No Natal, piedoso costume mexicano faz reparação à recusa de hospedagem feita a São José e a Nossa Senhora em Belém
✅ Luis Dufaur
A doçura e as alegrias de Natal contrastam com a dureza da recusa a São José e à Santíssima Virgem quando pediram pousada em Belém, a cidade do rei David, fundador da estirpe da Sagrada Família.
São
José bateu à porta da hospedaria explicando que sua esposa estava prestes a dar
à luz. Responderam-lhe que não havia lugar. Ele bateu em outras portas, mas
ninguém se apiedou da humildade da alta nobreza empobrecida, mas que era
daquela cidade e pedia em grande necessidade.
Na
fria noite de inverno, só lhes restou irem se abrigar numa gruta que era refúgio
de animais!
Em Jerusalém, cidade enriquecida pelas ofertas ao Templo para atrair a vinda do Messias, onde residiam as maiores figuras do povo hebraico como o Sumo Sacerdote, o Sinédrio, o rei usurpador Herodes, a classe sacerdotal e os ricos comerciantes, nem pensavam que o Messias estivesse por nascer em Belém, como deveriam saber pelos anúncios dos profetas.
Isaías
assim profetizara tal insensibilidade: “O
boi conhece o seu proprietário, e o asno o estábulo do seu dono; mas Israel não
conhece nada, e meu povo não tem entendimento. Ai da nação pecadora, do povo
carregado de crimes, da raça de malfeitores, dos filhos desnaturados!
Abandonaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, e lhe voltaram as costas”
(Isaías 1, 3-4).
Nosso
Senhor Jesus Cristo deveria ter nascido em alguma dependência do Templo, ou o
rei deveria ter-lhe cedido seu palácio. O Menino Jesus deveria ser aclamado
pela nação inteira. Nada disso aconteceu, e o divino recém-nascido foi
depositado numa manjedoura, cumprindo-se a profecia de Simeão de que Ele seria
a pedra de escândalo para a perdição e salvação de muitos, e para que se
conhecessem as cogitações ocultas dos corações (Lc 2, 34-35).
Natal
transmite a santa alegria
A
Sagrada Família, entretanto, nem parecia incomodada por essa recusa. Pelo
contrário, ninguém poderia imaginar a alegria de Nossa Senhora e de São José
junto àquele misérrimo — e quão glorioso! — presépio da gruta de Belém. Eles
adoravam o Menino recém-nascido, Filho d’Ela e Filho de Deus, a divindade
encarnada na natureza humana, o Messias anunciado havia séculos!
Nele
viam o executor de tudo o que foi prometido aos profetas: a Redenção do gênero
humano, a fundação da Santa Igreja, a expansão da civilização cristã em todos
os continentes ao longo de todos os séculos.
Nossa Senhora chamou alguns para participar da sua sacrossanta alegria na Santa Gruta de Belém. A começar pelos três santos pastorinhos e, pouco depois, pelos três Reis Magos que vieram do Oriente guiados por uma maravilhosa estrela.
Não
há na Terra gáudio mais autêntico do que a alegria do Natal, porque nele o amor
religioso toca o mais profundo dos corações. E esse amor, se é autêntico,
inspira ódio ao mal, pois do contrário não seria verdadeiro. Prova é que hoje os
corações endurecidos renovam sua rejeição ao Santo Casal com um Natal comercial
que profana a sublimidade desse grande acontecimento.
Reparação
das “pousadas”
É
oportuno indagar se não há almas sensíveis que pelo menos com um simples gesto
reparem a dureza de coração — “não havia
lugar para eles na estalagem” (Lc 2, 7) — que fechou portas ao augusto
casal.
Reconforta-nos
na Fé, no amor e na alegria natalina uma bela tradição do México católico. Pois naquela grande nação os bons católicos fazem uma celebração
religiosa reparando a cruel recusa de Belém e do povo eleito em geral.
São as “pousadas”. Trata-se de uma piedosa novena de festas populares, celebradas de 16 a 24 de dezembro, para dar à Virgem Maria e a seu castíssimo esposo a acolhida que não lhes foi dada antes do nascimento de Jesus.
Essa prática foi introduzida em 1587 pelo Frei
Diego de Soria, superior do convento de Santo Agostinho de Acolman, com
aprovação do Papa Sisto V. Posteriormente ela se expandiu para vários países da
América Central, tendo sido levada pela migração até os EUA, onde é hoje muito
praticada.
No que consistem as “pousadas”?
Elas formam uma procissão de 10, 15, 20 ou mais
casais acompanhando São José e Nossa Senhora prestes a
dar à luz, batendo nas portas das casas pedindo pousada.
Meninos
e meninas chamados de “pastores” se formam em duas alas, uma para elas e outra
para eles. Na noite de 24 de dezembro, vestindo uma roupa especial que evoca os
tempos do império espanhol e usando chapéus decorados, tocam um chocalho,
dançam e cantam para o Menino Jesus no portal de Belém.
Cada
criança recita um verso enquanto oferece um presente na festa. O conjunto
chama-se “pastorela”, pois leva alguma reprodução de São
José e da Virgem no tradicional burrico à procura de hospedagem pelas vielas de
Belém. Ou até uns figurantes representando-os.
Os peregrinos batem à porta de uma casa —
previamente combinada — entoando a primeira das 12 estrofes tradicionais do
pedido de pousada que, embora variem um pouco em cada lugar, dizem: “Em nome do Céu / peço-te pousada / porque
minha amada esposa não pode andar”.
O grupo dentro da casa então nega o ingresso: “Aqui não é pousada / continua / não posso
abrir para ti / pode ser que sejas um ladrão”.
Inicia-se uma troca verbal de alguns minutos. Os
peregrinos insistem: “Não sejas inumano,
/ tem caridade. / O Deus dos Céus / vai te premiar /. Peço-te uma pousada /
senhor querido / porque a Rainha do Céu vai ser Mãe”.
A resposta é sempre negativa: “Podem ir embora logo e não incomodar mais / porque se ficar bravo vou
te bater”.
Nada desanima os fiéis na rua. que dizem em coro: “Chegamos esgotados de Nazaré, / eu sou o
carpinteiro de nome José”.
E o retorno é ainda um menosprezo: “Pouco me importa o nome, / deixa-me dormir,
/pois eu te digo que não vou abrir”.
E mais uma vez, a insistência: “Pousada te pede, amado caseiro, / por só uma noite, a Rainha do Céu”.
Ante essas palavras o coração duro diz: “Pois bem, se é uma Rainha que solicita /
como é que anda tão sozinha na noite?”
E a resposta: “Minha
esposa é Maria, /é Rainha do Céu, /e vai ser Mãe do Verbo Divino”.
De dentro se ouve cantar: “És tu José? Tua esposa é Maria? / Entrai, peregrinos, /não vos
conhecia”.
Na rua, então, entoam: “Deus te pague, senhor, pela tua caridade / e te encha o Céu de
felicidade”.
Do interior da casa as vozes se aproximam:
“Ditosa a casa que neste dia hospeda / a
Virgem pura, a formosa Maria”.
Quando as portas se abrem, todos entoam em coro: “Entrai, Santos Peregrinos, /aceitai esta
casinha que, apesar de pobre morada, / vos dou de coração”.
A “pastorela”, ou procissão, ingressa na casa
precedidos pelo
“mistério” — imagens de Jesus e Maria, ou pessoas fantasiadas representando-os,
e até um anjo e um burrinho, segundo a piedosa fantasia.
A
oração, a “pinhata” e a festa
Todos juntos então rezam um terço, entoam ladainhas e/ou canções natalinas. Depois servem-se frutas da estação, como tangerinas, cana-de-açúcar e tejocotes (pequenas maçãs locais), além de doces e amendoins, um quentão — nesta época faz frio na região — feito com frutas como goiaba, cana-de-açúcar, maçã e canela. Variam de acordo com cada receita de família e com o toque pessoal de quem prepara a bebida.
Chega então o momento preferido das crianças. Elas
devem destruir a “pinhata”, que consiste num pote de barro, ou papelão com uma
estrutura de arame forrada de papel machê intensamente colorido.
Ela
deve ter o formato de uma estrela de sete pontas em que cada uma representa um
pecado capital, ou o próprio diabo, que com suas cores vivas e enfeites seduz a
alma inocente, levando-a ao pecado.
Cada
criança com os olhos vendados representa o fiel que, embora sem ver, com a
virtude teológica da fé derrota o pecado recuperando o dom sobrenatural da
graça. Com um bastão na mão, símbolo do poder do próprio Deus que dá forças
para vencer as tentações, procura acertar golpes na “pinhata” pendurada do
teto. Antes de começar, as crianças são viradas três vezes, em memória dos
trinta e três anos que Cristo viveu.
Quando alguma criança acerta e quebra a “pinhata”,
todos celebram a vitória do Bem sobre o Mal. Então chovem sobre as crianças guloseimas,
doces e frutas de que a “pinhata” está repleta, simbolizando as graças e os dons de Deus que
nos irriga com seu amor e que, ao destruir o mal, obtém para nós as bênçãos do
Céu. Em certas cidades, a tradição manda reproduzir a cena no átrio da igreja,
reunindo todos os habitantes da vila ou comunidade, mudando as famílias a cada
dia da novena. As famílias são responsáveis por oferecer a cada um dos
participantes frutas da época, doces, bebidas e alguns petiscos.
Por fim, no final da “pousada”, há troca de lembranças na forma de saquinhos com doces, frutas e salgadinhos.
____________
Fonte: Revista Catolicismo, dezembro/2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário