Mercado de Natal de Estrasburgo, França.
✅ Pe. David Francisquini
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 864, dezembro/2022
Pergunta — Já ouvi algumas pessoas dizerem que a árvore de Natal é de origem pagã, e também que teria sido introduzida por Lutero. Seria isso verdade? De qualquer forma, ela é realmente um símbolo religioso comparável ao presépio?
Resposta — Começo pela segunda pergunta, por ser mais fácil e rápida de ser respondida. Tudo depende da definição que se dê à expressão “símbolo religioso”. Se significa apenas um objeto ou gesto ao qual se possa atribuir um significado religioso, não há dúvida de que se pode atribuí-lo à árvore de Natal. A associação mais apropriada é com a Árvore da Vida colocada por Deus no Éden, a qual é evocada pelos adornos “paradisíacos” de que era revestida.
O fato de se utilizar o pinheiro como árvore de Natal transmite também a ideia de perenidade, de vida eterna, uma vez que, ao contrário das demais árvores, ele nunca perde as folhas, nem sequer no inverno. Agora, se a expressão “símbolo religioso” de uma festividade litúrgica significa um objeto tangível intrinsecamente ligado a esse feriado, sem o qual o feriado não seria o mesmo, então a árvore de Natal não tem esse significado. Simplesmente porque a celebração da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo não requer árvores de Natal, que durante 15 séculos não foram colocadas como símbolos do período natalino.
“Nascimento do Invicto”
Surge, então, a primeira pergunta: qual é a origem desse costume de montar árvores de Natal? É fácil historiar a aparição dos presépios, pois foi São Francisco de Assis que os popularizou em 1223, no vilarejo de Greccio, três anos antes de sua morte. Já a origem da árvore é mais nebulosa.
Segundo alguns, ela remontaria às religiões pagãs anteriores ao cristianismo. A hipótese é válida, pois, ao que tudo indica, a própria data de 25 de dezembro, destinada a festejar a Natividade de Cristo, teria sido gradualmente recomendada na Roma cristianizada para suplantar as festas pagãs do solstício de inverno, que culminavam com a celebração do Natalis invicti, ou seja, a vitória do sol, quando no hemisfério norte os dias começam a ficar novamente mais longos.
De fato, a mais antiga aproximação cristã entre a vitória do sol e o nascimento do Salvador é a exclamação de São Cipriano (De pasch. Comp. XIX), no século III: “O quam præclare providentia ut illo die quo natus est Sol... nasceretur Christus” (Oh, quão maravilhosamente agiu a Providência dispondo que naquele dia em que o Sol nasceu... Cristo deveria nascer).
Um século mais tarde, São João Crisóstomo escreveu: “Mas Nosso Senhor também nasce no mês de dezembro... no oitavo dia antes das calendas de janeiro [ou seja, o 25 de dezembro]... Mas eles [os pagãos] o chamam de 'Nascimento do Invicto'. Quem de fato é tão invicto como Nosso Senhor? ... Ou, então, se dizem que é o nascimento do Sol, Ele é o Sol da Justiça” (Del Solst. Et Æquin, II, p. 118, ed. 1588).
Tradição desde o século XV
No norte da Europa, entre certos povos germânicos e na Escandinávia, o período do solstício de inverno era chamado de “Yule”. Na mitologia desses povos, o deus Heimdall vinha visitar à noite todos os lares humanos, deixando presentes para aqueles que tivessem se comportado bem durante o ano. Local da primeira árvore de
Natal em Riga, na Letônia
Uma constante dessas festividades nórdicas é o uso de árvores perenes como elementos decorativos, pelo motivo já evocado, ou seja, simbolizando que no auge do inverno os pinheiros com folhas sempre verdes prenunciam o retorno dos dias mais longos e da primavera.
A árvore de Natal, segundo essa hipótese, seria uma apropriação pela Igreja dessa tradição ancestral, depois que São Bonifácio, o evangelizador da Alemanha, derrubara a golpes de machado o “carvalho do trovão” sob o qual os pagãos sacrificavam uma criança ao deus Thor. Outra lenda atribui essa tradição a São Columbano, monge irlandês que viajou extensamente pela Gália. Numa noite de Natal, ele teria levado alguns monges do mosteiro de Luxeuil, fundado por ele no sopé dos montes Vosges, para o topo de uma das montanhas vizinhas. Havia ali um pinheiro muito antigo, objeto de um culto pagão entre os celtas, que o consideravam “a árvore do parto”. São Columbano e seus companheiros teriam então pendurado suas lanternas nos galhos da árvore, desenhando uma cruz luminosa. Mas essa história parece lendária, pois não a atesta nenhum documento da época.
Na realidade, a associação da árvore com a festa da natividade é atestada somente a partir dos primórdios do século XVI, e, ao que se presume, começou a se tornar comum no século XV — bem antes, portanto, da revolta de Lutero, que nada teve a ver com a introdução desse costume, reivindicada por várias cidades da Europa do Norte.
Os habitantes de Freiburg, na Alemanha, afirmam que essa tradição se iniciou em 1419 com os padeiros da cidade, que a partir desse Natal teriam passado a decorar anualmente uma árvore com Lebkuchen (os tradicionais biscoitos de gengibre), nozes, maçãs e outras frutas. Mas apenas no dia de Ano Novo as crianças podiam sacudir a árvore para comer suas iguarias.
Natal em Londres |
Belas tradições em outros países
Por sua vez, a cidade de Riga, capital da Letônia, reivindica oficialmente a paternidade da primeira árvore de Natal, a qual teria sido instalada por uma corporação de mercadores em 1510. Inicialmente destinada a ser queimada no dia do solstício, acabou por ser preservada, decorada e erguida no mercado da cidade para celebrar o Natal. Ainda hoje, uma laje de pedra marca o local.
A primeira menção escrita desse costume data de 1521, em um livro de contas da cidade de Sélestat (Alsácia, França), que na época pertencia ao Sacro Império Romano Alemão. Este registro indica a seguinte despesa: “Quatro xelins aos guardas florestais para vigiar o mais [do alemão meyen, “árvores festivas”] de São Tomás”, cuja festa era celebrada no dia 21 de dezembro. O município de Sélestat sustenta que, se era preciso proteger a sua floresta, dever-se-ia supor que decorar uma árvore nesta época do ano era relativamente comum e fazia parte dos costumes locais...
A origem do costume de trazer árvores da floresta e decorá-las provém, por sua vez, dos chamados “mistérios”, ou seja, das representações teatrais com cenas da Bíblia e do Jardim do Éden, que eram feitas durante a Idade Média no átrio das igrejas por ocasião das grandes festas litúrgicas. Como macieiras com seus frutos não fossem encontráveis no início do inverno, colocava-se um pinheiro com decorações que imitavam as maçãs.
Seja como for, o costume de se erguer nas casas árvores de Natal com bolas coloridas e guirlandas, encimadas por uma estrela de Belém, começou no século XIX no mundo germânico. Foram princesas alemãs, cujas infâncias tinham sido iluminadas pela presença do pinheiro em um salão do palácio, que levaram essa tradição aos demais países da Europa.
Na França, a inciativa partiu da princesa Helena de Mecklembourg Schwerin, Duquesa de Orléans, que em 1837 pediu ao seu sogro, o rei Luís Filipe, permissão para colocar uma árvore de Natal no palácio das Tulherias.
Na Inglaterra, foi o marido da rainha Vitória, o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo Gotha, também nascido na Alemanha, que importou essa tradição na década de 1840. As ilustrações de jornais da época representam a família real inglesa diante de uma árvore de Natal ricamente decorada, na qual se percebem velinhas acessas.
Em Portugal, a árvore de Natal foi introduzida por volta de 1844, no Paço Real das Necessidades, por Dom Fernando II, duque de Saxe-Coburgo-Gotha e rei consorte, pelo seu casamento com a rainha Maria II, filha de Dom Pedro I. Uma gravura desenhada pelo próprio rei [foto ao lado] mostra-o vestido de São Nicolau, junto à árvore decorada com velas, bolas e frutos, distribuindo presentes aos sete principezinhos.
A primeira árvore de Natal nas Américas teria sido instalada em 1781, na cidade canadense Sorel, pela Sra. Friederike Riedesel von Lauterbach, esposa do general comandante das tropas alemãs enviadas pelo Duque Brunswick como auxiliares do exército inglês para tentar impedir a independência dos Estados Unidos.
Convém destacar que, a partir de 1982, iniciou-se a tradição de erguer na Praça de São Pedro, em Roma, uma enorme árvore de Natal, doada cada ano por um país diferente.
A cidade de Gramado (RS) no mês de dezembro |
Brasil: tradição vinda da Europa
E como a árvore de Natal chegou ao Brasil? Alguns dizem que foi através de Dona Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria e esposa do Imperador Dom Pedro I. Ela teria instalado a primeira árvore de Natal no Palácio da Boa Vista. Embora isso possa ser verdade, não consta que o costume tenha se difundido muito, continuando a predominar entre nós aquele dos países do sul da Europa, de privilegiar o presépio.
Mais realista é supor duas origens paralelas. De um lado, com a difusão das árvores de Natal a partir dos paços reais, palácios e mansões da aristocracia e da alta burguesia europeias, é possível que durante a segunda metade do século XIX as famílias da aristocracia brasileira — que viajavam muito à Europa e seguiam a moda europeia — importaram o costume para as nossas terras, e provavelmente também as decorações.
De outro lado, é certo que os imigrantes alemães que se fixaram no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia não somente trouxeram as receitas natalinas e a Coroa de Advento [foto ao lado], mas também as árvores de Natal, difundindo-as nas demais classes sociais.
O certo é que por mais de um século as crianças brasileiras têm se encantado com as árvores de Natal, nutriente de sua inocência ao ajudá-las, por essa via, a aceitar com simplicidade e alegria as maravilhosas verdades da Fé, especialmente o dogma da Encarnação do Deus que se fez homem e nasceu de uma Virgem numa noite fria na Gruta de Belém.
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