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Princesa Isabel com seu neto e sucessor D. Pedro Henrique. Fotografia colorida digitalmente. |
Continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (13-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.
✅ Plinio
Corrêa de Oliveira
Legionário,
28 de julho de 1946
Transcorrendo
agora o primeiro centenário do nascimento da Princesa Isabel, é da maior
conveniência que se ponham em relevo alguns aspectos de sua personalidade, que
a opinião pública ainda não conhece devidamente.
Não
vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias e maldades com que a
propaganda republicana procurou, durante os últimos anos da monarquia, açular
contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti,
menti, sempre ficará alguma coisa), escrevia Voltaire.
O
caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à regra geral. Hoje em
dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs
da propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal
contadas, e se desacreditaram por si.
Entretanto,
apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel ainda não é bem conhecida
pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão somente como a libertadora da
raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da vida do lar, para penetrar na
grande História em um momento fulgurante. Assina a lei de abolição. Cerimônia da assinatura da Lei Áurea
(Quadro de Victor Meirelles)
Volta,
depois, à vida de família, numa penumbra que o exílio, pouco depois, ainda
tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue docemente, e quase sem ruído,
a sua vida terrena, numa época em que sua figura já tinha saído inteiramente da
atualidade política. Desta vida familiar transcorrida numa nobre discrição, se
desprende perfume da genuína virtude cristã.
Reunindo
estes escassos elementos informativos, o quadro psicológico da Princesa parece
compor-se facilmente: excelente dama, que viveu sempre para o lar e que teve a
felicidade de assinar em dado momento a lei de emancipação.
Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam inteiramente para justificar a glória da "Redentora". Não há dúvida, entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito, com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo bastante sumária.
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Família Imperial | (Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration) |
Para
que tenhamos disto alguma ideia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a
suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes
partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que
atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno.
A
família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e
social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado
e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico. A
família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito
nacional, no que diz respeito à vida social e familiar.
Modelo,
no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da
mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social
inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos
os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos
bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito
público uma função pedagógica de imensa importância.
Foi
este o papel social com que deparou a Princesa, desde seus primeiros anos.
Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.
* * *
Se
investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial
conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito
de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua
figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida,
representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela
época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus. Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou
a promulgação da Lei Áurea
Os
costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era
como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro
estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona
Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias.
Adaptou-se
a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa,
acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada
naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse
respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se
sentia um pouco parente daquela família-tipo.
Cabia
à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em
que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado
encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao
regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão
ardentes apreciadores.
À
delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria
a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas
da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se
encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar
confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!
Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos sociais..., mas pela propaganda republicana.
Outros
receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso forte que deve ter quem
carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os republicanos que se alarmaram
com a ideia de que de futuro o cetro não fosse manuseado com suficiente força,
eles que queriam a queda do trono, precisamente para evitar os excessos do
poder.
Mas
é preciso dizer que não foram só os republicanos que se desagradaram por vezes
com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em círculos monárquicos, estas
críticas causavam certa impressão. E alguns dos mais férvidos defensores da
coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia mais representação e mais
força.
Até
que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se prestaria a um muito
amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio da história dos
costumes, capítulo complexo da grande História, que não se trata razoavelmente
senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande reforço de fatos e
documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de um artigo.
Uma
coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou muito popular durante
todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou até sua morte. Quando
ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua fotografia, os
brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e veneranda. A
lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural que não
houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção do dia da
abolição.
O
pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como o da morte de um
membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de
suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera,
ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras
de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre,
maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo pelo amor.
É
possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu modo de desempenhar o
papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam os historiadores a
poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão ainda depende de
estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que ela acertou: a
sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.
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[Amanhã
postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu
centenário de falecimento]
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