24 de dezembro de 2013

“Hoje uma luz brilhará sobre nós, porque nasceu-nos o Senhor




“Hoje uma luz brilhará sobre nós, porque nasceu-nos o Senhor, e será chamado Admirável, Deus, Príncipe da Paz, Pai do século futuro, cujo reino não terá fim”(*)


*       Plinio Corrêa de Oliveira
(Catolicismo, dezembro de 1952)

Considerando os fatos numa vasta perspectiva histórica, o Santo Natal foi o primeiro dia de vida da civilização cristã. Vida ainda germinativa e incipiente, como os primeiros clarões do sol que nasce; mas vida que já continha em si todos os elementos incomparavelmente ricos, da esplendida maturidade a que se destinava.

Com efeito, se é bem verdade que a civilização é um fato social, que para existir como tal nem sequer pode contentar-se de influenciar um pequeno punhado de pessoas, mas deve irradiar sobre uma coletividade inteira, não se pode dizer que a atmosfera sobrenatural que emana do presépio de Belém sobre os circunstantes já estava formando uma civilização. Mas se, de outro lado, consideramos que todas as riquezas da civilização cristã se contém em Nosso Senhor Jesus Cristo como em sua fonte única, infinitamente perfeita, e que a luz que começou a brilhar sobre os homens em Belém havia de alongar cada vez mais seus clarões, até se estender sobre o mundo inteiro, transformando mentalidades, abolindo e instituindo costumes, infundindo espírito novo em todas as culturas, unindo e elevando a um nível superior todas as civilizações, pode-se dizer que o primeiro dia de Cristo na Terra foi desde logo o primeiro dia de uma era histórica.
Quem o haveria de dizer? Não há ser humano mais débil do que uma criança. Não há habitação mais pobre do que uma gruta. Não há berço mais rudimentar do que uma manjedoura. Entretanto, esta Criança, naquela gruta, naquela manjedoura, haveria de transformar o curso História.

E que transformação! A mais difícil de todas, pois que se tratava, não de acelerar o curso das coisas no rumo em que seguiam, mas de orientar os homens no caminho mais avesso a suas inclinações: a via da austeridade, do sacrifício, da Cruz. Tratava-se de convidar à Fé um mundo apodrecido pelas superstições, pelo sincretismo religioso e pelo ceticismo completo. Tratava-se de convidar para a justiça uma humanidade afeita a todas as iniquidades: o domínio despótico do forte sobre os fracos, das massas sobre as elites, e da plutocracia — que reúne em si todos defeitos de umas e outras — sobre a própria massa. Tratava-se de convidar ao desapego um mundo que adorava o prazer sob todas as suas formas. Tratava-se de atrair para a pureza um mundo em que todas as depravações eram conhecidas, praticadas, aprovadas. Tarefa evidentemente inviável, mas que a Divina Criança começou a realizar desde o seu primeiro momento nesta Terra, e que nem a força do ódio judaico, nem a força do domínio romano, nem a força das paixões humanas poderia conter.
Dois mil anos depois do Nascimento de Cristo, parecemos ter voltado ao ponto inicial. A adoração do dinheiro, a divinização das massas, a exasperação do gosto dos prazeres mais vãos, o domínio despótico da força bruta, as superstições, o sincretismo religioso, o cepticismo, enfim o neo-paganismo em todos os seus aspectos invadiram novamente a Terra.

Blasfemaria contra Nosso Senhor Jesus Cristo quem afirmasse que este inferno de confusão, de corrupção, de revolta, de violência que temos diante de nós é a civilização cristã, é o Reino de Cristo na Terra. Apenas um ou outro grande lineamento da antiga cristandade sobrevive, abalado, no mundo de hoje. Mas, em sua realidade plena e global a civilização cristã deixou de existir, e da grande luz sobrenatural que começou a fulgir em Belém poucos raios brilham ainda sobre as leis, os costumes, as instituições e a cultura do século XX.

Por que isto? Teria a ação de Jesus Cristo — tão presente em nossos tabernáculos como na gruta de Belém — perdido algo de sua eficácia? Evidentemente não.

E, se a causa não está nem pode estar n´Ele, por certo está nos homens. Vindo a um mundo profundamente corrompido, Nosso Senhor e depois dele a Igreja nascente encontraram almas que se abriram à pregação evangélica. Hoje, a pregação evangélica se dissemina por toda a Terra. Mas cresce assustadoramente o número dos que se recusam com obstinação a ouvir a palavra de Deus, dos que pelas ideias que professam, pelos costumes que praticam, estão precisamente no polo oposto à Igreja. “Lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non conprehenderunt” (A Luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam – Jo 1, 5).

Nisto, só nisto, está a causa de ruína da civilização cristã no mundo. Pois se o homem não é, não quer ser católico, como pode ser cristã a civilização que nasce de suas mãos?
Espanta que tantos homens perguntem qual a causa da crise titânica em que o mundo se debate. Basta imaginar que a humanidade cumprisse a Lei de Deus, para que se entenda que ipso facto a crise deixaria de existir. O problema, pois, está em nós. Está em nosso livre arbítrio. Está em nossa inteligência que se fecha à verdade, em nossa vontade que, solicitada pelas paixões se recusa ao bem. A reforma do homem é a reforma essencial e indispensável. Com ela, tudo estará feito. Sem ela, tudo quanto se fizer será nada.

Esta é a grande verdade que se deve meditar no Natal. Não basta que nos inclinemos ante Jesus Menino, ao som dos hinos litúrgicos, em uníssono com a alegria do povo fiel. É necessário que cuidemos cada qual de nossa reforma, e da reforma do próximo, para que a crise contemporânea tenha solução, para que a luz que brilha do presépio recobre campo livre para sua irradiação em todo o mundo.


Mas como conseguir isto? Onde estão nossos cinemas, nossos rádios, nossos diários, nossas organizações? Onde estão nossas bombas atômicas, nossos toques, nossos exércitos? Onde estão nossos bancos, nossos tesouros, nossas riquezas? Como lutar contra o mundo inteiro?

A pergunta é ingênua. Nossa vitória decorre essencialmente e antes de tudo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Bancos, rádios, cinemas, organizações, tudo isto é excelente, e temos obrigação de o utilizar para a dilatação do Reino de Deus. Mas nada disto é indispensável. Ou, em outros termos, se a causa católica não contar com estes recursos, não por negligencia e falta de generosidade nossa, mas sem nossa culpa, o Divino Salvador fará o necessário para que vençamos sem isto. O exemplo deram-no os primeiros séculos da Igreja: não venceu esta, a despeito de se terem coligado contra ela todas as forças da Terra?

Confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo, confiança no sobrenatural, eis outra lição preciosa que nos dá o Santo Natal.
E não terminemos sem colher mais um ensinamento, suave como um favo de mel. Sim, pecamos. Sim, imensas são as dificuldades que se nos deparam para voltar atrás, para subir. Sim, nossos crimes e nossas infidelidades atrairão sobre nós a cólera de Deus. Mas, junto ao presépio, temos a Medianeira clementíssima, que não é juiz mas advogada, que tem em relação a nós toda a compaixão, toda a ternura, toda a indulgência da mais perfeita das mães.

Olhos postos em Maria, unidos a Ela, por meio dela, peçamos neste Natal a graça única, que realmente importa: o Reino de Deus em nós e em torno de nós.

Todo o resto nos será dado por acréscimo.
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Nota:
(*) Intróito da 2ª Missa do Natal, com base em Is. 9, 2 e 6.



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