37 anos, doutora em direito penal pela USP, é advogada e professora livre-docente da Faculdade de Direito da USP
Artigo publicado na "Folha de S. Paulo", em 10-7-12
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Código Penal para acadêmicos: rígido com o abandono de cães, não com o aborto. Homicídio prescreve; racismo não. Drogas? Caso de saúde. Bullying? Polícia
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Penalistas sempre denunciaram o fato de o legislador criar crimes para atender o clamor público. Mas várias das propostas para um novo Código Penal vêm para atender aos reclamos da intelectualidade.
Por um lado, a comissão diminui a pena daquele que realiza um aborto na gestante e alarga consideravelmente as hipóteses em que se torna lícita tal prática. Por outro, a mesma comissão propõe pena de um a quatro anos para quem abandona um cachorro na rua.
Isso sendo que, atualmente, o abandono de incapaz está sujeito a uma pena de seis meses a três anos.
Não é raro, no ambiente acadêmico, encontrar pessoas que defendem o aborto como política de saúde pública e, ao mesmo tempo, entendem ser crime grave usar ratos como cobaias de laboratório. É uma inversão de valores intrigante.
A questão da discriminação é outro exemplo. Alarga-se significativamente a incidência do direito penal nessa seara, quando, com todo o respeito, ações afirmativas seriam muito mais eficazes.
Nesse sentido, cumpre destacar que já não há qualquer proporcionalidade no fato de o racismo ser imprescritível enquanto o homicídio prescreve. E todos aceitam tal situação como normal...
Foi aplaudida também a proposta de criminalização do bullying e do tal stalking (perseguição obsessiva), pois é inadmissível alguém ser humilhado. Os juristas se esquecem de que um pouco de agressividade faz parte do processo de amadurecimento e que ensinar a criança e o adolescente a respeitarem o outro é papel da família e dos professores, não da justiça penal.
Ademais, os atos de violência que resultam em morte ou lesão grave já são crimes onde quer que ocorram, inclusive na escola.
Criminalizar o bullying retirará dos pais e dos professores a sua responsabilidade. Para que dialogar? Por que tentar integrar? Basta chamar a polícia.
A esse respeito, é curioso constatar que o mesmo grupo que defende que as drogas são uma questão de saúde traz propostas que implicam dizer que falta de educação é um problema policial.
Paulatinamente, abrimos mão de nossos poderes e deveres em prol de um Estado interventor, que nos dita como ser, pensar e falar. É o império da padronização.
Também é surpreendente a notícia de que a comissão [que elabora o novo Código Penal] preverá o acordo como solução célere do processo, principalmente pelo fato de, ao ser anunciada a medida, ter sido comemorado o rompimento com o devido processo legal, uma das maiores conquistas democráticas.
Quem conhece a realidade forense sabe que não existe qualquer paridade entre as partes. Como na transação penal, os acordos serão impostos com a conivência de muitos defensores.
Mesmo que decidamos adotar o instituto da barganha -- que, aliás, tem natureza também processual -- é necessário, primeiro, um maior amadurecimento.
Por mais que a legislação atual seja falha, não pode ser reformulada a toque de caixa. São Tomás de Aquino já ensinava que só é justificável mudar a lei quando os bônus são maiores que os ônus.
Não é o que se anuncia. Não podemos transformar a lei penal, braço mais forte do Estado, em uma sucessão de bandeiras do politicamente correto. Há medidas menos invasivas e mais efetivas para a concretização de uma sociedade mais solidária.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/47835-direito-penal-politicamente-correto.shtml
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