27 de dezembro de 2024

NATAL DE UM CHOUAN


 

  ✅  Paulo Henrique Américo de Araújo

De 1793 a 1800, a região de Fougères, no nordeste da França, foi palco da luta épica dos Chouans — camponeses que se levantaram contra a Revolução Francesa em defesa da Monarquia e da Igreja. Numa noite de inverno de 1795, uma coluna de militares da República revolucionária caminhava por uma trilha através de uma floresta.*

Estavam entediados e cansados pelo peso das mochilas e mosquetes que carregavam nas costas. Levavam como prisioneiro um camponês, um jovem chouan, que tinha tentado emboscá-los. O camponês, depois de atacar os revolucionários com seu mosquete, havia sido capturado e desarmado. Ele ia sendo puxado pelos militares: mãos amarradas, semblante desolado. Dois soldados amarraram cordas em seus pulsos e por aí o mantinham preso.

Na encruzilhada de Servilliers, o sargento ordenou uma parada. Os homens, exaustos, empilharam suas armas e jogaram suas mochilas na grama. Juntaram galhos e folhas secas com as quais fizeram uma fogueira no meio da clareira. Ao mesmo tempo, dois deles amarraram o camponês a uma árvore.

O chouan atentamente observava tudo a sua volta. Não tremia, nem dizia uma palavra, mas a angústia transparecia em suas feições: a morte se aproximava.

Sua apreensão foi notada por um dos Azuis, como eram conhecidos os soldados da Revolução. Este homem havia sido destacado para ficar de olho no prisioneiro. Era um adolescente magro, com uma língua zombeteira e cortante. Ele provocou o prisioneiro, dizendo com forte sotaque parisiense:

— Não tenhas medo, rapaz! Não morrerás agora; tens ainda seis horas de vida...

Suas palavras foram interrompidas por uma voz sonora e áspera do outro lado da clareira.

— Amarre-o bem, Pierre! Não podemos deixá-lo escapar!

— Não te preocupes, Sargento Torquatus, vamos levá-lo inteiro para o general!

Então o rapaz voltou às zombarias:

— Olhe, seu cão, não penses que serás tratado como aqueles nobres. Faltam guilhotinas na República. Tu receberás tua cota de balas de chumbo: seis na cabeça e seis no peito!

O camponês ficou quieto como se não estivesse ouvindo, um olhar impenetrável se instalou em seu rosto.

Após aquele dito, o soldado Pierre sentou-se ao lado de seus companheiros perto do fogo e começou a limpar o mosquete. Tomou uma bala e, segurando-a entre os dedos, disse ao camponês:

— Vês isto, irmãozinho? Esta é para ti! – E colocou a bala na culatra.

Todos começaram a rir, cada um tentando superar o outro naquele jogo macabro de tormentos ao infeliz prisioneiro.

— Também tenho uma boa reserva de chumbo para ti! – vociferou outro.

— Tu ficarás igual peneira – gargalhou o Sargento Torquatus.

O camponês permanecia calmo e em silêncio, sob aquela torrente de ameaças. Parecia ouvir sons distantes que os gritos e risadas dos soldados impediam-no de discernir bem. De repente, abaixou a cabeça, pensativo. Das profundezas da floresta, ecoava o som de sinos tocando através da noite. Soava alto e claro ao seguir a brisa fria. Então o vento mudou para o norte, e imediatamente outro sino, de tom mais profundo, começou a soar. Logo outro — mais melodioso — se juntou a este vindo da direção oposta.

Os Azuis ficaram em silêncio, surpresos e apreensivos. Também se esforçavam para ouvir.

— O que é isso? – perguntou o sargento. Por que os sinos estão tocando?… Será um sinal?… Os rebeldes devem estar soando o alarme!

Então, começaram a imprecar o prisioneiro e a gritar uns com os outros. Vários deles pegaram em armas. O camponês levantou a cabeça e, olhando-os serenamente, disse:

— É Natal.

— É o quê? – perguntou o sargento.

— Natal... Estão tocando os sinos para a Missa do galo.

Os soldados perceberam sua própria tolice e começaram a xingar e resmungar. Depois ficaram em silêncio, enquanto tomavam seus lugares de novo ao redor do fogo. Por um tempo, ninguém falou. Natal… Missa do galo… Havia muito que eles não ouviam essas palavras. Isso despertava vagas lembranças de épocas mais felizes, de ternura de há muito esquecida, de paz.

Com as cabeças baixas, eles ouviram aqueles sinos que lhes falavam um idioma esquecido. O Sargento Torquatus largou o cachimbo, cruzou os braços e fechou os olhos como quem saboreia uma sinfonia. Então, envergonhado por esse sinal de fraqueza, virou-se para o prisioneiro e perguntou em tom rude:

— Tu és desta região?

— Eu sou de Coglès, não muito longe daqui.

O sargento se interessou — Então há padres na tua cidade?

— Os Azuis não conquistaram tudo... Do outro lado do rio ainda há liberdade. Não podes ouvir? O sino de Parigué que está tocando agora. O outro mais fraco é do castelo de Bois-Guy. E o mais distante é o sino de Montours. E com o vento favorável, poderíamos até ouvir o grande sino de Landéans.

Um dos soldados, chamado Gil, tinha ficado em silêncio, enquanto os outros provocaram o chouan. Ouvia tudo atentamente e parecia comovido. Os outros, após um momentâneo sentimento de ternura, já tinham fechado seus corações.

Naquele momento, vindo de todos os lados, o badalar dos sinos de aldeias distantes podia ser ouvido. Era uma doce melodia que aumentava e diminuía de acordo com a brisa.

Gil abaixou a cabeça e escutou. Pensava no passado... Lembrou-se da igreja de sua aldeia natal, resplandecente com velas acesas, a manjedoura com seus belos adornos, onde cintilavam pequenas lâmpadas vermelhas e azuis. Recordou-se dos alegres hinos de Natal, cantados por gerações. Músicas inocentes, tão antigas como a França, falando de pastores, flautas, estrelas e crianças; de paz, perdão e esperança... Ele sentiu seu coração apertar com o calor dessas imagens gentis que ele havia abandonado por tanto tempo.

Os sinos continuaram a tocar de longe. Torquatus ordenou que todos dormissem e colocou Gil no primeiro turno de vigília. Os Azuis, exaustos pela refrega do dia e desejando esquecer o som daqueles sinos que lhes trouxeram tantas memórias de suas infâncias felizes, adormeceram.

O fogo ainda crepitava... Apenas Gil e o chouan estavam acordados. O azul aproximou-se do chouan amarrado.

— Tu sabes? – disse o soldado – De onde eu venho costumávamos fazer uma manjedoura enorme na igreja e colocávamos o Menino Jesus lá cercado por Nossa Senhora e São José.



E então disse:

— Tu queres ir embora?

— E tu? Eles vão te executar.

— Eu irei contigo. Estou farto dessa maldita República! Eu fui forçado a me alistar. Minha família é católica. Em casa, desde os meus primeiros dias, eles me ensinaram a respeitar o Rei.

— Então venha comigo, – respondeu o chouan. – Torna-te fiel outra vez. Vou levar-te a um padre para que possas te confessar. Juntos, lutaremos por Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Rei.

O azul não disse mais nada. Tomou uma faca e cortou as cordas que prendiam o prisioneiro. Não demorou muito para que ambos escapassem por meio da escuridão da noite.

Não se podia mais ouvir os sinos ao vento, mas eles continuaram a soar nos corações dos dois homens. Era Natal!

____________

* Adaptado de: https://www.returntoorder.org/2016/12/the-christmas-of-a-Chouan/?pkg=xpmasport , com base na obra “Legendes de Noel – Contes Historiques” do historiador francês G. Lenôtre (pseudônimo de Théodore Gosselin Lenotre, 1857-1935).

Fonte: Revista Catolicismo, dezembro/2024

Nenhum comentário: