1 de dezembro de 2025

ESBOÇO DE CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA SOBRE A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA, MÃE DE DEUS E MÃE DOS HOMENS

 


1. Sobre a íntima união entre Cristo e Maria segundo o beneplácito divino

O Criador de todas as coisas, Deus sapientíssimo e de imensa bondade, que gozava de plena liberdade para determinar o modo e o meio pelos quais se realizaria, por Ele mesmo, a libertação do gênero humano, desde toda a eternidade estabeleceu, por um único e mesmo decreto, a Encarnação da Sabedoria divina e a predestinação da Bem-Aventurada Virgem, da qual o Verbo feito carne haveria de nascer, na plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4).

Ora, como as Sagradas Escrituras, de modo explícito ou implícito, nos apresentam Maria unida a Jesus por um vínculo estreitíssimo e indissolúvel — desde o anúncio profético (cf. Gn 3,15; Is 7,14; Mt 1,23) e a concepção virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,26-38) — é plenamente coerente que a Igreja, assistida pelo Espírito Santo e guiada com segurança para compreender e perceber com clareza tudo quanto nas fontes sagradas se encontra velado ou apenas implicitamente contido (cf. Jo 14,26), e preservada do erro (cf. Mt 16,18; 28,18-20; Jo 14,16; 15,20), ao ilustrar os mistérios do divino Redentor, também traga à luz, de modo mais claro, o mistério da Mãe de Deus.

Esta Mãe amorosa, que “cooperou pela caridade para que na Igreja nascessem os fiéis”, é não só o membro “supereminente” e absolutamente singular da Igreja, mas também o seu modelo e, ainda mais, sua Mãe.

Por isso, o Santo Sínodo, depois de ter tratado do Corpo Místico de Cristo, permanecendo fiel aos documentos anteriores do Magistério vivo da Igreja, único intérprete autêntico do depósito revelado, julga oportuno expor sumariamente o lugar que a Mãe de Deus e dos homens ocupa na Igreja, os privilégios com que seu Filho a enriqueceu, e os deveres que nos cabem para com tão sublime criatura — a fim de que o saber e a piedade marianos floresçam reta e plenamente, e se afastem opiniões preconcebidas sobre este tema.

 

2. Sobre o papel da Bem-Aventurada Virgem Maria na economia da nossa salvação

Como, pois, o Verbo do eterno Pai quis assumir a natureza humana de uma mulher, para que, assim como por uma mulher veio a morte, também por uma mulher nos viesse a vida, e para que a libertação fosse obra de ambos os sexos, Ele não realizou tal desígnio antes que a aceitação livre da mãe designada, redimida de modo mais sublime em previsão dos méritos de Cristo, fosse obtida (cf. Lc 1,38); de modo que o Filho de Deus, pela Encarnação, se tornasse também Filho dela, novo Adão e Salvador do mundo.

Por este consentimento, Maria, filha de Adão, tornou-se não só mãe de Jesus, único Mediador e Redentor divino, mas também, com Ele e sob Ele, associou a sua ação à realização da redenção do gênero humano. Esse consentimento salvífico da Mãe de Deus — e, portanto, sua cooperação na obra redentora — perdurou desde a concepção virginal de Jesus Cristo até a sua morte; e brilhou de modo particular quando, junto à cruz, por desígnio divino, permaneceu de pé (cf. Jo 19,25), compadecendo-se profundamente com o seu Unigênito, oferecendo-O, com Ele e por Ele, com ânimo magnânimo, como preço da nossa redenção, e sendo, enfim, pelo mesmo Cristo Jesus moribundo, dada como mãe ao gênero humano (cf. Jo 19,26-27).

E, como o mistério da redenção humana não se completaria antes da vinda do Espírito Santo prometido por Cristo no dia de Pentecostes, contemplamos Maria perseverando em oração com os Apóstolos no Cenáculo (cf. At 1,14), implorando com suas preces a efusão do Espírito.

Assim, sendo a Bem-Aventurada Virgem predestinada desde a eternidade para ser Mãe de Deus e dos homens, e tendo sido disposta pela divina Providência a ser nesta terra a generosa companheira do Cristo sofredor na aquisição da graça para os homens, é com razão e justiça saudada como administradora e dispensadora das graças celestes.

Segue-se, pois, que Maria, que cooperou na formação do Corpo Místico de Cristo e que, assumida ao Céu e constituída Rainha pelo Senhor, manifesta para com todos os homens um coração maternal, obtém, por meio de seu Filho, uma primazia sobre todos; e por isso não está, como alguns dizem, “na periferia”, mas no próprio “centro” da Igreja, sob Cristo.

 
Virgem da Misericórdia – Jean Miraillet (por volta de 1444). Capela da Misericórdia, da Arquiconfradia dos Penitentes Negros de Nice

3. Sobre os títulos com que costuma exprimir-se a associação da Bem-Aventurada Virgem Maria com Cristo na economia da salvação

Como na cooperação da Mãe de Deus com Cristo — nova Eva com o novo Adão — na obra da redenção humana, os múltiplos e variados títulos com que o Magistério da Igreja, a venerável Tradição e o piedoso sentimento dos fiéis costumam saudar a Bem-Aventurada Virgem se apoiam em fundamento, raiz e princípio sólidos, seria impiedade afirmar que tais títulos, no sentido em que a Igreja os entende, são vãos ou contrários às Escrituras.

Assim, não sem motivo a Igreja chama a Bem-Aventurada Virgem “Medianeira de todas as graças”. Pois se, ainda nesta terra, o Apóstolo São Paulo se lembrava continuamente dos fiéis em suas orações e pedia com insistência o auxílio das preces deles, quanto mais convém e é proveitoso que nos recomendemos às preces e intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria.

Ela, com efeito, está unida a Deus e a Cristo, Filho de Deus e seu Filho, mais estreita e intimamente que qualquer outra criatura pura, de modo que lhe é absolutamente próprio; ama a Deus mais ardentemente do que qualquer criatura, e por Ele é amada de modo singular; como mãe do Salvador (cf. Lc 1,31), experimentou, ao ver sua alma transpassada (cf. Lc 2,35) sob a cruz do Filho moribundo pela salvação de todos (cf. Jo 19,25-27), o amor de Deus no amor pelos homens em seu ponto mais alto.

Sustentada por tantos e tão grandes títulos, intercede continuamente por nós diante de Deus e de Cristo com seu amor maternal; e, porque sua intercessão deriva toda a sua eficácia do sacrifício cruento de seu bendito Filho, esta mediação de Maria de modo algum faz com que cesse de haver um só Mediador entre Deus e os homens — o homem Cristo Jesus (cf. 1Tm 2,5) —, assim como da bondade de Deus não se segue que Ele deixe de ser o único e absoluto autor de todo bem (cf. Mt 19,17; Rm 2,4).

Embora, entre os mediadores subordinados de que o sapientíssimo Deus quis servir-se na economia da nossa salvação, não se possa conceber nenhum que tenha cooperado ou venha a cooperar com tanto poder para reconciliar os homens com Deus como a Mãe de Deus, é sempre verdade que também ela depende totalmente de Cristo e lhe está subordinada, tanto na sua predestinação e santidade quanto em todos os seus dons.

Portanto, sendo esta humilde “Serva do Senhor”, a quem “o Todo-Poderoso fez grandes coisas” (cf. Lc 1,49), chamada “Medianeira de todas as graças” por ter sido associada a Cristo na sua aquisição, e invocada pela Igreja como nossa Advogada e Mãe de misericórdia, pois, unida no Céu ao Cristo glorioso, intercede por todos, segue-se que, em toda comunicação de graça aos homens, está presente a caridade maternal da Bem-Aventurada Virgem; e de modo algum se obscurece nem se diminui a mediação única do nosso Mediador, segundo o sentido absoluto das palavras do Apóstolo (1Tm 2,5): “Um só é Deus, um só também o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus”; pelo contrário, a mediação de Cristo é exaltada e honrada.

Maria, com efeito, é medianeira em Cristo; e sua mediação não provém de necessidade alguma, mas do beneplácito divino e da superabundância e eficácia dos méritos de Jesus: ela se apoia na mediação de Cristo, dela depende inteiramente e dela tira toda a sua força.

Por isso, o Santo Sínodo exorta com empenho os teólogos e pregadores da Palavra de Deus a que, cultivando diligentemente o estudo da Sagrada Escritura e dos Santos Padres segundo o sentido do Magistério da Igreja, procurem colocar na verdadeira luz os ofícios e funções da Bem-Aventurada Virgem, em conexão com os outros dogmas, sobretudo com os que se referem a Cristo, que é o centro de toda a verdade, santidade e piedade.

Neste trabalho, guarde-se sempre o que se chama “analogia”, ou seja, uma semelhança dissemelhante, toda vez que se predica de Cristo e da Virgem Maria um mesmo nome ou ofício; pois de modo algum a Mãe de Deus pode ser equiparada a Cristo.

 

4. Sobre os privilégios singulares da Mãe de Deus e dos homens

A Virgem Maria, amada de modo inefável por Deus, foi adornada de privilégios absolutamente singulares: admirável no seu nascimento, pela Imaculada Conceição; admirável na sua vida, por ter permanecido livre de toda culpa pessoal e ter sido ao mesmo tempo mãe e sempre virgem, de mente e corpo; admirável, enfim, no seu trânsito, pois — segundo antiga e venerável tradição — embora tenha sofrido a morte temporal para se assemelhar mais plenamente ao seu Filho, não pôde, contudo, ser retida pelos laços da morte, sendo assunta ao Céu em corpo e alma, gloriosamente.

Tais privilégios singulares e outras graças provenientes de Cristo Redentor redundam em sua honra, de modo que não podemos contemplar as excelsas dádivas da Mãe sem admirar e celebrar a divindade, a bondade, o amor e a onipotência do Filho.

Assim como a injúria feita à mãe atinge o filho, também a glória da mãe redunda em glória do filho. Portanto, dado que Maria teve uma união singular com seu Filho, convinha que, em previsão dos méritos do perfeitíssimo Redentor — autor de toda santidade, que veio ao mundo para destruir o pecado —, fosse preservada imune de toda mancha do pecado original desde o primeiro instante de sua concepção, e ornada de graças e dons muito acima de todos os espíritos angélicos e de todos os santos, para que, verdadeiramente, como Mãe de Deus, Filha do Pai e Santuário do Espírito Santo, superasse em dignidade todas as criaturas.

Convinha também plenamente que o Filho, que amou sua Mãe com particular afeto, e quis que a integridade corporal dela permanecesse incorrupta e inviolada no próprio parto, para que “permanecendo a glória da virgindade, derramasse sobre o mundo a luz eterna”, não permitisse que aquele santíssimo corpo virginal — augusto tabernáculo do Verbo divino, templo de Deus, todo santo e todo puro — fosse reduzido ao pó.

 

5. Sobre o culto à Bem-Aventurada Virgem Maria

Como à Bem-Aventurada Virgem compete uma excelência singular, sendo saudada pelo Arcanjo mensageiro de Deus como “cheia de graça” (Lc 1,28) e por Isabel, cheia do Espírito Santo, como “bendita entre as mulheres” (cf. Lc 1,42), nada admira que, como ela mesma profetizou — “todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48) —, seja proclamada, venerada, amada e invocada como “bem-aventurada” por todos os povos e em todos os ritos, com louvores que, através dos séculos, crescem continuamente; sendo proposta como exemplo para imitação.

E está muito longe de ser verdade que esse culto singular prestado a Maria diminua o culto divino de latria — a adoração devida ao Verbo encarnado, assim como ao Pai e ao Espírito Santo; pelo contrário, muito o favorece.

As várias formas de piedade mariana aprovadas pela Igreja — dentro dos limites da sã e ortodoxa doutrina, segundo as condições dos tempos, lugares e índole dos fiéis — têm por fim que, ao se honrar a Mãe, o Filho, em quem aprouve ao Pai que habitasse toda a plenitude (cf. Cl 1,19), seja conhecido, amado, glorificado, e que seus mandamentos sejam observados; e assim, por Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), os homens sejam conduzidos ao pleno conhecimento e adoração do único e trino Deus.

Esta doutrina sã e católica o Santo Sínodo ensina deliberada e firmemente, advertindo ao mesmo tempo os Bispos que zelem diligentemente para que teólogos e pregadores da Palavra divina evitem tanto toda falsa exaltação quanto excessiva estreiteza de mente ao considerarem a dignidade singular da Mãe de Deus.

Lembrem-se também os fiéis de ambos os sexos de que a verdadeira devoção não consiste em um sentimento passageiro, e rejeitem toda vã credulidade; antes, mantenham firmemente que a devoção procede da verdadeira fé, pela qual somos levados à imitação das virtudes da Bem-Aventurada Virgem, que foi “a serva do Senhor” (Lc 1,38), humildíssima e obedientíssima, que guardou fielmente, “meditando em seu coração” (Lc 2,19), tudo o que dizia respeito ao Verbo encarnado (cf. Lc 2,51), e foi proclamada bem-aventurada “porque acreditou” (cf. Lc 1,45).

De nada teria aproveitado a Maria a proximidade física com Cristo, “se não o tivesse trazido mais felizmente no coração do que no seio”.

Com a devida honra e reverência com que os irmãos separados — especialmente os Orientais, movidos por um impulso fervoroso de venerar de modo peculiar a Mãe de Deus — tratam a Mãe do Senhor e Salvador nosso, alegra-se e consola-se grandemente o Santo Sínodo.

Por isso, é manifesto que se atribui injusta e falsamente à Igreja católica o culto à Mãe de Deus, como se daí se subtraísse algo da adoração devida somente a Deus e a Jesus Cristo.

 

As Bodas de Caná – Gerard David (1460-1523). Museu do Louvre, Paris

6. Maria Santíssima, protetora da unidade cristã

Maria, Mãe e Virgem Santíssima que no Calvário teve confiada ao seu coração materno toda a humanidade, deseja ardentemente que não só aqueles que receberam um só batismo e são conduzidos por um só Espírito, mas também os que ainda ignoram ter sido redimidos por Cristo Jesus, estejam unidos, tanto com o divino Salvador quanto entre si, pela mesma fé e caridade.

Por isso, o Santo Sínodo confia e espera firmemente que esta Mãe de Deus e dos homens — que intercedeu (cf. Jo 2,3) para que o Verbo encarnado realizasse em Caná da Galileia o seu primeiro sinal, pelo qual seus discípulos creram nele (cf. Jo 2,11), e que esteve presente ao lado da Igreja nascente — obtenha de Deus, com seu patrocínio, que finalmente todos se reúnam num só rebanho sob um só Pastor (cf. Jo 10,16).

Exorta, pois, a todos os fiéis de Cristo que dirijam insistentes preces e súplicas a esta Protetora da unidade e Auxiliadora dos cristãos, para que, por sua intercessão, seu divino Filho reúna todas as famílias das nações — e especialmente aqueles que se gloriam do nome cristão — num só povo de Deus, que reconheça com amor, como comum Pastor, o Vigário de Cristo na terra, Sucessor do bem-aventurado Pedro, aquele que, no Concílio de Éfeso — onde foi solenemente definido o dogma da maternidade divina —, os Padres, com aplauso unânime, justamente saudaram como “Guarda da fé”.

30 de novembro de 2025

Introdução histórica ao esquema preparatório sobre a Bem-aventurada Virgem Maria

 


Corredentora e Medianeira Universal de todas as graças. Dois títulos de glória da Virgem Maria. Dois dogmas que os fiéis aguardam!

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 900, Dezembro/2025

O século XIX e o início do século XX assistiram a um extraordinário florescimento da devoção mariana e dos estudos teológicos sobre Nossa Senhora. Tal impulso foi estimulado pela proclamação do dogma da Imaculada Conceição (1854), pelas aparições de Lourdes (1858) e de Fátima (1917), e pela redescoberta do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de São Luís Maria Grignion de Montfort.

Esses acontecimentos reacenderam na Igreja o desejo ardente de que fosse proclamado um novo dogma, reconhecendo o papel eminente da Mãe de Deus na obra da Redenção.

Cardeal Désiré-Joseph Mercier,
arcebispo de Malines-Bruxelas
Já em 1913, o Cardeal Désiré-Joseph Mercier, arcebispo de Malines-Bruxelas, juntamente com todo o episcopado belga, dirigiu a São Pio X um pedido de definição dogmática sobre a Mediação Universal da Santíssima Virgem Maria na distribuição das graças.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial e o falecimento do Pontífice interromperam, porém, essa iniciativa. Renovado o pedido sob o pontificado de Pio XI, este concedeu em 1922 à Igreja da Bélgica o privilégio de celebrar a Missa e o Ofício em honra de Maria Medianeira.

Mais tarde, Pio XII — que via na crescente devoção à Mãe de Deus “o mais encorajador sinal dos tempos” — proclamou o dogma da Assunção de Nossa Senhora (1950), o que suscitou novos e numerosos pedidos à Santa Sé para a definição dos dogmas da Corredenção e da Mediação Universal. Entretanto, a morte do Papa interrompeu o curso dessas esperanças.

Quando João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, o então Secretário de Estado, Cardeal Domenico Tardini, enviou a todos os bispos, superiores religiosos e universidades católicas um questionário, pedindo-lhes que manifestassem seus vota (desejos) sobre os temas a tratar na futura assembleia. A maioria dos prelados expressou o anseio por uma reforma moderada da Igreja, fiel à tradição, pela condenação dos erros modernos — sobretudo o comunismo — e, de modo particular, por novas definições doutrinais relativas à Santíssima Virgem Maria.

Os bispos italianos, majoritários no episcopado mundial, solicitaram que o Concílio proclamasse o dogma da “Mediação Universal da Bem-aventurada Virgem Maria”, pedido que encontrou eco também em parte significativa do episcopado francês. No Brasil, segundo o Pe. José Oscar Beozzo, o pedido mais frequente nos vota dos bispos era justamente o de que o Concílio definisse a doutrina ou o dogma da Mediação Universal de Nossa Senhora.

Atendendo a essa expectativa, a Comissão Preparatória criou um grupo de trabalho encarregado de redigir um esquema conciliar sobre a Beatíssima Virgem Maria. O texto foi elaborado principalmente por dois eminentes mariólogos: o Pe. Carlo Balić, presidente da Pontifícia Academia Mariana Internacional, e o Pe. Gabriele Maria Roschini, fundador e reitor da Pontifícia Faculdade Teológica Marianum. O esquema, intitulado Schema Constitutionis Dogmaticae de Beata Maria Virgine Matre Ecclesiae, empregava explicitamente o termo “Corredentora”. Uma subcomissão, contudo, suprimiu a expressão na versão final, ainda que reconhecendo ser “em si mesma veríssima”, por temor de interpretações desfavoráveis por parte dos “irmãos separados”.

A possibilidade de aprovação do texto encontrou forte resistência nos meios teológicos progressistas. O dominicano Yves Congar registrou em seu diário que “o drama que acompanhou toda [sua] vida” era “a necessidade de lutar contra uma mariologia que não procede da Revelação, mas que tem o apoio de textos pontifícios”. O jovem Pe. René Laurentin, por sua vez, afirmava ser necessário “purificar” a exaltação mariana então predominante. Essa corrente “minimalista”, como a denominou o Pe. Roschini, tendia a reduzir o papel de Maria, identificando-a com a própria Igreja e considerando-a apenas prima inter pares, “a primeira entre iguais”, dentro do Corpo Místico de Cristo.

Nossa Senhora da Misericórdia
Bonanat Zaortiga, o Velho (1430)
 Museu Nacional de Arte
 da Catalunha, Espanha.
O Schema de Beata Maria Virgine Mater Ecclesiae foi enviado aos Padres conciliares em maio de 1963, entre a primeira e a segunda sessões conciliares. Em uma reunião de episcopados da Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e Suíça, o jesuíta Karl Rahner criticou o documento, alegando que suas afirmações “não eram suficientemente desenvolvidas” e poderiam causar “um mal incalculável do ponto de vista ecumênico”. O “bispo” luterano Dibelius havia declarado pouco antes que a doutrina católica sobre Maria constituía um dos maiores obstáculos ao ecumenismo. Rahner, portanto, propôs que o esquema marial fosse reduzido e incorporado como um simples capítulo final da constituição dogmática sobre a Igreja.

Nos debates conciliares, o Cardeal Josef Frings, de Colônia, sustentou essa proposta. Ele foi apoiado pelo Cardeal Raúl Silva Henríquez, de Santiago do Chile, em nome de 44 bispos latino-americanos, alegando que a devoção mariana popular na região excedia os limites da fé cristã. Em sentido contrário, o Cardeal Benjamín de Arriba y Castro, arcebispo de Tarragona, falando por 60 bispos espanhóis, defendeu a manutenção de um esquema separado, dada a importância de Maria Santíssima na economia da Redenção.

Diante do grande número de Padres conciliares inscritos para se pronunciar, o Papa João XXIII ordenou que a Comissão Teológica escolhesse um único porta-voz de cada corrente de opinião, a fim de apresentar sinteticamente, diante da aula conciliar, os fundamentos de cada posição. O Cardeal Rufino Santos, de Manila, resumiu magistralmente o argumento favorável ao esquema separado, afirmando que a Virgem é o primeiro e principal membro da Igreja, mas, ao mesmo tempo, está acima dela, intra Christum et Ecclesiam, como ensinou São Bernardo. A fusão dos esquemas, advertiu, seria interpretada pelos fiéis como uma diminuição da devoção mariana. O Cardeal Franz König, de Viena, respondeu que a devoção a Maria necessitava de “purificação”, para evitar exageros e obstáculos ao ecumenismo.

Cinco dias depois, a assembleia votou: 1.114 bispos a favor da fusão, 1.074 contrários — uma diferença mínima, mas suficiente para que o texto marial fosse incorporado ao De Ecclesia.

Uma comissão revisora reformulou o escrito. Seu presidente, o belga Mons. Gérard Philips, propôs a Paulo VI manter o título “Medianeira” no texto, porém sem maior desenvolvimento doutrinal, como gesto conciliador para com os que haviam votado contra a fusão. Apesar dessa concessão, houve protestos: o bispo de Granada, em nome de 80 prelados espanhóis, lamentou que a comissão tivesse reescrito inteiramente o documento, em vez de apenas adaptá-lo. Os bispos poloneses, por outro lado, pediram que o capítulo sobre Nossa Senhora fosse colocado não ao final, mas em segundo lugar, para sublinhar sua posição singular junto a Cristo.

Apesar das resistências, prevaleceu a versão “minimalista”. Foram suprimidas as expressões “Corredentora” e “Medianeira de todas as graças”, restando apenasa frase: “a Beatíssima Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de Advogada, Auxiliadora e Medianeira”. Paulo VI, no entanto, corrigiu parcialmente essa omissão ao proclamar solenemente, no encerramento da terceira sessão conciliar, Maria Santíssima como Mãe da Igreja — gesto que provocou protestos irados dos Padres e expertos conciliares progressistas, que o acusaram de “voltar-se contra o Concílio”.

Cardeal Rufino Santos
O antigo Schema de Beata Maria Virgine Mater Ecclesiae foi arquivado, e o texto reduzido inserido no último capítulo da Lumen Gentium. Como previra o Cardeal Rufino Santos, essa solução teve o efeito de diminuir a centralidade da devoção mariana na vida da Igreja e de esfriar a piedade da maioria dos fiéis. Contudo, o amor dos verdadeiros devotos da Santíssima Virgem não se extinguiu. Nas décadas seguintes, cresceu o movimento em favor da proclamação de um quinto dogma mariano — o da Corredenção e Mediação Universal. A associação Vox Populi Mariae Mediatrici recolheu, nos últimos 30 anos, o apoio de cerca de 700 bispos e cardeais, além de oito milhões de fiéis, que pedem incansavelmente à Santa Sé a definição solene desse papel único de Nossa Senhora na economia da salvação.

A publicação da recente Nota doutrinal sobre alguns títulos marianos referidos à cooperação de Maria na obra da Salvação — que, em oposição explícita ao Magistério ordinário universal dos Papas e doutores da Igreja, julga “sempre inoportuno” o título de Corredentora e arriscado o de Medianeira de todas as graças — não será suficiente para esfriar o ardor nem abalar a firme resolução dos fiéis de continuar a manifestar aos Pastores da Igreja os próprios anseios (CIC, cân. 212 §2) e de exprimir, com filial liberdade, a própria opinião sobre tudo o que diz respeito ao bem da Igreja (§3).

É nesse mesmo espírito de fidelidade à Tradição e de amor à Santíssima Virgem que Catolicismo apresenta a seguir [publicaremos amanhã] aos seus leitores a íntegra do esquema preparatório que foi rejeitado pela maioria do Padres conciliares, testemunho luminoso da mais elevada e autêntica expressão da Mariologia imediatamente anterior ao Concílio Vaticano II.

27 de novembro de 2025

MÃE DA DIVINA GRAÇA



A festividade da Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças comemora-se neste dia 27. Na atual época de crise, principalmente religiosa e moral, o que diria a Santíssima Virgem a alguém que estivesse ajoelhado diante de uma imagem de Nossa Senhora das Graças? A esse respeito, oferecemos a nossos leitores um admirável comentário de Plinio Corrêa de Oliveira. 


“Em mim verás: O reflexo sem jaça da Bondade incriada e absoluta, Tudo quanto quero dar porque sou boa, Tudo quanto desejo conceder porque sou Mãe, Tudo que posso dar porque sou Rainha. 
Isso tudo, meu filho, Eu o vou espargindo sobre os homens. 

Esta minha imagem, não te diz uma só palavra. Porém, eu faço algo muito melhor do que falar a teus ouvidos: comunico-te uma graça que te fala no fundo da alma. 

Notas em ti essa paz que transborda de meu Coração Imaculado, a qual te envolve, te penetra inteiro? 

Essa paz que nenhuma alegria terrena pode trazer, e que te faz sentir uma tranqüilidade interior, na qual ressoa minha voz, inaudível a teus sentidos! No que concerne a teus justos anseios, tudo está resolvido! E aquilo que não o estiver, resolver-se-á oportunamente, segundo os desígnios amorosos de Deus. Confia em Mim, que acertarei tudo. 
Aceita este sorriso, Deita atenção à voz da graça, Penetra-te desta bondade, E não duvides jamais”. 

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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 623, novembro/2002.

26 de novembro de 2025

QUIS UT VIRGO?

 

A Virgem do Apocalipse – Miguel Cabrera (1695-1768). Museu Nacional de Arte, Cidade de México. 

  ✅  Roberto de Mattei
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 900, Dezembro/2025


Em 16 de outubro de 1793 ocorreu aquele que foi o mais repugnante crime da Revolução Francesa: a execução da rainha Maria Antonieta da França, após um processo-farsa perante o Tribunal Revolucionário. Plinio Corrêa de Oliveira escreveu sobre Maria Antonieta: 
“Há certas almas que só se tornam grandes quando as rajadas da desgraça as atingem. Maria Antonieta, que foi fútil como princesa e imperdoavelmente frívola em sua vida como rainha, foi transformada de maneira surpreendente pelo turbilhão de sangue e miséria que assolou a França”; e o historiador observa, tomado de respeito, “que da rainha nasceu uma mártir e da boneca, uma heroína”. 
Maria Antonieta aos 15 anos
 Joseph Ducreux (1735–1802)
Palácio de Versalhes.
Em 21 de janeiro foi guilhotinado o Rei da França, Luís XVI. O Papa Pio VI, em seu discurso Quare lacrymae, de 17 de junho de 1793, reconheceu o sacrifício do soberano como “uma morte devido ao ódio à religião católica”, atribuindo-lhe “a glória do martírio”. A mesma glória, poderíamos dizer, coube a Maria Antonieta, culpada apenas de ter representado — por sua própria presença — o princípio da realeza cristã diante do ódio da Revolução. 

O escritor britânico Edmund Burke (1729-1797), em uma das mais belas passagens de suas Reflexões sobre a Revolução Francesa (1791), escreve: 
“Já se passaram dezesseis ou dezessete anos desde que vi pela primeira vez a Rainha da França, então Delfina, em Versalhes, e certamente nunca uma visão mais encantadora visitou esta terra, que ela parecia apenas tocar. Eu a vi quando ela surgiu no horizonte, adornando e alegrando aquela esfera sublime na qual acabara de começar a se mover, brilhante como a estrela da manhã, cheia de vida, esplendor e alegria. Oh! Que revolução! E que coração eu deveria ter para contemplar aquela ascensão e aquela queda sem emoção! [...] Eu nunca sonhei em viver para ver tal desastre lhe acontecer em uma nação de homens tão galantes, em uma nação de homens de honra e cavalheirismo. Em minha imaginação, vi dez mil espadas desembainhadas repentinamente para vingar até mesmo um olhar que ameaçasse insultá-la. Mas a era da cavalaria acabou. Chegou a era dos sofistas, economistas e contabilistas; e a glória da Europa extinguiu-se para sempre” (Reflexões sobre a Revolução na França, trad. It. Ideazione, Roma 1998, pp. 98-99). 
Maria Antonieta
conduzida ao suplício
François Flameng (1856–1923).
Museu da Revolução Francesa,
Paris.
Hoje, dois séculos depois, as palavras do escritor britânico vêm à mente diante de um evento de gravidade muito maior. Em 4 de novembro de 2025, na casa generalícia dos jesuítas, foi apresentada a Mater Populi Fidelis, uma “nota doutrinal” do Dicastério para a Doutrina da Fé, chefiado pelo Cardeal Víctor Manuel Fernández. 

O documento compreende 80 parágrafos, dedicados à “compreensão correta dos títulos marianos”, que pretendem esclarecer “em que sentido certas expressões referentes à Virgem Maria são aceitáveis ou não”, colocando-a “na devida relação com Cristo, o único Mediador e Redentor”. 

É com profunda tristeza que lemos este texto que, por trás de seu tom melodioso, esconde um conteúdo venenoso. Em uma hora histórica de confusão, quando todas as esperanças das almas fervorosas se voltam para a Santíssima Virgem Maria, o Dicastério para a Fé procura despojá-la dos títulos de Corredentora e Medianeira universal de todas as graças, reduzindo-a a uma mulher como qualquer outra: “mãe do povo fiel”, “mãe dos crentes”, “mãe de Jesus”, “companheira da Igreja”, como se a Mãe de Deus pudesse ser confinada a uma categoria humana, despojando-a de seu mistério sobrenatural. É difícil não ler nestas páginas a concretização da deriva mariológica pós-conciliar que, em nome do “meio-termo”, escolheu um minimalismo que degrada a figura da Santíssima Virgem Maria. 

Execução de Maria Antonieta,
 16 de outubro de 1793
Gravura, Biblioteca Nacional
da França
Maria Antonieta representava a realeza terrena, um reflexo da realeza divina, mas frágil como tudo o que é humano: seu trono desmoronou sob a fúria da Revolução. Maria Santíssima, porém, é a Rainha universal — não por direito humano, mas pela graça divina. Seu trono não está em um palácio, mas no coração de Deus.

“O Altíssimo — diz São Luís Maria Grignion de Montfort — desceu perfeita e divinamente através da humilde Maria até nós, sem perder nada de sua divindade e santidade. E é por meio de Maria que os pequeninos devem ascender perfeita e divinamente ao Altíssimo, sem temer nada” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 157). 

Os homens podem tentar “decapitá-la”, reduzindo-a a uma mera mulher, mas Maria permanece Mãe de Deus, Imaculada, Sempre Virgem, Assunta ao Céu, Rainha do Céu e da Terra, Corredentora e Medianeira Universal de todas as graças, porque, como explica São Bernardino de Siena: “Toda graça concedida aos homens procede de uma causa tríplice: de Deus passa para Cristo, de Cristo passa para a Virgem, da Virgem nos é dada” (Serm. VI in festis B.M.V., a. 1, c. 2). 

São Miguel Arcanjo na Visão do Apocalipse – Miguel Cabrera (1695-1768). Museu da Basílica de Guadalupe, Cidade de México.



Por esta razão, segundo Santo Agostinho, citado por Santo Afonso de Ligório, tudo o que dizemos em louvor de Maria é sempre pouco comparado ao que Ela merece por sua exaltada dignidade como Mãe de Deus (As Glórias de Maria, vol. I, Redentoristi, Roma 1936, p. 162). 

Edmund Burke lamentou que não houvesse dez mil espadas prontas para defender a Rainha Maria Antonieta “contra um único olhar que a ameaçasse com insulto”. Estamos convencidos de que hoje existe no mundo um punhado de sacerdotes e leigos, nobres e corajosos de espírito, prontos para empunhar a espada de dois gumes da Verdade para proclamar todos os privilégios de Maria e clamar, aos pés de seu trono: “Quis ut Virgo?” (Quem como a Virgem?). 

Sobre eles recairão as graças necessárias para a luta nestes tempos tempestuosos. E talvez, como sempre acontece na História quando se tenta obscurecer a luz, o documento do Dicastério da Fé que busca minimizar a Bem-Aventurada Virgem Maria confirme inadvertidamente sua imensa grandeza.

21 de novembro de 2025

A Duquesa de Kent e a conversão da Inglaterra

 


✅  Marcelo Dufaur

 

Pela primeira vez em quase 400 anos, um monarca britânico reinante assistiu oficialmente ao solene réquiem de um membro católico da família real na catedral de Westminster, em Londres, sede do arcebispo primaz católico da Inglaterra e Gales. Depois, o féretro foi trasladado em cerimonial de gala para o cemitério real de Frogmore, em Windsor.

 O rei Carlos III,
o Príncipe William e Kate Middleton
saindo da catedral de Westminster

Foi a pomposa despedida de Sua Alteza Real a duquesa Katharine de Kent. A presença oficial do rei Carlos III e de toda a família real foi algo nunca verificado desde a desastrosa Reforma protestante.

O último membro católico da família real foi o rei Carlos II, falecido em 1685, convertido in articulo mortis. Desde a imposição do protestantismo, após a apostasia formal do rei Henrique VIII secundado pelo episcopado, os católicos viveram num regime de perseguição e proibição. Nesse período, numerosos mártires, entre os quais São Tomás Morus, partiram para o Céu.

O iníquo Decreto de Estabelecimento (Act of Settlement), de 1701, interditou a um herdeiro real desposar uma pessoa católica, e não permitia a conversão de um membro da realeza ao catolicismo. A Lei de Sucessão à Coroa de 2013 removeu essas restrições.



A duquesa de Kent — nascida Katharine Lucy Mary Worsley — casou-se com o príncipe Edward, duque de Kent, primo-irmão da rainha Elizabeth II. Ela se converteu à Igreja Católica em 1994, com a aprovação e o apoio permanente da mesma rainha, que havia manifestado inclinação pelo catolicismo.

Admirada pelo seu charme natural e compaixão pelos doentes, a duquesa Kent era muito amada. Sua popularidade era reforçada por seu próprio sofrimento pessoal e natureza modesta. O radialista católico britânico Colin Brazier destacou que “num mundo de ostentação, autopromoção e vaidade, Katharine era uma figura pública de genuína humildade, até mesmo santidade”.

O filho da duquesa, lorde Nicholas Windsor; seu neto, lorde Downpatrick, e sua neta, lady Marina Windsor, também se converteram ao catolicismo. A BBC colheu a seguinte explicação da duquesa: “Eu adoro diretrizes, e a Igreja Católica oferece diretrizes. Sempre quis isso na minha vida. Gosto de saber o que se espera de mim. Gosto que me digam: você deve ir à igreja no domingo, e se não for, está errado!”

A inusitada pompa fúnebre reavivou as esperanças de conversão da Inglaterra, anunciada por Nossa Senhora e muitos santos.

O vidente Maximino ouviu de Nossa Senhora em La Salette que “um grande país no norte da Europa, hoje protestante, se converterá. Pelo apoio desta nação, todos os outros países se converterão”. Interrogado em 5 de agosto de 1853, especificou: “A Inglaterra será o instrumento pelo qual todas as nações do universo se converterão.”

O rei Santo Eduardo, Confessor (1003-1066)l, no leito de morte em seu Palácio Real, confidenciou: “Deus, em sua ira, enviará para o povo inglês espíritos maus, que vão puni-lo [...]. Mas deve retornar à sua raiz original, reflorescer e dar abundantes frutos”.

O venerável Bartolomeu Holzhauser, célebre por seus dons proféticos, disse que “a Inglaterra algum dia voltará à fé católica, prestando então à religião serviços ainda maiores do que depois de sua primeira conversão”.

Por sua vez, São João Maria Vianney dizia: “Estou certo de que a Igreja da Inglaterra recuperará seu antigo esplendor”.

Dom Bosco ouviu de São Domingos Sávio agonizante: “Vi Sua Santidade Pio IX, carregando uma tocha brilhante [...]. Esta tocha, é a religião Católica que está para iluminar a Inglaterra”.

O Beato Pio IX comentou essa visão: “Isto me confirma no propósito de trabalhar energicamente em favor da Inglaterra, pela qual eu já engajo as minhas mais vivas solicitudes.”

São Paulo da Cruz, fundador dos Passionistas: “Já faz 50 anos que estou rezando pela conversão da Inglaterra [...], o dia chegará quando Deus, na sua bondade, a trará de novo para a verdadeira fé”.

Em 1994, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira dedicou à Duquesa Katharine um exemplar de seu livro sobre a Nobreza com as seguintes palavras: “À Sua Alteza a Duquesa de Kent, como homenagem por sua feliz conversão à Santa Igreja Católica, oferece” [segue a assinatura do autor]. Na ocasião, ele havia dito: “A conversão da Duquesa de Kent produziu os efeitos de um raio sadio no ambiente inglês.”

18 de novembro de 2025

O que os Santos dizem sobre pureza, humildade, e controle da língua

Santa Maria Goretti é venerada como símbolo da pureza. Também conhecida como a "doce mártir da pureza" por sua coragem em defender a castidade mesmo ameaçada de morte. Dela, esta é a única foto conhecida, tirada em 1902 [detalhe abaixo].


  Plinio Maria Solimeo

O maior ornamento que uma mulher pode ter é o de uma pureza ilibada, tanto enquanto solteira como casada. Pois o pudor feminino atrai até mesmo o olhar dos anjos. O que se pode aplicar também aos homens.

O conhecidíssimo Santo Cura d’Ars dizia a esse respeito em um sermão: “Uma alma pura é como uma fina pérola. Enquanto está escondida na concha no fundo do mar, ninguém pensa em admira-la. Mas se a trazeis à luz do sol, essa pérola brilhará e atrairá todos os olhares. Assim, a alma pura que está escondida aos olhos do mundo, um dia brilhará diante dos Anjos no brilho da eternidade”. Fazendo outra comparação ele diz: “A alma pura é uma bela rosa, e as Três Pessoas Divinas descem do Céu para inalar sua fragrância”.

Por sua vez São João Bosco, fundador dos Salesianos, acrescenta: “A Santa Pureza, a rainha das virtudes, a angélica virtude, é uma joia tão preciosa que, quem a possui, torna-se como os anjos de Deus no Céu, mesmo revestido da carne mortal”.

Para São Francisco de Sales, o mestre da vida espiritual, também “A castidade é o lírio das virtudes, e torna os homens quase iguais aos Anjos. Tudo se torna belo de acordo com sua pureza. Assim, a pureza do homem [ou da mulher] é castidade, que é chamada honestidade; e sua observância honra e também integridade. O contrário dela é chamado corrupção. Em uma palavra, a castidade tem essa excelência peculiar sobre todas as outras virtudes: preserva tanto a alma quanto o corpo sãos e sem mancha”.

O pudor, tanto no homem quanto na mulher — mas sobretudo nesta —,tem que se refletir em todo seu semblante, em todos seus atos, em toda sua aparência, e principalmente no seu modo de se portar e até de se vestir. O que muitas vezes supõe um grande sacrifício.

Porque, como dizem muitos santos com São Pedro Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos: “Nós temos que ser puros. E não falo meramente da pureza dos sentidos. Temos que observar a pureza em nossa vontade, em nossas intenções, em todas nossas ações”.

O que é corroborado pelo grande Doutor da Igreja e fundador dos Redentoristas, Santo Afonso Maria de Liguori: “Temos que praticar a modéstia não somente em nosso olhar, mas também em todos nossos atos, e particularmente em nossa vestimenta, em nosso caminhar, em nossa conversação e ações similares”.

Essa obrigação de nos vestirmos segundo a modéstia cristã se impõe, como diz São Jerônimo: “Ou falamos como nos vestimos, ou nos vestimos como falamos. [de outro modo, se nos vestimos indecorosamente, por exemplo] A língua fala de castidade, mas todo o corpo revela impureza”.

O fato de nos vestirmos com decoro se torna extremamente penoso nos dias de libertinagem quase total em que vivemos. Pois a moda, essa tirana que quer a todo propósito nos subjugar, está cada vez mais ousadamente caminhando para o nudismo. Basta mencionar as roupas propositadamente rasgadas e os micro-shorts com que andam muitas das mulheres de hoje, independente de idade, não tendo o pejo de ir assim indecorosamente vestidas mesmo à Santa Missa.

         Já Santa Jacinta de Fátima, favorecida por Nossa Senhora com visões proféticas apesar de sua jovem idade — morreu com 11 anos apenas —, alertou que “os pecados que levam mais almas para o inferno são os pecados da carne. Hão de vir umas modas que hão de ofender muito a Nosso Senhor. As pessoas que servem a Deus não devem andar com a moda. A Igreja não tem modas. Nosso Senhor é sempre o mesmo”.

         Ora, citando outra vez Santo Agostinho, “a luxúria consentida se torna hábito, e hábito não resistido se torna necessidade”. Quer dizer, seguir as modas inconscientemente forma um hábito que se torna necessidade. E essa necessidade muitas vezes se torna como uma droga. que pode levar aos piores excessos.

         Por isso aconselha o grande Santo Inácio de Loyola: “Que a tua modéstia seja um incentivo suficiente, sim, uma exortação para que todos fiquem em paz só de olharem para ti”.

         Isso é muito importante. Porque as mulheres que se vestem de modo indecoroso e andam pelas ruas pavoneando-se, são responsáveis por todos os pecados de mau pensamento e de maus desejos que cometem os homens que as veem. E deverão pagar por isso no inferno ou, quando muito, no Purgatório.

         Sobre como ser pura comenta a mesma Santa Jacinta de Fátima: “Ser pura de corpo é guardar a castidade [segundo o estado de vida]. E ser pura de alma é não cometer pecados, não olhar o que não se deve ver, não roubar, não mentir nunca, dizer sempre a verdade ainda que custe”.

         Isso nos leva a outra ordem de considerações. Santa Jacinta diz que ser pura de alma é não cometer pecados. Ora, um dos pecados mais comuns entre as mulheres e que é muito pouco combatido, é a murmuração sobre a vida alheia; enquanto que entre os homens, é o vício das conversas imorais.

 Sobre isso diz o Santo Cura d’Ars: “O homem de fala impura é uma pessoa cujos lábios são apenas uma abertura e um cano que o inferno usa para vomitar suas impurezas sobre a terra.”

         A consequência disso, como afirmou São Clemente de Alexandria — escritor, teólogo e apologista cristão grego que viveu entre os séculos II e III: “Conversa impura faz-nos sentir confortáveis com ações impuras. Mas aquele que sabe controlar a língua está preparado para resistir aos ataques da luxúria”.

         Esse controle da língua exige muito esforço. São Tiago Apostolo, em sua epístola (3, 7) comenta: “Todo gênero de feras é domável e tem sido domado pela força humana. Mas a língua nenhum homem é capaz de domá-la”. “Vede como um pequeno fogo pode incendiar uma floresta! Assim também a língua é fogo, é um mundo de iniquidade”. (3, 5b) E, “Se alguém não peca por palavra, é varão perfeito” (Id 2).

         A necessidade de controlar nossas palavras é muito importante, pois Nosso Senhor Jesus Cristo já nos alertou: “Eu vos digo que de toda palavra ociosa que os homens falarem terão que dar conta no dia do juízo. Pois, por tuas palavras serás justificado, ou por tuas palavras serás condenado” (Mt 12, 36,37).

         O Real Profeta dizia num de seus Salmos: “Quem poderá Senhor, entrar no teu Santuário? [...] aquele que não usa sua língua com maledicência, que nenhum mal faz a seu semelhante, nem lança calúnias ou afrontas contra seu companheiro” (Sl 15, 3).

         Para isso é necessário que se tenha muita humildade, que se seja puro e humilde de coração. Pois, como diz São Francisco de Sales: A humildade é a salvaguarda da castidade. Em matéria de pureza, não há perigo maior do que não temer o perigo. Quanto a mim, quando encontro um homem seguro de si e sem medo, considero-o perdido. Alarmo-me menos com aquele que é tentado e resiste evitando as ocasiões, do que com aquele que não é tentado e não se preocupa em evitar as ocasiões. Quando uma pessoa se coloca numa situação de tentação, dizendo: ‘Não cairei’, é um sinal quase infalível de que cairá, e com grande prejuízo para a sua alma.”

Isso supõe que a pessoa esteja em estado de graça, pois este estado, segundo São Pedro Julião Eymard, nada mais é do que pureza, e concede o céu àqueles que se revestem dela. A santidade, portanto, é simplesmente o estado de graça purificado, iluminado, embelezado pela pureza mais perfeita, isento não só do pecado mortal, mas também das menores faltas; a pureza fará dos homens santos! Tudo reside nisso!

Essa é a graça que devemos pedir Àquela que foi sempre Imaculada e mansa e humilde de coração: que nos dê uma profunda humildade junto a uma exímia pureza de coração, de corpo e de alma.


8 de novembro de 2025

A VIDA TERRENA NÃO É PARA SEMPRE...



Como uma rosa que hoje floresce e amanhã murcha e seca, tudo na Terra é passageiro. Tudo na eternidade é... eterno... Tudo é para sempre! A Justiça Divina premiará com o Céu, em alegrias e felicidades supremas e eternas, ou castigará com os tormentos sem fim do Inferno — pior que prisão perpétua, pois esta um dia termina: quando o condenado morre. O fogo do Inferno nunca se apaga, queima, mas não mata.

✅  Paulo Roberto Campos

Conta-se que um Conde de Meaux, estando muito doente e praticamente desenganado pelos médicos, despediu-se de seus familiares e entrou para um mosteiro beneditino a fim de melhor se preparar para uma boa morte. 

 Certo dia, recebeu a visita de alguns parentes que insistiram com ele para voltar ao mundo, pois em casa recuperaria sua saúde. O conde lhes respondeu:

— Com gosto atenderia o vosso desejo, mas há quatro guardas na porta do mosteiro que não me permitiriam sair. Portanto, não me é possível voltar ao mundo! Eis os nomes dos guardas: Morte, Juízo, Céu e Inferno...

O que acontece imediatamente após a morte?

         As celebrações litúrgicas do início deste mês (dias 1 e 2) nos levam a meditar sobre esses “guardas”: os “Novíssimos do homem” — as últimas coisas que nos acontecerão no final de nossa existência terrena —, a Morte, o Juízo, o Paraíso ou o Inferno.

Os “Novíssimos” (do latim “novíssima”, últimos acontecimentos) trazem-nos à memória o final de nossa vida na Terra com a morte, a qual ninguém sabe quando se dará, mas que poderá ser ainda hoje com um acidente, um infarto, um derrame, ou uma doença qualquer.

Esses “guardas” lembram-nos também o que nos sucede imediatamente após a morte: o justíssimo Juízo de Deus, que julgará todas as nossas boas e más ações e nos destinará eternamente para o Céu ou para o Inferno.

O grande Santo Agostinho, em seu tratado sobre a origem da alma humana, escreveu: “As almas são julgadas ao sair do corpo [no Juízo Particular], sem esperarem aquele dia em que serão julgadas unidas a seus corpos [no Juízo Final], para serem atormentadas ou glorificadas com aquele mesmo corpo em que habitaram sobre a terra”.

Ou seja, para a glória suprema e felicidade eterna com Deus, com a nossa Mãe Santíssima, com os Anjos e santos e com todos os bem-aventurados. Qualquer alegria terrena não é absolutamente nada se comparada com as alegrias celestiais que nunca cessarão, sendo incomparavelmente a maior delas a alegria de ver a Deus. “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (São Mateus 5,8).

Ou para o sofrimento eterno com os demônios, caso a pessoa morra em pecado mortal. A respeito, há numerosas advertências no Velho e no Novo Testamento, como, por exemplo, esta: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25, 41).

Poderão transcorrer bilhões de séculos, e os tormentos infernais estarão apenas começando. Se ao menos os condenados soubessem que, depois desses quase infinitos séculos, um dia terminariam os suplícios demoníacos, seria um colossal alívio. Mas nem isso eles vão ter. Santo Afonso Maria de Ligório disse que os condenados poderão até perguntar aos demônios quando terminarão seus tormentos, e a resposta será: “Nunca! Nunca!” — Quanto tempo vão durar? — “Sempre! Sempre!”

No Apocalipse, São João adverte: “Há de beber [o réprobo] também o vinho da cólera divina, o vinho puro deitado no cálice da sua ira. Será atormentado pelo fogo e pelo enxofre diante dos seus santos anjos e do Cordeiro. A fumaça do seu tormento subirá pelos séculos dos séculos. Não terão descanso algum, dia e noite” (14, 10-11).

Fachada da Catedral de Notre-Dame de Chartres com o alto relevo do Juízo Final


Passagem pelas chamas purificantes

         Incontáveis pessoas se apegam à vida terrena como se esta fosse para sempre — sempre nas alegrias, sempre nos prazeres e glórias mundanas sem fim —, mas há uma outra vida post mortem. Esta, sim, é para sempre. É eterna juntamente com Deus no Paraíso ou com os demônios na Geena de tormentos sem fim.1 “E assim como se recolhe o joio para jogá-lo no fogo, assim será no fim do mundo. O Filho do Homem enviará seus anjos, que retirarão de seu Reino todos os escândalos e todos os que fazem o mal e os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13, 40-42).

A pessoa julgada e destinada ao Céu, antes de sua entrada no Paraíso, poderá passar pelo Purgatório para um período de terríveis padecimentos em suas chamas — que, segundo diversos teólogos, são as mesmas do Inferno, com a diferença de não serem eternas —, a fim de ser purificada dos pecados veniais e imperfeições, pois no Céu nada de impuro entrará. Ainda que a pessoa morra arrependida de seus pecados e perdoada em suas confissões, no Purgatório ela poderá sofrer a pena temporal devida às transgressões aos Mandamentos da Lei Divina e às suas faltas leves que não foram inteiramente reparadas ao longo de sua vida.2

“Peço-lhes que pensem na eternidade!”

      Estamos preparados para, em nosso último dia nesta Terra, comparecermos perante o Divino Juiz a fim de sermos julgados e entrarmos na glória da vida eterna? Quando e como foi nossa última confissão? Estamos sinceramente arrependidos por termos ofendido a Deus? Tivemos um firme propósito de não mais pecar?

Para refletirmos nestas verdades, por nós muitas vezes esquecidas — até mesmo por eclesiásticos que deveriam pregá-las em seus sermões e não o fazem —, publicamos os textos que seguem. Eles poderão auxiliar-nos a estarmos prontos para comparecer diante de Deus no dia do nosso Juízo.

Para isso, não poderíamos terminar sem mencionar o poderosíssimo auxílio da Santíssima Virgem, a Santa Mãe de Deus e Advogada nossa, diante da qual os demônios tremem. Peçamos a Ela que nos preserve do pecado, que poderá levar-nos ao Inferno, e nos conceda uma santa e boa morte, salvando-nos eternamente.

Madre Maria Letícia
 da Virgem Misericordiosa.
Uma religiosa, entusiasta da revista Catolicismo, a Madre Maria Letícia da Virgem Misericordiosa, OSSR. (1900-1974), Superiora do Mosteiro do Coração Doloroso e Imaculado de Maria, numa carta aos seus irmãos, em 27 de dezembro de 1973, escreveu:

“Peço-lhes que pensem na eternidade! Eu que sempre vivi na vida religiosa afirmo-lhes que é um momento único... Dar contas a Deus! Misericórdia, Senhor! Não fosse a confiança, chegaria ao desespero... Uma eternidade! Inferno ou Céu? Preparemos bem e peçamos a Nossa Senhora sua assistência contínua.”



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Notas:

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 899, Novembro/2025

1. Geena (Vale do Hinom, em Jerusalém) é usada como metáfora do Inferno. Na época de Jesus, era um “lixão” fora da cidade onde lixo, animais mortos e corpos de criminosos, consumidos por vermes, eram queimados continuamente.

2. Cfr. A Enciclopédia Católica, https://www.newadvent.org/cathen/