12 de novembro de 2021

A Princesa que tanto amou o Brasil e a ele se dedicou — 1921-2021

Princesa Isabel aos 19 anos 

A Princesa Isabel, a Redentora da raça negra, perdeu o trono, mas não a majestade, nem a nobreza de alma. Essa grande dama brasileira inspira saudades de uma época que não conhecemos e o desejo de um futuro Brasil verdadeiramente brasileiro.

Oscar Vidal

         Neste mês ocorre o centenário do falecimento daquela que muito justamente chamamos de “A Redentora”, a Princesa Isabel. Numa época muito tranquila e próspera do Brasil, ela nasceu em 29 de julho de 1846, no Palácio Imperial de São Cristóvão (depois transformado em Museu Nacional, no Rio de Janeiro, parcialmente destruído por um incêndio em 2018).

Batizada na Imperial Capela de Nossa Senhora da Glória do Outeiro no dia 15 de novembro de 1846, ela recebeu o nome oficial de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança. Foi a segunda filha (a primeira menina) do nosso Imperador Dom Pedro II e de sua esposa a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias.

Como herdeira presuntiva do Império do Brasil, Isabel recebeu o título de Princesa Imperial. Com a morte de seus dois irmãos, ela se tornou a primeira herdeira do Imperador. Casou-se em 1864 com o príncipe francês Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d’Orléans, o Conde d’Eu (1842-1922), com quem teve quatro filhos. Ele era neto de Luís Filipe, rei dos franceses. Ela é bisavó do atual chefe da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança.

Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura, realizada no dia 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. No detalhe (abaixo), vê-se a Princesa Isabel Isabel ao lado do Conde d´Eu. E, do lado oposto, um pouco abaixo e perto da Princesa, em posição destacada, o Cons. João Alfredo Corrêa de Oliveira.

Controvertida questão da escravidão no Brasil

A Princesa Isabel desejava ardentemente a abolição da escravatura, mas sabia que, se o conseguisse de modo imediato, seria mal vista por certos setores da sociedade escravocrata de então, que a culpariam pelo colapso da produção agrícola, sobretudo do café e do açúcar, e poderia dar pretexto aos positivistas e republicanos para exigirem o fim do Império. Assim, ela precisava agir com prudência, fazendo a abolição de modo paulatino e suave, sem violências, como as que já haviam ocorrido em alguns países.

         Na Primeira Regência, em razão da viagem do Imperador à Europa, em 28 de setembro de 1871 — há exatos 150 anos — a Princesa Isabel assinou a Lei do Ventre Livre, que alforriava todas as crianças nascidas de mulheres escravas após aquela data. Essa lei foi patrocinada pelo gabinete liderado por José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819-1880), sendo Ministro do Interior João Alfredo Corrêa de Oliveira [foto abaixo] — o mesmo que, 17 anos depois, chefiaria o gabinete que promoveu a Lei Áurea.

Ao comemorar a aprovação dessa lei, das repletas galerias do Parlamento lançaram os jubilosos assistentes uma chuva de rosas. Presente ao ato, o embaixador norte-americano, James R. Partridge, emocionado, apanhou algumas pétalas, dizendo: “Quero guardar estas flores, como lembrança dessa maravilha. No Brasil a extinção da escravidão foi comemorada com flores, enquanto no meu país custou uma guerra civil com quase um milhão de mortos”.

         Em 28 de setembro de 1885, no governo de João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe (1815-1889), foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade a todos os escravos com idade igual ou superior a 60 anos.

         Anos depois — tendo caído o gabinete Cotegipe e sendo a Princesa novamente Regente do Império —, ela deu um passo importante para livrar os escravos do cativeiro: nomeou, como novo Presidente do Conselho de Ministros, o abolicionista João Alfredo Corrêa de Oliveira — tio-avô paterno do inspirador e principal colaborador desta revista, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

No dia 8 de maio de 1888 o gabinete Corrêa de Oliveira apresentou à Câmara dos Deputados a proposta de legislação que visava extinguir de modo definitivo a escravidão. Dois dias depois ela era aprovada, e em 13 de maio chancelada também pelo Senado.

Nesse mesmo dia a Princesa Isabel sancionou a legislação, conhecida como Lei Áurea, que aboliu a escravidão em todo o território nacional. Seu belo e nobre gesto foi todo ele inspirado nos ensinamentos da Santa Igreja Católica.

Tal era sua fidelidade à Religião que, não sem razão, o sacerdote jesuíta Francisco Leme Lopes (1912-1983) fez alusão a ela como “Isabel, a Católica”, comparando-a com este epíteto à Rainha Isabel de Castela e Leão (1451-1504), que passou para a História com o muito emblemático título de “Isabel, la Católica”.

O Imperador ficou radiante de alegria com a abolição

A “Rosa de Ouro” 
As ruas e praças do Rio de Janeiro estavam em festa. Grandes comemorações revelavam o enorme contentamento, não apenas entre os ex-escravos, mas também em outros setores da opinião pública. A Princesa Imperial do Brasil foi aclamada como “A Redentora”.

Naquele mesmo histórico dia, encontrando-se com o Barão de Cotegipe, que havia feito oposição à Lei Áurea, a Princesa Isabel lhe perguntou:

“Barão, a abolição se fez com festas e flores. Venci ou não venci?”“Sim, Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o trono”.

Ele prognosticava o tão injusto banimento da Família Imperial. Com efeito, a Princesa Isabel teve de abandonar seu tão amado País, pelo qual se dedicara com tanto afinco, pela Baía de Guanabara, a bordo do vapor “Alagoas”, que a levaria com toda a Família Imperial para o exílio.

O Imperador Dom Pedro II, quando soube em Milão — onde se encontrava recuperando-se de uma enfermidade — que a escravidão no Brasil havia sido definitivamente abolida, ficou radiante de alegria e mandou telegrafar à filha felicitando-a. Assim, no dia 22 de maio 1888, ditou o seguinte telegrama: “Princesa Imperial. Grande satisfação para meu coração e graças a Deus pela abolição da escravidão. Felicitação para vós e todos os brasileiros. Pedro e Tereza”.

Condecoração Pontifícia “Rosa de Ouro”

A “Rosa de Ouro” é a condecoração concedida, desde o século XI, pelos Soberanos Pontífices a personalidades ou instituições que tenham demonstrado inequívoca lealdade à Santa Sé. Na verdade, é um bouquet de rosas de ouro maciço. Em 28 de setembro de 1888, o Papa Leão XIII ofereceu à Redentora dos escravos brasileiros a “Rosa de Ouro”, em recompensa pela sua corajosa atitude. A Princesa Isabel foi a única brasileira homenageada com tão alta condecoração.

         No centenário de nascimento da Redentora, em 19 de julho de 1946, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança (1909-1981), neto primogênito da Princesa Isabel, doou a “Rosa de Ouro” à Catedral do Rio de Janeiro. Ele a tinha trazido da Europa, quando retornou ao Brasil com o fim do exílio. 

Fim do Império brasileiro, banimento e exílio

Sua Alteza Imperial sabia que seu gesto emancipando os escravos poderia exacerbar os ateus e republicanos que a caluniavam, levando à perda do trono. E foi de fato o que aconteceu com o golpe republicano de 15 de novembro de 1889.

Golpe muito bem descrito pelo jurista, político e jornalista republicano Aristides da Silveira Lobo (1838-1896): “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada” (Diário Popular, 18-11-1889). No dia seguinte ao golpe de estado, como registrou o historiador Roderick J. Barman, a Princesa Isabel afirmou alto e bom som que “se a abolição é a causa disto, eu não me arrependo; eu considero valer a pena perder o trono por ela”.

         Quando a Princesa da “Rosa de Ouro” tomou conhecimento do decreto do banimento da família imperial, reafirmou: “Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu sacrificaria para libertar os escravos do Brasil”. Afirmação que ecoava o pensamento de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, quando disse: “Prefiro perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos”.

         Em sua partida para o exílio, dois dias depois do golpe, a Princesa declarou: “É com o coração despedaçado pela tristeza que me despeço dos meus amigos, de todos os Brasileiros, e do País que eu amei e amo muito, e da felicidade que eu tenho lutado para contribuir e pela qual eu vou continuar a manter as mais ardentes esperanças.

Devoção da Princesa à Rainha do Brasil

Entre diversas manifestações de devoção da Princesa Isabel a Nossa Senhora Aparecida, devemos lembrar sua visita ao Santuário de Aparecida, em 1868. E 20 anos mais tarde, logo após a aprovação da Lei Áurea, ela ofereceu à imagem milagrosa da Rainha e Padroeira do Brasil uma riquíssima coroa de ouro cravejada de brilhantes.

         Naquela ocasião, a Princesa Imperial escreveu a seguinte oração, dirigida a Nossa Senhora Aparecida: “Eu, diante de Vós, sou uma princesa da terra, e eu me curvo, pois Vós sois a Rainha do Céu. E eu Vos dou tão pobre presente, que seria uma coroa igual à minha, e se eu não me sentar no trono do Brasil, rogo que a Senhora se sente por mim e governe perpetuamente o Brasil”.

Idealizadora do Cristo Redentor no Corcovado

Na edição anterior desta revista foi publicada uma matéria em memória dos 90 anos do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Mas não podemos deixar de registrar, ainda que de passagem, que depois da abolição da escravatura quiseram homenagear a Redentora erigindo no topo do Corcovado uma grande estátua dela.

O Império foi derrubado, a República se instalou, a homenagem foi engavetada. Anos depois, o plano voltou à tona. Quando a Princesa Isabel soube desse projeto, foi enfática em não o aceitar, e sugeriu que naquele mesmo lugar paradisíaco fosse erguido um enorme monumento com uma grande imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, Ele sim, foi o verdadeiro Redentor dos homens. O que foi acolhido.

Mas foi somente em 1931, 10 anos após o falecimento da Princesa, que se concluiu a monumental estátua do Cristo Redentor, hoje considerada oficialmente uma das Maravilhas do Mundo Moderno... Ela não a viu nesta Terra, mas a contempla do Céu.

Pedidos para que a veneranda Princesa seja beatificada

No dia 14 de novembro de 1921, há exatos 100 anos, a bondosa Princesa falecia na França, aos 75 anos de idade. Em seu testamento podemos admirar sua profissão de fé: “Quero morrer na Religião Católica Apostólica Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha Pátria”. Atualmente seus restos mortais se encontram numa artística sepultura [foto] na catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis (RJ).

Crescendo de norte a sul do País os pedidos para que a veneranda Princesa Imperial seja beatificada, e um dia — comprovando-se que ela praticou virtudes em grau heroico — elevada à honra dos altares, em 2011 foi dado início aos tramites necessários para abertura do processo de beatificação.

Os brasileiros amaram a Princesa Isabel de todo o coração e esperavam que ela viesse a ser sua Imperatriz, pois conhecia e amava o Brasil e estava disposta a tudo fazer pelo bem de nossa gente. Mas tal desígnio foi ceifado pelas forças anticatólicas e antimonárquicas com o golpe republicano.

A República foi proclamada e o trono foi derrubado, mas não a legenda áurea do imenso bem que a Monarquia fez ao Brasil. A legenda permanece viva e os brasileiros têm saudades de uma época que não conheceram.

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Fonte: Revista Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851.

Obras consultadas:

§  Pedro Calmon, História do Brasil, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1959.

§  Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira, Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 6ª edição, 1958.

§  Leopoldo Bibiano Xavier, Revivendo o Brasil-Império (Coletânea), Artpress – Indústria Gráfica e Editora Ltda., São Paulo, 1991.

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