25 de novembro de 2021

NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS

Foto: José Roberto Dias Tavares

Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças — cuja festividade celebra-se no dia 27 de novembro — é imagem-símbolo da luta e da vitória contra o poder das trevas 


  Plinio Corrêa de Oliveira 

Gosto muito dessa imagem de Nossa Senhora das Graças. Aos pés d’Ela uma serpente, símbolo do demônio, tem sua cabeça esmagada pelos pés celestiais. Ela, pisando naquela imunda serpente, não se suja — o que é símbolo da Imaculada Conceição. 

Mas é também símbolo da derrota do demônio pelos devotos da pureza de Nossa Senhora, daqueles que reagem contra a ação do demônio, daqueles que não permitem a menor influência diabólica em suas almas. 

O demônio é esmagado e inutilizado sob os pés da Virgem das virgens — outro símbolo da luta e da vitória da Igreja contra o poder das trevas. 

Inspirados pelo amor ardente e puríssimo a Nossa Senhora e, por meio d’Ela, a Nosso Senhor Jesus Cristo, calcamos o demônio como nesta imagem de Nossa Senhora das Graças, que esmaga o demônio e olha para seus fiéis com uma doçura sem par. E, enquanto olha para seus filhos, Ela esmaga a hidra infernal. É a imagem-símbolo da luta dos filhos de Maria Santíssima vencendo o demônio.

Quantas vezes, lendo episódios históricos, se tem a impressão de que há um quebranto que torna impossível a resistência aos ataques da Revolução gnóstica e igualitária. Isso porque não se conhece o poder daqueles que lutam pela Santíssima Virgem, não se conhece o poder da oração e o quanto a oração pode flagelar, exorcizar e enxotar os demônios. 
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 11 de março de 1995. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

15 de novembro de 2021

Uma glória da Igreja na História do Brasil – II


Com este artigo concluímos a série de publicações em homenagem à Princesa Imperial, no centenário de seu falecimento.

✅ Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 4 de agosto de 1946

 

A popularidade da Princesa Isabel sofreu, entretanto, rudes entrechoques. A propaganda republicana jamais desarmou contra ela. E, ao mesmo tempo, Dona Isabel teve de enfrentar dois rudes adversários: o anticlericalismo e, o que é pior de tudo, o moderantismo “católico”.

O Brasil vivia, naquele tempo, em plena modorra religiosa. Poucos eram os anticatólicos declarados. Mas o anticlericalismo era aqui vivaz, agressivo, intolerante. Dos que se diziam católicos, muitos sustentavam em teologia, filosofia, direito, moral, as opiniões mais abstrusas, arrogando-se não raras vezes a liberdade de discutir as próprias orientações doutrinárias ou disciplinares da Igreja.

Em muitos lares onde se rezava em comum antes das refeições, o sacerdote era mal visto e mal recebido. Em algumas camadas sociais, ninguém frequentava os sacramentos. E todo o mundo se dizia católico. Até [anticatólicos] pertenciam às confrarias religiosas!

O ódio velado dos “católicos” moderados foi
a grande cruz de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. 

Diante de situação tão catastrófica, e aparentemente tão homogeneamente católica, havia duas tendências. Uns queriam contemporizar. Outros queriam lutar. Destes últimos foi Dom Vital [
foto]. Contra ele se levantou a sanha do anticlericalismo em peso. Sabemos qual foi seu martírio. Sabemos, sobretudo, que em sua coroa nenhum espinho foi tão doloroso do que a hostilidade mais ou menos disfarçada, mas imensamente rancorosa e peçonhenta, do moderantismo “católico”. O ódio velado dos "católicos" moderados foi a grande cruz de Dom Vital.

A Princesa Imperial sempre alarmou o anticlericalismo indígena. Católica, não de fancaria ou de fachada, mas de um catolicismo férvido e autêntico, a Princesa prometia ser um obstáculo insuperável aos empreendimentos dos inimigos da Fé.

Já têm sido publicadas numerosas circulares [anticatólicas] recomendando propaganda contra ela, para evitar sua ascensão ao trono. O ponto capital deste rancor estava no procedimento da Princesa durante a chamada “questão religiosa”. Sem se afastar da linha de respeito e obediência que devia ao Imperador, Dona Isabel deixou transparecer claramente sua reprovação pela prisão dos Bispos.

Todo o mundo que se levantou naquela ocasião contra Dom Vital aproveitou a oportunidade para injuriar a Princesa. Dona Isabel não se abalou. Bebeu resolutamente o mesmo fel de amargura de que transbordava o cálice de Dom Vital. Dizem que a queda da Monarquia se deveu à libertação dos escravos.

O acontecimento teve ainda outras causas profundas. Mas a razão mais ativa foi, sem dúvida, o ódio [anticatólico] contra a Princesa. Se houvesse alguma esperança de que, sob seu reinado, a opressão da Igreja pelo Estado regalista continuasse, é bem possível que o trono não houvesse caído.

A Princesa Isabel, em Paris, na década de 1890


No que diz respeito à libertação, ninguém ignora que a ação da Princesa não foi apenas protocolar. Ela preparou com todas as suas forças o acontecimento, embora sua situação constitucional lhe permitisse uma liberdade de movimentos apenas relativa. Este ponto já está tão esclarecido, que não merece maior insistência.

É interessante notar, entretanto, os paradoxos de que está cheia a vida da Princesa. Aqui vem mais um. Seu trono foi derrubado não só por positivistas e [anticatólicos], como também por grandes proprietários agrícolas, que são os sustentáculos naturais do trono em todas as monarquias.

No momento, Dona Isabel se beneficiou de um surto de popularidade formidável. Ela mesma, entretanto, não confiava nessas manifestações que tinham muito de sincero, mas algum tanto também de demagógico. Quando veio a República, ela não se surpreendeu. E caminhou para o exílio sem repudiar as duas grandes causas a que se sacrificara: a Igreja e a libertação [dos escravos].


No exílio, Dona Isabel formou uma estirpe de autênticos brasileiros. No castelo d’Eu, onde residia, os hóspedes brasileiros eram sempre os preferidos. As reminiscências do Brasil se encontravam a cada passo. Toda uma galeria do castelo está ocupada por um verdadeiro museu de raridades relacionadas com nossos índios. O arquivo da família imperial, ali instalado, é um dos mais ricos repositórios de documentos brasileiros, e está primorosamente organizado. Tudo ali fala de saudades, intensas saudades do Brasil.

Os visitantes que vão a Paray-le-Monial, Santuário mundial do Sagrado Coração de Jesus, se espantam em ver como, nos ex-votos de todos os países do mundo, sobressaem os do Brasil. Foi a Princesa Imperial que providenciou estas oferendas. Tolhida de bem fazer a sua Pátria, por outros modos seu delicado coração encontrou este meio de servir ainda o Brasil.

E os católicos de todos os credos políticos hão de reconhecer, comovidos, que as preces da grande e piedosa Princesa hão de ter sido bem recebidas pelo Sagrado Coração de Jesus, em favor da Terra de Santa Cruz.

14 de novembro de 2021

Uma glória da Igreja na História do Brasil

 

Princesa Isabel com seu neto e sucessor D. Pedro Henrique. Fotografia colorida digitalmente.

Continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (13-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.

✅ Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 28 de julho de 1946

 

Transcorrendo agora o primeiro centenário do nascimento da Princesa Isabel, é da maior conveniência que se ponham em relevo alguns aspectos de sua personalidade, que a opinião pública ainda não conhece devidamente.

Não vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias e maldades com que a propaganda republicana procurou, durante os últimos anos da monarquia, açular contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti, menti, sempre ficará alguma coisa), escrevia Voltaire.

O caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à regra geral. Hoje em dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs da propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal contadas, e se desacreditaram por si.

Cerimônia da assinatura da Lei Áurea
(Quadro de Victor Meirelles)
Entretanto, apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel ainda não é bem conhecida pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão somente como a libertadora da raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da vida do lar, para penetrar na grande História em um momento fulgurante. Assina a lei de abolição.

Volta, depois, à vida de família, numa penumbra que o exílio, pouco depois, ainda tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue docemente, e quase sem ruído, a sua vida terrena, numa época em que sua figura já tinha saído inteiramente da atualidade política. Desta vida familiar transcorrida numa nobre discrição, se desprende perfume da genuína virtude cristã.

Reunindo estes escassos elementos informativos, o quadro psicológico da Princesa parece compor-se facilmente: excelente dama, que viveu sempre para o lar e que teve a felicidade de assinar em dado momento a lei de emancipação.

Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam inteiramente para justificar a glória da "Redentora". Não há dúvida, entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito, com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo bastante sumária.

Família Imperial(Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration)

Antes de tudo, é preciso compreender bem o que significa, em regime monárquico, a vida de família de uma Princesa. Não se pense que é uma vida privada, com sua agradável irresponsabilidade e doce despreocupação. A função social da família reinante é subtil e difícil de definir. Nem por isto, deixa de ser muito real e importante.

Para que tenhamos disto alguma ideia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno.

A família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico. A família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito nacional, no que diz respeito à vida social e familiar.

Modelo, no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito público uma função pedagógica de imensa importância.

Foi este o papel social com que deparou a Princesa, desde seus primeiros anos. Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.

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Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou
a promulgação da Lei Áurea
Se investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida, representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus.

Os costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias.

Adaptou-se a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa, acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se sentia um pouco parente daquela família-tipo.

Cabia à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão ardentes apreciadores.

À delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!

Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos sociais..., mas pela propaganda republicana.

Outros receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso forte que deve ter quem carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os republicanos que se alarmaram com a ideia de que de futuro o cetro não fosse manuseado com suficiente força, eles que queriam a queda do trono, precisamente para evitar os excessos do poder.

Mas é preciso dizer que não foram só os republicanos que se desagradaram por vezes com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em círculos monárquicos, estas críticas causavam certa impressão. E alguns dos mais férvidos defensores da coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia mais representação e mais força.

Até que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se prestaria a um muito amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio da história dos costumes, capítulo complexo da grande História, que não se trata razoavelmente senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande reforço de fatos e documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de um artigo.

Uma coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou muito popular durante todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou até sua morte. Quando ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua fotografia, os brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e veneranda. A lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural que não houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção do dia da abolição.

O pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como o da morte de um membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera, ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre, maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo pelo amor.

É possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu modo de desempenhar o papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam os historiadores a poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão ainda depende de estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que ela acertou: a sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.

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[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário de falecimento]

13 de novembro de 2021

A Rosa de Ouro da Princesa Imperial

Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança,
 com a “Rosa de Ouro”
 

Em continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (12-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.

Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 14 de julho de 1946

 

Segundo notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar da Europa S. A. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe consigo a “Rosa de Ouro” doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel. Segundo consta, essa preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por ocasião do 1º Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.

O fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer pela significação, quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E oferece ao “Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa Sé em um dos episódios mais marcantes da História brasileira.

Como se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã consiste em haver abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes civilizações pagãs da África e da Ásia, a escravidão era um instituto geralmente admitido e adotado. A Grécia herdou do Oriente esta tradição e durante toda a história helênica a escravidão existiu. Roma, herdeira da civilização grega, também conheceu a escravidão.

Fac-símile da Lei Áurea 
É sabido que por várias causas, e especialmente em consequência das conquistas, os romanos, que consideravam escravos os prisioneiros de guerra, acresceram desmesuradamente o número dos escravos, que nos mercados de Roma um homem chegou a custar menos que um rouxinol.

Com os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta lenta da Igreja contra a escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam seus escravos, em vida ou por testamento, para expiar seus pecados e dar glória a Deus. Sobrevindo a Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente melhorado, e por fim a escravidão cessou inteiramente em território europeu.

Pela primeira vez na História, um continente inteiro deixou de ter escravos, para só ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação social se verificou — como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações tremendas que a libertação dos escravos trouxe nos Estados Unidos.

A Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e trouxe consigo uma ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do Renascimento restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente contra este fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos índios. Mas não chegou a evitar o dos negros.

Ficava, pois, a nódoa. Era preciso apagá-la.

Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.

Costuma-se interpretar o gesto de Nabuco como sendo destinado especialmente a fazer pressão sobre a Princesa Imperial, católica modelar, a fim de conseguir dela o gesto de libertação final. O fato é que qualquer palavra do Pontífice teria por certo a maior ressonância junto à Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir uma ou outra hesitação quanto à oportunidade da medida, o fato é que a causa abolicionista já era causa vencedora no nobre coração de Da. Isabel.

Ninguém ignora que ela era abolicionista de todo o coração, a tal ponto que no próprio Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos, confeccionavam um pequeno jornal abolicionista que circulava com grande irritação dos escravagistas.

De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.

A palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento abolicionista a imensa massa católica do país. No plano puramente político, este efeito da Carta de Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente apreciado por nossos historiadores.

E veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um testemunho de sua paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e de aplauso ao povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande Princesa brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o Papa dá aos membros de Casa reinante.

Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.

[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário]

12 de novembro de 2021

A Princesa que tanto amou o Brasil e a ele se dedicou — 1921-2021

Princesa Isabel aos 19 anos 

A Princesa Isabel, a Redentora da raça negra, perdeu o trono, mas não a majestade, nem a nobreza de alma. Essa grande dama brasileira inspira saudades de uma época que não conhecemos e o desejo de um futuro Brasil verdadeiramente brasileiro.

Oscar Vidal

         Neste mês ocorre o centenário do falecimento daquela que muito justamente chamamos de “A Redentora”, a Princesa Isabel. Numa época muito tranquila e próspera do Brasil, ela nasceu em 29 de julho de 1846, no Palácio Imperial de São Cristóvão (depois transformado em Museu Nacional, no Rio de Janeiro, parcialmente destruído por um incêndio em 2018).

Batizada na Imperial Capela de Nossa Senhora da Glória do Outeiro no dia 15 de novembro de 1846, ela recebeu o nome oficial de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança. Foi a segunda filha (a primeira menina) do nosso Imperador Dom Pedro II e de sua esposa a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias.

Como herdeira presuntiva do Império do Brasil, Isabel recebeu o título de Princesa Imperial. Com a morte de seus dois irmãos, ela se tornou a primeira herdeira do Imperador. Casou-se em 1864 com o príncipe francês Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d’Orléans, o Conde d’Eu (1842-1922), com quem teve quatro filhos. Ele era neto de Luís Filipe, rei dos franceses. Ela é bisavó do atual chefe da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança.

Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura, realizada no dia 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. No detalhe (abaixo), vê-se a Princesa Isabel Isabel ao lado do Conde d´Eu. E, do lado oposto, um pouco abaixo e perto da Princesa, em posição destacada, o Cons. João Alfredo Corrêa de Oliveira.

Controvertida questão da escravidão no Brasil

A Princesa Isabel desejava ardentemente a abolição da escravatura, mas sabia que, se o conseguisse de modo imediato, seria mal vista por certos setores da sociedade escravocrata de então, que a culpariam pelo colapso da produção agrícola, sobretudo do café e do açúcar, e poderia dar pretexto aos positivistas e republicanos para exigirem o fim do Império. Assim, ela precisava agir com prudência, fazendo a abolição de modo paulatino e suave, sem violências, como as que já haviam ocorrido em alguns países.

         Na Primeira Regência, em razão da viagem do Imperador à Europa, em 28 de setembro de 1871 — há exatos 150 anos — a Princesa Isabel assinou a Lei do Ventre Livre, que alforriava todas as crianças nascidas de mulheres escravas após aquela data. Essa lei foi patrocinada pelo gabinete liderado por José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819-1880), sendo Ministro do Interior João Alfredo Corrêa de Oliveira [foto abaixo] — o mesmo que, 17 anos depois, chefiaria o gabinete que promoveu a Lei Áurea.

Ao comemorar a aprovação dessa lei, das repletas galerias do Parlamento lançaram os jubilosos assistentes uma chuva de rosas. Presente ao ato, o embaixador norte-americano, James R. Partridge, emocionado, apanhou algumas pétalas, dizendo: “Quero guardar estas flores, como lembrança dessa maravilha. No Brasil a extinção da escravidão foi comemorada com flores, enquanto no meu país custou uma guerra civil com quase um milhão de mortos”.

         Em 28 de setembro de 1885, no governo de João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe (1815-1889), foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade a todos os escravos com idade igual ou superior a 60 anos.

         Anos depois — tendo caído o gabinete Cotegipe e sendo a Princesa novamente Regente do Império —, ela deu um passo importante para livrar os escravos do cativeiro: nomeou, como novo Presidente do Conselho de Ministros, o abolicionista João Alfredo Corrêa de Oliveira — tio-avô paterno do inspirador e principal colaborador desta revista, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

No dia 8 de maio de 1888 o gabinete Corrêa de Oliveira apresentou à Câmara dos Deputados a proposta de legislação que visava extinguir de modo definitivo a escravidão. Dois dias depois ela era aprovada, e em 13 de maio chancelada também pelo Senado.

Nesse mesmo dia a Princesa Isabel sancionou a legislação, conhecida como Lei Áurea, que aboliu a escravidão em todo o território nacional. Seu belo e nobre gesto foi todo ele inspirado nos ensinamentos da Santa Igreja Católica.

Tal era sua fidelidade à Religião que, não sem razão, o sacerdote jesuíta Francisco Leme Lopes (1912-1983) fez alusão a ela como “Isabel, a Católica”, comparando-a com este epíteto à Rainha Isabel de Castela e Leão (1451-1504), que passou para a História com o muito emblemático título de “Isabel, la Católica”.

O Imperador ficou radiante de alegria com a abolição

A “Rosa de Ouro” 
As ruas e praças do Rio de Janeiro estavam em festa. Grandes comemorações revelavam o enorme contentamento, não apenas entre os ex-escravos, mas também em outros setores da opinião pública. A Princesa Imperial do Brasil foi aclamada como “A Redentora”.

Naquele mesmo histórico dia, encontrando-se com o Barão de Cotegipe, que havia feito oposição à Lei Áurea, a Princesa Isabel lhe perguntou:

“Barão, a abolição se fez com festas e flores. Venci ou não venci?”“Sim, Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o trono”.

Ele prognosticava o tão injusto banimento da Família Imperial. Com efeito, a Princesa Isabel teve de abandonar seu tão amado País, pelo qual se dedicara com tanto afinco, pela Baía de Guanabara, a bordo do vapor “Alagoas”, que a levaria com toda a Família Imperial para o exílio.

O Imperador Dom Pedro II, quando soube em Milão — onde se encontrava recuperando-se de uma enfermidade — que a escravidão no Brasil havia sido definitivamente abolida, ficou radiante de alegria e mandou telegrafar à filha felicitando-a. Assim, no dia 22 de maio 1888, ditou o seguinte telegrama: “Princesa Imperial. Grande satisfação para meu coração e graças a Deus pela abolição da escravidão. Felicitação para vós e todos os brasileiros. Pedro e Tereza”.

Condecoração Pontifícia “Rosa de Ouro”

A “Rosa de Ouro” é a condecoração concedida, desde o século XI, pelos Soberanos Pontífices a personalidades ou instituições que tenham demonstrado inequívoca lealdade à Santa Sé. Na verdade, é um bouquet de rosas de ouro maciço. Em 28 de setembro de 1888, o Papa Leão XIII ofereceu à Redentora dos escravos brasileiros a “Rosa de Ouro”, em recompensa pela sua corajosa atitude. A Princesa Isabel foi a única brasileira homenageada com tão alta condecoração.

         No centenário de nascimento da Redentora, em 19 de julho de 1946, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança (1909-1981), neto primogênito da Princesa Isabel, doou a “Rosa de Ouro” à Catedral do Rio de Janeiro. Ele a tinha trazido da Europa, quando retornou ao Brasil com o fim do exílio. 

Fim do Império brasileiro, banimento e exílio

Sua Alteza Imperial sabia que seu gesto emancipando os escravos poderia exacerbar os ateus e republicanos que a caluniavam, levando à perda do trono. E foi de fato o que aconteceu com o golpe republicano de 15 de novembro de 1889.

Golpe muito bem descrito pelo jurista, político e jornalista republicano Aristides da Silveira Lobo (1838-1896): “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada” (Diário Popular, 18-11-1889). No dia seguinte ao golpe de estado, como registrou o historiador Roderick J. Barman, a Princesa Isabel afirmou alto e bom som que “se a abolição é a causa disto, eu não me arrependo; eu considero valer a pena perder o trono por ela”.

         Quando a Princesa da “Rosa de Ouro” tomou conhecimento do decreto do banimento da família imperial, reafirmou: “Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu sacrificaria para libertar os escravos do Brasil”. Afirmação que ecoava o pensamento de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, quando disse: “Prefiro perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos”.

         Em sua partida para o exílio, dois dias depois do golpe, a Princesa declarou: “É com o coração despedaçado pela tristeza que me despeço dos meus amigos, de todos os Brasileiros, e do País que eu amei e amo muito, e da felicidade que eu tenho lutado para contribuir e pela qual eu vou continuar a manter as mais ardentes esperanças.

Devoção da Princesa à Rainha do Brasil

Entre diversas manifestações de devoção da Princesa Isabel a Nossa Senhora Aparecida, devemos lembrar sua visita ao Santuário de Aparecida, em 1868. E 20 anos mais tarde, logo após a aprovação da Lei Áurea, ela ofereceu à imagem milagrosa da Rainha e Padroeira do Brasil uma riquíssima coroa de ouro cravejada de brilhantes.

         Naquela ocasião, a Princesa Imperial escreveu a seguinte oração, dirigida a Nossa Senhora Aparecida: “Eu, diante de Vós, sou uma princesa da terra, e eu me curvo, pois Vós sois a Rainha do Céu. E eu Vos dou tão pobre presente, que seria uma coroa igual à minha, e se eu não me sentar no trono do Brasil, rogo que a Senhora se sente por mim e governe perpetuamente o Brasil”.

Idealizadora do Cristo Redentor no Corcovado

Na edição anterior desta revista foi publicada uma matéria em memória dos 90 anos do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Mas não podemos deixar de registrar, ainda que de passagem, que depois da abolição da escravatura quiseram homenagear a Redentora erigindo no topo do Corcovado uma grande estátua dela.

O Império foi derrubado, a República se instalou, a homenagem foi engavetada. Anos depois, o plano voltou à tona. Quando a Princesa Isabel soube desse projeto, foi enfática em não o aceitar, e sugeriu que naquele mesmo lugar paradisíaco fosse erguido um enorme monumento com uma grande imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, Ele sim, foi o verdadeiro Redentor dos homens. O que foi acolhido.

Mas foi somente em 1931, 10 anos após o falecimento da Princesa, que se concluiu a monumental estátua do Cristo Redentor, hoje considerada oficialmente uma das Maravilhas do Mundo Moderno... Ela não a viu nesta Terra, mas a contempla do Céu.

Pedidos para que a veneranda Princesa seja beatificada

No dia 14 de novembro de 1921, há exatos 100 anos, a bondosa Princesa falecia na França, aos 75 anos de idade. Em seu testamento podemos admirar sua profissão de fé: “Quero morrer na Religião Católica Apostólica Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha Pátria”. Atualmente seus restos mortais se encontram numa artística sepultura [foto] na catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis (RJ).

Crescendo de norte a sul do País os pedidos para que a veneranda Princesa Imperial seja beatificada, e um dia — comprovando-se que ela praticou virtudes em grau heroico — elevada à honra dos altares, em 2011 foi dado início aos tramites necessários para abertura do processo de beatificação.

Os brasileiros amaram a Princesa Isabel de todo o coração e esperavam que ela viesse a ser sua Imperatriz, pois conhecia e amava o Brasil e estava disposta a tudo fazer pelo bem de nossa gente. Mas tal desígnio foi ceifado pelas forças anticatólicas e antimonárquicas com o golpe republicano.

A República foi proclamada e o trono foi derrubado, mas não a legenda áurea do imenso bem que a Monarquia fez ao Brasil. A legenda permanece viva e os brasileiros têm saudades de uma época que não conheceram.

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Fonte: Revista Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851.

Obras consultadas:

§  Pedro Calmon, História do Brasil, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1959.

§  Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira, Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 6ª edição, 1958.

§  Leopoldo Bibiano Xavier, Revivendo o Brasil-Império (Coletânea), Artpress – Indústria Gráfica e Editora Ltda., São Paulo, 1991.

9 de novembro de 2021

A gesta de Plinio Corrêa de Oliveira continua viva


John Horvat
*

Somos muitas vezes levados a pensar que nossa ação contra-revolucinária ocorre num vácuo: fazemos uma campanha e ninguém parece dar importância. A mídia, notável em noticiar qualquer insignificância, nada diz. E a esquerda, quando não ignora, tenta no máximo passar recibo utilizando a arma do ridículo. E tudo acontece como se nossas ações não tivessem importância nem impacto sobre a opinião pública.

O que aprendemos com Plinio Corrêa de Oliveira, em sua escola de pensamento e ação, é que nesses momentos devemos fazer um ato de fé para nos convencermos de que sim, causamos impacto. Ainda que o mundo não reconheça nossas tomadas de atitude, São Paulo nos ensina a dizer que somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens, e Deus se regozija conosco.

Embora a contemplação de Deus seja de suma importância, Ele nos pede também que façamos apostolado para que seja feita sua vontade aqui na Terra como no Céu, pois a fé sem as obras seria vã. Nossa missão não se cinge a um ou a um grupo de indivíduos, mas abrange toda a opinião pública. De vez em quando Deus permite que o resultado de nossas obras se descortine diante de nós, o que nos regozija e anima.

Impacto da ação contra-revolucionária

Cientes disso, os agentes da Revolução gnóstica e igualitária fazem um esforço especial para não reconhecer a obra da militia Christi, à qual Plinio Corrêa de Oliveira se consagrou bravamente durante toda a sua longa existência, e na qual, de certa forma, ainda milita por meio de seus discípulos. E os revolucionários continuam orquestrando campanhas de silêncio a respeito dele e de sua obra, pois o reconhecimento da nossa eficácia serviria de alento para o bom combate.

Dr. Plinio conhecia bem a crueldade desta tática e por isso nos exortava a prestar atenção quando os revolucionários reconheciam o impacto de nossas ações, quebrando a mentalidade de que elas não ultrapassavam os limites de uma acanhada saleta. De nossa parte, percebemos que os revolucionários nos observam e nos dão importância, acreditando às vezes mais do que alguns de nós na eficácia de nossa ação.

Aliás, foi este tema o objeto do preito que prestamos a Plinio Corrêa de Oliveira em solene sessão em São Paulo, no último 3 de outubro, por ocasião do 26º aniversário de seu falecimento. Na ocasião, disse que faria uma homenagem um tanto diferente, pois seria com palavras de alguém que se colocava nos antípodas de tudo aquilo que Dr. Plinio defendeu. A homenagem toma forma de uma reportagem sobre um livro recém-publicado, Moral Majorities across the Americas - Brazil, The United States, and the Creation of the Religious Right. (Maiorias morais nas Américas - Brasil, Estados Unidos, e a criação da Direita Religiosa).

Um livro que constata fatos


Não me lembro de ter visto um autor que reconhecesse com tamanha clareza a obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Ademais, um revolucionário confessando o seu reconhecimento de quem foi este apóstolo da Contra-Revolução cuja ação lhe causa temor. Nesse sentido, demonstra maior credibilidade, pois insuspeito. Para mostrar o impacto da ação contra-revolucionária, o autor não faz ato de fé. Apenas constata fatos. Sem dúvida, o livro serve para fortalecer a fé em nossos ideais.

O autor não poderia apresentar credenciais mais revolucionárias. Trata-se de um personagem bem esquerdista, Benjamin Cowan [foto abaixo], professor de história na Universidade da Califórnia, em San Diego. Estudou em Harvard e em outras universidades prestigiosas, especializou-se em estudos de conservadorismo e ideologia de gênero. De fato, ele não poderia ser mais contrário à luta de Plinio Corrêa de Oliveira, o que não o impede de reconhecê-lo em toda a sua estatura.


O aspecto extraordinário do livro é o reconhecimento do papel vital do Brasil no impacto espetacular que a direita religiosa mundial vem obtendo, em cujo cerne estão Dr. Plinio e as Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Logo na primeira página, Cowan cita o príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança como símbolo de tudo o que é contra-revolucionário no Brasil atual. “A beleza da sociedade”, afirma príncipe, “não está na igualdade, mas nas diferenças que devem ser proporcionais, hierárquicas, harmônicas e complementares. Exatamente como numa sinfonia”.

Para o Prof. Cowan, o grande mal de Dom Bertrand reside na sua ideia de desigualdade, e reclama pelo fato dele se opor a atitudes politicamente corretas, como o “casamento” homossexual e o aborto. Cowan demonstra especial agastamento com a afirmação de Dom Bertrand de que no Brasil hodierno “tornou-se atraente ser de direita e conservador”. Tal afirmação parece tê-lo deixado temeroso. Percebendo a força e a atração da direita religiosa hoje, ele se pergunta como chegamos até este ponto.

Popularidade dos ideais conservadores

Segundo Cowan, é preciso responder a esta pergunta, pois a ‘dramática’ situação política atual nada tem a ver com as travessuras de Trump, de Bolsonaro ou de políticas de direita. Tudo isso lhe parece muito superficial, uma vez que o alarmante é a popularidade dos ideais conservadores, representando algo muito profundo, que a maioria dos estudiosos não se preocupa em estudar. E aponta algumas razões pelas quais a esquerda deve se preocupar. Delas destaco três:

1 — A construção do conservadorismo cristão transnacional se tornou talvez, política e culturalmente, o fenômeno mais influente de nosso tempo”. Ou seja, a direita religiosa é uma força poderosa que deve ser levada em conta.

2 — O que era considerado reacionário e fundamentalista há 50 anos agora é moeda corrente. Todos falam de questões religiosas e morais. Ora, isso não era para acontecer. Esses temas deveriam ter sido resolvidos nos anos de 1960.

3 — Os conservadores brasileiros, trabalhando com correligionários no exterior, lançaram as bases para a normalização da agenda religiosa conservadora no cenário internacional.

Benjamin Cowan diz que os brasileiros não foram os únicos a criar o conservadorismo religioso moderno, mas desempenharam papel essencial nessa criação e que isso foi até agora amplamente ignorado pelos acadêmicos. Em outras palavras, ele diz que as circunstâncias deixaram a esquerda em situação difícil. Como chegamos a este ponto? Isso não se deu da noite para o dia, e um dos caminhos para se chegar até onde chegou foi traçado no Brasil por Plinio Corrêa de Oliveira.

Destaco três pontos principais do livro em pauta. Vou deixar o autor dizer aquilo que talvez eu não soubesse ou não pudesse. Vou permitir-lhe contar fatos que eu desconhecia. Deixá-lo-ei tirar conclusões que eu não ousaria. Constatemos aquilo que ele lamenta ter de dizer, ou seja, as vitórias de Plinio Corrêa de Oliveira que não tínhamos imaginado.

Dr. Plinio (junto à porta aberta do automóvel) na Praça de São Pedro, junto com algumas das pessoas que o acompanharam durante o Concílio. 


Ação contra-revolucionária marcante

A primeira delas é o reconhecimento de sua atuação antes e durante o Concílio Vaticano II. Ele reconhece em Plinio Corrêa de Oliveira um homem de grande envergadura intelectual, algo que os revolucionários sempre procuram esconder. Insiste ser preciso ter em mente que essa sua atividade contra-revolucionária começou nos anos de 1930 e, portanto, são defensores de longa data da direita católica brasileira, cuja substância intelectual moldaram juntos naquela década ao dirigirem o periódico ‘O Legionário’”.

Uma das afirmações do autor é de que Dr. Plinio começou a se opor ao Concílio antes mesmo de este se iniciar, pois, ao prever o que poderia acontecer, tomou medidas necessárias, antecipando o "seu vigoroso e vital ativismo católico arquiconservador no Vaticano II".

Em seguida, o Prof. Cowan destaca o impacto do livro Reforma Agrária - Questão de Consciência (RAQC), não deixando dúvidas de que esta obra representou grande golpe na Revolução, um brado de batalha anticomunista por uma renovação do catolicismo e contra a redistribuição de riqueza (sic). Tão polêmica cruzada repercutiu no Brasil em meados do século XX”. E prossegue:

[Os autores de RAQC] ganharam as manchetes como representantes do conservadorismo social e político lastreado no tradicionalismo católico, além de influência política no regime militar e entre as forças de segurança. Suas atividades também tiveram grande repercussão internacional; eles ajudaram a moldar e sustentar a reação global católica e cristã contra a modernização e laicização”.

Surgimento da entidade TFP

Enquanto muitos fingem não perceber, Cowan vê na fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) um grande acontecimento na história do Brasil. É interessante notar como o mito da TFP fez nossa ação parecer maior do que realmente era. Onde havia centenas de membros da TFP nas ruas, ele vê milhares, e enquanto outros igualmente fingiam ignorar nossos símbolos, como o estandarte e a capa, ele afirma ser um espetáculo.

Narra o autor que em 1960 o Dr. Plinio fundou a TFP, entidade leiga agrupando lideranças veteranas e milhares de jovens recrutas do sexo masculino, chamados a defender o catolicismo tradicional por meio de protestos, um monaquismo militarista culto e uma pompa espetacular (em trajes medievais), com proselitismo e até mesmo a prática de técnicas de defesa pessoal.

Sobre o Concílio Vaticano II, ele conta sua história com nomes e episódios, fornecendo detalhes sobre os membros da TFP que desempenharam papel importante na reação contra-revolucionária naquela circunstância. Focaliza especialmente o Coetus (escritório que servia de ponto de encontro e assessoria de imprensa para todos os conservadores que se encontravam em Roma na ocasião), assinalando que o seu idealizador foi Dr. Plinio, e membros da TFP a sua espinha dorsal.

Ação antes e durante o Concílio Vaticano II

Chama-me a atenção o fato de o Prof. Cowan ter visto com clareza o papel do Coetus, pois não o considerou apenas um escritório para tratar de assuntos litúrgicos ou de problemas católicos específicos, mas uma contra-revolução que abrangia todos os temas principais. O autor descreve:

Essa plataforma (o Coetus) acabou definindo o arqui conservadorismo católico e, mais amplamente, cristão. Suas principais características incluíam anticomunismo, moralismo estridente e detalhado, antiecumenismo, defesa da hierarquia [...] e antissecularização”.

Sobre a atuação de Dom Geraldo de Proença Sigaud no Concílio, o autor registra: Não podemos resolver os problemas do [Coetus] apenas com assessores italianos.[...] Em primeiro lugar, é uma questão de confiança. Minha equipe [membros da TFP] trabalha comigo há vários anos e fez seu trabalho com grande eficiência e discrição já nas três últimas sessões. É também uma questão de economia, pois as pessoas a que me refiro trabalham por pura dedicação à nossa causa. E isso eu não encontro aqui [em Roma]. E os brasileiros são especialistas, cada qual em uma área diferente do Concílio.[...] Esses operadores de confiança do Brasil têm sido e precisam continuar sendo a espinha dorsal do Coetus”.

O autor afirma que a TFP agia à semelhança da esquerda religiosa. Na verdade, esta última havia organizado uma campanha semelhante, só que de porte muito maior. Se Dr. Plinio não tivesse visto e tomado a providencial iniciativa de organizar o Coetus, simplesmente não teria havido resistência ao Concílio, pois a direita de então parecia dormir.

Com efeito, prossegue o autor: “Em outras palavras, os líderes brasileiros no Vaticano II desenvolveram ativamente uma base de neoconservadorismo sustentada em décadas de antimodernismo católico e na própria história recente de direita do Brasil.”

                  O Prof. Cowan conclui assim a parte de seu livro relativa ao Concílio: “Aqui vemos católicos brasileiros, em um cenário mundial, adotando uma primeira versão dessa plataforma — combinando, com uma presunção perfeita, anticomunismo, moralismo, antiecumenismo, hierarquização, animosidade em relação à generosidade liderada pelo Estado; organicismo triunfal em relação aos direitos de primogenitura, propriedade privada e capitalismo; e uma afinidade lamentável pelo sobrenatural em face do secularismo percebido. [...]”.

Com efeito, o autor constata que Dr. Plinio viu muito além do Concílio, pois vinha se preparando antes de sua realização e soube unir temas temporais e espirituais, resultando num movimento que englobava todos os aspectos da Revolução. O Prof. Cowan tudo vê e registra, apesar de repudiar. No entanto, ao fazê-lo, nos proporciona uma visão mais completa do pensamento e da obra a que nos consagramos.

Plinio Corrêa de Oliveira lidera um ato em homenagem às vítimas do comunismo, no centro de São Paulo

Ação depois do Concílio e as coalizões

Em outra seção do livro encontra-se a descrição da ação contra-revolucionária depois do Concílio. Trata-se da enorme expansão das TFPs e de suas ligações com movimentos de direita em todo o orbe. O estudioso põe em destaque suas conexões com a Nova Direita nos EUA, nas pessoas de Paul Weyrich e Morton Blackwell, apresentando a TFP como se encontrando no centro da virada à direita dos anos de 1980. Ao realçar o papel desses americanos, o livro mostra o que eles fizeram para impulsionar o movimento nos EUA.

Começaram por juntar os conservadores do campo moral e político preocupados apenas com governança, finanças e políticas públicas, com conservadores do campo moral e social que exigiam ações focadas no aborto, homossexualidade e questões religiosas. Este foi um marco significativo que mudou os EUA e o mundo.

Outra iniciativa desses dois líderes foi a de estabelecer ligações internacionais entre os conservadores de todo o mundo, algo que nunca existira antes, argumentando que a esquerda sempre se organizou no sistema de coalizões internacionais, e se beneficiava da solidariedade entre os grupos nacionais. Enquanto os esquerdistas partilhavam suas ideias e estratégias, os conservadores de vários países mal se conheciam. Daí a ideia de uma coalizão internacional conservadora, uma rede que funcionaria como uma equipe.

Como resultado desse desejo de conhecer conservadores do exterior, a Nova Direita americana acabou por conhecer a TFP. Eles procuravam contatos conservadores na América Latina e encontraram a TFP. Ora, neste preciso momento, Dr. Plinio queria ter presença mais marcante em Washington, enviando o Dr. Mário Navarro da Costa como seu representante. A essa altura, com surpreendentes detalhes, o Prof. Cowan descreve os contatos da TFP com a Nova Direita americana.

Escreve o autor que Paul Weyrich passou a estabelecer uma relação amistosa e produtiva com seus colegas brasileiros da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) ou, melhor, com a série transnacional de organizações que a TFP estava se tornando. Nesse trabalho, ele colaborou estreitamente com a TFP em suas várias versões nacionais e domésticas.

"O Sr. Weyrich era também bom amigo da TFP americana. Desde o início dos anos 80, ele se reunia regularmente com Mario Navarro da Costa, do Bureau da TFP em Washington, com quem fez várias viagens à América Latina e à Europa, visitando e sendo apresentado às suas redes de amigos. Também visitou a TFP brasileira em 1988, tendo se encontrado com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Em agosto de 1988, Weyrich voltou (pelo menos pela quarta vez) ao Brasil, onde se dirigiu a cerca de mil membros da TFP reunidos em São Paulo”.

Há também um relato da visita de Morton Blackwell ao Brasil ‘na esperança’ de adotar as técnicas da TFP brasileira. Particularmente impressionado com os programas de recrutamento e formação da TFP, Blackwell desenvolveu igualmente uma aproximação com Navarro da Costa. É impressionante ver a ação do Dr. Plinio junto a todas essas pessoas. No entanto, impressiona ainda mais a observação de que o fundador da TFP os havia antecedido em muitos anos nessa ação de longo alcance.

A TFP fez a sua própria rede de contatos

Cowan observa também como a TFP reunia temas morais e políticos durante o Concílio, na década de 1960. Ele mostra como Dr. Plinio já tecia a sua própria rede de contatos e organizações no mundo todo. Aliás, na década anterior, Dr. Plinio formou com as pessoas que o rodeavam uma Comissão do Exterior, dedicando-se a estender a mão aos direitistas de todo o mundo.

Assim o autor descreve como a própria TFP brasileira agiu [..]. para criar uma rede transnacional de neoconservadorismo anticomunista que se sobrepôs e interligou no mesmo trabalho pessoas como Weyrich e Blackwell. Como eu e outros explicamos alhures, a TFP proliferou geograficamente, estabelecendo associações em todo o mundo atlântico. No entanto, talvez ainda o mais notável, a TFP cultivou e manteve relacionamentos com as organizações ‘extremistas’ e da Nova Direita mais ativas das décadas de 1980 e 1990, colocando-se no centro dos esforços para promover tal cooperação”. Observemos que ele afirma estar a TFP no centro dessa rede.

Novamente, ele passa a descrever essas ações com detalhes que surpreendem. Conta como Dr. Plinio enviou seus agentes para plantar sementes da Contra-Revolução em todo o mundo, um dos mais ativos foi o Dr. Mario Navarro da Costa, representante da TFP em Washington. Outros também colaboraram no trabalho de vincular a TFP a conservadores com ideias semelhantes em todo o mundo, mesmo em países distantes como as Filipinas.

A TFP norte-americana há décadas participa da March For Life, em Washington. 

Intercâmbios e viagens

Não sem razão, o autor ficou impressionado também com a atuação de outro brasileiro. Ele escreve: Por exemplo, Carlos Eduardo Schaffer serviu a TFP no Canadá, Áustria, Alemanha e Lituânia. Nascido em Curitiba em 1942, Schaffer ingressou na TFP em 1961, e passou décadas angariando fundos, visibilidade e presença no capítulo para a organização. A ele a TFP atribui seus ramos canadense e austríaco, que dirigiu nas décadas de 1970 e 1990, respectivamente”.

Sobre a ação de Plinio Corrêa de Oliveira nos EUA, o autor ressalta: A TFP americana tornou-se um dos ramos mais fortes e expressivos da organização, na verdade sobrevivendo ao grande cisma que abalou a TFP brasileira na década de 1990. Em parte, isso deve ter ocorrido porque personagens importantes do Brasil visitaram e colaboraram com a liderança e as bases da TFP-EUA”.

Relata também que outro membro da TFP brasileira fez no final de 1971 uma viagem por 20 cidades canadenses, dirigindo-se, a cada parada, a uma multidão de 50 a 300 pessoas interessadas, tendo encerrado o seu tour com uma reunião para quase 1.000 pessoas. Ativo nos Estados Unidos, Canadá e Europa nas décadas de 1970 e 1980, o tefepista brasileiro Nelson Ribeiro Fragelli fez palestras em Nova York, Boston, Los Angeles, Miami, Toronto, Berlim, Baden e alhures.

Em 2006, Fragelli tornou-se presidente da associação italiana Luci Sull'Est, e juntamente com Luís Antônio Fragelli e o Príncipe Bertrand, tornou-se presença regular nos eventos da TFP nos EUA. De fato, já em 1974 o engenheiro Luís Antônio Fragelli se trasladou com a família para os EUA, passando a servir a TFP local.

Ele nomeia laços da TFP com a entidade italiana Aliança Católica, com grupos na França e por toda a Europa. Há também outros grupos, mesmo internacionais, como a Liga Mundial Anticomunista, com os quais a TFP manteve contatos. Além de afirmar que a TFP forneceu guarda-chuva institucional para uma constelação de atores de ‘extrema’ direita que encontraram uma recepção calorosa no Brasil ditatorial e pós-ditatorial. Assim o professor americano mostra o papel preponderante de Dr. Plinio na formação da direita religiosa em todo o mundo.


 Ideal que atrai. Papel da legenda

Como a TFP conseguiu atrair tanta atenção e tornar-se tão poderosa? Para Benjamin Cowan, foi a importância dada por Plinio Corrêa de Oliveira às questões religiosas e metafísicas. Não basta ter conexões e ligações com grupos conservadores no cenário internacional. É preciso ter a mensagem certa e algo mais profundo do que interesses políticos ou financeiros para atrair as pessoas para uma causa séria. O autor demonstra que a TFP apresenta um ideal que atrai a opinião pública do Brasil, dos EUA e do mundo.

E passa a explicar o segredo da atração exercida pela TFP brasileira a ponto de ajudar a formar uma direita religiosa transnacional. O principal ponto de atração da TFP é o mito, mais especificamente o mito medieval. Ele atribui essa atração à nossa capacidade de combater a desmitificação, dessacralização ou desmistificaçãodo mundo moderno e o desmantelamento de antigas hierarquias. Percebemos o vazio e o luto de um mundo sem mistério". O fundo da crise atual —ensina a TFP — é a deterioração do mito e da santidade”.

Embora não o diga diretamente, os ideais da TFP estão contidos nas soluções apresentadas pela Igreja e pela Cristandade medieval. O que atrai as pessoas para a TFP são os temas desenvolvidos por Dr. Plinio em reuniões, tendo chegado a afirmar que precisávamos mergulhar no nosso mito para sermos fiéis à nossa vocação. Cowan descreve como a TFP mergulhou em seu próprio mito e chamou assim a atenção do mundo.

O professor americano continua: Juntos, esses agitadores brasileiros de ‘Nossa Senhora’ (Maria de modo geral, mas especialmente a Virgem de Fátima) buscaram um retorno às tradições míticas dos cavaleiros-errantes marianos, idolatrando noções medievais de combatividade, hombridade, e de uma divindade palpável e maravilhosa. Assim, os ideólogos da TFP, [ao lado de Sigaud e Mayer], procuraram promover uma linha de conservadorismo católico que, concomitantemente, manteria rígidas hierarquias e preservaria o divino mistério e o encanto”. Isso incluiria um senso constante do poder sobrenatural e de sua presença na vida diária.

A Idade Média “perfeita” sintetizou essa ordem ideal ancorada em uma visão de mundo que realçava o espiritual sobre o material. Claro que Cowan vê tais condições como algo negativo. A vida da graça, o misticismo e o senso comum do divino são conceitos que não se encaixam em sua mentalidade laica. Assim, ele tende a descartar tudo isso como noções nostálgicas de um passado medieval sacral. No entanto, reconhece que são pontos de atração extremamente poderosos. Mostra que a TFP não apenas mergulhou em seu próprio mito, mas agiu de maneira coerente com ele, colocando o mito em ação.

A TFP enquanto espetáculo

Ele se refere constantemente às campanhas de rua da TFP e às suas características medievais. Vejam, por exemplo, a descrição a seguir: A TFP fez um espetáculo da pompa medieval, ganhando fama na década de 1960, e posteriormente por meio de extravagantes manifestações de rua, quando seus membros portando capas, túnicas, botas de cano alto e outros elementos de um hábito desenhado por Oliveira para evocar as ordens de cavalaria monásticas e militares da Idade Média.

Para ele, nada disso é teatro, mas pura realidade.“Quando os tefepistas perambulavam pelas ruas de São Paulo em trajes medievais, eles não o faziam por puro amor às Cruzadas ou à pompa, mas porque o traje, o maintien corporal e os símbolos eram importantes para sua causa”. Era assim que a TFP mergulhava em seu próprio mito e agia em consequência.

Qual a importância desse mito? Encontramos aqui uma das conclusões mais interessantes do livro. O autor explica como esse conservadorismo medieval penetrou nas veias do conservadorismo clássico liberal e econômico e mudou a natureza do debate. Tornou-se um polo em direção ao qual todos os temas conservadores tendem a gravitar, mesmo quando as pessoas discordam sobre outros assuntos. O mito medieval, o desejo de um passado cristão glamourizado, tornou-se a cola que tudo uniu.

Observa o Prof. Benjamin Cowan que entre os elementos dessa base do neoconservadorismo — atuando de certa forma como a cola que une os elementos — estava o fascínio pelo misticismo e por um senso cotidiano do divino, fazendo eco aos anseios saudosos de vários católicos que buscavam um lugar para a sua fé e uma volta às formas culturais e religiosas de nossos ancestrais.

A saudade de um passado mitológico ou glamourizado — seja ele chamado de religião dos velhos tempos ou medievalismo — uniu direitistas de confissões e nacionalidades que desmentem as atuais explicações de que a Nova Direita foi gerada nos EUA e amplamente limitada a eventos e agentes locais neste país. Tanto no Brasil como nos EUA, essas saudades reforçaram e até chegaram a transformar as visões dos conservadores sobre seu papel político e social.

Aponta o autor que até mesmo os evangélicos entraram em contradição com suas doutrinas ao abraçarem este poderoso mito de um moralismo do passado. Ao mesmo tempo, os conservadores católicos compartilhavam esse moralismo e o associavam a sonhos de revigorar a cultura e teocracia medievais. [...] Assim, os trajes que Plinio Corrêa de Oliveira projetou para a TFP na década de 60 pretendiam evocar simbolicamente o antigo misticismo que outros católicos conservadores também procuraram revigorar no Brasil, mas a TFP atuou igualmente a favor de uma restauração mais direta do mistério e do maravilhoso”.

Dr. Plinio, de joelhos no centro, venera a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, em maio de 1973

Fundamental papel dos símbolos

E passa a relatar como a TFP está na vanguarda da disseminação desse mito: Sem dúvida, porém, o exemplo por excelência do medievalismo como inspiração e expressão repousa na TFP globalmente e em suas encarnações nacionais. No Brasil, a TFP tornou-se famosa por sua pompa de inspiração medieval, com trajes, capas, faixas e desfiles. Na década de 70, a organização chamou a atenção da imprensa por seu recrutamento de jovens que viviam em comum em residências monásticas e, pelo menos ocasionalmente, vestiam trajes medievais”.

O mito medieval foi um componente-chave dessa mudança. O anti-igualitarismo foi um componente paralelo. O autor menciona que o desejo de se conectar com um passado cavalheiresco faz as pessoas tenderem para uma sociedade hierárquica, anti-igualitária. E afirma que, mais uma vez, a TFP liderou a turma nesta matéria, como ficou claro com o livro [de Dr. Plinio] ‘Nobreza e Elites Tradicionais Análogas’, publicado em inglês, espanhol, português e alemão.

“Sem dúvida, porém, o exemplo por excelência do medievalismo como inspiração e expressão repousa na TFP globalmente e em suas encarnações nacionais. No Brasil, a TFP tornou-se famosa por sua pompa de inspiração medieval, com trajes, capas, faixas e desfiles”. Prof. Benjamin Cowan


 Brasil e seu vínculo com a cristandade medieval

Outro ponto muito peculiar do livro de Cowan é sua explicação da razão pela qual o Brasil foi o centro desse movimento medievalista, e não os Estados Unidos. A explicação dada é que a maioria dos estudiosos alega que o esforço para recapturar um passado mítico e pré-modernopartiu dos conservadores norte-americanos. No entanto, devido à ruptura provocada pelo protestantismo, os EUA deixaram de ter vínculo com o passado medieval.

Assim, o Brasil possuidor desse vínculo, conseguiu transmiti-lo aos Estados Unidos. Em outras palavras, Dr. Plinio teria proporcionado o ponto de contato com a Idade Média que satisfaz os anseios da alma norte-americana pelas coisas medievais, facilitando para os EUA um Retorno à Ordem.

O livro termina com uma advertência para a esquerda, ou seja, que não minimize o poder da direita. E dá a razão: entre os estudiosos da esquerda existe uma tendência a considerar a direita como sendo desorganizada, desarticulada e fraca. Ora, isso não é verdade. O mito dos conservadores é muito forte, e se nós da esquerda o ignorarmos, será por nossa própria conta e risco.

Cuidado com a TFP!

Assim ele faz o seu alerta: Análises de ativistas conservadores cristãos em contextos internacionais os descrevem como ‘um tanto inexperientes’ em matéria de organização, no que são superados por adversários progressistas, e incapazes de formular estratégias e mensagens eficazes. Isso sem dúvida foi verdade em alguns dos casos examinados por perspicazes estudiosos do conservadorismo, (porém) parece que vale a pena reconsiderar essa noção à luz dos assíduos esforços de indivíduos como Weyrich e Oliveira e organizações como a TFP e o Coetus em promover e compartilhar suas táticas e experiências”.

Para nós, esta advertência é muito consoladora, uma vez que o autor admite que, no caso da TFP, os filhos da luz são mais sagazes do que os filhos das trevas. Dr. Plinio teria conseguido, em pontos cruciais, contrariar a máxima que afirma o contrário. Portanto, ao encerrar esta matéria, estendo um tributo filial à sua sabedoria e fidelidade.

Vimos como nossa ação tem repercussões ainda que não a vejamos, pois o outro lado a vê. Somos parte dessa ação massiva que vive na lenda. Este professor americano relata como nos tornamos conhecidos por nossas campanhas, sem que a mídia nos tenha dado cobertura. E que nossos esforços mudaram a natureza do debate, embora ninguém nos tenha convidado para falar.

Vimos igualmente que o inimigo nos observa e conhece a história da TFP, quiçá melhor do que alguns de nós. Chama a atenção o fato de o autor ter mostrado uma história ilibada. Autores como o Prof. Cowan nada encontraram de ilegal ou imoral em nossa ação, e certamente não foi por falta de vontade.

Se tivesse encontrado algo de errado, ele o teria relatado. Apesar dos pesares, vivemos o nosso mito. Apesar das aparências em contrário, vivemos um imenso mito que está mudando o curso da História aqui e agora. Nós cremos nisso, mas, ó Mãe de Misericórdia, ajudai-nos em nossa incredulidade!

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* Fonte: Revista Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851

* John Horvat é vice-presidente da TFP norte-americana, autor do best-seller Return to Order (Retorno à Ordem), no qual mostra como se pode escapar das garras da sociedade baseada apenas no materialismo produtivista e na intemperança frenética, oposta aos altos ideais medievais.