Capa da Revista Catolicismo junho/2016 [Foto LGA] |
A misericórdia de Deus é infinita, como o é também sua justiça. Estes dois atributos divinos não se excluem, mas se integram maravilhosamente numa perfeita aliança. Nesse sentido, o Sagrado Coração de Jesus é invocado na ladainha: “Coração de Jesus, receptáculo de justiça e de amor”.
Paulo
Roberto Campos
A principal celebração da Santa Igreja em junho é a festividade
do Sagrado Coração de Jesus, comemorado este ano no dia 3, na sexta-feira
seguinte à Oitava de Corpus Christi. Por
feliz coincidência, corresponde neste ano à primeira sexta-feira de junho. Mas
todo o mês é dedicado de modo especial ao Sacratíssimo Coração, que transpassado
pela lança de Longino jorrou sangue e água — símbolos do sangue eucarístico e
da água batismal que regeneram as almas. O Apóstolo São João presenciou essa
pavorosa crueldade no alto do Calvário e dela prestou testemunho (Cfr. Jo 19, 33-37).
Longino atravessa o lado de Nosso Senhor Jesus Cristo - Fra Angélico séc. XV. Museu de São Marcos, Florença (Itália). |
Com a dedicação do mês junho ao Sagrado Coração de
Jesus, a Igreja visa honrá-lo e incentivar essa primordial devoção, a cujo
respeito escreveu o Cardeal Pie: “O culto
ao Sagrado Coração é a quintessência do cristianismo, o compêndio e sumário de
toda a Religião”. Mas visa também promover atos de reparação pelos pecados
dos homens, especialmente pelas ignomínias praticadas pelos ímpios, como aqueles
que ultrajam a Sagrada Eucaristia. (vide quadro 1 no final)
Essencial devoção para os atuais e calamitosos dias
Uma das grandes revelações do infinito amor de Deus para
com a humanidade foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), religiosa
do convento da Visitação de Santa Maria, em Paray-le-Monial (vide Catolicismo
junho/2003). Uma das mais célebres afirmações de Nosso Senhor Jesus Cristo a
essa freira visitandina, “confidente do Sagrado Coração de Jesus”, está expressa
nestas sublimes palavras pronunciadas em 16 de junho de 1675:
Igreja da Santíssima Trindade, em Paris, Capela do Sagrado Coração de Jesus. Santa Margarida Maria Alacoque aponta em direção ao Sagrado Coração de Jesus. |
“Eis aqui o Coração que tanto amou os homens,
que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para testemunhar-lhes seu
amor; e, por reconhecimento, não recebe da maior parte deles senão ingratidões,
por suas irreverências, sacrilégios e pelas indiferenças e desprezos que têm
por Mim no Sacramento do amor. Mas o que Me é ainda mais penoso é que corações
que Me são consagrados agem assim.”(1)
Especialmente para a nossa época caótica, que se
debate em meio à gravíssima crise religiosa, moral e social, a devoção ao
misericordiosíssimo Coração se faz mais necessária do que nunca, pois Deus não
abandona a humanidade pecadora mesmo nas piores crises, chamando-a
constantemente à conversão. Ele oferece todos os meios para que o pecador se
arrependa, repare suas culpas e se salve eternamente.
Mas se formos ingratos e indiferentes, desprezando
os preceitos divinos e as graças concedidas misericordiosamente para nossa
conversão, sentiremos o poder de sua justiça, que, assim como a misericórdia, é
também divina. Como reza a ladainha do Sagrado Coração de Jesus: “Coração de Jesus, receptáculo de justiça e de amor, tende piedade de nós”. Ou, como numa outra ladainha, na
qual ao mesmo tempo em que se invoca o “Coração
de Jesus, cuja doçura se instila perenemente na alma fiel”, Ele também é invocado como
“Coração de Jesus, inimigo de toda e qualquer culpa”, ou ainda como “Jesus,
em cujo coração permanece escondido o dia da vingança contra os corações
obstinados dos pecadores”.(2)
Perigo da visão equivocada sobre a misericórdia divina
Esta revista já publicou algumas matérias (vide edições
de junho/1986, julho/1988, junho/1992, junho/1994 e junho/2003) sobre a extraordinária
devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Na presente edição abordaremos um aspecto
diferente: o verdadeiro conceito de misericórdia divina.
Nos dias atuais, fala-se exaustivamente de
misericórdia. Sobretudo neste ano, declarado “Ano Santo da Misericórdia” (ou
“Jubileu Extraordinário da Misericórdia”) pelo Papa Francisco através da bula Misericordiae
Vultus (O Rosto da Misericórdia).
Mais recentemente, com a divulgação da “Exortação
Apostólica Pós-Sinodal Amoris lætitia” (A alegria do amor), o tema da
misericórdia foi ainda mais focalizado. Em suas 272 páginas, o documento
pontifício — publicado no dia 8 de abril a propósito do último Sínodo da
Família — emprega 46 vezes a palavra misericórdia!
Entretanto, não se pode ter uma visão equivocada,
considerando Deus de modo unilateral, pois Ele é infinitamente misericordioso,
mas também infinitamente justo.
Em
nosso Divino Criador, evidentemente, não há contradição. Ele deseja a salvação
de todos e, para isso, nos oferece misericordiosamente o Céu por toda a
eternidade. Porém, condena o pecador impenitente; aquele que, recusando toda a
bondade divina, se aferra ao pecado mortal. Este, se não se arrepender, permanecendo
obstinado no pecado grave, será atingido pela divina justiça.
Na absolvição dos pecados concedida pelo sacerdote vemos o que realmente é misericórdia |
Pecou
gravemente e não deseja ser condenado? — Não se desespere, pois há remédio. Com
o coração contrito e humilhado e sinceramente arrependido, faça uma boa
confissão com o firme propósito de não mais pecar. Nesse perdão — a absolvição
dos pecados concedida pelo sacerdote — vemos o que realmente é misericórdia. Patenteia-se
a beleza da clemência de Deus para com seus filhos e o extremo desejo que Ele
tem em salvá-los.
Por
isso, não há razão para desespero, porque mesmo temendo a justa punição por
nossos pecados, devemos confiar e esperar a misericórdia do Divino Redentor,
reservada especialmente àqueles que O temem. “Et misericordia eius a
progenie in progenies timentibus eum” (A sua misericórdia se entende de geração em geração sobre aqueles que o temem), como está
expresso na oração da Santíssima Virgem — o Magnificat —
registrada por São Lucas (Cfr. Lc
1, 39-56). Aliás, Ela é o sublime canal que nos leva ao mar de misericórdia que
é o Sagrado Coração de Jesus.
É
nesse equilíbrio entre a confiança na misericórdia e o temor do castigo que a
alma progride na virtude. São as duas “asas” de que a alma necessita para
progredir, análogas às de um pássaro que precisa das suas para voar. Apenas
confiar na misericórdia sem o temor de Deus seria abuso da divina misericórdia.
Nesse sentido, prescreve o Livro do Eclesiástico “Não digas: A misericórdia do Senhor é grande, ele terá piedade da multidão
dos meus pecados, pois piedade e cólera são nele igualmente rápidas, e o seu
furor visa aos pecadores” (Ecl. 5, 6-7).
No Evangelho, o caso da “mulher adúltera”
Nosso Senhor Jesus Cristo não disse a ela: “Mulher, pode ir embora”. Mas ordenou-lhe: “Vai e não peques mais” (Jo 8,11). |
Conforme a narrativa do Evangelho, no caso da mulher
que os escribas e fariseus queriam apedrejar por prática de adultério, Nosso
Senhor Jesus Cristo não disse a ela: “Mulher,
pode ir embora”. Mas ordenou-lhe: “Vai e não peques mais” (Jo
8,11). Infelizmente, muitos comentam de modo estrábico essa passagem, dizendo
apenas que Jesus não condenou a adúltera; omitindo que Ele a perdoou, mas lhe
disse para não mais pecar.
Somente alguém psicologicamente e moralmente estrábico
afirmaria que misericórdia é sinônimo de tolerância para com o pecado ou qualquer
forma de mal. Deus manifesta suprema misericórdia para com o pecador
verdadeiramente arrependido — e, nessa situação, a ninguém falta a graça divina
—, mas também manifesta sua justiça para com o pecador empedernido, que abusa
de modo contumaz de sua misericórdia.
Justo castigo por abusar da misericórdia divina
Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), Doutor da
Igreja, Padroeiro dos Confessores e dos Moralistas, define perfeitamente essa
questão ao afirmar: “Deus envia mais gente ao inferno por abusar de sua
misericórdia, do que por obra de sua justiça.”
É o tema que esse santo desenvolve ao tratar em um
de seus sermões do abuso que o pecador faz da misericórdia, cujo trecho
transcrevemos no final deste artigo. Ele afirma que o próprio demônio nos
engana inspirando-nos o falso conceito de misericórdia, para que levemos uma
vida pecaminosa, sem nos arrepender de nossas culpas nem confessá-las a um bom
sacerdote.
O renomado jornalista italiano Sandro Magister, especializado
em temas religiosos, publicou recentemente um interessante artigo intitulado Giubileo
della misericordia, ma con i confessionali vuoti (Jubileu da misericórdia,
mas com os confessionários vazios), no qual reproduz a carta de um sacerdote,
que lhe escreveu contando a seguinte observação: neste “Ano Santo da
Misericórdia” os confessionários estão vazios — como se a misericórdia
dispensasse o pecador do sacramento da penitência (ou confissão). Entretanto,
no “Ano Santo da Misericórdia” deveria ocorrer justamente o contrário: aproveitar
a ocasião para pedir especial misericórdia ao Sagrado Coração de Jesus,
acorrendo multidões aos confessionários. É o que não acontece... Os
confessionários estão às moscas...
Evitemos qualquer forma de unilateralismo
Em seu livro Em Defesa da Ação Católica, Plinio Corrêa de Oliveira desenvolve o
tema da justiça e da misericórdia, do perdão e do castigo divinos, recomendando
não sermos unilaterais, vendo apenas um aspecto de Deus. O autor cita D.
Antonio Joaquim de Melo (1791-1861), “um dos maiores Bispos que teve o
Brasil”, que — corroborando a afirmação acima citada de Santo Afonso de
Ligório —, dizia: “a Misericórdia de Deus tem mandado mais almas para o
inferno do que sua Justiça.”. E o Prof. Plinio comenta: “Em outros
termos, afirmava o grande Prelado que a esperança temerária de salvação perderá
maior número de almas, do que o temor excessivo da Justiça de Deus. Do mesmo
modo, é indiscutível que a excessiva benignidade na aplicação das penas, que
ora se observa em muitas associações religiosas, e a inteira carência delas em
certos setores, têm depauperado mais as fileiras dos filhos da luz, do que os
atos de energia inconsiderados e talvez excessivos, eventualmente levados a
cabo”.(3)
A misericórdia de Deus não contradiz a sua justiça
Se Deus em sua infinita
misericórdia não punisse os pecados cometidos, Ele seria injusto. Assim, o
verdadeiro amor a Deus consiste em amá-lo e glorificá-lo tanto por sua
misericórdia quanto por sua justiça. Do contrário, seria como se não
desejássemos a punição devida aos pecados, às ingratidões, aos crimes, às
blasfêmias etc. Seria como um pai que elogiasse seu filho por algum ato bom
praticado, mas não o repreendesse devido a algum mal cometido. Donde o
proverbio “Andam juntas em Deus a justiça
e a misericórdia”. (vide quadro 2 no final).
Nosso Senhor Jesus
Cristo nos deu um supremo exemplo: perdoou o ladrão que se mostrou arrependido, mas não o ladrão obstinado em seus pecados |
Em seus últimos momentos
antes da agonia na Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu um supremo exemplo:
perdoou o ladrão que se mostrou arrependido, mas não o ladrão obstinado em seus
pecados. “Misericórdia e
ira estão sempre em Deus, grandemente misericordioso, porém capaz de cólera. Os
seus castigos igualam sua misericórdia; ele julga o homem conforme as suas
obras. O pecador não escapará em suas rapinas, e não será postergada a espera
daquele que exerce a misericórdia” (Livro do Eclesiástico
16, 12-14).
Confirmando essa passagem da Sagrada Escritura e a
fim de se evitar uma concepção equivocada de misericórdia, em uma revelação
feita a Santa Brígida da Suécia (1303-1373) [imagem ao ao lado] Nosso Senhor Jesus Cristo lamentou:
“Todos creem e pregam que sou
misericordioso, entretanto quase ninguém crê que eu seja um Juiz justo.
Consideram-me um juiz que não tem equidade. De fato, um juiz seria iníquo se,
ao lado da misericórdia, deixasse os ímpios sem castigo de forma que pudessem continuar
oprimindo os justos. Contudo, Eu sou um Juiz justo e misericordioso e não
deixarei que o menor pecado fique sem castigo, nem que o menor bem fique sem
recompensa. Infiltrados na Santa Igreja, pessoas que pecam sem medo negam que
eu sou justo.”(4)
Misericórdia para quem teme a Deus e não para quem abusa dela
Como referido acima, segue a transcrição de um trecho
do sermão de Santo Afonso Maria de Ligório [imagem abaixo], considerado um dos maiores moralistas
de todos os tempos. Com este trecho — que parafraseando Joseph de Maistre poder-se-ia
intitular “la colère de l´amour” (a
cólera do amor) —, encerramos estas considerações pedindo à Virgem Maria, Mater Misericordiae, que nos alcance as
misericórdias do Sagrado Coração de Jesus, compreendendo bem a perfeita união
entre a misericórdia e a justiça divinas.
“Quando uma alma abusa da misericórdia divina, a misericórdia divina está bem próxima de a abandonar”
“Pode ser que haja, no meio de
vós, meus irmãos, alguém que se encontre com a alma carregada de pecados e que
— longe de pensar em se livrar deles pela confissão e penitência — não cessa de
cometer novos pecados, se sobrecarregando ainda mais. Este, certamente, abusa
da misericórdia divina; pois, a que fim nosso Deus tão bom deixa que este
pecador viva senão para que ele se converta e, por consequência, escape da
desgraça de perder sua alma?
Ele
merece as severas censuras que o Apóstolo dirigiu ao povo judeu impenitente:
Porventura desprezas as riquezas da bondade, da paciência e da longanimidade de
Deus? Ignoras que sua bondade te convida à penitência? Mas que na tua dureza e
coração impenitente, acumulas para ti um tesouro de ira no dia da ira e da
manifestação do justo juízo de Deus (Rom. II. 4,5).
Eu
quero vos afastar, meus irmãos, desse funesto abuso, e vos preservar da
desgraça de cair na morte eterna do inferno. A esse propósito, chamo vossa
atenção para a seguinte verdade: Quando
uma alma abusa da misericórdia divina, a misericórdia divina está bem próxima
de a abandonar […].
Santo
Agostinho observa que, para enganar os homens, o demônio emprega ora o
desespero, ora a confiança.
Após
o pecado, o demônio nos mostra o rigor da justiça de Deus para que desconfiemos
de Sua misericórdia. Entretanto, antes do pecado, o demônio nos coloca diante
dos olhos a grande misericórdia de Deus, a fim de que o receio dos castigos,
devidos ao pecado, não nos impeça de satisfazer nossas paixões […].
Essa
misericórdia sobre a qual vós contais para poder pecar, dizei-me, quem vo-la
prometeu? — Não Deus, certamente, mas o demônio, obstinado em vos perder.
Cuidado!, diz São João Crisóstomo, de dar ouvidos a este monstro infernal que
vos promete a misericórdia celeste […].
Deus
é cheio de misericórdia, eu pecarei e em seguida confessar-me-ei’. Eis aí a
ilusão, ou antes, a armadilha que o demônio usa para arrastar tantas almas ao
inferno![…].
Nosso
Senhor, aparecendo um dia a Santa Brígida, queixou-se: ‘Eu sou justo e misericordioso,
mas os pecadores não querem ver senão minha misericórdia’ (Ego sum justos et
misericors; peccatores tantum misericordem me existimant – Rev. 1. I. c.
5). Não duvideis, diz São Basílio, que Deus é misericordioso, mas saibamos que
Ele é também justo, e estejamos bem atentos para não considerar apenas uma
metade de Deus. Uma vez que Deus é justo, é impossível que os ingratos escapem
do castigo […]. Misericórdia! Misericórdia! Sim, mas para aquele que teme a
Deus, e não para aquele que abusa da paciência divina!”.(5)
Nosso Senhor expulsa os vendilhões do Templo, num arrebatamento de indignação e amor pelos direitos de Seu Pai |
__________
Notas:
1.
Sainte Marguerite Marie, Sa vie écrite par elle-même, Edições Saint
Paul, Paris, 1947, pp. 70-71. Imprimatur de M. P. Georgius Petit, Bispo de
Verdun.
2. Diarium
Perpetuum Clericorum et Religiosorum, Typographia Pontificia in Instituto
Pii IX, Roma, 1911.
3.
Plinio Corrêa de Oliveira, Em Defesa da Ação Católica, Artpress, 2ª edição, 1983, pág. 153.
4.
As Profecias e
Revelações de Santa Brígida da Suécia, Livro 1, Capítulo 5.
5.
Sermons de S.
Alphonse de Liguori, Analyses, commentaires, exposé du système de sa
prédication, por R.P. Basile Braeckman, da Congregação do T. S. Redentor, Tomo
Segundo. Jules de Meester-Imprimeur-Éditeur, Roulers, pp. 55-60).
_________________ Quadro 1
_________________
“Festa especial para honrar meu Coração”
“Que
se comungue nesse dia e se faça reparação através de um pedido de perdão, a fim
de reparar as afrontas que Ele recebeu durante o tempo em que esteve exposto
nos altares”.
Estando diante do Santíssimo Sacramento um dia, dentro da
oitava de Corpus Christi (em junho de 1675) –– narra Santa
Margarida Maria Alacoque, religiosa visitandina e grande vidente, escolhida por
Nosso Senhor para comunicar ao mundo a devoção a seu Sagrado Coração ––, recebi
de meu Deus enormes graças de seu amor. E sentindo-me tocada pelo desejo de Lhe
retribuir algo, de Lhe pagar amor com amor, disse-me Ele: “Tu não Me
podes conceder maior retribuição do que fazendo o que já tantas vezes te pedi”. Então,
mostrando-me seu divino Coração: “Eis o Coração que tanto amou os
homens, que nada poupou, até esgotar-se e se consumir para lhes testemunhar seu
amor; e como recompensa não recebo da maior parte deles senão ingratidões, por
suas irreverências e seus sacrilégios, e por friezas e desprezos que têm para
comigo neste Sacramento de Amor. Mas o que Me é ainda mais sensível é que são
os corações que Me são consagrados que se comportam assim. É por isto que te
peço que a primeira sexta-feira depois da oitava de Corpus Christi seja
dedicada a uma festa especial para honrar meu Coração, que se comungue nesse
dia e se faça reparação através de um pedido de perdão, a fim de reparar as
afrontas que Ele recebeu durante o tempo em que esteve exposto nos altares. Eu
te prometo também que meu Coração se dilatará para derramar com abundância os
efeitos de seu divino amor sobre aqueles que Lhe dispensarem esta honra e se
empenharem para que ela Lhe seja prestada”.
Confidente do Salvador e depositária de suas expressas
intenções sobre o dia e a finalidade a que o Céu queria ver destinada a nova
festa, Santa Margarida Maria ficou realmente encarregada de promulgá-la e
dirigir sua celebração no mundo inteiro.
Para conseguir o resultado que ultrapassava as forças
pessoais da humilde religiosa, o Senhor havia aproximado misteriosamente de
Santa Margarida Maria um dos mais santos religiosos que possuía então a
Companhia de Jesus, o Revmo. Pe. Cláudio de la Colombière. Ele reconheceu a
santidade das vias pelas quais o Divino Espírito conduzia a santa e se fez o
apóstolo devotado do Sagrado Coração, em Paray-Ie-Monial primeiramente e até na
Inglaterra, onde ele mereceu o glorioso título de confessor da fé, nos rigores
das prisões protestantes. Esse fervoroso discípulo do Coração do Homem-Deus
morreu em 1682, esgotado por trabalhos e sofrimentos. Mas, na ocasião, a
Companhia de Jesus inteira herdou seu zelo em propagar a devoção ao Sagrado
Coração.
A aprovação formal da Sede Apostólica a essa devoção não
deveria tardar muito em relação ao empenho já manifestado pela piedade católica
quanto ao divino Coração. Roma havia já concedido numerosas indulgências às
práticas privadas e erigido mediante breves pontifícios inúmeras confrarias
quando, em 1765, Clemente XIII, cedendo às instâncias dos Bispos da Polônia e
da Arquiconfraria Romana do Sagrado Coração, emitiu o primeiro decreto
pontifical em favor da festa do Coração de Jesus, aprovando para comemorá-la
uma Missa e um Ofício. Concessões locais estenderam pouco a pouco este primeiro
favor a outras circunscrições eclesiásticas, até que enfim, no dia 23 de agosto
de 1856, Pio IX, de gloriosa memória, solicitado por todo o Episcopado francês,
emitiu o decreto que inseria no calendário litúrgico a festa do Sagrado Coração
e ordenava a sua celebração à Igreja universal. Trinta e três anos mais tarde,
Leão XIII elevava a rito de primeira classe a solenidade que seu predecessor
havia estabelecido.
_____________
(D. Prosper Guéranger, L’Année
Liturgique – Le temps après la Pentecôte, Maison Alfred Mame et Fils,
Tours, 1922, quinzième éd., Tome 1, excertos das pp. 540–545).
_________________ Quadro 2
_________________
Impossibilidade de ser misericordioso sem ser justo
“Sem
dúvida Deus é misericordioso, mas é também justo. Queriam os pecadores que Deus
fosse misericordioso sem ser justo; mas isso é impossível. Ora, se Deus
perdoasse sempre e nunca castigasse, faltaria à justiça. Vem a propósito a
observação do Padre-Mestre de Ávila: ‘Se
Deus, diz ele, sofresse que se abusasse da sua misericórdia, para mais
livremente O ultrajar, tal paciência não seria bondade, mas sim falta de
justiça’. Deus tem de castigar os ingratos: suporta-os até certo ponto,
depois castiga-os. [...]
“’Não vos enganeis: de Deus
não se zomba’ (Gal. 6, 7). Seria, com
efeito, escarnecer de Deus querer continuar a ofendê-lo sempre, e esperar
contudo possuí-lo no Paraíso. ‘Colherá
cada um o que tiver semeado’ (ibid. 8). Quem semeia boas obras, colherá
recompensas; quem semeia pecados, colherá castigos. ‘É abominável a esperança deles’ (Job 11, 20), está escrito em Job;
sim, a esperança dos que pecam porque Deus perdoa é abominável diante de Deus.
É que esta mesma esperança atrai sobre a cabeça deles um castigo mais pronto,
como a audácia de um escravo a quem a bondade do seu senhor levasse a
faltar-lhe o respeito”.
_______________
(Santo Afonso de Ligório, O caminho da Salvação e da Perfeição,
trad. De Mons. M. Marinho, Tipogr. Fonseca, Ltda., Editora, Porto, 1948, p.
26).
Um comentário:
Quem diria que um Papa poderia contradizer o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo! Enquanto Cristo exigiu a conversão dos pecadores (veja o caso da mulher adúltera, entre outros) para a salvação, o Papa Francisco, com a encíclica Amoris Laetitia, "põe no Céu" fiéis e infiéis à doutrina tradicional da Igreja sobre a família. Num subjetivismo que beira à cumplicidade, essa encíclica pisoteia os mandamentos de Deus e da Igreja, promovendo a "visão de cada um" como critério de bem ou mal. Onde fica a exigência de Cristo: "Vai e não peques mais"?. Para o Papa Francisco Cristo está desatualizado, os Apóstolos pregaram o que valia "para aquela época", e o que vale é o gosto e a concepção de vida de cada um. Para essa atitude do Papa Francisco parece bem se aplicar a lamentação de Cristo em Sua dolorosa Paixão: "O vos omnes qui transitis in via. Parate et videte si est dolor similis dolor meus" (Ó vós todos que passais pelo (meu) caminho. Parai e vede se existe dor semelhante à minha dor). Triste situação em que o Papa deixa de lado a ordem de Cristo a seu antecessor São Pedro, primeiro papa: "Pedro, tu Me amas?. Confirma na fé meus irmãos. Apascenta minhas ovelhas, apascenta meus cordeiros". É um consolo saber que o IPCO, na senda do inigualável defensor da Sã doutrina, Prof. Plínio Correa de Oliveira, levantou-se como um novo São Miguel a bradar: "Quis ut Deus"?. Que Nossa Senhora leve esse manifesto e essa tomada de posição a inúmeras almas, para que ninguém se curve diante desse terrível desfiguramento da Santa Igreja.
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