29 de dezembro de 2014

Alegrias de Natal nos bons velhos tempos

A fim de estimular nossos leitores a celebrar com a devida elevação de vistas o nascimento do Menino-Deus, Catolicismo lhes oferece, como matéria de meditação, belas considerações feitas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a respeito dessa data magna. Elas lhes farão sentir as alegrias de que se cercavam e os perfumes que penetravam todos os ambientes da civilização cristã no período natalino — o oposto do mundo neopagão no qual vivemos. Esquecendo-se do principal, que é a glória de Deus, procura-se extinguir em nossos dias, como se possível fosse, a Luz que veio ao mundo, reduzindo cada vez mais a figura do Menino Jesus e transformando o Natal em mera troca de presentes e frenesi comercial. Ou, pior ainda, rebaixando-o à trivial condição de “feriadão”. 

Plinio Corrêa de Oliveira descreve o ambiente natalino e as graças próprias a esse abençoado dia em seu tempo de menino. São considerações de molde a despertar em nós, não apenas uma reconfortante recordação, mas sobretudo uma admiração autêntica pelas épocas de fé, e um desejo cada vez mais ardente da restauração completa da Cristandade. Então as graças natalinas voltarão a impregnar todos os povos redimidos por Aquele que veio ao mundo e derramou seu preciosíssimo sangue para a nossa Redenção. 

O texto que segue corresponde a excertos de uma conferência do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP em 21 de dezembro de 1984, tendo sido feitas pela redação apenas pequenas adaptações da linguagem falada para a escrita e inseridos subtítulos. 

Plinio Corrêa de Oliveira em 1912, contava então com 4 anos.

“No meu tempo de menino... 

 ...a noite de Natal era um hiato luminoso, cheio de algo que não se consegue descrever, mas que todos sentiam: era aquela suavidade, aquela paz, aquela doçura que dava a impressão de que todo o céu estrelado da noite estava como que impregnando a Terra de perfumes”. 

Plinio Corrêa de Oliveira
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 768, Dezembro/2014
www.catolicismo.com.br


A festa do Santo Natal, assim como a festa de Páscoa, têm especialmente este privilégio: elas interrompem o tempo. Pode alguém estar na situação aflitiva em que estiver, chega o Natal e se abre um paredão: desgraças e lágrimas de um lado, e de outro bimbalham os sinos; o Natal começou; Cristo nasceu; alegria para todos os homens! 

Uma alegria que não é a alegria vulgar do homem que fez um bom negócio; do homem que deu uma tacada política e venceu; do homem que se envaideceu e no qual os outros acreditaram; do homem que ganhou uma loteria... Não! É uma alegria muito mais interna, muito mais leve, uma alegria feita de luz, enquanto as outras são feitas de coisas palpáveis e de segunda ordem. Uma alegria toda ela feita de luz e de uma luz que é o lumen Christi — a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo que brilhou uma vez na Terra, na noite de Natal, e nunca mais, de ano em ano, deixou de brilhar, trazendo uma verdadeira alegria e uma verdadeira paz de alma até para as pessoas mais atormentadas.


“Sangue de Cristo, embriaga-me!” 

Na noite de Natal, gosto de lembrar o que teria sido o Natal nas catacumbas. A catacumba de São Calixto, em Roma, é terrível. Eu nunca pensei que fosse o que é: corredores estreitos, altos, tem-se a impressão de que as duas paredes vão se encontrar no alto. Terra por todos os lados e sepulturas. De repente, uma clareira filtrava de cima um pouquinho de luz e via-se uma sala quadrangular com algumas pinturas, já muito velhas, feitas não sei com que técnica, diretamente sobre a terra. Elas representam de um modo ingênuo cenas do Evangelho. Percebo um altarzinho... E o guia explicou: “Esta era uma capela, aqui se rezava missa!” 

As sepulturas eram de mártires. Terminado para os pagãos o “espetáculo” de um martírio, o povo se retirava. Quando anoitecia, católicos heroicos — candidatos eles mesmos ao martírio, porque se fossem pegos seriam martirizados — arrastavam-se nas trevas da noite até o Circo Máximo, ou até o Coliseu, para resgatar aqueles restos de corpos trucidados pelas feras. Depois, passo a passo, talvez rastejando pelo chão, chegavam escondidos até à entrada da catacumba, que era um orifício no chão. Eles se esgueiravam, chegavam no subterrâneo.

Imediatamente, do fundo da terra ecoava um cântico de triunfo pelo irmão que padeceu e agora está no Céu. Os corpos deles eram gloriosamente trazidos para dentro da catacumba, corpos de mártires que morreram por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Havia mártires que morriam na alegria de enfrentar as feras. Eles iam de encontro a elas; triturados, morriam na alegria com a esperança da salvação eterna no Céu. 

Quando se canta o Anima Christi, há uma das invocações que diz: Sanguis Christi inebria-me! (Sangue de Cristo embriaga-me!). Pode-se perguntar o que quer dizer “Sangue de Cristo embriaga-me” O que é esta embriaguez do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo?

Pode-se responder com um exemplo: um mártir que comungou o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, embriagando-se da alegria e da graça do Espírito Santo, está como que ébrio. Diante do perigo e da dor ele não tem medo. Pelo contrário, a alegria sobrenatural que o enche é tal que, se lhe dissessem que a fera não vem, ele poderia ficar desapontadíssimo! Para ele, a boca do tigre é ocasião de entrar na eternidade no Céu! E as presas do animal são para ele as presas benfazejas que vão romper os laços que o prendem à Terra, para que a sua alma possa voar e ver Nosso Senhor Jesus Cristo! 

Há momentos em que a graça produz este efeito. Então se compreende bem a jaculatória sublime: Sanguis Christi inebria-me! Quantas vezes vemos sinais dessa ebriedade casta e temperante do Sangue de Cristo? 
Os mártires na catacumba – Jules Eugène Lenepveu, 1855. Musée d´Orsay, Paris.

Natal: alegria cheia de asas, cheia de brilho 

A vida de um católico autêntico pode ser difícil, uma vida de batalha, uma vida de renúncia e de sacrifício. Não há quem seja mais isolado, mais bloqueado, mais odiado do que um verdadeiro católico contra-revolucionário neste mundo de neopaganismo. 

Entretanto, como estamos alegres! Como nos enche de alegria a perspectiva do Santo Natal! Acontecimento que desfechou na maior das tragédias da História: a Crucifixão. Para pessoas mundanas esta consideração poderia ser tachada de loucura. Entretanto, é a casta embriaguez do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo! Porque recebemos a graça no Batismo, porque muitas vezes confessamos e comungamos, porque rezamos, porque nossas almas se tornaram sensíveis a estas alegrias de uma categoria inteiramente superior, perto das quais as alegrias da Terra não valem absolutamente nada. Natal! Todos nos preparamos para a alegria do Santo Natal. Que maravilha! 

Essa alegria tira o homem de dentro de si mesmo e difunde uma atmosfera. Alegria, por assim dizer, cheia de asas, cheia de brilho. 

Os mais jovens não alcançaram o que era verdadeiramente uma noite de Natal. Quais eram as impressões da noite do Natal de outrora? — Lembro-me dos tempos em que Natal ainda era Natal... Assim, não seria descabido descrever um pouquinho dessas recordações e tentar fazer reviver aquilo que, numa grande cidade de hoje, tão rica e tão pobre, quase não se percebe mais. 


Natal na “São Paulinho” dos anos 20 

Como era um Natal de 1920? Como era o Natal dos últimos anos da minha infância? Que impressões causavam? 

Alguns poderão dizer que se trata de imaginação a descrição que eu vou fazer. Responderia que não tenho nenhuma prova de que não seja imaginação, mas é do que me recordo. Tenho a convicção interna de que não era imaginação, mas era a graça. A graça que era concedida a mim, mas era dada a todas as crianças do tempo que eu conheci. Era uma graça generalizada! 

As crianças, alguns dias antes do Natal já se sentiam invadidas por uma expectativa, por uma alegria que era muito curiosa, porque vinha sem dúvida da esperança das festas que se realizariam. A perspectiva da festa, no que ela tinha de humano e de terreno, essa perspectiva desempenhava um papel na alegria da criança. 

A criança sabia que tinha pedido a São Nicolau — o santo bispo afável que vinha à noite, enquanto as crianças dormiam, e colocava caixas de presentes junto a elas — presentes grandes nos lares abastados; caixinhas de presentes, afetuosas e pequenas, nos lares modestos; talvez uma florzinha, talvez uma bala, nos lares pobres. Mas em todo lar onde houvesse uma mãe, havia presentes. Ou num lar onde houvesse um pai solícito, alguma coisinha havia para colocar junto à cama do filho. E para a criança isto era uma maravilha, que ela esperava com alguns dias de antecedência. 


Alegria sobrenatural da alma limpa 

Essa alegria que eu sentia invadia minha casa alguns dias antes do Natal. A fräulein Mathilde [governanta da família] fazia conosco um armistício nos estudos de matemática, de geografia e de línguas. Tínhamos assim dias agradáveis na perspectiva do nascimento do Menino-Deus. Podia-se então passear um pouco, correr pelo jardim, brincar. Eram alegrias próprias à inocência da infância, na espera do Natal que se aproximava. Esta alegria era motivada por alguma coisa mais alta e que já era um prenúncio da alegria estritamente religiosa e definidamente religiosa do Natal que chegava. Algo de especial começava a nos encher a alma. 

Nesses dias, todas as crianças ficavam melhores. As que mentiam, mentiam menos; as que não mentiam, censuravam alguma criança que mentisse; as que vagabundeavam ou que sofismavam, ou chicanavam com os horários da casa, eram mais pontuais. Todo o mundo começava a sentir mais limpeza dentro da alma. E a alegria de ter a alma limpa é uma alegria que não tem igual na vida. Esta é a alegria, por exemplo, de quem se confessa e de quem sai do confessionário com a certeza de que foi perdoado.

Há certas alegrias da confissão que não se comparam com nada. Todos os senhores, uma vez ou outra, sentiram isso. Foram se confessar, às vezes era um mero escrúpulo que estava atormentando a alma. A criança sai do confessionário alegre, sentindo-se feliz. É a alegria sobrenatural da alma limpa. Enquanto estou falando, vejo vários dos senhores que sorriem, porque se lembram disso e têm saudades desta “alegria de confessionário”.

Era um pouquinho assim a alegria de Natal nos dias que se antecipavam ao dia 25 de dezembro. Sem que se tivesse confessado, havia uma ideia de um princípio de pureza, de limpidez, de honestidade, de bondade, de candura descida sobre a Terra, que alterava as almas de todos os homens. As pessoas começavam a ser mais benévolas umas com as outras, fazendo pequenos favores recíprocos. As crianças egoístas emprestavam de bom grado os seus brinquedos, as crianças birrentas faziam pequenos favores. E imaginava-se que no mundo dos mais velhos isso era assim também. E havia razão para imaginar isso.

Os mais velhos sabiam que esse já não era o mundo deles, já não estávamos na época de esplendor da Religião católica, mas eles sabiam que esse era o mundo em que nós crianças estávamos, e quando se aproximavam de nós, aproximavam-se como que desejando ver nos nossos olhos a recordação do que foram os Natais deles. O que me levava a achar que eles estavam impregnados da mesma alegria natalícia, pois era só chegar perto que eles cumprimentavam: “Ó, como vai?” E mais amáveis, mais afáveis, e cedendo a pequenos caprichos de criança, etc. Imaginava então que eles estavam tomados pela mesma alegria de Natal. 


Participação na alegria geral na época de Natal 

Propaganda de brinquedos de Natal da “Casa Fuchs”
Nas vésperas do Natal, éramos levados para ver os brinquedos nas casas que tinham exposição das peças. Naquela época, lembro-me que, em geral, eram casas alemãs e inglesas. Havia em São Paulo a “Casa Fuchs”, a “Casa Grumlach”. Havia uma casa portuguesa — a “Casa Lebre” — e outras, como a “Casa Mappin”. Nesta última, minha mãe e a fräulein iam conosco. Como o Natal se aproximava, íamos com roupa de gala, todos enfeitados. E quando saíamos para ver os presentes, admirávamos este presente, aquele, aquele outro... Mamãe ficava prestando atenção e vendo o que cada um queria. E o presente preferido era, “por coincidência”, aquele que São Nicolau levava... Maravilhávamo-nos com a coincidência: “Veja como São Nicolau sabe de todas as coisas...” 


Prédio da antiga “Casa Mappin” na Praça do Patriarca
Para mim, sensível à gastronomia desde muito cedo, uma das partes culminantes da preparação do Natal era quando, depois do circuito para ver presentes, íamos tomar um lanche no salão de chá da “Casa Mappin”. Chá, sanduíches, torradas, chocolate... Eu me regalava! Tinha a impressão de que a alegria do meu corpo em contato com aqueles ventos que sopravam era meio parecida com a alegria de minha alma em contato com as graças do Natal que se aproximava. Eu pensava: “É bem verdade, o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo está chegando. Daqui a pouco se comemorará que Ele nasceu numa manjedoura, nasceu da Virgem Maria, sob o olhar de São José. Oh, que beleza! Vamos depressa, pois Ele está para chegar!”

Esta alegria se percebia em todas as mães que levavam crianças de um lado para outro do centro da cidade. Em São Paulo, no centro andavam todas as crianças, alegres e satisfeitas. Algumas já levando presentes, dando risadas, conversando. As mães, quando passava uma criança mais vistosa, mais engraçada, piscavam para a mãe daquela como que a dizer: “Mas que engraçadinha, etc.” A mãe ficava toda satisfeita... Era uma participação da alegria geral. 


Os preparativos, a árvore de Natal e a “Missa do Galo” 

Voltava-se para casa e começavam os mistérios... Numa sala
determinada, não se podia entrar. Era a árvore de Natal que estava sendo preparada. Cada ano com alguma novidade. Eram os enfeites de Natal das árvores anteriores, mas com alguma novidade: alguns enfeites diferentes; uma estrela muito grande e muito bonita; um anjo de papel colado num círculo dourado; enfim, diversos enfeites para a árvore de Natal. Às vezes, de esguelha, ouvia-se alguma coisa a respeito da árvore e ia-se contar para os outros: “Olha tem tal novidade...” E assim corriam os dias até a chegar a noite de Natal, a “Missa do Galo”. 

Morávamos perto da igreja do Sagrado Coração de Jesus e íamos a pé para a Missa. Todas as casas estavam abertas, todas as luzes acesas, todas as janelas e portas também abertas. E quando caminhávamos, percebíamos — tanto em casas modestas como em casas apalaciadas — uma árvore de Natal maior ou menor, acesa, e no interior das residências algum gramofone tocando roufenhamente umas músicas de Natal. Percebíamos a alegria da família: todos estavam acabando de se aprontar para sair, ficava apenas um criado ou outro tomando conta da casa. As famílias começavam a sair e os sinos a tocar, avisando que não tardaria muito o início da Missa. 

Chegava-se à igreja e estava iluminada — para a ótica da criança, iluminada feericamente. O altar todo cheio de flores, uma manjedoura e o Menino Jesus deitado. E quando batia a meia-noite, o padre entrava e começava a Missa. Era um recolhimento impressionante! Uma espécie de contradição: um recolhimento e uma explosão ao mesmo tempo. Uma explosão de recolhimento, um recolhimento explosivo, algo nesse sentido, que enchia literalmente a alma de alegria. 


Assistia-se à Missa e, quando já se tinha idade, comungava-se. A comunhão era o ápice. Recolhimento, a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha nascido em Belém numa noite daquelas e estava agora realmente presente em nós. Faziam-se os pedidos... Mas, sobretudo, uma sensação de intimidade. Eu tinha uma estampa do Sagrado Coração de Jesus que representava Nosso Senhor segurando um menino de cabelos pretos cacheados, e embaixo havia uma oração mais ou menos assim: “Ó Bom Jesus, tende piedade de mim!” Eu rezava pensando: “Espiritualmente, Nosso Senhor está fazendo isto comigo nesta hora. Eu peço a Ele: ‘Ó bom Jesus, tende piedade de mim!’”.



“Será que São Nicolau acertou?” 

Tinha-se a impressão de que, celebrada a Missa, as graças de Natal se difundiam por todas as casas. E quando se retornava, elas já não eram bem as mesmas. Havia algo de religioso nelas, algo de sacral, de recolhido, que era uma verdadeira maravilha! Mas ao mesmo tempo uma enorme alegria! Começavam os cumprimentos, os ósculos, as felicitações, etc.

Nem preciso falar dos carinhos e felicitações que recebia de minha mãe... Eu já chegava em casa contando com isso, que era um complemento da noite de Natal: a mãe católica osculando um filho que ela desejaria que ficasse católico também. Depois começava a festa de Natal, que terminava já com o sono pesado, mas sono delicioso. Como se sabia que São Nicolau viria durante a noite entregar o presente, tínhamos vontade de surpreendê-lo... Como ele era muito hábil, isto nunca acontecia. Mas tínhamos esperança. E quando chegavam mais ou menos as quatro horas da manhã, sentia-se às vezes sobre os pés o peso da caixa de presentes. 

E pensávamos: “Será que São Nicolau acertou?” Eu não podia
acender a luz do meu abat-jour para ver porque meus pais, que dormiam no quarto contíguo, notariam e me censurariam. Mas também pensava: “Como é gostoso sentir nos pés o peso desse presente grande”. E avaliava o valor e o prazer que o presente iria causar. Pouco depois o sono infantil dominava e a criança dormia. Mas mais tarde, a sofreguidão de acordar fazia com que a criança acordasse de novo e pensasse no presente. 

Um pouco antes de a criada chegar, para acordar com o café, eu já estava de pé, estraçalhando as fitas, os laços, os barbantes... Se fosse possível, arrebentando a caixa para ver o presente que estava dentro, que era sempre muito bonito e que tinha visto e gostado na “Casa Lebre”, na “Casa Grumbach” ou na “Casa Fuchs”... 


Um exército de soldadinhos de chumbo

Lembro-me de um dos presentes de Natal que recebi: uma caixa grande de soldadinhos de chumbo. Eram soldadinhos franceses, entre estes os meus bem-amados Dragões de Cavalaria, um dos quais tocando trompete. Havia outras tropas e canhões. Era a miniatura de um pequeno exército. Não estávamos ainda longe da Primeira Guerra Mundial e tudo isto para mim dizia muito. Falava-se de guerra e fui em toda minha vida muitíssimo militarista. Sempre tive entusiasmo pela condição militar. Assim, eu puxava aqueles soldadinhos para fora da caixa e ia constituindo paradas militares, ficava horas dispondo tropas e sonhando com batalhas. Foi um presente de Natal! 

O sono da noite de 25 para 26 era um sono pesado, gostoso, da consciência tranquila, do Natal sagrado, sob cujo bafejo se dormia, sabendo que no dia seguinte ainda seria de recordação do Natal. Ainda iríamos comer os últimos doces, beber os últimos ponches, brincar mais uma vez com os brinquedos até nos familiarizarmos com eles. 


Recordação... esperança... certeza... 

No meu tempo de menino, a noite de Natal era um hiato luminoso, cheio de algo que não se consegue descrever, mas que todos sentiam: era aquela suavidade, aquela paz, aquela doçura que dava a impressão de que todo o céu estrelado da noite estava como que impregnando a Terra de perfumes. Os sinos tocavam, o som se espalhava e o júbilo impregnava até os jardins. Era uma alegria enorme que circundava todos os homens, porque Cristo nasceu, nasceu em Belém! 

Creio que alguns dos mais velhos devem ter sentido essa atmosfera natalina. Receio que os mais jovens não tanto. Nos tempos atuais, as televisões ligadas o dia inteiro, rádios vociferando canções de Natal comercializadas, essas lâmpadas elétricas laicas penduradas em torno de árvores, em jardins de prédios de apartamentos... Nas igrejas, a missa não é mais tradicional, com toda a tristeza da realidade pós-conciliar. 

O que resta de todo o ambiente do Natal de outrora? Resta uma recordação. Resta muito mais do que uma recordação, resta uma esperança! E foi para avivar esta esperança que eu teci essas considerações. Resta mais do que uma esperança, resta uma certeza! Esta certeza é ligada a uma promessa divina: “As portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja!” 

Assim, um dia, depois de provações, de lutas, acontecerá que os verdadeiros Natais reflorescerão na Terra. A alegria do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Aquelas antigas noites de Natal eram ainda os últimos luzimentos da Cristandade. Nós olhamos para o futuro e esperamos ver, ou do Céu ou na Terra, os natais que florescerão no Reino de Maria — conforme anunciado por São Luís Grignion de Montfort e na Cova da Iria, em Fátima. São promessas tão celestes e tão confortadoras: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”. Quando o Imaculado Coração de Maria triunfar, que glória, que doçura, que harmonia, que suavidade indescritível e única terão as festas do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo!

As comemorações natalícias da Sagrada Família 

Encerro imaginando como seria o Natal na Sagrada Família. É possível que, nas noites de Natal, Nossa Senhora e São José celebrassem o aniversário do Menino Jesus. O dia é tão grandioso que, quando Nosso Senhor nasceu, os anjos cantaram: “Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade!” É impossível que Nossa Senhora e São José não festejassem esse tão grande dia. 

Podemos imaginar, por exemplo, Nosso Senhor com apenas dois anos deitado na sua caminha, e Nossa Senhora e São José aproximando-se à meia-noite e adorando-O no silêncio, com receio de acordá-Lo. Em certo momento, Ele acorda, abre os olhos... Que olhar! Em forma de cruz, Ele abre os braços para ambos, que se aproximam e Lhe osculam os pés. O Menino Jesus os abraça e os beija. Era o Natal na casa de Nazaré, a qual se encontra hoje na cidade italiana de Loreto. 

Pode-se imaginar que à medida em que Nosso Senhor Jesus Cristo crescia em graça e santidade diante de Deus e dos homens, o Natal ia ficando mais belo. Imagine Ele adolescente, depois Ele já maduro, irradiando aquela perfeição cada vez mais sensível aos homens e que deixava Nossa Senhora e São José cada vez mais encantados. 

Como seriam essas comemorações? Os anjos não cantariam? Não se ouviriam coisas extraordinárias naquela santa casa? Todas as conjecturas são possíveis, cada uma delas mais bela do que a outra. 

Pode-se imaginar o primeiro Natal depois da Ascensão de Nosso Senhor ao Céu? Na Igreja ainda pequenina e nova, que nascia como uma plantinha, cada ano que passava o Natal se tornava mais belo, mais sagrado, mais recolhido, introduzia-se mais uma cerimônia, mais um ritual, firmava-se uma tradição...

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