25 de setembro de 2023

ARTE DE SUBIR E DE DESCER ESCADAS

 

Luís XIV recebe, sob o olhar da corte, Luís de Bourbon, Príncipe de Condé (Le Grand Condé), no Grand Escalier de Versalhes, após a sua vitória em Seneffe, em 1674 – Jean-Léon Gérôme (1824-1904). Musée d’Orsay, Paris. 

✅  Plinio Corrêa de Oliveira 

Poder-se-ia definir escada como uma série de degraus que nos permite, calcando os pés, passar de um andar ao outro; enquanto elevador nos permite o acesso de um andar ao outro por via mecânica. 

Os arquitetos, ainda com ares da antiga arte, procuravam dar às escadas certa nobreza. Elas deviam ter alguma coisa de ornamental, de tal maneira que, como tudo aquilo que serve ao homem, esconda ou colabore a não se pensar na miséria humana, mas, pelo contrário, realce algo do homem. 

A mais elementar das ideias é a de que uma escada serve para subir e para descer, duas operações que podem mostrar a miséria, mas também a grandeza do homem. Tudo quanto o cerca deve respeitá-lo e ele deve viver cercado de respeito, mesmo o mais modesto dos homens. Ser respeitado vale muito mais do que ser querido. 

Então, até mesmo uma escada deve ser feita para cercar o homem de respeito, porque tudo aquilo de que ele se serve deve ter elementos que realcem algumas excelências da natureza dele, e disfarcem algumas misérias da condição humana. 

Descer ou subir escadas com a leveza do minueto 


Subir ou descer escadas cria problemas que eu chamaria quase de teatrais, quase uma encenação. Quando um homem sobe uma escada, ele sobe lutando contra a lei da gravidade. E no final de uma escada alta pode aparecer um sinal da miséria humana: o cansaço. 

Antes do pecado original, o homem operava sem cansaço — o trabalho era indolor, agradável, interessante. Mas depois do pecado original o trabalho passou a ser difícil, a lei da gravidade começou a pesar, e vivemos batalhando contra o chão. Uma das manifestações da vitória sobre a lei da gravidade é o minueto; durante essa dança o homem e a dama pisam como se fossem plumas.

Esses comentários nos dão oportunidade de sentir o gosto de refletir. Um modo de refletir seria abrir um tratado sobre o raciocínio, mas isto não daria inteiramente o gosto da reflexão. Outro seria, por exemplo, refletir sobre o modo de subir e descer escadas, que pode ter a leveza de um minueto, e cogitar que esse modo pode acentuar no homem aquilo que nele é mais semelhante a Deus. Assemelhar-se a Deus é a honra suprema, é o fim último, é o bem extremo. 

Subindo ou descendo uma escada, as pessoas podem no final acabar por manifestar que fizeram algum esforço. É o tributo que a natureza cobra, ainda que na melhor flor da juventude, devido aos efeitos do pecado original. 

Ademais, quem sobe uma escada, sente outro aspecto da miséria humana: as pessoas que estão em baixo, vistas de cima, parecem menores do que são. E não é agradável serem vistas assim. Os personagens que nós respeitamos, gostamos de vê-los em cima! 

O descer de uma escada é outra operação na qual, como em tudo que o homem faz, pode igualmente transparecer a miséria humana. Se ela não desce com leveza, vista de baixo, pode dar a impressão de uma degringolada que está decaindo, caso não desça com dignidade. 
Palazzo Madama, em Turim. O “Scalone Juvarriano”, Escadaria de Honra dedicada às Princesas Reais. 


Disfarçar o esforço, como uma homenagem à virtude 

Há portanto uma arte de subir e de descer escada. Tanto quanto as circunstâncias permitem, deve-se fazê-lo disfarçando o esforço, fazê-lo com elegância. Pelo respeito que o homem tem para consigo e para com os outros, ele deve procurar velar a sua própria miséria. Tendo pudor de sua própria miséria, ele deve saber disfarçar o esforço, como uma homenagem à virtude. 

Manter a compostura exige esforço sobre si, é uma homenagem que os lados fracos do homem prestam àquilo que ele deveria ser se não fosse o pecado original. Pode ser belo e nobre subir ou descer uma escada e esta deve servir de cenário digno para que o homem possa fazer isso de modo distinto. E isto tanto numa habitação modesta quanto nos palácios. 

Nos palácios deve ser uma glorificação esse tipo de ação, porque muito mais do que na residência comum, eles são a residência da glória. O palácio é o lugar onde reside a glória, é a habitação proporcionada com a glória e deve dar a possibilidade, a uma pessoa que queira, de gloriosamente descer e subir suas escadarias, feitas para enobrecer. 

Ninguém tem o direito de fazer coisas de modo vil 

Em tese é mais glorioso subir. O sol quando sobe até o horizonte vai mostrando mais a sua glória; quando ele desce, vai velando essa sua glória nos crepes da noite! As operações do homem são feitas na presença de Deus e dos homens. Assim, é verdade que subir com glória uma escada é uma coisa muito bela aos olhos d’Ele. 

Aos olhos dos homens, é mais belo saber descer as escadarias. Porque quem sobe é visto de cima para baixo e quem desce é visto de baixo para cima. E para mostrar a sua própria glória, mostra-se melhor a quem está embaixo. Mas é preciso saber descer sem orgulho. Quer dizer, a pessoa deve descer a escada com glória quando tem direito a ela; descer com distinção quando está numa situação distinta ou é uma pessoa distinta; deve descer com correção pelo simples fato de ser uma criatura humana.

É sumamente incorreto descer dando a impressão de que vai cair e que perdeu o controle de si mesmo. Como a lei da gravidade puxa o homem para baixo, aquele que se precipita dá a impressão de que se entregou, que é um vencido, um destroço que rola. Se ele tem de descer a escada depressa, deve tomar uma atitude bem clara de que está com pressa, mas se mostrar inteiramente senhor de si, com a cabeça e o tronco tesos e eretos. 

Assim se desce a escada com correção e não de modo vil. Ora, nenhum homem tem o direito de fazer coisas de modo vil. Hoje tanto se fala de “dignidade humana”, mas com uma noção errada. A noção verdadeira se apagou, mas ela é a luz do homem! 

Quando a pessoa tem o direito a uma situação distinta, pela idade ou pelas circunstâncias, deve descer a escada compassadamente. De maneira que a pessoa em baixo perceba claramente todas as fases da operação; avançar o pé, colocar e pôr o outro, para aquele que a vê note que está descendo com superioridade de espírito, fazendo bem aquilo, mas pensando numa coisa mais elevada. 

É horrível descer uma escada olhando para os degraus, ou para quem está embaixo como quem dissesse: "Sei que sou um colosso!". Pelo contrário, deve — pelo olhar e pela atitude, à medida que vai se aproximando de quem está embaixo — fazer sentir mais a sua ação de presença, de maneira que, ao chegar bem perto, a ação de presença se torne plena, não dando a impressão de que apenas chegou um corpo, como pacote de carnes e ossos, mas chegou uma alma. 

Alguém poderia me objetar: "Essa consideração é bagatela". Respondo: Acho que viver é saber analisar as coisas, o contrário é vegetar. 
Escadarias do Palácio Ducal, dos Doges de Veneza


Escada — imagem da hierarquia na escala social 

Notem a entrada desse palácio [foto acima]. Nos antigos palácios, o andar nobre não era o térreo, mas o andar de cima. Os convidados distintos entravam primeiro em um saguão onde havia uma escadaria monumental que dava acesso aos salões revestidos com belas pinturas e esculturas. 

Convém que a escadaria de um palácio seja larga, pois convém à largueza e grandeza de toda ação nobre o requerer do homem e da senhora a arte de subir e de descer. Era a preocupação de dignificar a natureza humana, tanto nos nobres quanto nos plebeus; todos são dignificados com a grandeza. 

Um espírito igualitário não pode gostar dessas escadas, pois elas representam a imagem da hierarquia na escala social, na escala de valores. Escala e escada não são variantes? A escada serve de suporte para a escala social. O contrário disso é a escada rolante do metrô...



A escada mais nobre, a escada das escadas 

Qual foi o personagem que subiu escada com mais nobreza, majestade, dignidade e esplendor? Foi um personagem perseguido, humilhado, fustigado, desprezado, coberto de feridas do alto da cabeça até a planta dos pés. Foi condenado à morte, mas diante dele todo joelho deve dobrar-se: Nosso Senhor Jesus Cristo! Tudo o que Ele fez foi infinitamente humilde e infinitamente nobre, mesmo nas situações mais próprias a significar opróbrio, desprezo, repúdio e humilhação. 

Podemos imaginá-Lo subindo com os três Apóstolos o monte Tabor [quadro abaixo], onde houve a Transfiguração. No alto a glória O esperava. Em cada passo algo O glorificava. Os Apóstolos, atônitos, encantados, sem saber o que dizer, subindo atrás d’Ele. 

Podemos imaginá-Lo subindo as escadas do pretório de Pilatos. Digno, afirmativo, seguro de Si, olhando Pilatos de cima para baixo com uma tristeza de Pai, mas ao mesmo tempo com a majestade de um Deus. 

Essa foi a escada mais nobre que eu conheci. Não a subi com os meus pés, mas de joelhos. É a Scala Santa [foto acima], que fora transportada de Jerusalém para Roma. Nosso Senhor a subiu durante a sua Paixão, quando foi julgado e condenado. Hoje os peregrinos a sobem de joelhos. 

Para não desgastar seus degraus de mármore, ela está recoberta de madeira. Mas nos pontos do mármore onde há gotas do precioso Sangue de Jesus há óculos com revestimento de vidro para que os peregrinos possam ver, oscular e recitar as orações. Eles refazem de joelhos o caminho que os pés divinos feridos subiram por amor a todos nós. Essa é a escada das escadas! 

Podemos também imaginá-Lo de modo sublime subindo a colina do Calvário com a Cruz às costas rumo ao sacrifício supremo. Acompanhado por Simão de Cirene, que ajudou a carregar a Cruz, pelas santas mulheres e, sobretudo, por Nossa Senhora. Ninguém tem ideia da nobreza dessa subida! 
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 25 de junho de 1983. Esta transcrição não passou pela revisão do autor. O título e os subtítulos foram inseridos pela redação.

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