1. Sobre a íntima união entre Cristo e Maria segundo o
beneplácito divino
O Criador de todas as coisas, Deus sapientíssimo e de
imensa bondade, que gozava de plena liberdade para determinar o modo e o meio
pelos quais se realizaria, por Ele mesmo, a libertação do gênero humano, desde
toda a eternidade estabeleceu, por um único e mesmo decreto, a Encarnação da
Sabedoria divina e a predestinação da Bem-Aventurada Virgem, da qual o Verbo
feito carne haveria de nascer, na plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4).
Ora, como as Sagradas Escrituras, de modo explícito ou
implícito, nos apresentam Maria unida a Jesus por um vínculo estreitíssimo e
indissolúvel — desde o anúncio profético (cf. Gn 3,15; Is 7,14; Mt 1,23) e a
concepção virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,26-38) — é plenamente coerente que a
Igreja, assistida pelo Espírito Santo e guiada com segurança para compreender e
perceber com clareza tudo quanto nas fontes sagradas se encontra velado ou
apenas implicitamente contido (cf. Jo 14,26), e preservada do erro (cf. Mt
16,18; 28,18-20; Jo 14,16; 15,20), ao ilustrar os mistérios do divino Redentor,
também traga à luz, de modo mais claro, o mistério da Mãe de Deus.
Esta Mãe amorosa, que “cooperou pela caridade para que
na Igreja nascessem os fiéis”, é não só o membro “supereminente” e
absolutamente singular da Igreja, mas também o seu modelo e, ainda mais, sua
Mãe.
Por isso, o Santo Sínodo, depois de ter tratado do
Corpo Místico de Cristo, permanecendo fiel aos documentos anteriores do
Magistério vivo da Igreja, único intérprete autêntico do depósito revelado,
julga oportuno expor sumariamente o lugar que a Mãe de Deus e dos homens ocupa
na Igreja, os privilégios com que seu Filho a enriqueceu, e os deveres que nos
cabem para com tão sublime criatura — a fim de que o saber e a piedade marianos
floresçam reta e plenamente, e se afastem opiniões preconcebidas sobre este
tema.
2. Sobre o papel
da Bem-Aventurada Virgem Maria na economia da nossa salvação
Como, pois, o Verbo do eterno Pai quis assumir a
natureza humana de uma mulher, para que, assim como por uma mulher veio a
morte, também por uma mulher nos viesse a vida, e para que a libertação fosse
obra de ambos os sexos, Ele não realizou tal desígnio antes que a aceitação
livre da mãe designada, redimida de modo mais sublime em previsão dos méritos
de Cristo, fosse obtida (cf. Lc 1,38); de modo que o Filho de Deus, pela
Encarnação, se tornasse também Filho dela, novo Adão e Salvador do mundo.
Por este consentimento, Maria, filha de Adão,
tornou-se não só mãe de Jesus, único Mediador e Redentor divino, mas também,
com Ele e sob Ele, associou a sua ação à realização da redenção do gênero
humano. Esse consentimento salvífico da Mãe de Deus — e, portanto, sua
cooperação na obra redentora — perdurou desde a concepção virginal de Jesus
Cristo até a sua morte; e brilhou de modo particular quando, junto à cruz, por
desígnio divino, permaneceu de pé (cf. Jo 19,25), compadecendo-se profundamente
com o seu Unigênito, oferecendo-O, com Ele e por Ele, com ânimo magnânimo, como
preço da nossa redenção, e sendo, enfim, pelo mesmo Cristo Jesus moribundo,
dada como mãe ao gênero humano (cf. Jo 19,26-27).
E, como o mistério da redenção humana não se
completaria antes da vinda do Espírito Santo prometido por Cristo no dia de
Pentecostes, contemplamos Maria perseverando em oração com os Apóstolos no
Cenáculo (cf. At 1,14), implorando com suas preces a efusão do Espírito.
Assim, sendo a Bem-Aventurada Virgem predestinada
desde a eternidade para ser Mãe de Deus e dos homens, e tendo sido disposta
pela divina Providência a ser nesta terra a generosa companheira do Cristo sofredor
na aquisição da graça para os homens, é com razão e justiça saudada como
administradora e dispensadora das graças celestes.
Segue-se, pois, que Maria, que cooperou na formação do
Corpo Místico de Cristo e que, assumida ao Céu e constituída Rainha pelo
Senhor, manifesta para com todos os homens um coração maternal, obtém, por meio
de seu Filho, uma primazia sobre todos; e por isso não está, como alguns dizem,
“na periferia”, mas no próprio “centro” da Igreja, sob Cristo.

Virgem da Misericórdia – Jean Miraillet (por volta de
1444). Capela da Misericórdia, da Arquiconfradia dos
Penitentes Negros de Nice
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| Virgem da Misericórdia – Jean Miraillet (por volta de 1444). Capela da Misericórdia, da Arquiconfradia dos Penitentes Negros de Nice |
3. Sobre os títulos com que costuma exprimir-se a
associação da Bem-Aventurada Virgem Maria com Cristo na economia da salvação
Como na cooperação da Mãe de Deus com Cristo — nova
Eva com o novo Adão — na obra da redenção humana, os múltiplos e variados
títulos com que o Magistério da Igreja, a venerável Tradição e o piedoso
sentimento dos fiéis costumam saudar a Bem-Aventurada Virgem se apoiam em
fundamento, raiz e princípio sólidos, seria impiedade afirmar que tais títulos,
no sentido em que a Igreja os entende, são vãos ou contrários às Escrituras.
Assim, não sem motivo a Igreja chama a Bem-Aventurada
Virgem “Medianeira de todas as graças”.
Pois se, ainda nesta terra, o Apóstolo São Paulo se lembrava continuamente dos
fiéis em suas orações e pedia com insistência o auxílio das preces deles,
quanto mais convém e é proveitoso que nos recomendemos às preces e intercessão
da Bem-Aventurada Virgem Maria.
Ela, com efeito, está unida a Deus e a Cristo, Filho
de Deus e seu Filho, mais estreita e intimamente que qualquer outra criatura
pura, de modo que lhe é absolutamente próprio; ama a Deus mais ardentemente do
que qualquer criatura, e por Ele é amada de modo singular; como mãe do Salvador
(cf. Lc 1,31), experimentou, ao ver sua alma transpassada (cf. Lc 2,35) sob a
cruz do Filho moribundo pela salvação de todos (cf. Jo 19,25-27), o amor de
Deus no amor pelos homens em seu ponto mais alto.
Sustentada por tantos e tão grandes títulos, intercede
continuamente por nós diante de Deus e de Cristo com seu amor maternal; e,
porque sua intercessão deriva toda a sua eficácia do sacrifício cruento de seu
bendito Filho, esta mediação de Maria de modo algum faz com que cesse de haver
um só Mediador entre Deus e os homens — o homem Cristo Jesus (cf. 1Tm 2,5) —,
assim como da bondade de Deus não se segue que Ele deixe de ser o único e
absoluto autor de todo bem (cf. Mt 19,17; Rm 2,4).
Embora, entre os mediadores subordinados de que o
sapientíssimo Deus quis servir-se na economia da nossa salvação, não se possa
conceber nenhum que tenha cooperado ou venha a cooperar com tanto poder para
reconciliar os homens com Deus como a Mãe de Deus, é sempre verdade que também
ela depende totalmente de Cristo e lhe está subordinada, tanto na sua
predestinação e santidade quanto em todos os seus dons.
Portanto, sendo esta humilde “Serva do Senhor”, a quem
“o Todo-Poderoso fez grandes coisas” (cf. Lc 1,49), chamada “Medianeira de
todas as graças” por ter sido associada a Cristo na sua aquisição, e invocada
pela Igreja como nossa Advogada e Mãe de misericórdia, pois, unida no Céu ao
Cristo glorioso, intercede por todos, segue-se que, em toda comunicação de
graça aos homens, está presente a caridade maternal da Bem-Aventurada Virgem; e
de modo algum se obscurece nem se diminui a mediação única do nosso Mediador,
segundo o sentido absoluto das palavras do Apóstolo (1Tm 2,5): “Um só é Deus,
um só também o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus”; pelo
contrário, a mediação de Cristo é exaltada e honrada.
Maria, com efeito, é medianeira em Cristo; e sua
mediação não provém de necessidade alguma, mas do beneplácito divino e da
superabundância e eficácia dos méritos de Jesus: ela se apoia na mediação de
Cristo, dela depende inteiramente e dela tira toda a sua força.
Por isso, o Santo Sínodo exorta com empenho os
teólogos e pregadores da Palavra de Deus a que, cultivando diligentemente o
estudo da Sagrada Escritura e dos Santos Padres segundo o sentido do Magistério
da Igreja, procurem colocar na verdadeira luz os ofícios e funções da
Bem-Aventurada Virgem, em conexão com os outros dogmas, sobretudo com os que se
referem a Cristo, que é o centro de toda a verdade, santidade e piedade.
Neste trabalho, guarde-se sempre o que se chama
“analogia”, ou seja, uma semelhança dissemelhante, toda vez que se predica de
Cristo e da Virgem Maria um mesmo nome ou ofício; pois de modo algum a Mãe de
Deus pode ser equiparada a Cristo.
4. Sobre os privilégios singulares da Mãe de Deus e
dos homens
A Virgem Maria, amada de modo inefável por Deus, foi
adornada de privilégios absolutamente singulares: admirável no seu nascimento,
pela Imaculada Conceição; admirável na sua vida, por ter permanecido livre de
toda culpa pessoal e ter sido ao mesmo tempo mãe e sempre virgem, de mente e
corpo; admirável, enfim, no seu trânsito, pois — segundo antiga e venerável
tradição — embora tenha sofrido a morte temporal para se assemelhar mais
plenamente ao seu Filho, não pôde, contudo, ser retida pelos laços da morte,
sendo assunta ao Céu em corpo e alma, gloriosamente.
Tais privilégios singulares e outras graças
provenientes de Cristo Redentor redundam em sua honra, de modo que não podemos
contemplar as excelsas dádivas da Mãe sem admirar e celebrar a divindade, a
bondade, o amor e a onipotência do Filho.
Assim como a injúria feita à mãe atinge o filho,
também a glória da mãe redunda em glória do filho. Portanto, dado que Maria
teve uma união singular com seu Filho, convinha que, em previsão dos méritos do
perfeitíssimo Redentor — autor de toda santidade, que veio ao mundo para
destruir o pecado —, fosse preservada imune de toda mancha do pecado original
desde o primeiro instante de sua concepção, e ornada de graças e dons muito
acima de todos os espíritos angélicos e de todos os santos, para que,
verdadeiramente, como Mãe de Deus, Filha do Pai e Santuário do Espírito Santo,
superasse em dignidade todas as criaturas.
Convinha também plenamente que o Filho, que amou sua
Mãe com particular afeto, e quis que a integridade corporal dela permanecesse
incorrupta e inviolada no próprio parto, para que “permanecendo a glória da
virgindade, derramasse sobre o mundo a luz eterna”, não permitisse que aquele
santíssimo corpo virginal — augusto tabernáculo do Verbo divino, templo de
Deus, todo santo e todo puro — fosse reduzido ao pó.
5. Sobre o culto à Bem-Aventurada Virgem Maria
Como à Bem-Aventurada Virgem compete uma excelência singular,
sendo saudada pelo Arcanjo mensageiro de Deus como “cheia de graça” (Lc 1,28) e
por Isabel, cheia do Espírito Santo, como “bendita entre as mulheres” (cf. Lc
1,42), nada admira que, como ela mesma profetizou — “todas as gerações me
chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48) —, seja proclamada, venerada, amada e
invocada como “bem-aventurada” por todos os povos e em todos os ritos, com
louvores que, através dos séculos, crescem continuamente; sendo proposta como
exemplo para imitação.
E está muito longe de ser verdade que esse culto
singular prestado a Maria diminua o culto divino de latria — a adoração devida
ao Verbo encarnado, assim como ao Pai e ao Espírito Santo; pelo contrário,
muito o favorece.
As várias formas de piedade mariana aprovadas pela
Igreja — dentro dos limites da sã e ortodoxa doutrina, segundo as condições dos
tempos, lugares e índole dos fiéis — têm por fim que, ao se honrar a Mãe, o
Filho, em quem aprouve ao Pai que habitasse toda a plenitude (cf. Cl 1,19),
seja conhecido, amado, glorificado, e que seus mandamentos sejam observados; e
assim, por Cristo, que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), os homens
sejam conduzidos ao pleno conhecimento e adoração do único e trino Deus.
Esta doutrina sã e católica o Santo Sínodo ensina
deliberada e firmemente, advertindo ao mesmo tempo os Bispos que zelem
diligentemente para que teólogos e pregadores da Palavra divina evitem tanto
toda falsa exaltação quanto excessiva estreiteza de mente ao considerarem a
dignidade singular da Mãe de Deus.
Lembrem-se também os fiéis de ambos os sexos de que a
verdadeira devoção não consiste em um sentimento passageiro, e rejeitem toda vã
credulidade; antes, mantenham firmemente que a devoção procede da verdadeira
fé, pela qual somos levados à imitação das virtudes da Bem-Aventurada Virgem,
que foi “a serva do Senhor” (Lc 1,38), humildíssima e obedientíssima, que
guardou fielmente, “meditando em seu coração” (Lc 2,19), tudo o que dizia
respeito ao Verbo encarnado (cf. Lc 2,51), e foi proclamada bem-aventurada “porque
acreditou” (cf. Lc 1,45).
De nada teria aproveitado a Maria a proximidade física
com Cristo, “se não o tivesse trazido mais felizmente no coração do que no
seio”.
Com a devida honra e reverência com que os irmãos
separados — especialmente os Orientais, movidos por um impulso fervoroso de
venerar de modo peculiar a Mãe de Deus — tratam a Mãe do Senhor e Salvador
nosso, alegra-se e consola-se grandemente o Santo Sínodo.
Por isso, é manifesto que se atribui injusta e
falsamente à Igreja católica o culto à Mãe de Deus, como se daí se subtraísse
algo da adoração devida somente a Deus e a Jesus Cristo.

As Bodas de Caná – Gerard David (1460-1523). Museu do Louvre, Paris
6. Maria Santíssima, protetora da unidade cristã
Maria, Mãe e Virgem Santíssima que no Calvário teve
confiada ao seu coração materno toda a humanidade, deseja ardentemente que não
só aqueles que receberam um só batismo e são conduzidos por um só Espírito, mas
também os que ainda ignoram ter sido redimidos por Cristo Jesus, estejam
unidos, tanto com o divino Salvador quanto entre si, pela mesma fé e caridade.
Por isso, o Santo Sínodo confia e espera firmemente
que esta Mãe de Deus e dos homens — que intercedeu (cf. Jo 2,3) para que o
Verbo encarnado realizasse em Caná da Galileia o seu primeiro sinal, pelo qual
seus discípulos creram nele (cf. Jo 2,11), e que esteve presente ao lado da
Igreja nascente — obtenha de Deus, com seu patrocínio, que finalmente todos se
reúnam num só rebanho sob um só Pastor (cf. Jo 10,16).
Exorta, pois, a todos os fiéis de Cristo que dirijam
insistentes preces e súplicas a esta Protetora da unidade e Auxiliadora dos
cristãos, para que, por sua intercessão, seu divino Filho reúna todas as
famílias das nações — e especialmente aqueles que se gloriam do nome cristão —
num só povo de Deus, que reconheça com amor, como comum Pastor, o Vigário de
Cristo na terra, Sucessor do bem-aventurado Pedro, aquele que, no Concílio de
Éfeso — onde foi solenemente definido o dogma da maternidade divina —, os
Padres, com aplauso unânime, justamente saudaram como “Guarda da fé”.
