9 de dezembro de 2019

Como entender o que acontece no Chile?


➤  Juan Antonio Montes

Santiago – Causou surpresa na opinião mundial a violência desencadeada no Chile a partir de 18 de outubro passado, com saques e incêndios do metrô, lojas, sedes de partidos políticos e igrejas, e inúmeras cenas de vandalismo. De fato, como entender que uma população com os melhores índices econômicos do continente possa estar tão insatisfeita? Como justificar que seus beneficiários repudiem o que construíram com tanto esforço e dificuldade em três décadas?

Comentaristas e analistas de todo o mundo tentaram explicar o inexplicável. Em seus comentários, há razões como insatisfação acumulada há anos, expectativas que não se atendem na velocidade desejada, uma geração que recebeu tudo sem esforço e não o valorizou. Todos esses aspectos do problema podem influenciar os fatos, mas não explicam o ódio mais profundo que aí se manifestou. 

Um ânimo destruidor repentino? 

Estação do metrô de Santiago incendiada
Por ocasião dos feriados nacionais em 18 de setembro, precisamente um mês antes do início dos protestos, a grande preocupação dos chilenos era saber onde as festas aconteceriam, e se os pedágios seriam automatizados para permitir o atendimento rápido de milhares de carros que se deslocariam em direção à costa ou ao sul do país. Nada pressagiava que, apenas quatro semanas depois, estivessem ardendo em chamas as mesmas cabines das praças de pedágio, que as pessoas queriam rápidas e eficientes. 

Eis aí uma constatação que evidencia o caráter repentino da manifestação. Bastou um aumento de pouco menos de 25% no valor da passagem do metrô, para que as manifestações anárquicas começassem. Houve um colapso das catracas das principais estações e o subsequente incêndio criminoso de várias delas e de ônibus do serviço de transporte. Pessoas que antes pareciam satisfeitas com a vida queimavam e destruíam tudo ao seu alcance.

Três décadas de governos permissivos 

Igrejas católicas saqueadas e sacrilégios praticados
Os incendiários e predadores de bens públicos e privados geralmente não excedem 30 anos de idade. Correspondem, portanto, àqueles que nasceram durante o constante crescimento da produção, do poder de compra e do valor real dos salários. De acordo com a Pesquisa Casen, divulgada em agosto passado, “em 11 anos a taxa [de pobreza] caiu 20,5%; quanto à pobreza extrema, entretanto, é de 2,3%, o que equivale a 412.839 pessoas”. O ministro do Desenvolvimento, que anunciou esses resultados, declarou: “Na primeira vez que a pobreza é medida no Chile, ela estagnou”. 

Entretanto, ao mesmo tempo em que nessas três décadas a sociedade era economicamente enriquecida, a instituição da família, célula básica da sociedade, rapidamente foi corroída nos seus fundamentos cristãos. Tal corrosão não foi obra do acaso ou das tendências modernas. Foi o objetivo pretendido pelos socialistas, quando recuperaram o poder após a tragédia da experiência socialista do ex-presidente Allende. Os socialistas chilenos perceberam que, após esse fracasso, nunca mais voltariam ao poder político com um discurso estatista e nivelador. A única maneira de o retomarem seria aplicar seus postulados igualitários à esfera cultural, especialmente à instituição da família. Com método, teimosia, e muitas vezes com a colaboração de parlamentares do centro-direita, foram aplicados esses postulados para estabelecer o conceito de “diferentes tipos de família” e a relativização do pátrio poder. 

Os governos esquerdistas impunham uma sucessiva cultura de “direitos”: aborto, gênero, educação sexual permissiva, igualdade entre crianças nascidas dentro e fora do casamento, união homossexual, etc. Saíram gradualmente do cenário conceitos como deveres, obrigações, requisitos e esforço individual dos mais novos.

Não surpreende portanto que, após três décadas de imposição dessa agenda amoral, seu fruto seja o de uma geração apenas desejosa de ter “tudo, agora, e para sempre”, como reivindicava na França o ex-presidente socialista François Mitterrand. No entanto, como é evidente que nem todos podem ter “tudo, agora, e para sempre”, os destruidores pensam ser melhor que ninguém tenha nada, e que não o tenha nunca. 

Os objetivos desses ataques 

Imagem do Sagrado Coração de Jesus roubada da Igreja e profanada na rua
Para conhecer o espírito de uma revolução — e o que está acontecendo no Chile é precisamente uma revolução —, devemos discernir os objetivos dos setores mais radicais. Há neles um desejo revolucionário niilista, que não foi suficientemente considerado, pois parecem movidos por um ódio novo, quase metafísico, no qual o slogan é “destruir”, “fugir” de qualquer compromisso com a sociedade e com o bem comum de seus membros. 

Os políticos, tanto do governo quanto da oposição, acreditam que o problema será resolvido com medidas econômicas (mais royalties e menos liberdade individual) e de ordem política (uma nova Constituição). Uns e outros se apressam em atender a essas supostas demandas, pois a cegueira do chamado “centro esquerda” não os deixa entender que o objetivo dos vândalos é incendiar o próprio Congresso, onde os políticos, como tribunos da República, estão sempre prontos a ceder. 

Foram inúteis as advertências das autoridades policiais que, com as filmagens em mãos, forneceram a evidência desse objetivo incendiário generalizado. Esses ataques tampouco têm relação com o crescente crescimento das bandeiras mapuche nas manifestações, como símbolo de rejeição ao Estado chileno, com os ataques aos monumentos dos heróis nacionais e com incêndios, saques e profanações praticados em várias igrejas católicas.
Algumas igrejas foram sacrilegamente profanadas

Consequências de um quadro incerto 

Ainda é cedo para saber como terminará esse confronto entre um Chile que deseja continuar crescendo e outro setor do país que deseja reverter o caminho para o socialismo “bolivariano”. No entanto, uma coisa é certa: os campos foram profundamente separados entre os que seguem o Chile honesto e trabalhador e aqueles que pretendem retornar às experiências fracassadas do socialismo. 

Movidos por um ódio “sem Deus e sem lei”, esses últimos queimaram bens públicos e privados. Talvez não tenham percebido que, ao mesmo tempo, estavam também destruindo o tecido social que fazia todos os chilenos se reconhecerem como membros de uma nação. Dessa forma, não apenas se isolaram do país real, mas demonstraram ainda que não há possibilidade de entendimento com eles. 

Fazemos votos de que vença o Chile do trabalho e do progresso. Mas, ao mesmo tempo, queremos que se aproveite a lição. E a grande lição desses ataques deve corresponder ao entendimento de que não há progresso autêntico que não seja ancorado na moralidade firme revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos advertiu: “Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á” (Jo 15, 5-6).
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 828, Novembro/2019.

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