4 de março de 2025

Espírito da Quaresma nos anos jubilares

 


  Roberto de Mattei

A maioria das pessoas ignora ou esqueceu o que é a Quaresma. No entanto, o Catecismo Maior de São Pio X foi muito claro, chamando-o de "um tempo de jejum e penitência instituído pela Igreja pela tradição apostólica". No parágrafo seguinte, São Pio X explicou seus propósitos: "Tornar-nos conhecida a obrigação que temos de fazer penitência ao longo de nossas vidas; imitar de alguma forma o estrito jejum de quarenta dias, que Jesus Cristo fez no deserto; para nos prepararmos, mediante a penitência, para celebrar a Páscoa de modo santo" (n. 36).

Muitas vezes, porém, para os bons católicos que não esquecem a Quaresma, ela se reduz a algumas práticas ascéticas: jejum, mortificações, esmolas, certamente louváveis e sempre recomendadas pela Igreja, mas não suficientes para nos transmitir o espírito da Quaresma, que é sobretudo o de nos desapegarmos mais profundamente do pecado e abraçarmos a vontade de Deus com maior generosidade.

Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma de 2009, recorda que nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor ordena ao homem que se abstenha de consumir o fruto proibido: "Podeis comer de todas as árvores do jardim, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deveis comer porque, no dia em que dela comerdes, certamente tereis de morrer” (Gn 2, 16-17). Esta injunção dada por Deus a Adão é o primeiro preceito de abstinência do alimento que o homem recebe. Comentando a ordem divina, São Basílio escreve que “‘não comerás' é, portanto, a lei do jejum e da abstinência» (Sermo de jejunioPG 31, 163, 98). Se, portanto, Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor de "não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal", com o jejum observa ainda Bento XVI o crente pretende submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia" (Mensagem de 11 de Dezembro de 2008).

O espírito de penitência manifesta-se, antes de qualquer outra prática, no esforço de nos conformarmos com a vontade de Deus em todos os momentos, mesmo no momento doloroso e humilhante da nossa vidaEm 26 de março de 1950, por ocasião da Quaresma do Grande Ano Santo, Pio XII dirigiu-se aos fiéis da seguinte forma: "Saber suportar a vida! É a primeira penitência de todo cristão, a primeira condição e o primeiro meio de santidade e santificação. Com aquela dócil resignação que é própria de quem crê num Deus justo e bom, e em Jesus Cristo, mestre e guia dos corações, abraça com coragem a cruz quotidiana, muitas vezes dura. Carregá-lo com Jesus torna seu peso leve”.

O esforço para unir nossa vontade com a vontade de Deus precede toda prática ascética. Por isso, Jesus destaca o motivo profundo do jejum, estigmatizando a atitude dos fariseus, que observavam escrupulosamente as prescrições rituais impostas pela lei, mas seus corações estavam longe de Deus. O verdadeiro jejum, explica o divino Mestre, é antes fazer a vontade do Pai celeste, que vê no secreto e vos recompensará” (Mt 6, 18). Ele mesmo dá um exemplo disto, respondendo a Satanás, no final dos quarenta dias transcorridos no deserto, que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum, conclui Bento XVI, tem por finalidade comer o "verdadeiro alimento", que é fazer a vontade do Pai” (cf. Jo 4, 34).

Aqueles que amam a vontade do Pai detestam o pecado, que é a violação da lei divina. E assim, neste tempo de Quaresma do Jubileu de 2025, como não fazer nossas as palavras que Pio XII dirigiu aos fiéis de todo o mundo para prepará-los para a Quaresma do Jubileu de 1950:

“Meça, se seus olhos e espírito o seguram, com a humildade de quem talvez deva reconhecer parte da responsabilidade, o número, a gravidade, a frequência dos pecados no mundo. Obra própria do homem, o pecado envenena a terra e desfigura a obra de Deus como uma mancha impura. Pense nas inúmeras falhas privadas e públicas, ocultas e abertas; aos pecados contra Deus e sua Igreja; contra si mesmo, na alma e no corpo; contra o próximo, particularmente contra as criaturas mais humildes e indefesas; finalmente, aos pecados contra a família e a sociedade humana. Alguns deles são tão inéditos e hediondos que novas palavras foram necessárias para indicá-los. Pese sua gravidade: aqueles cometidos por mero descuido e aqueles conscientemente premeditados e friamente perpetrados, aqueles que arruínam uma única vida ou que, ao contrário, se multiplicam em cadeias de iniquidade até se tornarem a maldade de séculos ou crimes contra nações inteiras. Confrontai, à luz penetrante da fé, este imenso montão de baixeza e covardia com a santidade luminosa de Deus, com a nobreza do fim para o qual o homem foi criado, com os ideais cristãos pelos quais o Redentor sofreu dor e morte; e então diga se a justiça divina ainda pode tolerar tal distorção de sua imagem e desígnios, tanto abuso de seus dons, tanto desprezo por sua vontade e, acima de tudo, tanta zombaria do sangue inocente de seu Filho.

“Vigário daquele Jesus, que derramou até a última gota de seu sangue para reconciliar os homens com o Pai celeste, Cabeça visível daquela Igreja que é seu Corpo Místico para a salvação e santificação das almas, exortamo-lo a sentimentos e obras de penitência, para que o primeiro passo para uma reabilitação moral eficaz possa ser dado por você e por todos os nossos filhos e filhas espalhados pelo mundo da humanidade. Com todo o ardor de Nosso coração paterno, pedimos que você se arrependa sincera dos pecados passados, repugnância total do pecado, firme resolução de arrependimento; imploramos que assegureis o perdão divino através do sacramento da confissão e do testamento de amor do divino Redentor; enfim, rogamos-vos que alivieis a dívida das penas temporais devidas aos vossos pecados com as numerosas obras de satisfação: orações, esmolas, jejuns, mortificaçõesdas quais o próximo Ano Santo oferece uma ocasião fácil e um convite".

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