✅ Paulo
Henrique Américo de Araújo
De 1793 a 1800, a região de Fougères, no nordeste da França, foi palco da luta épica dos Chouans — camponeses que se levantaram contra a Revolução Francesa em defesa da Monarquia e da Igreja. Numa noite de inverno de 1795, uma coluna de militares da República revolucionária caminhava por uma trilha através de uma floresta.*
Estavam entediados e cansados pelo peso
das mochilas e mosquetes que carregavam nas costas. Levavam como prisioneiro um
camponês, um jovem chouan, que tinha tentado emboscá-los. O camponês,
depois de atacar os revolucionários com seu mosquete, havia sido capturado e
desarmado. Ele ia sendo puxado pelos militares: mãos amarradas, semblante
desolado. Dois soldados amarraram cordas em seus pulsos e por aí o mantinham
preso.
Na encruzilhada de Servilliers, o
sargento ordenou uma parada. Os homens, exaustos, empilharam suas armas e
jogaram suas mochilas na grama. Juntaram galhos e folhas secas com as quais
fizeram uma fogueira no meio da clareira. Ao mesmo tempo, dois deles amarraram
o camponês a uma árvore.
O chouan atentamente observava
tudo a sua volta. Não tremia, nem dizia uma palavra, mas a angústia
transparecia em suas feições: a morte se aproximava.
Sua apreensão foi notada por um dos Azuis, como eram conhecidos os soldados
da Revolução. Este homem havia sido destacado para ficar de olho no
prisioneiro. Era um adolescente magro, com uma língua zombeteira e cortante.
Ele provocou o prisioneiro, dizendo com forte sotaque parisiense:
— Não tenhas medo, rapaz! Não morrerás
agora; tens ainda seis horas de vida...
Suas palavras foram interrompidas por
uma voz sonora e áspera do outro lado da clareira.
— Amarre-o bem, Pierre! Não podemos
deixá-lo escapar!
— Não te preocupes, Sargento Torquatus,
vamos levá-lo inteiro para o general!
Então o rapaz voltou às zombarias:
— Olhe, seu cão, não penses que serás
tratado como aqueles nobres. Faltam guilhotinas na República. Tu receberás tua
cota de balas de chumbo: seis na cabeça e seis no peito!
O camponês ficou quieto como se não
estivesse ouvindo, um olhar impenetrável se instalou em seu rosto.
Após aquele dito, o soldado Pierre
sentou-se ao lado de seus companheiros perto do fogo e começou a limpar o
mosquete. Tomou uma bala e, segurando-a entre os dedos, disse ao camponês:
— Vês isto, irmãozinho? Esta é para ti!
– E colocou a bala na culatra.
Todos começaram a rir, cada um tentando
superar o outro naquele jogo macabro de tormentos ao infeliz prisioneiro.
— Também tenho uma boa reserva de chumbo
para ti! – vociferou outro.
— Tu ficarás igual peneira – gargalhou o
Sargento Torquatus.
O camponês permanecia calmo e em
silêncio, sob aquela torrente de ameaças. Parecia ouvir sons distantes que os
gritos e risadas dos soldados impediam-no de discernir bem. De repente, abaixou
a cabeça, pensativo. Das profundezas da floresta, ecoava o som de sinos tocando
através da noite. Soava alto e claro ao seguir a brisa fria. Então o vento
mudou para o norte, e imediatamente outro sino, de tom mais profundo, começou a
soar. Logo outro — mais melodioso — se juntou a este vindo da direção oposta.
Os Azuis ficaram em silêncio,
surpresos e apreensivos. Também se esforçavam para ouvir.
— O que é isso? – perguntou o sargento. Por que os sinos estão tocando?… Será um sinal?… Os rebeldes devem estar soando o alarme!
Então, começaram a imprecar o prisioneiro e a gritar uns com os outros. Vários deles pegaram em armas. O camponês levantou a cabeça e, olhando-os serenamente, disse:
— É Natal.
— É o quê? – perguntou o sargento.
— Natal... Estão tocando os sinos para a
Missa do galo.
Os soldados perceberam sua própria
tolice e começaram a xingar e resmungar. Depois ficaram em silêncio, enquanto
tomavam seus lugares de novo ao redor do fogo. Por um tempo, ninguém falou.
Natal… Missa do galo… Havia muito que eles não ouviam essas palavras. Isso
despertava vagas lembranças de épocas mais felizes, de ternura de há muito
esquecida, de paz.
Com as cabeças baixas, eles ouviram
aqueles sinos que lhes falavam um idioma esquecido. O Sargento Torquatus largou
o cachimbo, cruzou os braços e fechou os olhos como quem saboreia uma sinfonia.
Então, envergonhado por esse sinal de fraqueza, virou-se para o prisioneiro e
perguntou em tom rude:
— Tu és desta região?
— Eu sou de Coglès, não muito longe
daqui.
O sargento se interessou — Então há
padres na tua cidade?
— Os Azuis
não conquistaram tudo... Do outro lado do rio ainda há liberdade. Não podes
ouvir? O sino de Parigué que está tocando agora. O outro mais fraco é do
castelo de Bois-Guy. E o mais distante é o sino de Montours. E com o vento
favorável, poderíamos até ouvir o grande sino de Landéans.
Um dos soldados, chamado Gil, tinha
ficado em silêncio, enquanto os outros provocaram o chouan. Ouvia tudo
atentamente e parecia comovido. Os outros, após um momentâneo sentimento de
ternura, já tinham fechado seus corações.
Naquele momento, vindo de todos os
lados, o badalar dos sinos de aldeias distantes podia ser ouvido. Era uma doce
melodia que aumentava e diminuía de acordo com a brisa.
Gil abaixou a cabeça e escutou. Pensava
no passado... Lembrou-se da igreja de sua aldeia natal, resplandecente com
velas acesas, a manjedoura com seus belos adornos, onde cintilavam pequenas
lâmpadas vermelhas e azuis. Recordou-se dos alegres hinos de Natal, cantados
por gerações. Músicas inocentes, tão antigas como a França, falando de
pastores, flautas, estrelas e crianças; de paz, perdão e esperança... Ele
sentiu seu coração apertar com o calor dessas imagens gentis que ele havia
abandonado por tanto tempo.
Os sinos continuaram a tocar de longe.
Torquatus ordenou que todos dormissem e colocou Gil no primeiro turno de
vigília. Os Azuis, exaustos pela
refrega do dia e desejando esquecer o som daqueles sinos que lhes trouxeram
tantas memórias de suas infâncias felizes, adormeceram.
O fogo ainda crepitava... Apenas Gil e o
chouan estavam acordados. O azul
aproximou-se do chouan amarrado.
— Tu sabes? – disse o soldado – De onde
eu venho costumávamos fazer uma manjedoura enorme na igreja e colocávamos o
Menino Jesus lá cercado por Nossa Senhora e São José.
E então disse:
— Tu queres ir embora?
— E tu? Eles vão te executar.
— Eu irei contigo. Estou farto dessa
maldita República! Eu fui forçado a me alistar. Minha família é católica. Em
casa, desde os meus primeiros dias, eles me ensinaram a respeitar o Rei.
— Então venha comigo,
– respondeu o chouan. – Torna-te fiel outra vez. Vou levar-te a um padre
para que possas te confessar. Juntos, lutaremos por Nosso Senhor Jesus Cristo e
pelo Rei.
O azul não disse mais nada. Tomou uma faca e cortou as cordas que
prendiam o prisioneiro. Não demorou muito para que ambos escapassem por meio da
escuridão da noite.
Não se podia mais ouvir os sinos ao
vento, mas eles continuaram a soar nos corações dos dois homens. Era Natal!
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Adaptado de: https://www.returntoorder.org/2016/12/the-christmas-of-a-Chouan/?pkg=xpmasport , com base na obra “Legendes de Noel – Contes Historiques” do
historiador francês G. Lenôtre (pseudônimo de Théodore Gosselin Lenotre,
1857-1935).
Fonte: Revista Catolicismo, dezembro/2024
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