25 de setembro de 2025

GARCIA MORENO — SESQUICENTENÁRIO DE SEU FALECIMENTO

 
Gabriel García Moreno faleceu em 6 de agosto de 1875, aos pés do altar de Nossa Senhora das Dores, na Catedral Metropolitana de Quito. Foto: Arquivo Nacional de Fotografia do Equador

  Paulo Roberto Campos

Modelo perfeito de Presidente de República, Don Gabriel García Moreno foi o mais católico dos chefes de Estado das Américas. Grande e exemplar estadista, foi líder político — fundador do Partido Conservador (1869) — autenticamente imbuído dos ensinamentos perenes da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Nascido na véspera do Natal de 1821 em Guayaquil, principal cidade portuária do Equador, no seio de família aristocrática, recebeu no Batismo o nome Gabriel Gregorio Fernando José María García y Moreno y Morán de Buitrón. Em 6 de agosto de 1875, após assistir a Santa Missa e comungar na Igreja de Santo Domingo, como fazia todos os dias, ele foi apunhalado e baleado na Plaza de la Independência, junto ao Palácio Presidencial. Os sicários — chefiados por Faustino Rayo e pagos por conspiradores anticlericais que odiavam mortalmente o Catolicismo — desfecharam sobre ele seis ou sete golpes de facão e seis tiros de revolver. Suas últimas palavras, já agonizando, ecoam até os presentes dias: “Dios no muere!”.


O tumulto atraiu uma multidão, soldados perseguiam os criminosos e sacerdotes correram para assistir o agonizante. Levaram-no para a catedral — a poucos passos da cena do crime —, onde recebeu a absolvição, a extrema-unção e expirou aos pés da imagem de Nossa Senhora das Dores, em meio a lágrimas e soluços dos presentes. Era a primeira sexta-feira do mês, dedicada ao Sagrado Coração de Jesus.

Com a notícia da tragédia, toda a cidade se cobriu espontaneamente de luto. Estandartes fúnebres foram estendidos nas janelas das casas, os sinos dobravam luto, um canhão lançava de hora em hora um fúnebre estampido, as lágrimas cobriam as faces como se cada um tivesse perdido um membro de sua própria família.

Ao ser informado do assassinato de García Moreno, o Papa Pio IX ordenou a celebra ção de uma missa solene de Réquiem na Igreja de Santa Maria in Trastevere. 


Garcia Moreno preparado para se encontrar com Deus

Papa Pio IX

Na véspera do crime, o mártir havia escrito ao seu amigo Juan Aguirre Montúfar: “Vou ser assassinado; sou feliz de morrer pela Fé: nos veremos no Céu”. Neste mesmo dia, discutindo com seu Conselho de Estado essa conspiração para matá-lo, afirmou “Os inimigos de Deus e da Igreja podem me matar, mas Deus não morre!”.

Ainda na véspera desse cruel assassinato, um sacerdote havia dito a Garcia Moreno: “Alertaram-me de que tua morte foi decretada pelos maçons; mas não me disseram quando. Ouvi dizer que os assassinos irão levar o plano deles a cabo logo. Pelo amor de Deus, tome as medidas necessárias!”. O Presidente respondeu que já tinha ouvido algo análogo e que, naquele momento, a melhor medida que poderia tomar era preparar-se para comparecer perante o Juízo de Deus. Assim, ele já havia feito sua última confissão.

Graça de derramar o sangue por Jesus Cristo

Ao ser informado do assassinato desse mártir equatoriano, o Papa Pio IX ordenou a celebração de uma missa solene de Réquiem na Igreja de Santa Maria in Trastevere. Depois afirmou que Garcia Moreno foi um filho sempre submisso da Igreja, cheio de devoção à Santa Sé e de zelo para manter a Religião e a piedade em todo o Equador. O Pontífice concluiu: “Os conselhos das trevas organizados pelas seitas decretaram o assassinato do ilustre Presidente. Ele caiu sob o aço dos assassinos como vítima da fé e da caridade cristã por seu amado país.”

Certamente, motivou esse crime pavoroso o fato de Don Gabriel Garcia Moreno ter seguido à risca seu lema: Liberdade para tudo e para todos, exceto para o mal e os malfeitores”. No sentido desse admirável lema, ele havia enviado uma carta a Pio IX. Eis um profético trecho dela:

“Que riqueza para mim, Santíssimo Padre, ser odiado e caluniado por meu amor ao nosso Divino Redentor! Que felicidade se a sua bênção me obtivesse do Céu a graça de derramar meu sangue por Ele, que sendo Deus, estava disposto a derramar Seu sangue por nós na Cruz!”

De fato, Garcia Moreno derramou seu sangue pelo Divino Redentor e pela civilização católica. Tal foi sua dedicação à Santa Igreja, que no pátio Santa Rosa de Lima do Colégio Pio Latino-Americano, em Roma, por recomendação de Pio IX, foi erigido um monumento. Os dizeres são eloquentes e exaltam bem a heroicidade de virtudes do Presidente-Mártir:

“Gabriel García Moreno, Presidente da República do Equador, com ímpia mão morto por traição no dia 6 de agosto de 1875, cuja virtude e causa de sua gloriosa morte foi admirado, celebrado e lamentado por todos os bons. O Soberano Pontífice Pio IX, com sua generosidade e as ofertas de numerosos católicos, ergueu este monumento ao defensor da Igreja e da República.”

“Religionis integerrimus custos

Auctor studiorum optimorum

Obsequentissimus in Petri sedem

Justitiae cultor; scelerum vindex”.

 

[Tradução: “O mais íntegro guardião da religião, / O autor dos melhores estudos, / O mais obediente à Sé de Pedro, / O adorador da justiça, o vingador dos crimes].

 

Heroicidade de virtudes do Presidente-Mártir


Num dos bolsos do traje que o Presidente usava quando caiu morto foi encontrado o livrinho Imitação de Cristo e, dentro, anotado por ele, os oito itens abaixo. Eles bem revelam virtudes próprias a um santo, e que certamente serão de auxilio no processo de sua canonização. Garcia Moreno será, em toda a história da humanidade, o primeiro Presidente de República elevado à honra dos altares.

1.   Cada manhã, enquanto faço minhas orações, pedirei especialmente a virtude da humildade.

2.   Cada dia assistirei Missa, rezarei o rosário e lerei, além de um capítulo da Imitação, esta regra e as instruções anexas.

3.   Procurarei manter-me, tanto quanto me for possível, na presença de Deus, especialmente na conversação, de modo a não dizer palavras inúteis. Oferecerei constantemente meu coração a Deus, principalmente no início de cada ação.

4.   Em meu quarto, nunca rezar sentado quando puder fazê-lo de joelhos ou de pé. Praticar pequenos atos diários de humildade, como oscular o chão, por exemplo. Desejar toda sorte de humilhações, mas ao mesmo tempo tomar cuidado para não as merecer. Regozijar-me quando minhas ações ou minha pessoa forem insultadas e censuradas.

5.   Nunca falar de mim mesmo, a não ser para reconhecer meus defeitos ou faltas.

6.   Fazer todo esforço, pelo pensamento de Jesus e Maria, para controlar minha impaciência e contradizer minhas inclinações naturais. Ser paciente e amável, mesmo quando quiserem abusar de mim; nunca falar mal de meus inimigos.

7.   Cada manhã, antes de começar meu trabalho, escreverei o que tenho que fazer, sendo muito cuidadoso em distribuir bem meu tempo, entregar-me somente a coisas úteis e necessárias, e continuá-las com zelo e perseverança. Observarei escrupulosamente as leis da justiça e da verdade, e não terei intenção, em todas as minhas ações, senão em buscar a maior glória de Deus.

8.   Farei exame particular duas vezes por dia do meu exercício das diferentes virtudes, e um exame geral cada noite. Confessar-me-ei toda semana.

“Uma das maiores personalidades da história das Américas”

Esse Chefe de Estado providencial proporcionou ao Equador — além do progresso espiritual e moral — a estabilidade política e a gozar de muita prosperidade. Ele retirou o país do caos e da pobreza em que se encontrava devido a várias revoluções internas; conseguiu reorganizar as Forças Armadas; saneou as contas públicas; aumentou muito o comércio, o número de escolas, hospitais e estradas — progressos que são reconhecidos até por adversários. Por isso, o Senado e a Câmara de Deputados do país lhe outorgaram o título de “Regenerador da Pátria e Mártir da Civilização Católica”.

O historiador Calderón García assim deixou registrado: “Infatigável, estoico, justo, enérgico em suas decisões, admiravelmente lógico em sua vida, García Moreno é uma das maiores personalidades da história das Américas. Em 15 anos, transformou completamente seu pequeno país, de acordo com um vasto sistema político que só a morte o impediu de completar. Era um místico do tipo espanhol, não satisfeito com a contemplação estéril, necessitava de ação. Era um organizador e um criador.”

A cerimônia mais bela da “República do Sagrado Coração”


Mas, entre os grandes lances do Presidente-Mártir que marcaram a História, um dos mais belos e destemidos foi a Consagração de todo o Equador ao Sagrado Coração de Jesus, realizada em 25 de março de 1874. Depois de muitos preparativos e celebrações, o ato oficial do Estado — aprovado pela Hierarquia católica e pelo Parlamento, e acolhido com entusiasmo pelo povo — foi realizado na catedral da capital equatoriana, na presença das principais autoridades religiosas, civis e militares. A solene consagração foi lida pelo Arcebispo de Quito, Dom José Ignácio Checa y Barba, em nome da Igreja, e Garcia Moreno a repetiu em nome do Estado. Há relatos registrando a cerimônia como a mais esplendorosa da Igreja já realizada na “República do Sagrado Coração”.

O decreto do Poder Legislativo assim referendou a Consagração: “Considerando que o III Concílio de Quito, por um decreto especial, consagrou a República ao Sagrado Coração de Jesus, colocando-a sob a defesa e proteção d’Ele; que esse ato, o mais eficaz para conservar a Fé, é também o melhor meio de assegurar o progresso e a prosperidade do Estado; o Congresso decreta que a República, doravante consagrada ao Coração de Jesus, O toma como padroeiro e protetor.”


Em ação de graças, e para perpetuar a memória de tão magnífico acontecimento — o primeiro país do mundo consagrado oficialmente ao Sagrado Coração —, organizou-se a construção, no centro histórico quitenho, repleto de belas igrejas, da monumental “Basílica del Voto Nacional” em estilo neogótico [foto abaixo]. Essa iniciativa surgiu em meados de 1883 através do venerável Pe. Julio María Matovelle Maldonado (1852-1929). Em nome de todo o povo equatoriano, a pedra fundamental foi colocada em 1892, mas a basílica só foi inaugurada em 1988.



Considerando a edificante vida de Garcia Moreno, assim como suas numerosas ações pelo bem de seu país, percebemos quanta falta faz atualmente ao Brasil e ao mundo um estadista da altura e categoria desse Chefe de Estado equatoriano do século XIX. Ele era tão querido pelo povo, que foi escolhido com larga maioria em três eleições presidenciais. Infelizmente, neste século XXI, pobre de líderes autênticos e valorosos, a mediocridade toma conta dos postos públicos até das mais importantes nações.

Em homenagem a esse magnânimo Chefe de Estado, herói e mártir da Fé, oferecemos aos nossos leitores dois artigos do provecto colaborador de Catolicismo, Dr. Celso da Costa Carvalho Vidigal, publicados nas edições de abril e de julho de 1964 [brevemente tais artigos serão aqui reproduzidos]. E fechamos a matéria de capa com artigo do Prof. Luis Eduardo Dufaur expondo as recentes manifestações organizadas em cidades do Equador pelos membros da Sociedade Equatoriana Tradição e Ação Pro Cultura Ocidental em honra de Garcia Moreno e do centésimo quinquagésimo aniversário de seu falecimento — de sua entrada no Céu, pode-se afirmar, pois morreu como mártir, uma vez que assassinado “in odium fidei” (por ódio à fé católica).

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Obras consultadas:

·         R.P. Augustin Berthe, Gabriel García Moreno, Dios no muere - Ideal de un fervoroso Católico jefe de Estado. Sociedad Equatoriana Tradicíon y Acción. Segunda Edición: Quito, Ecuador, 2025.

·         Macpherson, E. (1909). Gabriel García Moreno. Em The Catholic Encyclopedia. Nova York: Robert Appleton Company. http://www.newadvent.org/cathen/06379b.htm

·         Gary Potter, Garcia Moreno, Stateman and Martyr, http.www.catholicism.org/bookstore/private/Housetops.htm

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