26 de dezembro de 2024

“Pousadas”: tradição mexicana que ilumina o Natal



No Natal, piedoso costume mexicano faz reparação à recusa de hospedagem feita a São José e a Nossa Senhora em Belém

 

 ✅  Luis Dufaur

A doçura e as alegrias de Natal contrastam com a dureza da recusa a São José e à Santíssima Virgem quando pediram pousada em Belém, a cidade do rei David, fundador da estirpe da Sagrada Família.

São José bateu à porta da hospedaria explicando que sua esposa estava prestes a dar à luz. Responderam-lhe que não havia lugar. Ele bateu em outras portas, mas ninguém se apiedou da humildade da alta nobreza empobrecida, mas que era daquela cidade e pedia em grande necessidade.

Na fria noite de inverno, só lhes restou irem se abrigar numa gruta que era refúgio de animais!

Em Jerusalém, cidade enriquecida pelas ofertas ao Templo para atrair a vinda do Messias, onde residiam as maiores figuras do povo hebraico como o Sumo Sacerdote, o Sinédrio, o rei usurpador Herodes, a classe sacerdotal e os ricos comerciantes, nem pensavam que o Messias estivesse por nascer em Belém, como deveriam saber pelos anúncios dos profetas.

Isaías assim profetizara tal insensibilidade: “O boi conhece o seu proprietário, e o asno o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento. Ai da nação pecadora, do povo carregado de crimes, da raça de malfeitores, dos filhos desnaturados! Abandonaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, e lhe voltaram as costas” (Isaías 1, 3-4).

Nosso Senhor Jesus Cristo deveria ter nascido em alguma dependência do Templo, ou o rei deveria ter-lhe cedido seu palácio. O Menino Jesus deveria ser aclamado pela nação inteira. Nada disso aconteceu, e o divino recém-nascido foi depositado numa manjedoura, cumprindo-se a profecia de Simeão de que Ele seria a pedra de escândalo para a perdição e salvação de muitos, e para que se conhecessem as cogitações ocultas dos corações (Lc 2, 34-35).



Natal transmite a santa alegria

A Sagrada Família, entretanto, nem parecia incomodada por essa recusa. Pelo contrário, ninguém poderia imaginar a alegria de Nossa Senhora e de São José junto àquele misérrimo — e quão glorioso! — presépio da gruta de Belém. Eles adoravam o Menino recém-nascido, Filho d’Ela e Filho de Deus, a divindade encarnada na natureza humana, o Messias anunciado havia séculos!

Nele viam o executor de tudo o que foi prometido aos profetas: a Redenção do gênero humano, a fundação da Santa Igreja, a expansão da civilização cristã em todos os continentes ao longo de todos os séculos.

Nossa Senhora chamou alguns para participar da sua sacrossanta alegria na Santa Gruta de Belém. A começar pelos três santos pastorinhos e, pouco depois, pelos três Reis Magos que vieram do Oriente guiados por uma maravilhosa estrela.

Não há na Terra gáudio mais autêntico do que a alegria do Natal, porque nele o amor religioso toca o mais profundo dos corações. E esse amor, se é autêntico, inspira ódio ao mal, pois do contrário não seria verdadeiro. Prova é que hoje os corações endurecidos renovam sua rejeição ao Santo Casal com um Natal comercial que profana a sublimidade desse grande acontecimento.



Reparação das “pousadas”

É oportuno indagar se não há almas sensíveis que pelo menos com um simples gesto reparem a dureza de coração — “não havia lugar para eles na estalagem” (Lc 2, 7) — que fechou portas ao augusto casal.

Reconforta-nos na Fé, no amor e na alegria natalina uma bela tradição do México católico. Pois naquela grande nação os bons católicos fazem uma celebração religiosa reparando a cruel recusa de Belém e do povo eleito em geral.

São as “pousadas”. Trata-se de uma piedosa novena de festas populares, celebradas de 16 a 24 de dezembro, para dar à Virgem Maria e a seu castíssimo esposo a acolhida que não lhes foi dada antes do nascimento de Jesus.

Essa prática foi introduzida em 1587 pelo Frei Diego de Soria, superior do convento de Santo Agostinho de Acolman, com aprovação do Papa Sisto V. Posteriormente ela se expandiu para vários países da América Central, tendo sido levada pela migração até os EUA, onde é hoje muito praticada.

No que consistem as “pousadas”?

Elas formam uma procissão de 10, 15, 20 ou mais casais acompanhando São José e Nossa Senhora prestes a dar à luz, batendo nas portas das casas pedindo pousada.

Meninos e meninas chamados de “pastores” se formam em duas alas, uma para elas e outra para eles. Na noite de 24 de dezembro, vestindo uma roupa especial que evoca os tempos do império espanhol e usando chapéus decorados, tocam um chocalho, dançam e cantam para o Menino Jesus no portal de Belém.

Cada criança recita um verso enquanto oferece um presente na festa. O conjunto chama-se “pastorela”, pois leva alguma reprodução de São José e da Virgem no tradicional burrico à procura de hospedagem pelas vielas de Belém. Ou até uns figurantes representando-os.

Os peregrinos batem à porta de uma casa — previamente combinada — entoando a primeira das 12 estrofes tradicionais do pedido de pousada que, embora variem um pouco em cada lugar, dizem: “Em nome do Céu / peço-te pousada / porque minha amada esposa não pode andar”.

O grupo dentro da casa então nega o ingresso: “Aqui não é pousada / continua / não posso abrir para ti / pode ser que sejas um ladrão”.

Inicia-se uma troca verbal de alguns minutos. Os peregrinos insistem: “Não sejas inumano, / tem caridade. / O Deus dos Céus / vai te premiar /. Peço-te uma pousada / senhor querido / porque a Rainha do Céu vai ser Mãe”.

A resposta é sempre negativa: “Podem ir embora logo e não incomodar mais / porque se ficar bravo vou te bater”.

Nada desanima os fiéis na rua. que dizem em coro: “Chegamos esgotados de Nazaré, / eu sou o carpinteiro de nome José”.

E o retorno é ainda um menosprezo: “Pouco me importa o nome, / deixa-me dormir, /pois eu te digo que não vou abrir”.

E mais uma vez, a insistência: “Pousada te pede, amado caseiro, / por só uma noite, a Rainha do Céu”.

Ante essas palavras o coração duro diz: “Pois bem, se é uma Rainha que solicita / como é que anda tão sozinha na noite?”

E a resposta: “Minha esposa é Maria, /é Rainha do Céu, /e vai ser Mãe do Verbo Divino”.

De dentro se ouve cantar: “És tu José? Tua esposa é Maria? / Entrai, peregrinos, /não vos conhecia”.

Na rua, então, entoam: “Deus te pague, senhor, pela tua caridade / e te encha o Céu de felicidade”.

      Do interior da casa as vozes se aproximam: “Ditosa a casa que neste dia hospeda / a Virgem pura, a formosa Maria”.

Quando as portas se abrem, todos entoam em coro: “Entrai, Santos Peregrinos, /aceitai esta casinha que, apesar de pobre morada, / vos dou de coração”.

A “pastorela”, ou procissão, ingressa na casa precedidos pelo “mistério” — imagens de Jesus e Maria, ou pessoas fantasiadas representando-os, e até um anjo e um burrinho, segundo a piedosa fantasia.



A oração, a “pinhata” e a festa

Todos juntos então rezam um terço, entoam ladainhas e/ou canções natalinas. Depois servem-se frutas da estação, como tangerinas, cana-de-açúcar e tejocotes (pequenas maçãs locais), além de doces e amendoins, um quentão — nesta época faz frio na região — feito com frutas como goiaba, cana-de-açúcar, maçã e canela. Variam de acordo com cada receita de família e com o toque pessoal de quem prepara a bebida.

Chega então o momento preferido das crianças. Elas devem destruir a “pinhata”, que consiste num pote de barro, ou papelão com uma estrutura de arame forrada de papel machê intensamente colorido.

Ela deve ter o formato de uma estrela de sete pontas em que cada uma representa um pecado capital, ou o próprio diabo, que com suas cores vivas e enfeites seduz a alma inocente, levando-a ao pecado.

Cada criança com os olhos vendados representa o fiel que, embora sem ver, com a virtude teológica da fé derrota o pecado recuperando o dom sobrenatural da graça. Com um bastão na mão, símbolo do poder do próprio Deus que dá forças para vencer as tentações, procura acertar golpes na “pinhata” pendurada do teto. Antes de começar, as crianças são viradas três vezes, em memória dos trinta e três anos que Cristo viveu.



Quando alguma criança acerta e quebra a “pinhata”, todos celebram a vitória do Bem sobre o Mal. Então chovem sobre as crianças guloseimas, doces e frutas de que a “pinhata” está repleta, simbolizando as graças e os dons de Deus que nos irriga com seu amor e que, ao destruir o mal, obtém para nós as bênçãos do Céu. Em certas cidades, a tradição manda reproduzir a cena no átrio da igreja, reunindo todos os habitantes da vila ou comunidade, mudando as famílias a cada dia da novena. As famílias são responsáveis por oferecer a cada um dos participantes frutas da época, doces, bebidas e alguns petiscos.

Por fim, no final da “pousada”, há troca de lembranças na forma de saquinhos com doces, frutas e salgadinhos. 

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Fonte: Revista Catolicismo, dezembro/2024


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