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Corredentora e Medianeira Universal de todas as graças. Dois títulos de glória da Virgem Maria. Dois dogmas que os fiéis aguardam!
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 900, Dezembro/2025
O século XIX e o início do século XX assistiram a um extraordinário
florescimento da devoção mariana e dos estudos teológicos sobre Nossa Senhora.
Tal impulso foi estimulado pela proclamação do dogma da Imaculada Conceição
(1854), pelas aparições de Lourdes (1858) e de Fátima (1917), e pela
redescoberta do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de São
Luís Maria Grignion de Montfort.
Esses acontecimentos reacenderam na Igreja o
desejo ardente de que fosse proclamado um novo dogma, reconhecendo o papel
eminente da Mãe de Deus na obra da Redenção.
Já em 1913, o Cardeal Désiré-Joseph Mercier,
arcebispo de Malines-Bruxelas, juntamente com todo o episcopado belga, dirigiu
a São Pio X um pedido de definição dogmática sobre a Mediação Universal da
Santíssima Virgem Maria na distribuição das graças. 
Cardeal Désiré-Joseph Mercier,
arcebispo de Malines-Bruxelas
A eclosão da Primeira Guerra Mundial e o
falecimento do Pontífice interromperam, porém, essa iniciativa. Renovado o
pedido sob o pontificado de Pio XI, este concedeu em 1922 à Igreja da Bélgica o
privilégio de celebrar a Missa e o Ofício em honra de Maria Medianeira.
Mais tarde, Pio XII — que via na crescente
devoção à Mãe de Deus “o mais encorajador
sinal dos tempos” — proclamou o dogma da Assunção de Nossa Senhora (1950),
o que suscitou novos e numerosos pedidos à Santa Sé para a definição dos dogmas
da Corredenção e da Mediação Universal. Entretanto, a morte do Papa interrompeu
o curso dessas esperanças.
Quando João XXIII convocou o Concílio Vaticano
II, o então Secretário de Estado, Cardeal Domenico Tardini, enviou a todos os
bispos, superiores religiosos e universidades católicas um questionário,
pedindo-lhes que manifestassem seus vota (desejos) sobre os temas a
tratar na futura assembleia. A maioria dos prelados expressou o anseio por uma
reforma moderada da Igreja, fiel à tradição, pela condenação dos erros modernos
— sobretudo o comunismo — e, de modo particular, por novas definições
doutrinais relativas à Santíssima Virgem Maria.
Os bispos italianos, majoritários no episcopado
mundial, solicitaram que o Concílio proclamasse o dogma da “Mediação Universal
da Bem-aventurada Virgem Maria”, pedido que encontrou eco também em parte
significativa do episcopado francês. No Brasil, segundo o Pe. José Oscar
Beozzo, o pedido mais frequente nos vota dos bispos era justamente o de
que o Concílio definisse a doutrina ou o dogma da Mediação Universal de Nossa
Senhora.
Atendendo a essa expectativa, a Comissão
Preparatória criou um grupo de trabalho encarregado de redigir um esquema
conciliar sobre a Beatíssima Virgem Maria. O texto foi elaborado principalmente
por dois eminentes mariólogos: o Pe. Carlo Balić, presidente da Pontifícia Academia Mariana Internacional,
e o Pe. Gabriele Maria Roschini, fundador e reitor da Pontifícia Faculdade Teológica Marianum.
O esquema, intitulado Schema Constitutionis Dogmaticae de Beata Maria
Virgine Matre Ecclesiae, empregava explicitamente o termo “Corredentora”. Uma
subcomissão, contudo, suprimiu a expressão na versão final, ainda que
reconhecendo ser “em si mesma veríssima”,
por temor de interpretações desfavoráveis por parte dos “irmãos separados”.
A possibilidade de aprovação do texto encontrou
forte resistência nos meios teológicos progressistas. O dominicano Yves Congar
registrou em seu diário que “o drama que
acompanhou toda [sua] vida” era “a
necessidade de lutar contra uma mariologia que não procede da Revelação, mas
que tem o apoio de textos pontifícios”. O jovem Pe. René Laurentin, por sua
vez, afirmava ser necessário “purificar” a exaltação mariana então
predominante. Essa corrente “minimalista”, como a denominou o Pe. Roschini,
tendia a reduzir o papel de Maria, identificando-a com a própria Igreja e considerando-a
apenas prima inter pares, “a primeira entre iguais”, dentro do Corpo
Místico de Cristo.
O Schema de Beata Maria Virgine Mater
Ecclesiae foi enviado aos Padres conciliares em maio de 1963, entre a
primeira e a segunda sessões conciliares. Em uma reunião de episcopados da
Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e Suíça, o jesuíta Karl Rahner criticou o
documento, alegando que suas afirmações “não
eram suficientemente desenvolvidas” e poderiam causar “um mal incalculável do ponto de vista ecumênico”. O “bispo”
luterano Dibelius havia declarado pouco antes que a doutrina católica sobre
Maria constituía um dos maiores obstáculos ao ecumenismo. Rahner, portanto,
propôs que o esquema marial fosse reduzido e incorporado como um simples capítulo
final da constituição dogmática sobre a Igreja.
Nossa Senhora da Misericórdia
Bonanat Zaortiga,
o Velho (1430)
Museu Nacional de Arte
da Catalunha, Espanha.
Nos debates conciliares, o Cardeal Josef Frings,
de Colônia, sustentou essa proposta. Ele foi apoiado pelo Cardeal Raúl Silva
Henríquez, de Santiago do Chile, em nome de 44 bispos latino-americanos, alegando
que a devoção mariana popular na região excedia os limites da fé cristã. Em
sentido contrário, o Cardeal Benjamín de Arriba y Castro, arcebispo de
Tarragona, falando por 60 bispos espanhóis, defendeu a manutenção de um esquema
separado, dada a importância de Maria Santíssima na economia da Redenção.
Diante do grande número de Padres conciliares
inscritos para se pronunciar, o Papa João XXIII ordenou que a Comissão
Teológica escolhesse um único porta-voz de cada corrente de opinião, a fim de
apresentar sinteticamente, diante da aula conciliar, os fundamentos de cada
posição. O Cardeal Rufino Santos, de Manila, resumiu magistralmente o argumento
favorável ao esquema separado, afirmando que a Virgem é o primeiro e principal
membro da Igreja, mas, ao mesmo tempo, está acima dela, intra Christum et
Ecclesiam, como ensinou São Bernardo. A fusão dos esquemas, advertiu, seria
interpretada pelos fiéis como uma diminuição da devoção mariana. O Cardeal
Franz König, de Viena, respondeu que a devoção a Maria necessitava de
“purificação”, para evitar exageros e obstáculos ao ecumenismo.
Cinco dias depois, a assembleia votou: 1.114
bispos a favor da fusão, 1.074 contrários — uma diferença mínima, mas
suficiente para que o texto marial fosse incorporado ao De Ecclesia.
Uma comissão revisora reformulou o escrito. Seu
presidente, o belga Mons. Gérard Philips, propôs a Paulo VI manter o título
“Medianeira” no texto, porém sem maior desenvolvimento doutrinal, como gesto
conciliador para com os que haviam votado contra a fusão. Apesar dessa
concessão, houve protestos: o bispo de Granada, em nome de 80 prelados
espanhóis, lamentou que a comissão tivesse reescrito inteiramente o documento,
em vez de apenas adaptá-lo. Os bispos poloneses, por outro lado, pediram que o
capítulo sobre Nossa Senhora fosse colocado não ao final, mas em segundo lugar,
para sublinhar sua posição singular junto a Cristo.
Apesar das resistências, prevaleceu a versão
“minimalista”. Foram suprimidas as expressões “Corredentora” e “Medianeira de
todas as graças”, restando apenasa frase: “a
Beatíssima Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de Advogada,
Auxiliadora e Medianeira”. Paulo VI, no entanto, corrigiu parcialmente essa
omissão ao proclamar solenemente, no encerramento da terceira sessão conciliar,
Maria Santíssima como Mãe da Igreja
— gesto que provocou protestos irados dos Padres e expertos conciliares
progressistas, que o acusaram de “voltar-se
contra o Concílio”.
O antigo Schema de Beata Maria Virgine Mater
Ecclesiae foi arquivado, e o texto reduzido inserido no último capítulo da Lumen
Gentium. Como previra o Cardeal Rufino Santos, essa solução teve o efeito
de diminuir a centralidade da devoção mariana na vida da Igreja e de esfriar a
piedade da maioria dos fiéis. Contudo, o amor dos verdadeiros devotos da
Santíssima Virgem não se extinguiu. Nas décadas seguintes, cresceu o movimento
em favor da proclamação de um quinto dogma mariano — o da Corredenção e Mediação Universal. A associação Vox Populi Mariae
Mediatrici recolheu, nos últimos 30 anos, o apoio de cerca de 700 bispos e
cardeais, além de oito milhões de fiéis, que pedem incansavelmente à Santa Sé a
definição solene desse papel único de Nossa Senhora na economia da salvação.
Cardeal Rufino Santos
A publicação da recente Nota doutrinal sobre alguns títulos marianos referidos à cooperação de
Maria na obra da Salvação — que, em oposição explícita ao Magistério
ordinário universal dos Papas e doutores da Igreja, julga “sempre inoportuno” o
título de Corredentora e arriscado o de Medianeira de todas as graças — não
será suficiente para esfriar o ardor nem abalar a firme resolução dos fiéis de
continuar a manifestar aos Pastores da Igreja os próprios anseios (CIC, cân.
212 §2) e de exprimir, com filial liberdade, a própria opinião sobre tudo o que
diz respeito ao bem da Igreja (§3).
É nesse mesmo espírito de fidelidade à Tradição
e de amor à Santíssima Virgem que Catolicismo apresenta a seguir [publicaremos amanhã] aos
seus leitores a íntegra do esquema preparatório que foi rejeitado pela maioria
do Padres conciliares, testemunho luminoso da mais elevada e autêntica
expressão da Mariologia imediatamente anterior ao Concílio Vaticano II.

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