Da esq. para a dir.: Olavo, Maria Vicentina, Maria Teresa, Paulo Setúbal. |
“No ocaso prematuro de sua vida, se voltou para Deus em um magnífico gesto de contrição, que encheu de nobreza, de esplendor e de santidade os últimos meses de sua existência terrena” (Plinio Corrêa de Oliveira).
✅ Da redação de Catolicismo *
Antes de entrar no tema principal deste artigo, que revela a grande personalidade do literato Paulo Setúbal, pai da admirável e virtuosa adolescente Maria Teresa Setúbal, precisamos fazer uma retificação.
Catolicismo publicou como matéria de capa, em sua edição de abril passado, o artigo Teresinha Setúbal, adolescente paulista morta em odor de santidade. Na identificação que fizemos dela na foto, onde aparece com o pai e os irmãos, cometemos um equivoco. Imaginávamos que ela fosse a mais nova dos três filhos do escritor, entretanto a caçula chamava-se Maria Vicentina. Teresinha era a segunda, a filha do meio [foto acima].
E na edição de junho, na legenda da página 44, repetimos o mesmo equivoco. Na foto do escritor com seus filhos, Teresinha é a primeira da direita.
Só recentemente, ao visitarmos a sepultura da família Paulo Setúbal no Cemitério São Paulo, constatamos nosso equívoco. Observando as datas nas lápides do túmulo [foto abaixo], descobrimos o erro, o que posteriormente confirmamos em outros documentos. Pedindo desculpas pela informação equivocada, entramos no tema deste artigo.
Paulo de Oliveira Leite Setúbal, advogado, deputado estadual, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, membro das Academias Paulista e Brasileira de Letras, de Institutos Históricos e Geográficos de São Paulo e do Brasil, nasceu em Tatuí, no interior de São Paulo, em 1º de janeiro de 1893. Órfão de pai aos quatro anos, coube à sua mãe o ônus de cuidar de nove filhos pequenos. Depois de seus primeiros estudos em sua cidade natal, o adolescente Setúbal mudou-se para São Paulo, onde estudou por seis anos no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas.
Morando no mesmo quarto que seu irmão mais velho, estudante de Direito, sofreu a má influência dos amigos dele, tornando-se cético e quase ateu. Afirma ele em sua obra CONFITEOR: “Deus desaparecera de minha vida. Desaparecera totalmente. Igreja? Não mais pisei a nave de uma só. Missa? Nunca mais. Nem mesmo de sétimo dia. Reza? Oh, que coisa ridícula... Nunca mais disse uma ‘ave-maria’. E padre? De padre nem é bom falar”.
Matriculou-se também na Faculdade de Direito. Ainda frequentava o 2º ano, quando decidiu tornar-se jornalista. Tal foi o êxito de suas primeiras poesias publicadas no diário A Tarde, que se tornou seu redator. Foi nessa época que começou a sentir os primeiros sinais da tuberculose, que o obrigaria a frequentes interrupções no trabalho, para repouso.
Com o organismo enfraquecido pela tuberculose, Paulo Setúbal foi fácil presa para a terrível pandemia da “gripe espanhola”, em 1918. A fim de se recuperar, partiu para Lages (SC), onde morava seu irmão mais velho. Lá se tornou um advogado bem-sucedido e muito procurado. Entretanto, levava uma vida dissoluta. Dois anos depois, cansado de tudo, voltou para São Paulo e se estabeleceu como advogado, tendo razoável sucesso.
No começo de 1920 ocorreu ao então jovem advogado, que trouxera de Lages muitas poesias, juntá-las a outras escritas anteriormente. Com o livro de poesias A alma cabocla, teve início a principal fase da produção literária de Paulo Setúbal.
O escritor sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura. Os livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, tinham o sentido social, segundo os críticos da época, de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do presente.
Em 1922, Paulo se casou com Francisca de Souza Aranha, de uma das mais aristocráticas famílias de São Paulo, de quem teve três filhos: Olavo, Maria Teresa — ou Teresinha, a que morreu em odor de santidade, sobre a qual já tratamos — e Maria Vicentina. Deve-se dizer que o casamento de Paulo com Francisca teve o apoio integral do pai dela, Olavo Egídio de Souza Aranha, e constituiu a feliz união de duas almas ardorosas. Com sua profunda piedade, ela conseguiu aos poucos levar o marido de volta à prática da Religião.
Em sua autobiografia, Confiteor, Paulo Setúbal explica sua metamorfose: “Transformação nas ideias, transformação nos gostos, transformação nas leituras, transformação no modo de encarar a vida. Transformação até mesmo — que se havia de dizer? — na escolha dos amigos. Cheguei a ponto de pensar que eu havia mudado radicalmente. Que eu me tornara o ‘homem novo’ do Evangelho”. Sobre a brasinha de fé que ele sempre conservou, apesar do aparente ateísmo, ele afirma: “fui um cristão que se converteu ao cristianismo”.
Sobre essa autobiografia, recomendamos leitura [no post que publicaremos amanhã] do depoimento do líder católico Plinio Corrêa de Oliveira — então com apenas 29 anos, futuro fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade —, publicado em O Legionário no dia 26 de setembro de 1937.
Francisca procurava sempre dar alento a Paulo em sua terrível doença, incentivando-o em suas obras literárias, datilografando seus livros. Dedicada ao extremo, nunca deixou de se mostrar carinhosa, de animá-lo, e quando ele estava ausente, de lhe transmitir notícias sobre seus inteligentes filhos Olavo, Teresinha e Vicentina.
Paulo atuou como deputado por cerca de dois anos, mas por sentir-se doente, com os pulmões tomados pela tuberculose mal curada, renunciou ao cargo em 1930.
No seu discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, Paulo Setúbal fez um sentido preito de homenagem à sua extremosa mãe: “Deixai, pois, senhores acadêmicos, que o meu coração voe para a casa modesta do bairro sem luxo, entre no quarto do oratório, ajoelhe-se diante da velha branquinha, beije-lhe as mãos e, na brilhante noite engalanada deste triunfo, diga-lhe por entre lágrimas: minha mãe, Deus lhe pague!”.
Finalmente, em maio de 1937, chega para o ilustre escritor, tornado um praticante católico, a hora de se apresentar diante do trono de Deus. Ele quer morrer com dignidade e humildade. Deseja enterro humilde, e como mortalha o hábito da Ordem do Carmo, à qual entrara como Irmão Terceiro na juventude.
Eis sua recomendação para os que se reuniram em torno de seu leito de morte: “Diga aos meus amigos que morro feliz, porque tenho fé. Não quero viver ou morrer, seja o que Deus quiser. Deixo o mundo, que nada vale, para ir me encontrar com Cristo. Não fiquem tristes. Que são vinte ou trinta anos de separação diante da eternidade, onde estaremos todos juntos? Morro feliz, vou enfim ver o meu Jesus”.
Às quatro horas da madrugada do dia 4 de maio de 1937, após receber piedosamente a extrema-unção, ele morreu placidamente, sem nenhuma queixa, aos 44 anos de idade.
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* Fonte: Revista Catolicismo, Nº 848, Agosto/2021
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