” para acabar com a greve geral.  
No dia 29, o General De Gaulle, Presidente da República, desaparece por algumas horas, por ter ido consultar na Alemanha o General comandante das tropas francesas.  
Dia 30: De Gaulle regressa, dissolve a Assembleia dos Deputados e convoca eleições. Uma manifestação de apoio a De Gaulle lota os Champs-Elysées. 
Greve geral em toda a França
5 de junho: início da retomada de trabalho dos funcionários públicos. Pouco a pouco os transportes e demais setores econômicos retomam suas atividades.  
14 e 16 de junho: evacuação pela polícia da Sorbonne e do Teatro Odeon, ocupados até então.  
23 e 30 de junho: eleições legislativas com ampla vitória dos deputados gaullistas. 




Nas páginas de Revolução e Contra-Revolução, uma análise da revolução cultural e do tribalismo eclesiástico decorrentes de maio de 68


Na Parte III de Revolução e Contra-Revolução — redigida em 1976, e completada com notas em 1992 — Plinio Corrêa de Oliveira [foto ao lado] oferece algumas linhas de reflexão sobre os acontecimentos de maio de 1968. Ressalta a importância da guerra psicológica revolucionária, desenvolvida como consequência da “explosão temperamental” da Sorbonne, a “revolução cultural” e a revolução nas tendências: 

Como uma modalidade de guerra psicológica revolucionária, a partir da rebelião estudantil da Sorbonne em maio de 1968, numerosos autores socialistas e marxistas passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução prévia às transformações políticas e socioeconômicas, que operasse na vida cotidiana, nos costumes, nas mentalidades, nos modos de ser, de sentir e de viver. É a chamada ‘revolução cultural’. 

Consideram eles que esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é uma etapa indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois, sem tal preparação, a transformação revolucionária e as consequentes ‘mudanças de estrutura’ tornar-se-iam efêmeras. 

O referido conceito de ‘revolução cultural’ abarca, com impressionante analogia, o mesmo campo já designado por ‘Revolução e Contra-Revolução’, em 1959, como próprio da Revolução nas tendências (cfr. parte I, cap. 5). 

A guerra psicológica revolucionária 

Em seguida, o Prof. Plinio insiste na importância do conceito de guerra psicológica total, travada contra todos os homens e em todos os campos do agir humano, para levá-los não somente ao comunismo, mas também à etapa seguinte da Revolução, num processo contínuo: 

A guerra psicológica visa a psique toda do homem, ‘trabalha-o’ nas várias potências de sua alma e em todas as fibras de sua mentalidade. Visa todos os homens, tanto partidários ou simpatizantes da III Revolução [a comunista] quanto neutros ou até adversários. Lança mão de todos os meios, a cada passo lhe é necessário dispor de um fator específico para levar insensivelmente cada grupo social, e até cada homem, a se aproximar do comunismo, por pouco que seja: nas convicções religiosas, políticas, sociais e econômicas, nas impostações culturais, nas preferências artísticas, nos modos de ser e de agir em família, na profissão, na sociedade. 

A grife italiana Gucci se inspirou na revolução estudantil de Maio de 68 para sua coleção de inverno de 2018. Como se vê na foto, mais atual do que nunca.

Revolução cultural a serviço do comunismo

Para Plinio Corrêa de Oliveira, é muito importante não esquecer que essa revolução cultural está a serviço do comunismo, e faz nascer desde já, em muitos dos seus aspectos, a IV Revolução. Essa explosão — visível para todos na Sorbonne, e que se desenvolve de tantos modos diversos até nossos dias — não é um fenômeno independente do grande processo revolucionário multissecular, mas é antes a sua continuação direta: 

Como é bem sabido, nem Marx nem a generalidade dos seus mais notórios sequazes, tanto ‘ortodoxos’ como ‘heterodoxos’, viram na ditadura do proletariado a etapa terminal do processo revolucionário. Ela não é, segundo eles, senão o aspecto mais quintessenciado e dinâmico da Revolução universal. Na mitologia evolucionista, inerente ao pensamento de Marx e seus seguidores, a Revolução não terá termo. Assim como a evolução, ela se desenvolverá ao infinito no suceder dos séculos, [da mesma forma que] da I Revolução já nasceram duas outras. A terceira gerará mais uma, e daí por diante.

Não é impossível prever como será a IV Revolução, e os próprios marxistas já o fizeram. Ela deverá ser a derrocada da ditadura do proletariado, em consequência de uma nova crise, por força da qual o Estado hipertrofiado será vítima de sua própria hipertrofia. E desaparecerá, dando origem a um estado de coisas cientificista e cooperativista, no qual o homem terá alcançado um grau de liberdade, igualdade e fraternidade até aqui insuspeitável. 
No mundo todo, o vício de “caçar” Pokémon levou milhões de pessoas às ruas, reflexo de uma revolução tribalista cibernética em andamento

O estruturalismo e o tribalismo

Plinio Corrêa de Oliveira cogita em seguida qual poderá ser, nesse nascimento da IV Revolução, o papel das correntes ideológicas estruturalistas que promovem o tribalismo como modelo. A hipótese que levanta adquire hoje relevo ainda maior, quando conjugada com a revolução cibernética, em marcha rumo a uma nova forma de coletivismo. Teríamos então uma revolução tribalista cibernética, levando o homem para a utopia igualitária por meio de uma guerra psicológica e tendencial: 

O estruturalismo vê na vida tribal uma síntese ilusória entre o auge da liberdade individual e do coletivismo consentido, na qual este último acaba por devorar a liberdade. Segundo tal coletivismo, os vários ‘eus’ ou as pessoas individuais — com sua inteligência, sua vontade e sua sensibilidade, e consequentemente com seus modos de ser característicos e conflitantes — se fundem e se dissolvem na personalidade coletiva da tribo geradora de um pensar, de um querer, de um estilo de ser densamente comuns. 

Bem entendido, o caminho rumo a este estado de coisas tribal tem de passar pela extinção dos velhos padrões de reflexão, volição e sensibilidade individuais, gradualmente substituídos por modos de pensamento, deliberação e sensibilidade cada vez mais coletivos. É neste campo, portanto, que principalmente a transformação se deve dar. De que forma? 

Nas tribos, a coesão entre os membros é assegurada sobretudo por um comum pensar e sentir, do qual decorrem hábitos comuns e um comum querer. A razão individual fica circunscrita a quase nada, isto é, aos primeiros e mais elementares movimentos que seu estado atrofiado lhe consente. ‘Pensamento selvagem’, pensamento que não pensa e se volta apenas para o concreto. 

O tribalismo na educação e nos costumes 

Outras manifestações dessas tendências pré-tribais tiveram seu ponto de partida em maio de 1968 na Sorbonne. As que tinham nascido antes se aceleraram muito a partir de então: 

As tradições indumentárias do Ocidente, corroídas cada vez mais pelo nudismo, tendem obviamente para o aparecimento ou consolidação de hábitos nos quais se tolerará, quando muito, a cintura de penas usada por certas tribos. Onde o frio o exija, seriam alternadas com coberturas mais ou menos à maneira das usadas pelos lapões. 

O desaparecimento rápido das fórmulas de cortesia só pode ter como ponto final a simplicidade absoluta do trato tribal. 

A crescente ojeriza a tudo quanto é raciocinado, estruturado e metodizado só pode conduzir, em seus últimos paroxismos, à perpétua e fantasiosa vagabundagem da vida das selvas, alternada também com o desempenho instintivo e quase mecânico de algumas atividades absolutamente indispensáveis à vida. 

A aversão ao esforço intelectual — notadamente à abstração, à teorização, ao pensamento doutrinário — só pode induzir, em última análise, a uma hipertrofia dos sentidos e da imaginação; a essa ‘civilização da imagem’, para a qual Paulo VI julgou dever advertir a humanidade. 

Tendências igualitárias na estrutura eclesiástica 

Frei Junípero, missionário franciscano,
 dedicou sua vida à conversão
 dos índios no que hoje é o México 
e parte dos Estados Unidos. 
Foi canonizado recentemente.
Para o autor de Revolução e Contra-Revolução, são especialmente importantes nesse panorama as profundas transformações que atingem os católicos nos seus modos de pensar e de sentir. No centro dessas transformações se encontra a tendência igualitária a suprimir a separação essencial entre a Sagrada Hierarquia — que ensina, dirige e santifica — e o povo fiel que é ensinado, dirigido e santificado. A consequência última seria o abandono da convicção de uma verdade e uma moral absolutas em proveito de opiniões e modos de sentir flutuantes e circunstanciais: 

Também a esfera espiritual, a IV Revolução quer reduzi-la ao tribalismo. E o modo de fazê-lo já se pode bem notar nas correntes de teólogos e canonistas que visam transformar a nobre e óssea rigidez da estrutura eclesiástica — como Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu, e vinte séculos de vida religiosa a modelaram magnificamente — num tecido cartilaginoso, mole e amorfo de dioceses e paróquias sem circunscrições territoriais definidas, de grupos religiosos em que a firme autoridade canônica vai sendo substituída gradualmente pelo ascendente de ‘profetas’ mais ou menos pentecostalistas, eles mesmos congêneres dos pajés do estruturalismo-tribalismo, com cujas figuras acabarão por se confundir. Também a paróquia ou diocese progressista-pentecostalista se confundirá necessariamente com a tribo-célula estruturalista.

Desmonarquização das autoridades eclesiásticas 

O Papa Francisco com um cocar da etnia pataxó, durante
a visita que fez ao Brasil em 2013
Nesta perspectiva, que tem algo de histórico e de conjectural, certas modificações de si alheias a esse processo poderiam ser vistas como passos de transição entre o status quo pré-conciliar e o extremo oposto aqui indicado. Por exemplo, a tendência ao colegiado como modo de ser obrigatório de todo poder dentro da Igreja, e como expressão de certa ‘desmonarquização’ da autoridade eclesiástica. Em cada grau esta ficaria, ipso facto, muito mais condicionada do que antes ao escalão imediatamente inferior. 

Tudo isto, levado às suas extremas consequências, poderia tender à instauração estável e universal do sufrágio popular dentro da Igreja. No quadro sonhado pelos tribalistas, chegaria num último lance a uma indefensável dependência de toda a Hierarquia em relação ao laicato, suposto porta-voz necessário da vontade de Deus. Obedecendo ao laicato, a Hierarquia supostamente cumpriria sua missão de obedecer à vontade do próprio Deus.

As obrigações do católico fiel 

Diante da revolução cultural, tendencial, psicológica, que vem transformando a humanidade com velocidade e profundezas provavelmente nunca antes atingidas, quais são as obrigações do católico? O que nossa consciência de católicos nos manda fazer? O autor de Revolução e Contra-Revolução responde: 

Na perspectiva de Revolução e Contra-Revolução, devemos antes de tudo acentuar a preponderante importância das tendências no processo gerador desta IV Revolução e no mundo dela nascido; e consequentemente preparar-nos para lutar, não só no intuito de alertar os homens contra essas tendências — fundamentalmente subversivas da boa ordem humana — como também a usar, no plano tendencial, de todos os recursos legítimos e cabíveis para combater essa mesma Revolução nas tendências. Cabe-nos também observar, analisar e prever os novos passos do processo, para ir opondo obstáculos à Revolução tendencial e à guerra psicológica revolucionária, inerentes à IV Revolução nascente.

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