5 de outubro de 2019

Neopaganismo comuno-tribal na nova prática missionária

Foto: Ricardo Stuckert / ABr
A denúncia feita há 42 anos no livro "Tribalismo Indígena – Ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI",[1] de Plinio Corrêa de Oliveira, está claramente confirmada pela ecologia indigenista projetada pelo Sínodo Pan-Amazônico. Esse livro constituiu uma barreira à propagação das ideias de missionários progressistas que desfiguram o ideal de civilização cristã.

  ➤  Paulo Roberto Campos 
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 826, Outubro/2019

Autodemolição da Igreja! Expressão forte, mas muito apropriada para qualificar os objetivos do Sínodo Pan-Amazônico que se realiza neste mês em Roma. 

Em edições anteriores, Catolicismo publicou importantes comentários sobre as ideias incluídas como temas da assembleia de bispos da região amazônica. São as mesmas ideias impregnadas pelos gases pestíferos da “Teologia da Libertação” com que já trabalhavam muitos missionários, adquiridas durante a formação comuno-estruturalista em seminários, propugnadas hoje pelos eclesiásticos progressistas que defendem uma igreja místico-tribal-ecológica com rosto amazônico e indígena. 

Em artigo intitulado Amazônia, o rosto ecológico de Deus (“O Globo”, 31-8-19), Frei Betto mostra os objetivos: 
“A Igreja tem consciência de que, se agora defende a causa indígena, pela qual há tantos mártires, por outro lado ainda não se libertou da influência do projeto colonizador que vigorou no passado. O Sínodo [da Amazônia] busca justamente implantar uma Igreja pós-colonial e solidária, com rosto amazônico e indígena. Para a Igreja, a região é muito mais do que um lugar geográfico; é também um lugar teológico, no qual transparece a face de Deus criador [...]. Os povos indígenas guardam ainda uma sintonia holística com o Cosmo. Seus sentidos aguçados estabelecem um diálogo permanente com a natureza”. 

Criar uma nova forma de igreja 

Engolfando-se nessas mesmas ideias delirantes, outro “teólogo da libertação”, o ex-frade franciscano Leonardo Boff — coautor da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, a respeito de questões ecológicas — afirma em entrevista publicada no site da “Unisinos” (6-9-19):[2] 
“Eles [os indígenas] conhecem o ritmo da floresta, sabem como preservá-la. Eles são nossos mestres e doutores, não os cientistas que têm uma visão de fora [...]. Existe o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que há 30 a 40 anos realiza um trabalho sistemático para a proteção dos povos indígenas. O documento do Sínodo Pan-Amazônico faz outro discurso. Não se trata de converter as culturas, mas de fazer a evangelização nas culturas, para que possa surgir uma igreja com rosto indígena. Nesse sentido, pensa-se na ordenação de padres indígenas para criar essa nova forma de igreja que não seja simplesmente a adaptação das igrejas europeias [...]. O Papa Francisco tem uma imensa liberdade interior e coragem para abrir novos caminhos. Eu acredito que serão consagrados verdadeiros presbíteros indígenas. Apoio o Bispo Erwin Kräutler, amigo do Papa, que também defende ordenar as mulheres”. 
Em ambas as declarações, vemos a contestação à ação missionária da Igreja, que tudo fazia para salvar os índios, proporcionando-lhes bens espirituais e materiais e levando-lhes a boa-nova do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nessas declarações, nota-se também a diferença em relação à ação colonizadora europeia para estabelecer a Cristandade, pois visavam à civilização e conversão de nossos irmãos indígenas. Catequizando-os, iam pouco a pouco, entre outros benefícios, extirpando a barbárie, o canibalismo, as superstições, o paganismo e o infanticídio, prática comum em várias tribos. 

Esses dois expoentes da “esquerda católica” promovem o contrário do que buscavam os missionários tradicionais, pois “não se trata de converter”, nem de transmitir aos silvícolas o ensinamento católico. Pelo contrário, nós é que devemos assimilar o que eles, “nossos mestres e doutores”, têm a nos ensinar. Para os missionários “atualizados”, o homem civilizado não é modelo para os selvagens, estes é que devem ser modelos para todo o mundo ocidental e cristão. Ambos apresentam uma visão panteísta da vida selvagem, como que identificando Deus com a própria natureza ecológica. Em suma, os novos missionários não devem mais catequizar os aborígines, mas assumir seus costumes tribais e seus cultos fetichistas.

Não se esboça nisso a criação de uma nova religião? Outro conceito que indica a tendência neste sentido é a proposta de ordenação sacerdotal de índios casados e de mulheres. 

Não menos importantes que essas declarações são as de um dos principais organizadores do Sínodo da Amazônia, D. Pedro Ricardo Barreto Jimeno, SJ, arcebispo de Huancayo (Peru), cuja recente ascensão ao cardinalato e ao cargo de vice-presidente da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) revela a extensão dos objetivos do atual Sínodo e o açodamento em realizá-los: 
“Os índios vivem o dia e não fazem planos nem para a próxima semana. Outro ponto é o seu tratamento igualitário. Não há diferenças. Eu aprendo muito com eles e continuo a aprender. Sua cultura, sua sabedoria mostrou uma transcendência que para mim era Deus.” Invertendo a condição dos missionários, sustenta que a Igreja não deveria evangelizar os índios, mas sim aprender com eles: “São os índios que devem nos ensinar tantas coisas.” As lições aprendidas com os indígenas da Amazônia representarão um impulso para uma profunda reforma na Igreja: “Devemos definitivamente apoiar a reforma da Igreja. Agora ou nunca!”. 
Dom Tomás Balduíno, falecido Bispo de Goiás Velho, ostentando
um cocar, prega os “valores evangélicos” que, segundo ele, inspiram
a cultura dos índios.

O pseudo-evangelho de D. Balduíno

“Só temos a aprender com os índios” – diz o Pe. Egydio Schwade,
assessor do CIMI. Os Jíbaros eram temidos porque matavam todos aqueles
que ousassem entrar em seus domínios. E depois, com uma técnica especial,
reduziam a proporções diminutas as cabeças de suas vítimas.
Os neomissionários progressistas, como vemos, estão requentando os erros doutrinários defendidos há décadas por alguns próceres da “esquerda católica” e do indigenismo tribalista, como o antigo bispo de Goiás, D. Tomás Balduíno (1922-2014), um dos fundadores do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Entre numerosas apologias da vida tribal e de críticas aos missionários tradicionais, ele declarou:


“Hoje a atividade missionária descobre na cultura indígena valores evangélicos, de tal forma que o índio não só é evangelizado, mas também é capaz de nos evangelizar [...]. A evangelização é capaz de descobrir a presença de Cristo no grupo tribal, o qual vive de maneira mais cristã do que nós, com o nosso batismo e com a nossa prática religiosa. Sem professar o nome de Cristo, os aborígines vivem muito mais na plenitude de vivência anunciada pelo Cristo”.[3] 

A descoberta da América – um crime 

D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia,
em trajes episcopais “aggiornati”: por “báculo”, um remo;
por “mitra”, um chapéu de palha; e “estola”.
Para ele, “Anchieta foi até certo ponto transmissor
de um evangelho colonizador. A lgreja deve se penitenciar”.
Ideias extravagantes como essas, renegando o Evangelho, também foram defendidas pelo hoje nonagenário D. Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), um dos criadores das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e propulsor do MST. Ele ficou conhecido por não usar os trajes próprios de prelado: em vez da mitra, chapéu de palha; no lugar do báculo, um remo. Não usa anel de ouro, mas de tucum. Assim se chama uma árvore nativa da Amazônia, com cuja semente se faz o “anel de tucum” — símbolo dos propagadores do Sínodo da Amazônia. Em sua autobiografia, D. Casaldáliga escreveu: 
“Acabei, por fim, de entender, e até de sentir, toda a ganga de superioridade racista, de domínio endeusado e de exploração inumana com que foram descobertos, colonizados, e, muitas vezes, evangelizados os novos mundos. ‘Colonizar’ e ‘civilizar’ já deixaram de ser para mim verbos humanos. Como não o são, aqui onde vivo e sofro, as novas fórmulas colonizadoras de ‘pacificar’ e ‘integrar’ os índios. Imperialismo, colonialismo e capitalismo merecem, no meu ‘credo’, o mesmo anátema. Repugnam-me os monumentos aos descobridores e aos bandeirantes”.[4] 
Na declaração acima, D. Casaldáliga deixa entender que no seu “credo” não há anátema ao comunismo. Além da crítica aos heróicos descobridores e bandeirantes, ele censura severamente a admirável obra evangelizadora de santos e missionários; como, por exemplo, a de São José de Anchieta, Apóstolo do Brasil: 
“Anchieta foi até certo ponto um transmissor de um evangelho colonizador. A Igreja deve se penitenciar [...]. É evidente que a descoberta da América foi em muitos aspectos um crime colonialista. E que a evangelização tem sido excessivamente vinculada a uma cultura e, por isto mesmo, a um domínio”.[5] 

Sínodo Pan-Amazônico: recauchutagem de ideias retrógadas 

D. Balduíno já faleceu; D. Casaldáliga está muito idoso e doente; mas em pleno século XXI outros adeptos da “Teologia da Libertação” continuam com os mesmos delírios da missiologia comunista. Hoje alguns dos motivadores do Sínodo Pan-Amazônico estão recauchutando o velho projeto de imobilizar o índio na vida tribal, panteísta, comunistoide, igualitária e sem propriedade privada, como o faz o arcebispo peruano D. Pedro Barreto. E apresentam tal “estilo de vida” como modelo para a sociedade, e também para macular o glorioso passado missionário da Igreja. 

Esse projeto foi denunciado por Plinio Corrêa de Oliveira [foto ao lado] há quatro décadas. O Sínodo ora em andamento pretende reanimá-lo, não somente com vistas a manter os silvícolas estagnados no tribalismo primitivista e pagão, mas também para apresentar tal estilo de vida como ideal para a sociedade dita “civilizada”. Exatamente o que o Prof. Plinio refutou cabalmente em 1977, em seu livro Tribalismo Indígena – Ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI. O documento de trabalho (Instrumentum laboris) do Sínodo Pan-Amazônico confirma tais objetivos.

Esse livro foi classificado por alguns como profético e irrefutável. Profético, pois há 42 anos prognosticou precisamente o que hoje está acontecendo; irrefutável porque, seriamente documentado, não deixa margem para réplica. A íntegra dessa obra encontra-se disponível no seguinte link: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Tribalismo_last_corre%C3%A7%C3%A3o.pdf 

Sínodo Pan-Amazônico – os “Estados Gerais” de uma revolução 

No livro Tribalismo Indígena, os novos missionários progressistas são classificados por Plinio Corrêa de Oliveira como “missionários aggiornati” (do italiano giorno, dia), no sentido do missionário modernista da Igreja-Nova, pós-conciliar. Os textos das próximas páginas podem ser aplicados inteiramente aos atuais propugnadores do Sínodo da Amazônia, que se utilizam da questão indígena como pretexto para contestar uma sociedade “austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal”,[6] solidamente fundamentada no magistério tradicional da Santa Igreja Católica. 

Na França de 1789, a convocação da Assembleia dos Estados Gerais (clero, nobreza e povo) pelo Rei Luís XVI precedeu a Revolução Francesa, que derrubou a monarquia e deu início a um estado de coisas caótico, o qual foi se acentuando até os nossos dias. Da mesma forma, deve-se temer que a atual Assembleia Pan-Amazônica — devido às suas gravíssimas consequências para todo o mundo católico — se transforme nos Estados Gerais da Igreja, com vistas a derrubar a sua estrutura monárquica. É o que se poderia deduzir das seguintes palavras do Papa Francisco: “O Vaticano como forma de governo, a Cúria, o que seja, é a última corte europeia de uma monarquia absoluta. A última. As demais já são monarquias constitucionais, a corte se dilui, mas aqui há estruturas de corte que têm que cair”.[7]

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Notas: 
1. Em janeiro de 1978, sócios e cooperadores da TFP saíram em caravanas de propaganda do livro Tribalismo Indígena – Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI. Percorreram 2.963 cidades em todos os quadrantes do Brasil. Em nove edições sucessivas, a tiragem alcançou 82 mil exemplares, sem incluir a publicação em Catolicismo (edição de novembro/dezembro de 1977). A mais recente reedição da obra, em 2008, contém o acréscimo de uma segunda parte, na qual os jornalistas Paulo Henrique Chaves e Nelson Ramos Barretto narram visita que fizeram à reserva Raposa-Serra do Sol (Roraima), e o que pesquisaram em Mato Grosso e em Santa Catarina sobre a questão indígena no Brasil. Este acréscimo comemorativo tem por título: 30 anos depois – Ofensiva radical para levar à fragmentação social e política da nação. Confirma inteiramente as teses sustentadas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1977. 
2. http://www.ihu.unisinos.br/592363-o-futuro-da-humanidade-e-da-terra-esta-ligado-ao-futuro-da-amazonia-entrevista-com-leonardo-boff 
3. Índio ensina ao branco os valores cristãos – entrevista de D. Tomás Balduíno ao semanário “Opinião”, apud “CIC – Centro Informativo Católico”, Vozes, Petrópolis, ano XXV, nº 1279, 22 de fevereiro de 1977. 
4. Yo creo en la justicia y en la esperanza! – Desclée de Brouwer, Bilbao, Espanha, 1976, p. 176. 
5. “De Fato”, Belo Horizonte, ano I, nº 6, setembro de 1976. 
6. Revolução e Contra-Revolução, Artpress, S. Paulo, 4ª edição em português, 1998, Parte II, Cap. II, 1. 
7.https://www.vaticannews.va/es/papa/news/2019-05/papa-francisco-entrevista-televisa-mexico-migrantes-feminicidio.html

Um comentário:

Alexandre Core disse...

Excelente texto. Parabéns!