24 de maio de 2021

Agitação insana das ‘lives’ contraposta à paz no convívio medieval


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Luis Dufaur

Quando videoconferências, teletrabalho e sistemas semelhantes de home office substituem o relacionamento humano, as pessoas sofrem de exaustão e até de esquizofrenia. Sobretudo com o uso intensivo e cotidiano de tais sistemas, como acontece nesses dias de confinamento, segundo se deduz do artigo da psicóloga e pesquisadora da PUC-SP, Katty Zúñiga, publicado numa reportagem da “Folha de Pernambuco”: “Cada vez mais as pessoas se queixam de se sentirem cansadas ou esgotadas nessa nova realidade em que a casa se tornou o local para se fazer tudo”. 

A fadiga do ‘zoom’ 

‘Zoom fatigue’ é a denominação atribuída recentemente à fadiga causada pelo Zoom, uma plataforma muito usada nos encontros virtuais ou ‘lives’. O mosaico de muitas caras de pessoas conectadas sobrecarrega o cérebro. Explica a psicóloga: “Presencialmente, as reuniões de trabalho, ou mesmo as salas de aula, são permeadas por momentos de distração, descontração. Já no online, não há isso, e a parte cognitiva fica em constante estado de atenção”. O fato de não seguir os padrões humanos da convivência exige uma hipervigilância, que no fim do dia se revela devastadora. 

O atraso entre a fala e a escuta na transmissão de dados, e a falta de liberdade de movimentos que a câmera ligada induz, aumentam o desgaste, afirma Marcos Oreste Colpo, psicólogo e professor da PUC-SP: “Quando você está conversando presencialmente, o corpo também fala, mostra inquietações. Nesses sinais, você aprende sobre o outro, percebe aprovação ou reprovação”. 

Quando ele ministra aulas remotas, os alunos desligam as câmeras, morrendo o relacionamento no grupo, que fica sem reações afetivas. Isto é devastador para a psique humana, que não funciona como circuitos eletrônicos, mas é um espírito vivo. 

Problemas na visão 


Danilo Soriano, doutor em oftalmologia da USP, explica que a longa exposição à luz da tela do computador tem efeitos oculares que acentuam a exaustão: “Prestar atenção nas telas por horas seguidas faz que a gente fique muito tempo sem piscar”, aumentando a chance de ressecamento ocular e de presbiopia, ou ‘vista cansada’. Soriano recomenda soluções paliativas: uma pausa caso os olhos fiquem irritados, ardendo ou lacrimejando; lubrificá-los para evitar um cansaço excessivo; ou usar um protetor de tela. 

“Os smartphones já tinham nos colocado numa tensão constante”, afirma Zúñiga. Mas não se revelou verdadeira a ideia de que permanecer no lar é melhor: “Ao contrário, as pessoas estão ainda mais sobrecarregadas nas suas casas”. A psicóloga recomenda conferir se é o caso de deixar a conversa para depois, ou então marcar um horário: “A melhor coisa é ser sincero e dizer que não pode falar naquele momento, sem rodeios”. 

Fim do relacionamento 

O especialista em comportamento André Spicer afirma que as videochamadas tornam irreais os contatos. Diante da tela perdemos muitos sinais indispensáveis na vida real, como o cheiro da sala ou detalhes em nossa visão periférica. Esses dados adicionais nos ajudam a entender o que se passa. Quando eles inexistem, nosso cérebro multiplica o trabalho para entender, e às vezes chega a uma conclusão errada. Por exemplo, um estudo do desempenho virtual de candidatos em entrevistas de emprego mostrou resultados piores que quando entrevistados presencialmente.

Outro estudo descobriu que num seminário virtual os médicos se concentravam no apresentador, e só no comparecimento presencial focavam a razão de ser do encontro. Os juízes que deviam julgar casos de refugiados por asilo mostravam-se inseguros nas entrevistas por vídeo, além de seu entendimento ser pior. Descobertas as fraquezas do método, as partes são propensas a enganar os juízes, que ficam menos capazes de detectar as falsidades. 

Na conversa online se perde o contato com a personalidade, porque “não há espaço para um papinho paralelo, um comentário baixinho para um amigo que está no bar com você, ou um olhar atravessado para um colega de trabalho que vai lhe entender do outro lado da mesa. Quando você chega numa reunião no escritório, tem aquele papo no café, tem um tititi antes. Esse tititi, em geral, nós perdemos [no online]. Não tem um social que envolve o trabalho, não tem como olhar na expressão das pessoas se aquilo causou algum incômodo ou tédio. Com tanta gente, você perde a individualidade”. É o que explica a psicóloga Maluh Duprat, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da PUC-SP. Também diminui nossa capacidade de ‘medir a temperatura’ do ambiente da conversa. Sem uma leitura corporal, é difícil saber se a fala é bem-vinda, quando encerrá-la ou outras decisões ditadas pela percepção das atitudes psicológicas. 

No contato virtual, os colegas de trabalho ou os alunos de um curso perdem a sensação de pertencerem a um grupo. Estudos observaram que assim os mestres não podem ‘ler’ a sala de aula ou a equipe de estudo; isso é danoso para a interação aluno-professor; e gera piores desempenhos. Para os chefes o dano é maior, pois não podem julgar a acolhida dos empregados ou dependentes, não conseguem encontrar expressões de concordância, desacordo ou tédio. 

Quem modera uma ‘live’ fica facilmente perdido, diz Duprat. Pode ser que o outro desligue a câmera porque tinha uma necessidade, ou foi embora por desgosto: “Você não tem como saber se o sujeito foi fazer outra coisa, ou o quanto dele está ali”. 

Funcionária do Capitólio da Virgínia, nos EUA, monitora uma reunião de Zoom entre membros da Casa.

Presença, papel e caneta levam a melhor 

Os intérpretes da ONU e da União Europeia sentem-se escravizados pelo sistema. E os terapeutas dizem que “perdem a conexão” com seus pacientes nas consultas por vídeo (telemedicina). Outra análise verificou que os funcionários remotos padecem uma forma de exílio, pois se sentem esquecidos. Spicer recomenda arranjar outras atividades durante uma ‘live’: fazer pausas; afastar-se da tela para refletir e se recuperar; desligar a câmera; considerar que há formas de comunicação mais eficientes que as videoconferências. 

Há momentos em que funciona melhor não ter comunicação e permanecer em silêncio. Até papel e caneta levam vantagem, pois constatou-se que um agradecimento escrito manualmente deixa os destinatários muito mais felizes. 

Sedentarismo danoso 

Longas horas em ‘lives’ levam a um nível prejudicial de sedentarismo. Mesmo as pessoas não ativas sofrem agora com a falta de pausas para alongamentos, beber água, até para ir ao banheiro. Os intervalos para o cafezinho são escassos, e o tempo para fazer algum exercício é quase nulo. Por isso o Prof. Jeremy Bailenson, que liderou estudo da Universidade Stanford, julga necessário fazer pausas periódicas para refrescar o corpo e a mente. Segundo a neurocientista Thaís Gameiro, doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enquanto funcionarem plataformas como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams, alertas de exaustão estarão sendo enviados para o seu cérebro. 

De todas as empresas procuradas pela reportagem do caderno LINK do jornal “Estado de S. Paulo” (abaixo citada), apenas o Google não se pronunciou. A Zoom acolheu conselhos para moderar o uso de sua plataforma. A Microsoft pesquisa desde o ano passado os danos das ‘lives’ aos usuários. Mas parece pouco. Pelo jeito, a única saída é adotar pausas para caminhar, ir ao banheiro e beber água periodicamente; e, sempre que possível, ficar com a câmera desligada. Reservar um local de trabalho para as chamadas virtuais também pode ajudar o corpo a entender quando é hora de descanso e quando é hora de trabalho. 

A memória rateando 

Ronald Fischer, psicólogo e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) da Victoria University de Wellington, Nova Zelândia, afirma: “No Zoom, Teams, Skype ou outro, muita informação visual é cognitivamente cansativa. [...] Estudos demonstram que a memória funciona melhor quando se liga a ambientes específicos. Quando voltamos àquele ambiente, ele nos ajuda a recordar a experiência. Sem ambiente fica mais difícil para o nosso cérebro guardar todas essas reuniões”. 

Pequenos atrasos na conexão afetam negativamente a forma como vemos uns aos outros. Um delay de 1,2 segundos traz ao nosso subconsciente a impressão enganosa de que a outra pessoa é menos amigável. Afinal, o outro pode montar um ambiente artificial, ou introduzir um fundo de tela que não tem nada a ver com o local em que está, e mudá-lo como preferir. Outro estudo mostrou que o distanciamento reduz a empatia pelo próximo. “A esquisitice aumenta se as pessoas não estão familiarizadas umas com as outras. Elas não têm conhecimento prévio da personalidade do outro ou como ele fala”, afirma a pesquisadora Katrin Schoenenberg. 

Por que é cansativa a tela virtual 

Quando videoconferências, teletrabalho e sistemas semelhantes de
home office substituem o relacionamento humano,
as pessoas sofrem de exaustão e até de esquizofrenia



No site TAB Reporteres na rua, Luiza Pollo chegou a uma conclusão mais direta: “Todo mundo está exausto de conversar por vídeo”. Já para Fischer, sentir-se extenuado depois de uma longa conversa por vídeo é normal, sendo o estresse diretamente proporcional ao número de participantes da ‘live’. Nosso cérebro fica atento principalmente a pessoas e animais, a seus movimentos ou gesticulações. Nós prestamos sempre atenção às expressões faciais e aos movimentos dos colegas, e até dos pets. Isso é muito “diferente de olhar para uma única pessoa falando por vez; no computador ou no celular, todos estão te encarando” - ou, pelo menos, essa é a sensação. 

Elisa Brietzke, psiquiatra e professora da Escola Paulista de Medicina, explica que o cérebro precisa reconhecer sinais corporais que complementam a fala. Mas as ‘lives’ eliminam tudo o que caracteriza uma conversa presencial: falar, gesticular, fazer caretas etc., são coisas que compõem a sobrevivência do relacionamento humano. 

O caderno LINK, do “Estado de S. Paulo”, apresenta conclusões análogas. Por exemplo, Gabriela Costa, 25, professora de inglês e mestranda em Geografia, sofreu utilizando o sistema Zoom nas suas salas de aula. “A gente fica muito mais cansada. Quando termina a aula, só me jogo na cama”. A Dra. Thaís Gameiro explica que a sensação de estar sendo monitorada por muito tempo tira o conforto do contato presencial. “Diante da tela, ficamos olhando o tempo todo para o nosso rosto como se a gente estivesse olhando para um espelho. O usuário pode correr o risco de se desconectar mentalmente do que está fazendo para se analisar”. Assim o explica Sylvia van Enck, especialista em dependência de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Segundo ela, a nossa própria imagem transmitida na tela joga contra. A Dra. Thaís completa, dizendo que ficar a maior parte do tempo se olhando pode entrar na conta da fraqueza extrema. 

Conselho dos especialistas: evitar o vídeo 

No final de fevereiro de 2020, uma pesquisa da Universidade Stanford mostrou que a exposição excessiva às videochamadas é prejudicial a curto e longo prazo. Entre os sintomas estão dores de cabeça, depressão e crises de ansiedade. Por isso, o conselho dos especialistas é evitar o vídeo. 

O Prof. Bailenson liderou a pesquisa e detectou vários fatores degradantes da percepção. O primeiro é uma espécie de estresse, por tornar-se o “centro das atenções”. Cada participante recebe o tempo inteiro os olhares do grupo postos sobre ele, e um painel de teleconferência pode ter dezenas de olhares diferentes e/ou desconhecidos. 

A pesquisa de Stanford vai além da recomendação, e é categórica: desligue a própria imagem. Bailenson afirma: “No mundo real, se alguém estivesse seguindo você constantemente com um espelho, de forma que enquanto estivesse falando com as pessoas você estivesse se vendo num espelho, isso seria loucura”. 

O equilíbrio necessário 

No seu conjunto, as conclusões dos autores citados são válidas e úteis como advertências, pois abordam as consequências negativas do uso intensivo, muitas vezes abusivo, de instrumentos desenvolvidos na esteira de uma mentalidade moderna, superconectada, revolucionária. Evidentemente, tudo isso pode trazer consigo consequências indesejáveis como as que foram apontadas. No entanto, considerados em si mesmos, esses instrumentos podem se prestar ao uso útil, sério, necessário, quando feito moderadamente e sem os abusos aos quais também se prestam. 

Entre os muitos efeitos de uma guerra, como um exemplo analógico, pode ser destacado o conjunto de ruídos ensurdecedores produzidos por bombas, aeronaves, canhões, tanques de guerra e toda a parafernália, que no entanto é indispensável para enfrentar e derrotar o inimigo. Além das mortes, destruições e outros prejuízos conhecidos, constam também no campo médico as neuroses de guerra e outros males como endemias, epidemias e pandemias, muitas das quais surgiram depois das guerras, como suas consequências diretas ou indiretas. E grandíssima parte dos atingidos nem sequer participou do esforço de guerra. 

O mesmo se pode dizer sobre outros utensílios aceitos e de uso generalizado, como computadores, celulares, televisões, rádios, automóveis. A decisão de utilizar ou não tais instrumentos úteis, mas potencialmente perigosos para os incautos, cabe portanto a cada um.

O sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver, caraterísticas da sociedade em geral durante a Idade Média

Lucidez e coerência em usar e não usar 

Sobre este assunto, transcrevemos a seguir um comentário esclarecedor do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Como se verá, ele sempre foi adepto incondicional da calma, de períodos de silêncio, da reclusão voluntária para pensar tranquilamente. Mas nunca deixou de utilizar - sempre que necessário para combater a Revolução - instrumentos que também são úteis à Revolução. E o fazia recomendando a mesma atitude aos seus seguidores, como também o fez no seu livro “Revolução e Contra-Revolução”: 


“Tender para os grandes meios de ação - Em princípio, é claro, a ação contra-revolucionária merece ter à sua disposição os melhores meios de televisão, rádio, imprensa de grande porte, propaganda racional, eficiente e brilhante. O verdadeiro contra-revolucionário deve tender sempre à utilização de tais meios, vencendo o estado de espírito derrotista de alguns de seus companheiros que, de antemão, abandonam a esperança de dispor deles porque os veem sempre na posse dos filhos das trevas” (parte II, cap. VI, 1). 

Estas diretrizes, que Plinio Corrêa de Oliveira praticou eximiamente ao longo de toda a vida e recomendou aos seus seguidores em sua obra-prima, não contradizem em nada a vida plácida, pacífica, estável e tranquila que também levou e recomendou aos seus seguidores em conferência de 28-2-1991: 

“Em geral, as iluminuras da Idade Média representam o operário trabalhando no seu métier, a dona de casa cozinhando ou costurando, ou o calígrafo desenhando uma letra, com algo que eu não me farto de admirar: o sossego, a estabilidade, a tranquilidade e o gosto de viver; fazendo o mesmo trabalho que leva dias, meses, às vezes anos; sem pressa, contanto que saia perfeito. 

“Sem esse estilo de vida, o mundo enlouqueceria. O pequeno burguês, o operário qualificado ou não, o pedreiro medieval podiam passar anos cinzelando uma coluna, sem pressa, sem aflição. Paravam o trabalho na hora de rezar o Ângelus, iam para casa, encontravam a mulher preparando o jantar. Sentavam-se, os filhos se punham em torno deles, calçavam uns chinelões e contavam histórias da família, dos antepassados, da região; liam um trecho da Escritura, da vida dos Santos. 

“Essa estabilidade eu ainda peguei muito, porque em frente de minha casa, na Rua Barão de Limeira, havia um renque de casas operárias misturadas com as casas das melhores famílias de São Paulo. Eu achava a vida deles muito mais sossegada do que a nossa. E eu, que sou amigo do sossego, suspirava: ‘Afinal, eles lá ficaram com o melhor da vida’. 

“O medieval compreendia o nexo do mais alto e sobrenatural com o menor, com coisas sem importância. Uma dona de casa preparava as malas para ir passar uma temporada na casa de uma prima, lembrando de Nossa Senhora indo visitar Santa Isabel, num ambiente densamente impregnado de aroma sobrenatural”. 



Quando concluí a leitura deste texto de Dr. Plinio, perguntei-me se não estou num mundo insano de teletrabalho, videoconferências, comunicação digital, pandemias, lockdowns, políticos corruptos, crises econômicas etc. E pensei: Como seria bom estar junto a um camponês, um burguês ou um castelão, imerso naquela imensa paz e perfume sobrenatural da vida medieval. Mas para chegarmos a algo pelo menos parecido com isso, temos de empreender esforços gigantescos a fim de derrotar a Revolução gnóstica e igualitária. Sem menosprezar os recursos que a própria técnica revolucionária coloca ao nosso alcance.

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Notas: 

1. https://www.folhape.com.br/noticias/videoconferencias-e-excesso-de-chamadas- -causam-exaustao-na-pandemia/143760/ 

2. https://epocanegocios.globo.com/Carreira/ noticia/2020/06/como-videochama das-podem-te-deixar-emocionalmente- -exausto.html 

3. https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/08/por-que-todo-mundo-esta-exausto-de-conversar-por-video.htm 

4. https://link.estadao.com.br/noticias/cultura-digital,videochamadas-sao-uma-usina- -de-exaustao-e-estudo-mostra-os-motivos,70003646089 

5. Plinio Corrêa de Oliveira, conferência em 28-2-91. Sem revisão do autor.

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