6 de novembro de 2015

COMUNICADO: Adesão do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira à sólida e corajosa Declaração de Dom Athanasius Schneider sobre o Sínodo


Dom Athanasius Schneider emitiu sobre o relatório final do Sínodo dos Bispos uma oportuna declaração na qual tece, com base em sólidos argumentos, comentários sobre os números 84 a 86 do Relatório. Tais considerações, amparadas na perene doutrina católica, as quais o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira assume, lançam um vigoroso alerta contra o conteúdo desse Relatório. A XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos realizada de 4 a 25 de outubro último, dedicada ao tema “A vocação e a missão da família, na Igreja e no mundo contemporâneo” apresentou um Relatório Final com algumas propostas pastorais submetidas ao Papa Francisco. 


O documento é apenas de natureza consultiva, não possuindo um caráter magisterial formal.

Dom Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Astana (Cazaquistão) emitiu sobre esse documento uma oportuna declaração para o site “Rorate Coeli”, sob o título “O Relatório Final do Sínodo abre a porta dos fundos a uma prática neomosaica” na qual tece, com base em sólidos argumentos, comentários sobre os números 84 a 86 do referido Relatório.

Tais considerações, amparadas na perene doutrina católica, as quais o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira assume, lançam um vigoroso alerta contra o conteúdo desse Relatório:

• Tal conteúdo cede à pressão ideológica da cultura dominante que visa extinguir a indissolubilidade do casamento pela difusão da anticultura do divórcio e concubinato;

• Omite qualquer repreensão aos divorciados recasados no civil, que vivem more uxorio, pelo seu estado de vida gravemente pecaminoso, e os isentam do pecado de adultério, mediante argumentos que tendem a diminuir sua responsabilidade subjetiva; 

• Induz, portanto, pessoas que vivem em situações irregulares a permanecer em tais uniões e a profanar o Sacramento do Matrimônio; 

• Escandaliza os fiéis e a sociedade como um todo pela sugestão de admitir pessoas que violam publicamente o sexto Mandamento, às funções de leitor na missa, catequista, padrinho ou membro do conselho paroquial;

• Pela sua ambiguidade abre a porta dos fundos para a admissão à Sagrada Comunhão dos divorciados recasados civilmente, o que acarretará a profanação do maior dos sacramentos, a Sagrada Eucaristia;

• Inaugura uma cacofonia, uma confusão magisterial e pastoral, em contradição com ensinamentos e práticas perenes e bimilenárias da Igreja Católica. 


*      *       *

Como acertadamente afirma o zeloso bispo auxiliar de Astana, os promotores dessas alterações — neo fariseus — da doutrina sempiterna da Igreja são os adeptos da chamada “agenda Kasper”, que como seus precursores do tempo de Jesus Cristo, valem-se de formulações ambíguas para introduzir novas tradições contra os Mandamentos de Deus. 

O Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, embora dirigido e composto por católicos leigos, não costuma tomar posição em questões estritamente teológicas, litúrgicas e canônicas, como admissão de divorciados recasados à Sagrada Eucaristia.

Contudo, o que está em jogo nesse conflito teológico-canônico é a permanência da Igreja Católica como baluarte do casamento indissolúvel e da família. Caso a Igreja admitisse o divórcio, o que é estritamente impossível pela promessa de seu divino Fundador, disso adviriam as maiores catástrofes para a própria ordem temporal. 

Assim sendo, e coerente com os princípios que o tem norteado em defesa da instituição da família, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira invoca a proteção da Ssma. Virgem, a qual a Sagrada Escritura compara a um exército em ordem batalha — “ut castrorum Acies Ordinata” — para sustar esta investida contra a instituição cujo modelo é a Sagrada Família. E une-se toto corde à categórica afirmação de resistência de Dom Athanasius Schneider àqueles que hoje intentam adulterar o depósito da fé e da moral evangélica: 

“Non possumus! Não aceitarei um ensinamento ofuscado nem uma abertura habilmente disfarçada da porta dos fundos para que por ela passe uma profanação dos Sacramentos do Matrimônio e da Eucaristia. Da mesma forma, não aceitarei uma paródia do Sexto Mandamento de Deus. Prefiro ser ridicularizado e perseguido a ter que aceitar textos ambíguos e métodos insinceros. Prefiro a cristalina ‘imagem de Cristo, a Verdade, ao invés da imagem da raposa [suplantada no mosaico e] ornamentada com pedras preciosas’ (Santo Irineu), porque ‘Sei em quem pus minha confiança’, ‘ Scio, Cui credidi!’ (2 Tim 1: 12 )”. 


Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

5 de novembro de 2015


Segue a íntegra da declaração: 


O Relatório Final do Sínodo abre a porta dos fundos a uma prática neomosaica 


Dom Athanasius Schneider 

“Rorate Coeli”, 3-11-2015 

A XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos (4 a 25 de outubro de 2015), a qual foi dedicada ao tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, emitiu um Relatório Final com algumas propostas pastorais submetidas ao discernimento do Papa. O documento em si é apenas de natureza consultiva e não possui um valor magisterial formal. 

Entretanto, durante o Sínodo apareceram os verdadeiros novos fariseus e discípulos de Moisés, que nos números 84 a 86 do Relatório Final montaram uma bomba-relógio pela abertura da porta dos fundos para a admissão de divorciados recasados à Sagrada Comunhão. Ao mesmo tempo, aqueles bispos que defenderam intrepidamente “a Igreja [que] professa a própria fidelidade a Cristo e à sua verdade” (Papa João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio, 84) foram injustamente rotulados de fariseus por algumas notas da imprensa.

Durante as duas últimas Assembleias do Sínodo (2014 e 2015), os novos fariseus discípulos de Moisés mascararam a sua negação prática e “caso-por-caso” da indissolubilidade do casamento e do Sexto Mandamento sob o pretexto do conceito da misericórdia, utilizando expressões como “caminho de discernimento”, “acompanhamento”, “orientações do bispo”, “diálogo com o padre”, “foro interno”, “uma integração mais plena na vida da Igreja” e a eventual supressão da imputabilidade quanto à coabitação nas uniões irregulares (cf. Relatório Final, números 84-86). 

Essa parte do Relatório Final contém de fato vestígios de uma prática neomosaica do divórcio, embora os redatores tenham hábil e solertemente evitado qualquer mudança direta da doutrina da Igreja. Portanto, todas os setores, tanto os promotores da assim chamada “agenda Kasper” quanto seus adversários, parecem satisfeitos, afirmando: “Tudo está okay. O Sínodo não mudou a doutrina”. No entanto, tal percepção é muito ingênua, porque ignora a abertura da porta dos fundos e a bomba-relógio montada na referida secção do documento, que ficam patentes pelo exame cuidadoso do texto segundo seus critérios interpretativos internos. 

É verdade que ao falar de um “caminho de discernimento”, o documento faz uma referência ao “arrependimento” (Relatório Final, nº 85). Permanece, contudo, uma enorme ambiguidade. Com efeito, de acordo com as reiteradas afirmações do cardeal Kasper e clérigos afins, tal arrependimento dos divorciados recasados diz respeito aos pecados passados contra o cônjuge do primeiro casamento válido e podem, de fato, não incluir os atos pecaminosos de coabitação conjugal com o novo parceiro civil. 

A prescrição dos números 85 e 86 do Relatório Final de que tal discernimento deve ser feito de acordo com o ensinamento da Igreja e segundo um julgamento reto, permanece, porém, ambígua. De fato, o cardeal Kasper e os clérigos que pensam como ele, enfática e repetidamente garantem que a admissão à Sagrada Comunhão dos divorciados recasados civilmente respeita o dogma da indissolubilidade e da sacramentalidade do casamento, mas afirmam contraditoriamente que, no caso deles, um exame de consciência deve ser considerado correto mesmo quando os divorciados recasados continuam a coabitar maritalmente, e que não se lhes pode exigir de viver em completa continência como irmão e irmã. 

Ao citar o conhecido número 84 da Exortação Apostólica Familiaris Consortio do Papa João Paulo II, os redatores censuraram o texto no número 85 do seu Relatório Final, cortando a seguinte formulação decisiva: “A reconciliação pelo sacramento da penitência — a que abriria o caminho ao sacramento eucarístico — pode ser concedida só àqueles que … assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cônjuges”. 

Esta prática da Igreja baseia-se na Revelação divina da Palavra de Deus, tanto aquela contida nas Sagradas Escrituras quanto a transmitida através Tradição. Esta prática da Igreja é, de fato, uma expressão da Tradição ininterrupta desde os Apóstolos, permanecendo, portanto, imutável para todo e sempre. Já Santo Agostinho afirmava: “Quem repudia sua esposa adúltera e se casa com outra mulher enquanto sua primeira esposa ainda vive, permanece perpetuamente em estado de adultério. A penitência de tal homem não será eficaz enquanto ele se recusar a abandonar a nova esposa. Se ele for um catecúmeno, não poderá ser admitido ao batismo, porque a sua vontade continua enraizada no mal. Se ele for um penitente (batizado), não poderá receber a reconciliação (eclesiástica) enquanto não mudar seu mau comportamento” (De adulteriis coniugiis, 2, 16). Numa sã hermenêutica, a censura propositada do ensino da Familaris Consortio nº 85 do Relatório Final, acima mencionada, representa, na realidade, a chave interpretativa para a correta compreensão da secção do texto sobre os divorciados recasados (números 84-86). 

Em nossos dias há uma pressão ideológica permanente e onipresente, exercida por meios de comunicação coniventes com o “pensamento único” imposto pelos poderes mundiais anticristãos com o objetivo de abolir a verdade sobre a indissolubilidade do casamento, banalizando o sagrado caráter desta instituição divina pela disseminação de uma anti-cultura do divórcio e do concubinato. Já 50 anos atrás, o Concílio Vaticano II declarou que os tempos modernos estão infectados com a praga do divórcio (cf. Gaudium et Spes, 47). O mesmo Concílio adverte que o casamento indissolúvel, “sancionado pelo sacramento de Cristo … exclui, por isso, toda e qualquer espécie de adultério e divórcio” (Gaudium et Spes, 49). 

A profanação do “grande sacramento” (Ef 5, 32) do matrimônio pelo adultério e pelo divórcio assumiu proporções gigantescas num ritmo alarmante, não apenas na sociedade civil, mas também entre os católicos. Quando por meio do divórcio e do adultério, tais católicos repudiam teoricamente e na prática a vontade de Deus expressa no Sexto Mandamento, eles se colocam espiritualmente em sério perigo de perder a sua salvação eterna. 

O ato mais misericordioso dos Pastores da Igreja seria o de chamar-lhes a atenção para esse perigo através de uma clara — e ao mesmo tempo afetuosa — advertência sobre a necessidade de uma completa aceitação do Sexto Mandamento de Deus. Eles devem chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, admoestando: “divórcio é divórcio”, “adultério é adultério”, e “quem comete livre e conscientemente pecados graves contra os Mandamentos de Deus — e, neste caso, contra o sexto mandamento — e morre sem se arrepender, receberá a condenação eterna, sendo excluído para sempre do reino de Deus”.

Tal advertência e exortação é obra do próprio Espírito Santo, como Cristo ensinou: “Ele convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo” (João 16: 8). Explicando o trabalho do Espírito Santo em “convencer sobre o pecado”, disse o Papa João Paulo II: “Todos os pecados que se cometeram, em qualquer lugar e em qualquer momento, são referidos à Cruz de Cristo, incluindo indiretamente, portanto, também o pecado dos que ‘não acreditaram n’Ele’, condenando o mesmo Jesus Cristo à morte de Cruz” (Encíclica Dominum et vivificantem, 29). Aqueles que levam uma vida conjugal com um parceiro que não é o seu cônjuge legítimo — como é o caso dos divorciados civilmente recasados — rejeitam a vontade de Deus. Convencer essas pessoas a respeito desse pecado é um trabalho inspirado pelo Espírito Santo e ordenado por Jesus Cristo e, portanto, uma obra eminentemente pastoral e misericordiosa. 

O Relatório Final do Sínodo infelizmente se omite em convencer os divorciados recasados acerca de seu pecado concreto. Pelo contrário, sob o pretexto de misericórdia e de uma falsa pastoralidade, os padres sinodais que votaram a favor das formulações nos números 84-86 do Relatório tentaram acobertar o danoso estado espiritual dos divorciados recasados. 

De fato, eles lhes dizem que seu pecado de adultério não é pecado porque de jeito nenhum é adultério, ou pelo menos não é um pecado grave, e que não correm nenhum perigo espiritual no seu estado de vida. O comportamento desses pastores é diretamente contrário à obra do Espírito Santo, sendo, portanto, antipastoral e obra de falsos profetas, aos quais se poderiam aplicar as seguintes palavras da Sagrada Escritura: “Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce!” (Is 5:20) e: “Os teus profetas tinham visões apenas extravagantes e balofas. Não manifestaram tua malícia, o que teria poupado teu exílio. Os oráculos que te davam eram apenas mentiras e enganos.” (Lam 2: 14). Para tais bispos, o apóstolo Paulo diria hoje sem dúvida estas palavras: “Esses tais são falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo” (2 Coríntios 11:13). 

O texto do Relatório Final do Sínodo não somente se omite em convencer sem ambiguidade os divorciados civilmente recasados sobre o caráter adúltero e, portanto, gravemente pecaminoso de seu estilo de vida; ele justifica indiretamente tal estilo de vida ao confinar a questão no campo da consciência individual através de uma aplicação inadequada do princípio moral da atenuação da imputabilidade ao caso da coabitação dos divorciados recasados. Na verdade, é inadequado e enganoso aplicar o princípio da redução da imputabilidade a uma vida estável, permanente e pública de adultério.

A diminuição da responsabilidade subjetiva dá-se apenas no caso em que os parceiros têm a firme intenção de viver em plena continência e fazem sinceros esforços nesse sentido. Enquanto os parceiros persistirem voluntariamente em continuar uma vida de pecado, não pode haver suspensão de imputabilidade. O Relatório Final dá a impressão de pleitear que um estilo de vida pública em adultério — como é o caso dos recasados civilmente — não estaria violando o vínculo sacramental indissolúvel do primeiro casamento, ou que isso não representa um pecado mortal ou grave, e que esse problema é, além disso, uma questão de consciência privada. Pode-se assim constatar uma deriva crescente rumo ao princípio protestante do livre exame subjetivo sobre questões de fé e de disciplina, bem como uma proximidade intelectual com a teoria errônea da “opção fundamental”, já condenada pelo Magistério (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis Splendor, 65-70). 

Os Pastores da Igreja não deveriam de nenhum modo promover entre os fiéis a cultura do divórcio. Até o menor indício de concessão à prática ou à cultura do divórcio deveria ser evitado. A Igreja como um todo deveria dar um testemunho convincente e forte a respeito da indissolubilidade do casamento. O Papa João Paulo II disse que o divórcio é “uma praga que vai, juntamente com as outras, afetando sempre mais largamente mesmo os ambientes católicos” e que “o problema deve ser enfrentado com urgência inadiável” (Familiaris Consortio, 84).

A Igreja deve ajudar os divorciados recasados com amor e paciência a reconhecerem a sua própria condição de pecadores e a se converterem de todo coração a Deus e à obediência a Sua santa vontade, expressa no Sexto Mandamento. Enquanto continuarem dando um contra-testemunho público da indissolubilidade do matrimônio e contribuindo para uma cultura do divórcio, os divorciados recasados não podem exercer na Igreja ministérios litúrgicos, catequéticos e institucionais, os quais exigem, por sua própria natureza, uma vida pública de acordo com os Mandamentos de Deus. 

É óbvio que os infratores públicos — por exemplo, do Quinto e do Sétimo Mandamentos, como são, respectivamente, os proprietários de uma clínica de aborto e os cúmplices numa rede de corrupção do erário público —, não só não podem receber a Sagrada Comunhão, como não podem evidentemente ser admitidos em ofícios públicos de caráter litúrgico e catequético. De modo análogo, os violadores públicos do Sexto Mandamento, como são os divorciados recasados, não podem ser admitidos no ofício de leitores, padrinhos ou catequistas. É preciso naturalmente distinguir a gravidade do mal causado pelo estilo de vida dos promotores públicos do aborto e da corrupção financeira, daquele causado pela vida adúltera das pessoas divorciadas. Não se pode colocá-los num mesmo saco. A promoção da admissão de divorciados recasados às funções de padrinhos e catequistas não visa, na realidade, ao verdadeiro bem espiritual das crianças, mas se trata de uma instrumentalização de tais tarefas para uma agenda ideológica específica. Isto é uma desonestidade e uma paródia da instituição dos padrinhos e dos catequistas, que assumem por meio de uma promessa pública o encargo de educadores da fé. 

No caso de padrinhos ou catequistas divorciados recasados, suas vidas contradizem continuamente as suas palavras, e por isso eles devem enfrentar a admoestação do Espírito Santo através da boca do Apóstolo São Tiago: “Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes; isto equivaleria a vos enganardes a vós mesmos” (Tiago 1: 22). Infelizmente, no nº 84, o Relatório Final pleiteia a admissão dos divorciados recasados a ofícios litúrgicos, pastorais e educacionais. Essa proposta representa um apoio indireto à cultura do divórcio e uma negação prática do ensinamento de que se trata de um estilo de vida objetivamente pecaminoso. O Papa João Paulo II, pelo contrário, indicou apenas as seguintes possibilidades de participação na vida da Igreja, as quais, por sua vez, visam a uma verdadeira conversão: “Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus” (Familiaris Consortio, 84).

Deveria permanecer uma área salutar de exclusão (não admissão aos Sacramentos e aos ofícios litúrgicos e catequéticos públicos), a fim de lembrar aos divorciados que seu estado espiritual é realmente grave e perigoso e, ao mesmo tempo, promover em suas almas uma atitude de humildade, obediência e anelo de autêntica conversão. Humildade significa coragem para aceitar a verdade, e somente aqueles que se submetem humildemente a Deus receberão as Suas graças.

Os fiéis que ainda não têm a predisposição e a vontade de interromper a sua vida adúltera devem ser ajudados espiritualmente. Seu estado espiritual assemelha-se a uma espécie de “catecumenato” com vistas ao sacramento da Penitência. Eles somente podem receber o sacramento da Penitência, que foi chamado na Tradição da Igreja de “segundo batismo” ou “segunda penitência”, caso romperem sinceramente com o hábito da coabitação adúltera e evitarem o escândalo público, de maneira análoga ao que fazem os catecúmenos, candidatos ao batismo. O Relatório Final se omite ao não pedir aos divorciados recasados que reconheçam humildemente seu estado objetivamente pecaminoso, porque omite incentivá-los a aceitar com espírito de fé sua exclusão dos sacramentos e dos ofícios litúrgicos e catequéticos públicos. Sem um tal reconhecimento realista e humilde de seu verdadeiro estado espiritual, não há nenhum progresso efetivo rumo à autêntica conversão cristã, que no caso dos divorciados recasados consiste em uma vida de continência completa, deixando de pecar contra a santidade do sacramento do matrimônio e de desobedecer publicamente o Sexto Mandamento de Deus. 

Os Pastores da Igreja, e especialmente os textos públicos de seu Magistério, devem falar da forma mais clara possível, uma vez que esta é a característica essencial da tarefa do ensino oficial. Cristo exigiu de todos os Seus discípulos que falassem de uma forma extremamente clara: “Dizei somente: Sim, se é sim; não, se é não. Tudo o que passa além disto vem do Maligno” (Mat. 5: 37). Isto é ainda mais válido quando os Pastores da Igreja pregam ou quando o Magistério fala em um documento. O Relatório Final, na sua seção relativa aos números 84-86, representa infelizmente uma transgressão grave dessa ordem divina. Com efeito, nas citadas passagens, ele não advoga diretamente em favor da legitimidade da admissão do divorciado recasado à Sagrada Comunhão, e até mesmo evita a expressão “Sagrada Comunhão” ou “Sacramentos”. Em vez disso, através de táticas de ofuscação, usa expressões ambíguas como “uma participação mais plena na vida da Igreja” e “discernimento e integração”. 

Por meio dessas táticas de ofuscação, o Relatório Final coloca de fato bombas-relógio e abre a porta dos fundos para a admissão dos divorciados recasados à Sagrada Comunhão, promovendo com isso uma profanação de dois grandes sacramentos, o do Matrimônio e o da Eucaristia, e contribuindo, pelo menos indiretamente, com a cultura do divórcio — através da difusão da “praga do divórcio” (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 47). Ao ler cuidadosamente o texto ambíguo da seção “Discernimento e integração” do Relatório Final, tem-se a impressão de uma ambiguidade sofisticada e habilidosa. Ele nos faz lembrar as seguintes palavras de Santo Irineu em seu Adversus haereses: “Quem mantém inalterável em seu coração a regra da verdade que recebeu por meio do batismo, reconhece sem hesitação os nomes, as expressões e as parábolas extraídas das Escrituras, mas de modo algum reconhece o uso blasfemo que estes homens fazem deles. Pois, embora ele reconheça as pedras [do mosaico que foi adulterado], certamente não considerará a raposa [que foi colocada no lugar] como representando a verdadeira imagem do rei. Mas, uma vez que faltaria uma última pincelada a esta exposição para que qualquer um possa discernir a farsa dos hereges até o fim, acresce-se imediatamente mais um argumento que deve derrubá-la; e por isso julgo oportuno ressaltar, em primeiro lugar, a respeito dos próprios pais dessa fábula, que eles diferem entre si, como se fossem inspirados por diferentes espíritos do erro. Este simples fato constitui uma prova inicial de que a verdade anunciada pela Igreja é imutável e que as teorias desses homens não são senão um tecido de falsidades” (I, 9, 4-5). 

O Relatório Final parece deixar às autoridades locais da Igreja a solução da questão da admissão dos divorciados recasados à Sagrada Comunhão: “acompanhamento dos sacerdotes” e “orientações do bispo”. Tal questão, no entanto, está ligada essencialmente ao depósito da fé, ou seja, à palavra revelada de Deus. A não admissão de divorciados que estão vivendo em estado de adultério público pertence à verdade imutável da lei da fé católica, e também, consequentemente, à lei da prática litúrgica católica. 

O Relatório Final parece inaugurar uma cacofonia doutrinária e disciplinar na Igreja Católica, o que contradiz a própria essência de ser católico. Devemos nos lembrar das palavras de Santo Irineu sobre a configuração autêntica da Igreja Católica em todos os momentos e em todos os lugares: 

“Tendo recebido essa pregação e essa fé, a Igreja, mesmo que espalhada por todo o mundo, as preserva com cuidado, como se habitasse uma só morada. Ela crê nelas de maneira idêntica, como se tivesse uma só alma e um só coração, e as proclama, ensina e transmite com voz unânime, como se ela possuísse apenas uma boca. Pois, embora as línguas do mundo sejam diferentes, o conteúdo da Tradição é um e idêntico a si mesmo. Porque as Igrejas que foram plantadas na Alemanha não acreditam ou ensinam nada de diferente, nem aquelas na Espanha, nem aquelas na Gália, nem aquelas no Oriente, nem aquelas no Egito, nem aquelas na Líbia, nem as que foram estabelecidas nas regiões centrais do mundo (Itália). Mas assim como o sol, aquela criatura de Deus, é um só e o mesmo em todo o mundo, assim também a pregação da verdade brilha em todos os lugares e ilumina todos os homens que ‘queiram chegar ao conhecimento da verdade’. Tampouco qualquer um dos chefes das Igrejas, por mais talentoso que seja em eloquência, dirá algo diferente — porque ninguém é maior do que o Mestre —, nem aquele que é parco em palavras diminuirá esta Tradição. Porque sendo a fé sempre uma e a mesma, nem aquele que é capaz de discorrer longamente a respeito dela possui mais, nem aquele que pode dizer apenas pouco possui menos” (Adversus haereses, I, 10, 2). 

Na sessão sobre os divorciados recasados, o Relatório Final evita cuidadosamente professar o princípio imutável de toda a tradição católica, segundo o qual aqueles que vivem em uma união civil inválida somente podem ser admitidos à Sagrada Comunhão sob a condição de prometerem viver em plena continência e de evitarem escândalo público. João Paulo II e Bento XVI confirmaram rijamente esse princípio católico. A renúncia deliberada a mencionar e reafirmar esse princípio no texto do Relatório Final pode ser comparada com a abstenção sistemática da expressão “homoousios” [consubstancial] da parte dos adversários do dogma do Concílio de Niceia, no século IV — os arianos formais e os chamados semi-arianos, que inventaram continuamente outras expressões para não confessarem diretamente a consubstancialidade do Filho de Deus com Deus Pai. No século IV, tal omissão de uma aberta confissão católica por parte da maioria do episcopado causou uma atividade eclesiástica febril, com reuniões sinodais contínuas e uma proliferação de novas fórmulas doutrinárias, que tinham como comum denominador evitar a clareza terminológica, ou seja, a expressão “homoousios”. Analogamente, em nossos dias, os dois últimos Sínodos sobre a família evitaram nomear e confessar claramente o princípio de toda a Tradição católica, segundo o qual aqueles que vivem em uma união civil inválida somente podem ser admitidos à Sagrada Comunhão sob a condição de prometerem viver em completa continência e de evitarem escândalo público. 

A ambiguidade do Relatório é comprovada também pela reação inequívoca e imediata dos meios laicistas de comunicação e dos principais defensores da nova prática não católica de admitir à Sagrada Comunhão os divorciados recasados que levam uma vida de adultério público. O cardeal Kasper, o cardeal Nichols e o arcebispo Forte, por exemplo, afirmaram publicamente que, de acordo com o Relatório Final, pode-se supor que de algum modo uma porta foi aberta à comunhão para os divorciados recasados. Existe também um número considerável de bispos, sacerdotes e leigos que se alegram por causa da chamada “porta aberta” que encontraram no Relatório Final. Em vez de orientar os fiéis com um ensinamento claro e cabalmente inequívoco, o Relatório Final causou uma situação de obscurecimento, confusão, subjetivismo (o juízo da consciência do divorciado e o foro interno) e um particularismo doutrinário e disciplinar não católico em uma matéria essencialmente ligada ao depósito da fé transmitida pelos Apóstolos.

Aqueles que em nossos dias defendem corajosamente a santidade dos sacramentos da Eucaristia são rotulados de fariseus. No entanto, uma vez que o princípio lógico da não-contradição continua válido e o bom senso ainda funciona, é o contrário que é verdadeiro.

Os ocultadores da verdade divina no Relatório Final são os que mais se parecem com os fariseus. Porque, a fim de conciliar uma vida de adúltero com a recepção da Sagrada Comunhão, eles inventaram habilmente novas regras, uma nova lei de “discernimento e integração”, introduzindo novas tradições humanas contra o cristalino mandamento de Deus. Aos promotores da chamada “agenda Kasper” dirigem-se estas palavras do Verbo Encarnado: “Anulaste a palavra de Deus por vossa tradição que vós vos transmitistes” (Marcos 7: 13). Os que durante 2.000 anos falaram incansavelmente e com toda clareza sobre a imutabilidade da verdade divina, muitas vezes à custa de sua própria vida, também seriam rotulados em nossos dias de fariseus; assim foi com São João Batista, São Paulo, Santo Irineu, Santo Atanásio, São Basílio, São Thomas More, São João Fisher, São Pio X, só para citar os exemplos mais brilhantes.

Na percepção dos fiéis e da opinião pública secular, o resultado real do Sínodo foi de que ele focalizou apenas a questão da admissão dos divorciados à Sagrada Comunhão. Em certo sentido, pode-se afirmar que o Sínodo acabou sendo, aos olhos da opinião pública, um Sínodo do adultério, e não o Sínodo da família. Com efeito, todas as belas afirmações do Relatório Final sobre o casamento e a família foram eclipsadas pelas afirmações ambíguas na seção do texto sobre os divorciados recasados, uma questão que já tinha sido resolvida e reafirmada pelo Magistério dos últimos Pontífices Romanos na fidelidade ao ensino e à prática bimilenar da Igreja. É, portanto, um verdadeiro infortúnio que bispos católicos, sucessores dos Apóstolos, tenham utilizado duas assembleias sinodais para atentar contra uma prática constante e imutável da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento, ou seja, a não admissão aos Sacramentos dos divorciados que vivem em uma união adúltera. 

Em sua carta ao Papa Dâmaso, São Basílio traçou um panorama realista da confusão doutrinária causada pelos clérigos que, em sua época, buscavam um compromisso oco e uma adaptação ao espírito do mundo: “As tradições são aviltadas; os dispositivos dos inovadores estão em voga nas Igrejas; agora os homens são antes inovadores de sistemas astutos que teólogos; a sabedoria deste mundo ganha os maiores prêmios e rejeitou a glória da cruz. Os anciãos lamentam-se quando comparam o presente com o passado. Os mais jovens devem ser ainda mais dignos de compaixão, pois nem sabem do que foram privados” (Ep. 90, 2). 

Em uma carta ao Papa Dâmaso e aos Bispos ocidentais, São Basílio descreve da seguinte forma a situação confusa no interior da Igreja: “As leis da Igreja estão em total confusão. A ambição dos homens, que não têm medo de Deus, corre em busca de altos postos, e funções de destaque agora são conhecidas publicamente como recompensa da impiedade. O resultado é que, quanto mais um homem blasfema, pensa-se que ele é o mais adequado para ser bispo. A dignidade clerical é coisa do passado. Não há conhecimento preciso dos cânones. Existe uma imunidade completa em matéria de pecado; porque quando os homens foram colocados em cargos pelo favor dos homens, eles são obrigados a devolver o favor demostrando continuamente indulgência para com os infratores. Julgamento justo é coisa do passado; e todo mundo anda de acordo com o desejo de seu coração. Homens constituídos em autoridade têm medo de falar, porque aqueles que alcançaram o poder por interesse humano são escravos daqueles a quem devem o seu progresso. E agora a própria defesa da ortodoxia é encarada por alguns como uma oportunidade para o ataque mútuo; e os homens dissimulam a sua má vontade privada e fingem que sua hostilidade é toda por causa da verdade. Os incrédulos riem durante todo o tempo; os homens de pouca fé ficam abalados; a fé é incerta; as almas estão encharcadas de ignorância, porque os falsificadores da palavra imitam a verdade. Os melhores entre os leigos evitam as igrejas como escolas de impiedade e levantam as mãos nos desertos com suspiros e lágrimas ao seu Senhor no Céu. A fé dos Padres que recebemos; aquela fé que sabemos que está estampada com as marcas dos Apóstolos; com aquela fé concordamos, e com tudo quanto no passado foi canonicamente e legalmente promulgado” (Ep. 92, 2). 

Cada período de confusão durante a história da Igreja é ao mesmo tempo uma oportunidade para se receber muitas graças de força e coragem e uma ocasião para demonstrar o amor a Cristo, a Verdade Encarnada. Para Ele, cada batizado, cada sacerdote e bispo prometeu fidelidade inviolável, cada um de acordo com o seu próprio estado: através dos votos do batismo, através das promessas sacerdotais, através da promessa solene na ordenação episcopal. Deveras, todos os candidatos ao episcopado prometeram: “Manterei puro e íntegro o depósito da fé de acordo com a Tradição que foi sempre e em toda parte preservada na Igreja”. A ambiguidade encontrada na secção sobre os divorciados recasados do Relatório Final contradiz o supracitado voto episcopal solene. Apesar disso, todos na Igreja — desde os simples fiéis até os titulares do Magistério — devem dizer:

“Non possumus!” Não aceitarei um ensinamento ofuscado nem uma abertura habilmente disfarçada da porta dos fundos para que por ela passe uma profanação dos Sacramentos do Matrimônio e da Eucaristia. Da mesma forma, não aceitarei uma paródia do Sexto Mandamento de Deus. Prefiro ser ridicularizado e perseguido a ter que aceitar textos ambíguos e métodos insinceros. Prefiro a cristalina “imagem de Cristo, a Verdade, ao invés da imagem da raposa [suplantada no mosaico e] ornamentada com pedras preciosas” (Santo Irineu), porque “Sei em quem pus minha confiança”, “Scio, Cui credidi!” (2 Tim 1: 12 ).

2 de novembro de 2015
+ Athanasius Schneider
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria em Astana, Cazaquistão.

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