24 de março de 2022

A consagração da Rússia foi efetivada como Nossa Senhora pediu?

 

Em julho de 1952, Pio XII consagrou os povos da Rússia ao Puríssimo Coração de Maria, sem associar os bispos do mundo.

Padre David Francisquini

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 836, Agosto/2020

Pergunta — Agradeço o seu recente esclarecimento sobre a legitimidade teológica das consagrações a Nossa Senhora. Como ficou claro, vários Papas, e mesmo Nossa Senhora em Fátima, utilizaram o termo “consagração” para se referir à entrega do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Mas ainda me ficou uma dúvida: nessas consagrações já feitas, alguma já cumpriu com os requisitos da consagração da Rússia, pedida por Nossa Senhora à Irmã Lúcia?

Resposta  De fato, o prezado consulente observou no texto anterior uma lacuna, que me teria sido impossível preencher ao finalizar aqueles comentários, por escassez de espaço. Pois há diversidade de opiniões sobre o assunto, e para responder à consulta temos de remontar amplamente aos fatos iniciais, como veremos a seguir.

Na aparição de 13 de julho de 1917, Nossa Senhora disse aos pastorinhos que Deus iria “punir o mundo de seus crimes por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. […] Para o impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora dos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz”.

Doze anos mais tarde, no dia 13 de junho de 1929, enquanto residia em Tuí, na Espanha, a Irmã Lúcia teve uma visão na qual Nossa Senhora lhe disse: “É chegado o momento em que Deus pede para o Santo Padre fazer, em união com todos os Bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio”.

Ainda em 1929, a vidente fez chegar esse pedido ao conhecimento do Papa Pio XI, e no ano seguinte escreveu ao seu confessor, o Pe. José Bernardo Gonçalves S.J., relatando que Nosso Senhor a instara a solicitar ao Santo Padre a aprovação da devoção reparadora dos primeiros sábados. E acrescentou: “Se me não engano, o bom Deus promete terminar a perseguição na Rússia se o Santo Padre se dignar fazer, e mandar que o façam igualmente os Bispos do mundo católico, um solene e público ato de reparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesus e Maria”.

Numa comunicação íntima posterior, Nosso Senhor Se queixou à vidente: “Não quiseram atender ao meu pedido. Como o Rei da França, arrepender-se-ão; e fá-la-ão, mas será tarde. A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo”. Numa carta ao seu confessor, de 18 de maio de 1936, a Irmã Lúcia declara: “Intimamente, tenho falado a Nosso Senhor do assunto; e há pouco perguntava-Lhe por que não convertia a Rússia sem que Sua Santidade fizesse essa consagração. Foi esta a resposta que a Irmã Lúcia recebeu de Jesus: “Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o seu culto e pôr, ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração”.

Consagrações realizadas incompletamente

Depois de iniciada a Segunda Guerra Mundial, a Irmã Lúcia se dirigiu diretamente ao novo Papa, Pio XII: “Em várias comunicações íntimas, Nosso Senhor não tem deixado de insistir neste pedido, prometendo ultimamente — se Vossa Santidade se dignar fazer a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, com menção especial pela Rússia, e ordenar que, em união com Vossa Santidade e ao mesmo tempo, a façam também todos os Bispos do mundo — abreviar os dias de tribulação com que tem determinado punir as nações de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de várias perseguições à Santa Igreja e a Vossa Santidade”.

Em 1942, por ocasião do encerramento do ano jubilar das aparições de Fátima, o Papa Pio XII consagrou a Igreja e o gênero humano ao Imaculado Coração de Maria, ato que ele renovou em 8 de dezembro. Mas o texto fazia apenas uma alusão velada à Rússia, sem mencioná-la explicitamente. Em carta de 4 de maio de 1943 ao Pe. Gonçalves, a Irmã Lúcia afirmou ter tido outra revelação de Nosso Senhor, prometendo “o fim da guerra para breve, em atenção ao ato que Sua Santidade se dignou fazer. Mas, como ele foi incompleto, fica a conversão da Rússia para mais adiante”.

Em julho de 1952, Pio XII consagrou os povos da Rússia ao Puríssimo Coração de Maria, sem associar os bispos do mundo. Em novembro de 1964, Paulo VI “confiou o gênero humano” ao Imaculado Coração de Maria. João Paulo II fez duas consagrações: uma em Fátima, no dia 13 de maio de 1982; e outra em Roma, em 25 de março de 1984, ambas precedidas de um convite aos Bispos para se unirem a ele nesses atos.

Alguns episcopados se uniram ao ato; mas no Brasil, que tem o terceiro maior episcopado do mundo, apenas poucos bispos o fizeram. Além do mais, a Rússia não era mencionada no texto da consagração, apenas alguns circunlóquios lhe faziam uma alusão indireta, o que foi ainda mais evidenciado quando o Papa polonês, saindo do texto, improvisou a seguinte invocação: “Mãe da Igreja! […] Iluminai especialmente os povos dos quais esperais a nossa consagração e a nossa entrega”.[1]

Em 2015, o então exorcista-chefe de Roma, Pe. Gabriele Amorth (recentemente falecido), declarou o seguinte a propósito dessa consagração: “Eu estava lá em 25 de março [de 1984] na Praça de São Pedro; estava na primeira fila, praticamente a uma curta distância do Santo Padre. João Paulo II queria consagrar a Rússia, mas sua comitiva não [queria], temendo que os ortodoxos fossem antagonizados, e quase o frustraram. Porém, quando Sua Santidade consagrou o mundo de joelhos, ele acrescentou uma frase não incluída na versão distribuída, que em vez disso dizia consagrar ‘especialmente aquelas nações das quais Vós solicitastes sua consagração’. Então, indiretamente, isso incluía a Rússia. No entanto, uma consagração específica ainda não foi feita”.[2]

Essa versão foi confirmada de modo ainda mais claro no centenário da primeira aparição na Cova da Iria. Nesse dia foi celebrada uma missa solene na Catedral de Nossa Senhora de Fátima, em Karaganda (Cazaquistão), como conclusão de um Congresso Mariano internacional. Na homilia, o cardeal alemão Paul Josef Cordes, que viveu muitos anos no Vaticano, como presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, referiu-se ao ato realizado por João Paulo II em 1984:

“Ele se absteve de mencionar explicitamente a Rússia, porque os diplomatas do Vaticano lhe haviam pedido com insistência que não mencionasse esse país, já que, do contrário, poderiam surgir conflitos políticos […]. Logo depois ele me convidou para almoçar. Em nosso pequeno círculo, ele falou do desejo que sentia em seu interior, de mencionar a Rússia durante essa consagração, antes que ceder a seus conselheiros. Então ele nos disse, com um rosto radiante, que aquilo ao que ele havia renunciado fazer por si mesmo havia, porém, sido realizado. Através de amigos, tinha sabido algo importante e consolador para ele: que alguns bispos ortodoxos russos haviam aproveitado sua própria consagração do mundo à Mãe de Deus como uma ocasião para consagrar a Rússia de uma maneira muito especial a Maria”.[3]

Podemos objetar, no entanto, que o pedido insistente de Nossa Senhora não foi que os bispos cismáticos russos consagrassem seu país ao Imaculado Coração de Maria, e sim que tal consagração fosse feita pelo Papa em comunhão com todos os bispos católicos do mundo!

Interpretação que teria feito a Irmã Lúcia

Desde 1984 até a queda do Muro de Berlim, a Irmã Lúcia sustentou que nenhuma das consagrações feitas até então tinha sido “válida” (no sentido de terem atendido aos requisitos postos por Nossa Senhora). Numa entrevista concedida em 1985 à revista Sol de Fátima, eladeclarou peremptoriamente, a respeito das que foram realizadas por João Paulo II em Fátima (1982) e em Roma (1984): “Não houve a participação de todos os Bispos nem foi mencionada a Rússia”.

Contudo, o Cardeal Tarcísio Bertone transcreveu posteriormente, na sua apresentação a um opúsculo sobre a mensagem de Fátima, uma carta que a vidente teria escrito em 8 de novembro de 1989, na qual ela teria afirmado: “Sim [a consagração] está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o dia 25 de março de 1984”. E num colóquio do purpurado com a Irmã Lúcia, ela teria declarado: “Já disse que a consagração desejada por Nossa Senhora foi feita em 1984, e foi aceita no Céu”. Segundo o mesmo purpurado, tal aceitação teria sido manifestada à Irmã Lúcia numa aparição de Nossa Senhora, mas tal aparição não figura nos pormenorizados relatos que o próprio Cardeal Bertone fez de seus colóquios com a vidente. Paira, portanto, séria dúvida quanto à realidade dessa manifestação celeste, e é legítimo conjecturar que, ao reavaliar o ato de João Paulo II em 1984, a Irmã Lúcia se tenha deixado influenciar pela atmosfera de otimismo que se difundiu no mundo após o colapso do império soviético.

Cabe destacar que a Irmã Lúcia não gozava do carisma da infalibilidade na interpretação da altíssima mensagem que recebeu. Por isso competia mais aos historiadores, teólogos e pastores da Igreja analisar a coerência dessas suas declarações, recolhidas pelo Cardeal Bertone, com suas declarações anteriores.[4] No entanto, podemos constatar uma coisa certíssima: os frutos da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, anunciados por Nossa Senhora, estão longe de se terem materializado — não há paz no mundo. Pelo contrário, as tensões internacionais — notadamente entre a China e os EUA — têm aumentado ao ponto de o Papa Francisco afirmar, em várias ocasiões, que estamos vivendo uma verdadeira “terceira guerra mundial, mas em fragmentos”.[5]

Os atuais dirigentes russos não renunciaram aos erros do comunismo, e sua elite política e intelectual olha para o passado soviético com nostalgia.

O comunismo continua espalhando seus erros pelo mundo

A Rússia está longe de se ter convertido. É um país que autoriza os ventres de aluguel; tem a maior taxa registrada de abortos do mundo (60% das gravidezes terminam em aborto, sendo 20% deles praticados por menores de 18 anos); uma das maiores taxas do mundo em divórcios por habitante (4,2/1000); a maior proporção de divórcios por casamentos (61%); a maior porcentagem mundial de alcoolismo (dois milhões de alcoólatras); alcoolismo que é responsável pela metade das mortes entre 15 e 54 anos, que é a expectativa média de vida para os homens.

Como se tudo isso não bastasse, seus atuais dirigentes não renunciaram aos erros do comunismo, e sua elite política e intelectual olha para o passado soviético com nostalgia. Vladimir Putin chegou a declarar que a extinção da União Soviética foi o maior desastre geopolítico do século XX.

Compreende-se, portanto, que em 2016, tendo já em vista o centenário das aparições de Fátima, Dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de Astana (Cazaquistão), tenha declarado em uma entrevista ao site Rorate Cɶli“Temos de rezar para que o Papa em breve consagre explicitamente a Rússia ao Imaculado Coração de Maria, para que Ela triunfe”.[6]

No próprio ano do centenário (2017), em uma palestra sobre a mensagem de Fátima pronunciada por ocasião do Rome Life Forum, o Cardeal Raymond Leo Burke instou os participantes a se consagrarem ao Imaculado Coração de Maria e a “trabalhar pela consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria […]. Hoje, mais uma vez, ouvimos o chamado de Nossa Senhora de Fátima para consagrar a Rússia ao seu Imaculado Coração, de acordo com suas instruções explícitas”.[7]

Interrogado pelo jornal The Wanderer sobre se esse pedido correspondia a mais do que o ato do Papa simplesmente mencionar a Rússia de modo explícito, o cardeal americano respondeu, em termos inequívocos, acreditar que o Papa João Paulo II desejava atender ao pedido de Nossa Senhora, pois estava ciente da gravidade da situação e da necessidade de consagrar a Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Mas na época se argumentava que, a fim de promover um relacionamento mais amigável com os países do bloco oriental, o nome da Rússia não deveria ser mencionado em particular:

“Acredito que era a intenção do Santo Padre consagrar realmente a Rússia. No entanto, também acredito que, dada a situação em que nos encontramos hoje, a consagração da Rússia deve ser feita explicitamente, exatamente como Nossa Senhora solicitou (o que não implica negar a intenção de João Paulo de incluir a Rússia, quando ele consagrou o mundo ao seu Imaculado Coração). […] Minha intenção não é levantar acusações contra ninguém, mas insistir na necessidade de realizar o que Nossa Senhora pediu, exatamente como Ela pediu, em resposta à atual situação, que é tão grave”.[8]

Consagração da Rússia, hoje mais necessária do que nunca

Na edição via Internet do recente Rome Life Forum, o Cardeal Burke [foto ao lado] fez uma palestra intitulada “Fátima: a resposta do Céu para um mundo em crise”. Ele aproveitou a ocasião para questionar o papel do Partido Comunista chinês na gênese da pandemia da covid-19, sua influência sobre a Organização Mundial da Saúde e sua dominação imperialista sobre outras nações:

“A consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria é hoje mais necessária do que nunca. Quando testemunhamos como o mal do materialismo ateu, cujas raízes estão na Rússia, dirige de maneira radical o governo da República Popular da China, reconhecemos que o grande mal do comunismo deve ser curado em suas raízes através da consagração da Rússia como Nossa Senhora ordenou. […] Reconhecendo a necessidade de uma conversão total do materialismo ateu e do comunismo a Cristo, permanece urgente o apelo de Nossa Senhora de Fátima para que a Rússia seja consagrada ao seu Imaculado Coração, de acordo com suas instruções explícitas”.[9]

Ecoando esse apelo à conversão, Dom Athanasius Schneider compôs e divulgou pelas mídias sociais, em junho passado, uma oração que recomendo a todos rezar frequentemente:

“Ó Imaculado Coração de Maria, Vós sois a santa Mãe de Deus e nossa terna Mãe. Considerai a angústia em que vivem a Igreja e toda a humanidade por causa da disseminação do materialismo e da perseguição à Igreja. Em Fátima, Vós alertastes contra esses erros ao falar sobre os erros da Rússia. Vós sois a Medianeira de todas as graças. Implorai ao vosso Divino Filho para que Ele conceda esta graça especial ao Papa: que ele consagre a Rússia ao vosso Imaculado Coração, a fim de que a Rússia se converta, um período de paz seja concedido ao mundo, e o vosso Imaculado Coração triunfe através de uma renovação autêntica da Igreja, pelo esplendor da pureza da fé católica, pela sacralidade do culto divino e pela santidade da vida cristã. Ó Rainha do Santo Rosário e nossa doce Mãe, voltai vossos olhos misericordiosos para nós e ouvi graciosamente esta nossa oração confiante. Assim seja”.[10]


[1] Todos os fatos narrados até aqui, e as correspondentes citações, tirei do excelente livro Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança? – de Antônio Augusto Borelli Machado.

[2] https://www.lifesitenews.com/news/exclusive-interview-with-rome-chief-exorcist-fr.-gabriele-amorth

[3] https://onepeterfive.com/cardinal-cordes-pope-john-paul-ii-consecration-russia/

[4] A.A. Borelli Machado, op.cit. Ed. Instituto Santo Condestável, Coimbra, 2015, pp. 104-107.

[5] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2014/08/18/vivemos-a-3-guerra-mundial-diz-papa-francisco.htm

[6] https://rorate-caeli.blogspot.com/2016/02/exclusive-bishop-athanasius-schneider.html

[7] https://voiceofthefamily.com/full-text-cardinal-burkes-historic-call-for-consecration-of-russia/

[8] https://thewandererpress.com/blogger/interview-with-cardinal-burke-discriminating-mercy-defending-christ-and-his-church-with-true-love-4/

[9] https://www.lifesitenews.com/news/cardinal-burke-consecration-of-russia-to-our-lady-more-needed-now-than-ever

[10] https://www.lifesitenews.com/news/bp-schneider-composes-prayer-begging-mary-for-consecration-of-russia-so-there-will-be-peace

15 de março de 2022

ESTA FOTO NÃO É UMA MONTAGEM

Comitiva da TFP no Kremlin, em 1991. 

Agora,  31 anos depois, algo semelhante precisamos fazer para que a católica Ucrânia não volte a ficar sob o jugo do comunismo soviético. 


— O que querem, camaradas? 

— Nós não somos camaradas! Nós somos senhores. 

— Então, o que querem os senhores?... 

Esse diálogo deu-se no Kremlin, entre alto funcionário do governo soviético e membros da comitiva das TFPs, no ato de entrega de um dossiê especial. Este continha mensagem dirigida a Gorbachev mostrando a amplitude e os fins da campanha empreendida pelas TFPs, nos cinco Continentes, em favor da independência da Lituânia, que jazia sob o domínio da URSS. 

A comitiva chegara de Vilnius, capital da Lituânia, onde entregara ao Presidente Vytautas Landsbergis os microfilmes das 5.218.520 assinaturas do monumental abaixo-assinado.

Que dor de cabeça para Gorbachev! 

Já pensou a dor de cabeça para Gorbachev, o prestidigitador político ambíguo e viperino? 

A comitiva da TFP, num lance surpreendente, transpôs as históricas e sombrias muralhas do Kremlin para fazer saber ao ídolo da mídia mundial que 1 dentre cada 1.000 habitantes da Terra exige dele autenticidade em sua política aparentemente pacifista: ou seja, que dê LIBERDADE PARA A LITUANIA CRISTÃ! 

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Fonte: Revista Catolicismo, Janeiro/1991.

12 de março de 2022

COROAÇÃO DA RAINHA ELIZABETH II



A seguir reproduzimos a homenagem que na edição deste mês a revista Catolicismo prestou à Rainha Elizabeth II pelos 70 anos de reinado da primeira monarca britânica a celebrar Jubileu de Platina. Homenagem à qual nos associamos de todo coração. 


 

  Plinio Corrêa de Oliveira

A
ssisti ao filme da coroação da rainha da Inglaterra Elizabeth II em 1953. Sua ascensão ao Trono ocorreu em 1952, mas foi coroada no ano seguinte. Uma verdadeira maravilha a cerimônia da coroação! Uma filmagem lindíssima! 

Na nave da Abadia de Westminster, em Londres, o clero anglicano com paramentos vagamente parecidos com os da Igreja Católica e os nobres nas tribunas especiais. Todos os monarcas presentes portavam condecorações próprias aos seus títulos de nobreza. Bem em frente ao altar, o trono no qual se sentaria a nova rainha. À direita e à esquerda, os assentos para os membros da casa real inglesa. Presentes também muitos membros das casas reais de outros países. Uma cena belíssima! 


O número de pessoas do povo que assistiu à cerimônia foi muito grande. Uma parte dentro da própria catedral, que é imensa, outra do lado de fora vendo o longo cortejo da rainha que se deslocava desde o palácio de Buckingham até Westminster. Essa multidão assistia também à passagem de todas as personalidades em suas carruagens tradicionais douradas, com pinturas, com janelas de cristal, com plumas, com lacaios usando chapéus de três bicos etc. Toda a nobreza desfilava, príncipes europeus com os seus belíssimos uniformes, mas também marajás, sultões, a rainha de Tonga, potentados do mundo ainda misterioso do Oriente. O império britânico estava ali representado na sua plenitude. 

Nesse cortejo passavam homens eminentes — por exemplo, Churchill — que tinham salvado a Inglaterra durante a guerra. Também as corporações de mutilados de guerra. O público manifestava um entusiasmo enorme. 

Para que tudo isto? — Para ungir, para recobrir com o azeite da compreensão e da admiração as relações entre a rainha e o povo. Mas também para a rainha ver seu povo entusiasmado que a saudava e aplaudia. Em tudo transparecia que o principal fundamento das boas relações é o recíproco amor. Nesse mútuo entendimento as instituições tornam-se sólidas, o reinado permanece íntegro. Não apenas nos grandes dias, como naqueles da coroação, mas na vida quotidiana. Um reinado deve ser como que uma coroação contínua. 



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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 28 de julho de 1993. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

11 de março de 2022

“Estamos no borde de uma guerra nuclear, não estou exagerando”

Hoje (11-3-2022) tropas russas bombardearam zonas residenciais em Dnipró, no Oeste da Ucrânia

 Plinio Maria Solimeo

Estas terríveis palavras foram pronunciadas nada menos que pela jornalista russa Maria Baronova [foto abaixo], editora em chefe de Russia Today (mais conhecida como RT) depois de renunciar ao seu alto cargo ao condenar o sangrento ataque desfechado por tropas russas à sua vizinha Ucrânia. Russia Today é um dos meios estatais a serviço de Putin obrigada, como toda a mídia sob seu controle, a não chamar à criminosa invasão por seu nome, mas usando para isso o eufemismo “operação militar especial”. 

Em chamada por WhatsApp desde Moscou, a jornalista explicou por que renunciou a seu cobiçado cargo: “Não renunciaria, e não perderia meu salário e meu trabalho, se tivesse a segurança de que vamos estar vivos por muitos anos; não sei realmente o que vai passar conosco”, afirmou referindo-se à possibilidade de uma guerra nuclear. 

Baronova acrescenta que a atual “é uma situação muito perigosa” para seu país e para o mundo. Como trabalhava já há tempos visando os interesses do governo russo, afirma que conhece muito bem os dirigentes russos: “Eles nunca enviam ameaças [em vão], simplesmente matam. Há um silêncio estranho a meu redor, mas creio que estamos a borde de uma guerra nuclear neste momento. Não estou exagerando”

Pois, conhecendo bem a Putin, o mundo teme que ele, num acesso de loucura, faça uso de armas nucleares. O que para Baronova converteria a Rússia em alvo de um ataque catastrófico por parte do Ocidente. Ela sabe que, se sai uma ordem do Kremlin desta magnitude, receberá uma resposta das mesmas proporções. “Suspeito que o mundo ocidental responderá da mesma forma”, afirma. 

A situação pessoal de Maria Baronova é complicada por causa de sua condenação da atitude do governo russo. Pois ela não pode sair da Rússia: “Tenho um filho, e não posso ir porque seu pai não me permite ir-me com ele [com o filho]. Assim, prefiro ficar em Moscou. [...] Parece-me que estamos na Coréia do Norte ou vamos ser assassinados por um fungo termonuclear”

A jornalista não se preocupa em engrossar a lista dos detidos. Pois a repressão na Rússia não é só nas ruas. Putin também decidiu encarcerar todos que contradigam seu discurso. Esse presidente tornado ditador assinou na semana passada uma lei, aprovada por ambas câmaras do Parlamento a ele submissas, que criminaliza a difusão de “notícias falsas” com relação ao exército russo, com pena de prisão de 10 a 15 anos. E para quem busque "desprestigiar" as tropas sob seu comando, de cinco anos. 

Esse é o presidente “conservador” que tantos incautos da direita em todo o mundo enaltecem e mostram como modelo... 

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Fonte: https://panampost.com/jose-gregorio-martinez/2022/03/08/al-borde-de-una-guerra-nuclear

9 de março de 2022

RÚSSIA x UCRÂNIA — Movimentações nos ventos da guerra (Parte III)

Neste dia 9 de março, a maternidade da cidade de Mariupol foi bombardeada…

 


Aseguir reproduzimos um texto, publicado como um quadro ilustrativo da matéria de capa da revista Catolicismo deste mês — artigo redigido às vésperas da efetiva invasão da Ucrânia por ordem do déspota Vladimir Putin.

A revista elenca episódios que antecederam o início da guerra, que se pode dizer que oficialmente foi iniciada no dia 21 de fevereiro com o decreto de Putin, o covarde stalinista russo, declarando a independência de duas regiões da Ucrânia (Donetsk e Luhansk). Decreto que foi estopim para a explosão da guerra com o oficial envio de tropas russas, com o objetivo de excluir para sempre a identidade do povo ucraniano, mas que o cínico Putin denominou de “missão de paz”!

Mariupol ficou arrasada com o bombardeio russo em 9-3-22.

A ESCALADA DAS MOVIMENTAÇÕES RUMO À GUERRA

Segue um breve elenco de alguns dos episódios transcorridos apenas em fevereiro último, todos baseados em informações de agências de notícias sérias, que reforçam a ideia de que a tensão aumentou muito na região fronteiriça Rússia/Ucrânia. E isso apesar dos esforços diplomáticos de líderes mundiais para obter a pacificação e dos reiterados desmentidos de Vladimir Putin de que não desejava o conflito — nos quais poucos acreditaram.

Residencias de Mariupol arrasadas com o bombardeio russo de hoje (9-3-22)
  1. Vladimir Putin, ex-oficial da KGB, há 22 anos como mandatário absoluto da Rússia, ordena a expulsão do vice-embaixador americano em Moscou, Bartle Gorman;
  2. A Rússia no início de fevereiro contava com aproximadamente 100 mil soldados mobilizados na fronteira com a Ucrânia. Putin declarou que eles estavam sendo retirados. Entretanto, em meados daquele mês o contrário aconteceu, o número de soldados dobrou;
  3. Alguns países, como Brasil, Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Coreia do Sul, Holanda, Letônia, Noruega, expedem ordens de retirada de seus cidadãos da Ucrânia. Somente dos EUA são 30 mil americanos;
  4. Joe Biden reforça o pedido de retirada dos cidadãos americanos dizendo que a situação é muito grave, que não estavam lidando apenas com uma organização terrorista, mas sim com um dos maiores exércitos do mundo e que “as coisas podem perder o controle e se tornarem apaixonadas rapidamente”;
  5. Tropas russas participam de manobras na Bielorrússia em meio ao aumento da tensão na Ucrânia, e testam inclusive lançamento de mísseis intercontinentais. Manobras que foram supervisionadas diretamente por Putin;
  6. Imagens de satélite revelam um substancial aumento de tropas, veículos e aviões russos na Bielorrússia e na Península da Criméia (anexada pela Rússia há sete anos, na região de Kursk, a 100 quilômetros da fronteira com a Ucrânia);
  7. Aumento do número de navios de guerra russos, abarrotados de equipamento militar, no Mar Negro;
  8. Antony Blinken, secretário de Estado americano, afirma que “estamos em uma janela em que uma invasão pode começar a qualquer momento […] Continuamos a ver sinais muito preocupantes da escalada russa, incluindo novas forças chegando à fronteira”;
  9. Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, afirmou que “a maneira como Putin mobilizou suas forças e as colocou no terreno, juntamente com os outros indicadores que coletamos por meio de inteligência, deixa claro que existe uma possibilidade muito alta de que a Rússia deva lançar uma operação militar, e há razões para acreditar que isso pode acontecer em um prazo razoavelmente curto”;
  10. Por sua vez, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, declarou: “Há um perigo de conflito militar, uma guerra no leste da Europa, e a Rússia tem responsabilidade por isso”;
  11. Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, disse que a Rússia está planejando a “maior guerra na Europa desde 1945. […] Que poderá ocorrer uma geração de derramamento de sangue e miséria”;
  12. Governos ocidentais emitem novos alertas sobre o risco de uma iminente invasão russa à Ucrânia;
  13.  O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, também fala em “risco real” de conflagração armada envolvendo a Europa, inclusive com a utilização de armas russas “cibernéticas”;
  14. Como tentativa de enfraquecer ou mesmo derrubar o governo ucraniano, ciber-ataques são operados por russos contra instituições e bancos;
  15. Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, declarou que Rússia se dirige para uma “invasão iminente” da Ucrânia, apesar dos anúncios de Putin sobre a falaciosa retirada de tropas;
  16. Declaração do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, dizendo que, como atestam documentos de Inteligência americana, a Rússia não diminuiu a presença militar e que novas tropas russas vão se aproximando da Ucrânia;
  17. Elevando o tom ainda mais, Biden — durante coletiva de imprensa na Casa Branca e após uma ligação com líderes ocidentais — declarou estar convencido de que Vladimir Putin tomou a decisão de invadir a Ucrânia, incluindo um ataque à capital, Kiev. E que sua convicção se fundava em relatórios da inteligência americana;
  18. No dia em que fechamos esta matéria (21 de fevereiro), Putin deu o passo que todo o mundo ocidental temia: numa violação flagrante da legislação internacional, da integridade e da soberania territorial da Ucrânia, decretou a independência de duas regiões claramente ucranianas (Donetsk e Luhansk), conforme os acordos de Minsk (2014 e 2015) e, algumas horas após a assinatura do decreto, ordenou o envio de tropas para ocupar essas regiões. Durante tal declaração, Putin — não escondendo seu anseio de restaurar a antiga URSS — novamente lamentou as perdas que a Rússia teve quando a União Soviética se desfez em 1991.
A cidade de Mariupol arrasada com o bombardeio russo de hoje (9-3-22)

8 de março de 2022

RÚSSIA x UCRÂNIA — Movimentações nos ventos da guerra (Parte II)

Complementando o post de ontem, aqui reproduzimos um artigo de Plinio Corrêa de Oliveira [foto], redigido no longínquo 1951, no qual ele prevê uma III Guerra Mundial e anuncia os malefícios incalculáveis que ela causará com um “choque de civilizações”, de culturas e de ideologias.


NUMA GUERRA, QUAL É A

POSIÇÃO CATÓLICA?

“Seria de pasmar se as pessoas que amam verdadeira e seriamente a Religião Católica não indagassem quais os efeitos de uma possível guerra sobre as atividades e as próprias condições de vida da Igreja em nosso século”

 

✅  Plinio Corrêa de Oliveira

Catolicismo, abril de 1951

Inútil seria enumerar os muitos motivos que tornam iminente uma nova guerra mundial. São eles tantos, tão graves, tão evidentes, que já passaram do conhecimento das chancelarias para os parlamentos, dos parlamentos para a imprensa, e daí para a rua, de tal forma que todos hoje, homens, instituições, governos, vivem em função da guerra.

Não há pessoa de critério e responsabilidade que, fazendo planos para o futuro, não tome em consideração as modificações que uma possível guerra imporia à marcha regular de suas previsões.

Seria, pois, de pasmar que as pessoas que amam verdadeira e seriamente a Religião Católica, também não indagassem quais os efeitos de uma possível guerra sobre as atividades e as próprias condições de vida da Igreja em nosso século. Para tratar deste assunto que tortura tantas almas zelosas é que deliberamos publicar em Catolicismo este estudo. É óbvio que não poderemos considerar senão os aspectos mais gerais do complexíssimo problema. As questões de pormenor alongariam desmedidamente os quadros, de per se já tão vastos de nosso trabalho.

Esta provável guerra terá algumas notas preponderantes, que influirão em todos os seus outros aspectos.

Primeiramente, será “mundial” num sentido muito mais real e profundo do que o conflito de 14-18 [Primeira Guerra Mundial], ou mesmo o de 39-45 [Segunda Guerra]. De um lado, os campos de operações militares serão muito mais numerosos.

Todas estas circunstâncias exigirão uma participação militar e econômica muito mais efetiva, das próprias nações que não forem diretamente atacadas em seus cidadãos e seus territórios. O esforço de guerra mobilizará pois, de um modo ou de outro, os recursos do mundo inteiro.

Em segundo lugar, esta guerra em que todas as nações talvez tomem parte, será principalmente uma guerra entre duas nações. Os russos e americanos de tal maneira se avantajam em força e poder sobre os respectivos aliados que a vitória de qualquer dos dois blocos não será senão o triunfo da nação-líder do bloco vencedor.

Em terceiro lugar, a guerra será ideológica. Se a nação vencedora for a Rússia, imporá ela ao mundo seu modo de pensar, de sentir e de viver. Contra esta perspectiva se armam as nações que não estão dispostas a renunciar às suas tradições, seus costumes e sua própria alma nacional. Em outros termos, há duas civilizações, duas culturas, dois mundos ideológicos inteiramente distintos e antagônicos, em presença um do outro. E a sobrevivência da hegemonia mundial da cultura ocidental será impossível se a vitória couber ao bloco liderado pelos bolchevistas.

Em quarto lugar, vem uma decorrência do que acabamos de dizer. Se a guerra for ideológica e se a questão ideológica que estiver na raiz da luta for a questão social, é bem de ver com que facilidade em vários países se manifestará a tendência de complicar com uma guerra de classes intestina, a guerra mundial. É, pois, possível que a guerra mundial seja agravada por uma revolução social que, se não for mundial, por certo poderá ser internacional.

Em quinto lugar, tudo leva a crer que a guerra será científica e trará consigo possibilidades de destruição ainda não bem conhecidas pelo público, mas por certo muito amplas. A técnica será mobilizada contra o homem, e poderá determinar convulsões, destruições e hecatombes inimagináveis. Há quem pense que a própria civilização humana poderá desaparecer da Terra. Sem responder pela afirmativa nem pela negativa, aceitamos a hipótese muito menos improvável de que, simplesmente, as destruições acarretem para civilização um retrocesso que ainda é prematuro tentar medir.

Este o quadro das perspectivas sombrias que a guerra abre diante de nós.

Os estados vermelhos representam os governos comunistas que foram alinhados com a União Soviética. Os amarelos (Somália e Albânia) representam os estados com governos comunistas que foram alinhados com a República Popular da China. Os estados em preto (Coreia do Norte e Iugoslávia).

A Igreja e o comunismo

Cumpre-nos examinar agora que influências estas perspectivas podem ter sobre a segurança, esplendor e dilatação da Cristandade. Para isto, analisemos a posição da URSS e dos EUA perante a Igreja. Comecemos pela URSS. As relações entre o comunismo e a Igreja são tema já mil vezes versado. Parece-nos, entretanto, que muito raramente se tem posto nos seus verdadeiros termos o problema.

Segundo a doutrina católica, Deus pôs os homens neste mundo para O amar e servir, e assim conquistar a visão beatífica e a vida eterna. Mas Deus não deixou a nosso critério servi-Lo como bem entendêssemos. Ele promulgou uma Lei que não revogou e jamais revogará, a mesma para todos os homens, em todos os lugares e todos os tempos até a consumação dos séculos. Esta Lei nos manda professar a verdadeira Religião, guardar a pureza segundo nosso estado, respeitar a propriedade alheia, e acatar com amor toda a superioridade legítima, como é arquetipicamente a do intelectual sobre o trabalhador manual.

Assim, não nos é lícito constituir um estado de coisas baseado sobre a impiedade, o adultério, o latrocínio e a revolta, e esperar que a Igreja acabe se acomodando com isto. Para que tal acomodação fosse possível, seria mister, ou que a Igreja abandonasse a Lei de Deus, ou que Deus reformasse sua própria Lei. Ora, quem admite qualquer destas duas hipóteses, cai em heresia. A Igreja condena como herética a simples suposição de que algum dia a Lei no todo ou em parte seja modificada por Deus ou abandonada por Ele.

Como se vê, a oposição entre o Comunismo de um lado o Catolicismo de outro é a maior que se possa imaginar. Ora, os soviéticos não se limitam a viver segundo estes princípios. Desejam reformar ao sabor deles toda a face da Terra. Prova-o a existência, em todos os países, de partidos comunistas mantidos e dirigidos por Moscou; e principalmente a bolchevização brutal de todas as regiões que, deste ou daquele modo, caíram sob o jugo russo, como aconteceu temporariamente com a Espanha e o México, e aconteceu com a Romênia, a Bulgária, a Hungria, a Tchecoslováquia, a Polônia e a China.

Em outros termos, a guerra de conquista da URSS contra o mundo ocidental é estritamente uma guerra ideológica, uma espécie de cruzada cuja vitória significará o fim da civilização atual e a revogação do edito de Milão com o qual, em 313, Constantino reconheceu à Igreja o direito de existir.

Em consequência, os católicos têm de lutar em nosso século contra os comunistas, como lutaram do século XI ao século XVII contra os sarracenos. Somos obrigados a levar a cabo contra a foice e o martelo uma verdadeira cruzada. Isto é perfeitamente claro. Significa isto que todos os inimigos da URSS são cruzados, e que podemos ver em Truman, por exemplo, um Godofredo de Bouillon?

A Igreja e os EUA

Eis outra grave questão. A primeira coisa que se deve dizer sobre ela é que não é nova. De fato, ela já se pôs aos cruzados medievais. Tinham estes no Império Romano do Oriente, um aliado natural. Com efeito, os maometanos haviam feito da monarquia bizantina sua bigorna preferida.

Contra ela eram seus melhores golpes. O desejo de a destruir era sua mais alta ambição, que iam satisfazendo com método implacável, e que chegaram a realizar no século XV quando as tropas de Constantino XIII, os Dracosès, foram dizimadas sob os muros e pelas ruas de Constantinopla pelos soldados vitoriosos de Maomé II.

Dada a orientação implacável e ferozmente antibizantina da política muçulmana, tudo levaria a crer que os cruzados da Europa Ocidental obtivessem o apoio do Império do Oriente para a reconquista dos Lugares Santos, tanto mais que os bizantinos, como cristãos, tinham os mesmos motivos religiosos do que os cruzados para se interessar pela libertação do Santo Sepulcro.

É bem verdade que os cruzados eram católicos, e os bizantinos greco-cismáticos. Mas não seria o caso de fazer calar os motivos de dissensão entre cristãos, à vista do adversário comum, formidável, e sanhudamente anticristão? A resposta só poderia ser pela afirmativa. Fez-se o acordo.

E a colaboração entre cismáticos e cruzados funcionou tão mal que não haveria talvez nenhum exagero em se afirmar que melhor teria sido para estes enfrentar os muçulmanos sem qualquer auxílio bizantino. É que, em mais de uma ocasião decisiva, o Império do Oriente, receoso de um excessivo poderio dos ocidentais, se mancomunou com os muçulmanos, deixando inopinadamente os cruzados — falhos do auxílio prometido — frente a frente com o inimigo.

O que nos ensina este fato histórico? Que jamais deve haver alianças entre católicos e acatólicos? Seria levar longe demais a tese. Pio XI, segundo se conta, afirmava que, se devesse colaborar com o próprio demônio para o bem da Igreja, aceitaria a colaboração. Mas... e entra aí o pormenor que os cruzados não tomaram na devida consideração, o demônio é sempre demônio, mesmo quando acidentalmente nos serve de instrumento.

Os pactos de aliança temporária que façamos com ele não o transformarão em Anjo de luz. E toda a cooperação com ele só não será absolutamente ruinosa se nos lembrarmos sempre das reticências muito consideráveis com que se deve agir em relação a tal colaborador!

Não queremos forçar a nota. O exemplo não pode ser aplicado ao problema de uma cooperação mundial de todas as forças anticomunistas senão com uma imensidade de nuances que seria gravemente injusto não explicitar cuidadosamente. Mas, de qualquer forma através deste exemplo, temos sempre os dois princípios de qualquer colaboração com os adversários da Igreja:

a) em tese, é possível;

b) nunca deve ser feita sem cautelas e reservas muito importantes, à falta das quais a cooperação pode ser quase tão onerosa como a própria derrota.

No caso presente, a cooperação não é apenas possível, mas necessária. Quando nos falam na eventualidade de grupos se constituírem como uma terceira força na hipótese de uma luta soviético-americana, temos vontade de sorrir. Com efeito, dir-se-ia que não estamos vitalmente interessados no êxito da luta. Se os soviéticos vencerem, as potências do grupo neutro serão conquistadas num abrir e fechar de olhos. Lutando para esmagar a URSS, os norte-americanos lutarão pelo destino de todas as nações livres do mundo. Seria, pois, inconcebível que estas presenciassem a luta de braços cruzados.

Entretanto, não se segue daí que a cooperação com os americanos deva ser aceita pelo mundo católico sem cautelas, nem condições, nem apreensões. Lembremos, antes de tudo, que o anticomunismo americano é muito heterogêneo em sua composição. Há anticomunistas que o são por um sincero horror ao bolchevismo. Mas há os que o são num espírito pagão, de mera preservação de situações pessoais vantajosas.

Há ainda os que são anticomunistas pelo desejo de acrescer a prosperidade das grandes empresas americanas. Como há também os que veem na URSS não tanto uma potência ideologicamente hostil, mas um agressor que põe em risco a estabilidade da pátria. Entre os anticomunistas americanos, há sindicalistas ferrenhos, que desejam para sua pátria uma organização econômica e social. Há políticos que não têm o menor desejo de extirpar o comunismo de qualquer canto da Europa desde que daí não se irradie para a América. E há até os que veem de muito bom grado os comunistas como aliados, desde que sejam anti-stalinistas.

Bem se vê que os católicos, aceitando lealmente a cooperação americana, e sobretudo prestando aos americanos apoio decidido face ao adversário comum, não podem viver esta cooperação com chefes e soldados americanos como os cruzados — irmanados na mesma Fé e combatendo todos por um mesmo ideal — podiam colaborar entre si sob a direção de um católico da envergadura de Godofredo de Bouillon. Muito pelo contrário!

Diante das graves ameaças que rondam o Ocidente, envolvendo não só as nações numa eventual guerra mundial, mas também com sérias consequências para a Igreja, estamos diante de uma situação única na História, e que clama por novos “Godofredos de Bouillon”. A esperada intervenção da Providência anunciada em Fátima, em que direção se manifestará?


Não basta ganhar a guerra, é preciso ganhar a vitória

E concluamos estas considerações lembrando que o espírito com que se combate é o espírito com que se vence; o espírito com que se vence é o espírito com que se organiza a vitória.

Se, na refrega iminente, as nações católicas e latinas não conservarem a consciência muito viva de sua missão providencial, do imenso futuro histórico que representam, das tradições de civilização e cultura inestimáveis que possuem; se as nações católicas e especialmente as nações latinas não se lembrarem de que, pobres ou ricas, armadas ou desarmadas, têm direito a ocupar pelo próprio fato destas tradições e desta missão um lugar de primeiríssimo realce na direção do mundo, de sorte que toda a ordem internacional que se construa sem elas seja considerada fundamentalmente injusta e inaceitável; se, pois, estas nações não se munirem das melhores garantias de que tal será sua situação depois da vitória, terão transgredido, por ingenuidade, por moleza, por imprevidência, o mais sagrado de seus deveres.

Imaginemos por um instante o que seria uma vitória americana conquistada sem a participação de nós católicos, ou sem a garantia de que na mesa da paz nossa participação nos traria um justo lugar de honra e de poder. O que viria a ser esta paz? Algo de imensamente melhor do que a vitória de Moscou, isto é certo.

Assim, pois, a verdadeira fórmula da colaboração deve ser esta: fervorosa, porém não ingênua ou incondicional.

Isto mais claro se tornará se considerarmos outra característica do conflito que se aproxima. A guerra será mundial, dizíamos, e será sobretudo a vitória de uma nação, URSS ou EUA. Equivale isto a dizer que, se vencerem os EUA, praticamente serão eles os únicos vencedores, e seu poder será imensamente maior do que o de César ou de Carlos V. Não haverá outros grupos que possam atender esta soberania mundial, se antes e durante a colaboração com o adversário comum não forem tomadas as necessárias precauções.

Este, pois, é o momento em que as nações latinas — o grande bloco ibero-americano sobretudo — jogarão as cartas para saber se podem, ou não, ganhar a vitória. Porque, começado o conflito, a hora da diplomacia terá passado, e será preciso lutar ou morrer.