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“Com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos S. Pedro e S. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio XII).
✅ Paulo Roberto Campos
Neste mês celebramos uma das mais sublimes festividades
marianas da Igreja: a gloriosa Assunção
da Santíssima Virgem aos Céus. Sempre festejada no dia 15 de agosto, neste ano
acentua-se-lhe um fator muito especial, que merece destaque, pois completam-se
75 anos da solene proclamação e definição do Dogma da Assunção.
Trata-se da celebração litúrgica mais remota em homenagem a Nossa Senhora, que ocorre desde o século IV. São Gregório de Tours (séc. VI), no Ocidente, foi o primeiro a falar da Assunção d´Ela em corpo e alma aos Céus. No século seguinte, o Papa Sérgio I estabeleceu uma procissão noturna em honra da Assunção. Na França, a procissão do dia 15 de agosto recorda a consagração do país à Santa Mãe de Deus, proferida pelo rei Luís XIII, em 1638. E somente no século XX raiou o tão esperado bendito dia da proclamação do dogma.
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Papa Pio XII |
A proclamação de um dogma, uma verdade de fé incontestável, constitui um ato tão sério, tão meticulosamente estudado e tão raro, que este, de 75 anos atrás, é o mais recente na história do Supremo Magistério da Igreja.
O termo Dogma é assim
definido pelo Manual de Instrução Religiosa, um clássico da doutrina
católica, do Cônego Auguste Boulenger: “É
uma verdade revelada por Deus, e proposta pela Igreja, à nossa crença.
Infere-se desta definição que duas condições são requeridas para constituir um
dogma. É preciso: a) que tal verdade seja revelada por Deus, ou garantida pela
autoridade divina; — b) que seja proposta pela Igreja, à nossa crença, quer por
sua proclamação solene, quer pelo ensino comum e universal. As verdades que têm
estes caracteres são chamadas verdades de fé católica.”1
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O Papa Pio XII proclama o Dogma da Assunção de Nossa Senhora no dia 1º de novembro de 1950. |
À
semelhança de Jesus, a glorificação do corpo virginal da Mãe Santíssima
Baseado em intensos
estudos exegéticos, históricos e teológicos, após consulta ao episcopado do
mundo inteiro e contando com o pedido de 2.505 bispos a Pio XII para que
proclamasse do Dogma da Assunção,
ele, no exercício da infalibilidade papal, atendeu e mandou dar a público a Constituição
Apostólica Munificentissimus Deus (Generoso
Deus) no dia 1º de novembro de 1950. Na ocasião desse ato solene, o Pontífice,
contou com a presença de mais de 800 mil fiéis!
Com essa Constituição dogmática foi declarado ex cáthedra um privilégio único na
História concedido a um ser humano, mas que já estava consignado na tradição da
Igreja; já era preconizado pelos Apóstolos e desde os primeiros séculos da
Igreja acreditado pelos fiéis, ou seja, o que assinala o documento do Papa Pio
XII:
“Convém
sobretudo ter em vista que, já a partir do século II, os santos Padres
apresentam a Virgem Maria como nova Eva, sujeita sim, mas intimamente unida ao
novo Adão [Jesus Cristo] na luta contra o inimigo infernal. E essa luta, como
já se indicava no Protoevangelho, acabaria com a vitória completa sobre o pecado
e sobre a morte, que sempre se encontram unidas nos escritos do apóstolo das
gentes (cf. Rm 5; 6; l Cor 15,21-26; 54-57). Assim como a ressurreição gloriosa
de Cristo constituiu parte essencial e último troféu desta vitória, assim
também a vitória de Maria Santíssima, comum com a do seu Filho, devia terminar
pela glorificação do seu corpo virginal. Pois, como diz ainda o apóstolo,
‘quando... este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá o
que está escrito: a morte foi absorvida na vitória’”
(1Cor 15,14).2
“A
Mãe de Deus não morreu de doença, por não ter pecado original”
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A Dormição da Virgem Hugo van der Goes (1440 1482). Museu Groeninge, Bruges, Bélgica. |
A Assunção de Nossa Senhora aos Céus transcorreu após uma morte suavíssima — semelhante ao adormecer de um leve sono de uma criança —, qualificada pelos Padres da Igreja, por grandes santos e teólogos como a Dormitio Beatae Mariae Virgine (Dormição da Bem-Aventurada Virgem Maria”).
Alguns autores crêem que Ela não teria morrido
propriamente, mas que ocorrera um suave “trânsito” da vida terrena para a vida gloriosa
e eterna no Céu. Donde a invocação de Nossa
Senhora do Trânsito, celebrada no mesmo dia 15 de agosto. Outros, como o
grande São Francisco de Sales, defendem a tese que sim, Ela desejou morrer a
fim de assemelhar-se mais ao seu Divino Filho, mas não padeceu as dores
próprias à separação da alma do corpo, pois isenta de qualquer falta. Tendo
adormecido no sono da morte, Ela foi assunta ao Céu, onde foi de imediato recebida
gloriosamente e coroada como Rainha dos anjos e dos homens.3
Mas, tendo morrido, seu imaculado corpo não sofreu a
corrupção da sepultura. Que filho, se desejasse e pudesse, não faria isso por
sua mãe? Que filho não deseja o melhor para ela? Evidentemente, Nosso Senhor
Jesus Cristo desejou isso para sua Santíssima Mãe, e podia, pois detém todos os
poderes. Assim, pôde suspender as leis naturais relativas ao corpo humano após
a morte d’Aquela que foi concebida sem pecado original, escolhida para ser a
obra-prima de toda a Criação. Desse modo, Ela não padeceu a decomposição —
própria a todos nós, concebidos com o pecado de nossos primeiros pais —, mas A
elevou ao mais alto do Céu em corpo e alma.
A respeito, assim se expressou um Doutor da Igreja —
chamado também como “Doctor Assumptionis” (Doutor da Assunção), devido a seus
escritos a respeito — São João Damasceno (675-749): “A Mãe de Deus não morreu de
doença, porque ela, por não ter pecado original, não tinha porque receber o
castigo da doença. Ela não morreu de velhice, porque não tinha por que
envelhecer, já que a ela não lhe chegava o castigo do pecado dos primeiros
pais: envelhecer e acabar por fraqueza. Ela morreu de amor. Era tanto o desejo
de ir para o Céu onde estava o seu Filho, que este amor a fez morrer”.
“Para
aumento da glória da sua augusta Mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja”
A proclamação do dogma dessa gloriosa Assunção era
esperada pelos católicos de todo o mundo há muitos séculos, assim como foi
ardentemente desejada pelo povo fiel a proclamação do dogma da Imaculada
Conceição, pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, com a Bula dogmática Ineffabilis
Deus.
Proclamações esperadas pelos católicos porque Deus
concedeu à Virgem das virgens privilégios, dons muito especiais e a plenitude
de graças, o que A elevava muito acima de qualquer outro mortal.
Da magistral Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, a parte
certamente mais relevante é o final — e que bem expressa a santidade da Igreja
e a beleza do poder das chaves concedido por Nosso Senhor Jesus Cristo a São
Pedro e a seus sucessores de “ligar e
desligar”4 na Terra —
com os itens de 44 a 47:
“Pelo
que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado
a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus onipotente que à virgem Maria
concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos
séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua
augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos S. Pedro e S. Paulo e com a
nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que:
a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida
terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.
“Pelo
que, se alguém, o que Deus não permita, ousar, voluntariamente, negar ou pôr em
dúvida esta nossa definição, saiba que naufraga na fé divina e católica.
“Para que chegue ao conhecimento de toda a
Igreja esta nossa definição da assunção corpórea da Virgem Maria ao Céu,
queremos que se conservem esta carta para perpétua memória; mandamos também
que, aos seus transuntos ou cópias, mesmo impressas, desde que sejam subscritas
pela mão de algum notário público, e munidas com o selo de alguma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, se lhes
dê o mesmo crédito que à presente, se fosse apresentada e mostrada.
“A ninguém, pois, seja lícito infringir esta
nossa declaração, proclamação e definição, ou temerariamente opor-se-lhe e
contrariá-la. Se alguém presumir intentá-lo, saiba que incorre na indignação de
Deus onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
“Dado em Roma, junto de São Pedro,
no ano do jubileu maior, de 1950, no dia 1 ° de novembro, festa de todos os
santos, no ano XII do nosso pontificado.
Eu
PIO, Bispo da Igreja Católica assim definindo, subscrevi”.5
Assunção
como antecipação da glorificação de Nossa Senhora no Céu
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Dormição e Assunção da Virgem (detalhe) Fra Angelico (1434). Isabella Stewart Gardner Museum (Boston). |
Suplicando à Santa Mãe de Deus para todos a graça do nosso bom trânsito deste “vale de lágrimas” para a glória celestial e o ressurgimento da Santa Igreja da terrível crise progressista que procura abatê-la em nossos dias, encerramos essas considerações com comentário do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (texto abaixo), não sem antes recomendar aos leitores duas coisas: assistir a uma velha filmagem, de 1950, com cenas históricas, na Praça de São Pedro, da solene cerimônia da proclamação do Dogma da Assunção (link abaixo indicado6) e uma atenta leitura do muito evocativo texto do sacerdote francês Thomas de Saint-Laurent, célebre autor de espiritualidade e grande devoto de Nossa Senhora [matéria que postaremos amanhã, 15 de agosto].
“A Assunção representa para a Virgem Santíssima uma
verdadeira glorificação aos olhos dos homens e de toda a humanidade até o fim
do mundo, bem como proêmio da glorificação que Ela deveria receber no Céu.
“A Igreja triunfante [no Céu] inteira vai recebê-la,
com todos os coros de Anjos; Nosso Senhor Jesus Cristo a acolhe; São José
assiste à cena; depois Ela é coroada pela Santíssima Trindade. É a glorificação
de Nossa Senhora aos olhos de toda a Igreja triunfante e aos olhos de toda a
Igreja militante [na Terra].
“Com certeza, nesse dia, a Igreja padecente [no
Purgatório] também recebeu uma efusão de graças extraordinárias. E não é
temerário pensar que quase todas as almas que estavam no Purgatório foram então
libertadas por Nossa Senhora nesse dia, de maneira que ali houve igualmente uma
alegria enorme. Assim podemos imaginar como foi a glória de nossa Rainha.
“Algo disso repetir-se-á, creio, quando for
instaurado o Reino de Maria, quando virmos o mundo todo transformado e a glória
de Nossa Senhora brilhar sobre a Terra”7
__________
Notas:
1.
"Manual de Instrução Religiosa" — Doutrina Católica, por Boulenger,
Curso Superior, Coleção FTD, Livraria Francisco Alves Paulo de Azevedo &
Cia. (1927). Primeira Parte, p. 18.
2.
Munificentissimus Deus, § 39. https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html (acessado em 12 de julho de 2025).
3.
Cfr. Obras Selectas de San Francisco de
Sales, I, preparadas sobre la edición típica de las “Obras Completas de
Annecy”, por el P. Francisco de la Hoz, S.D.B., de la real Academia Sevillana
de Buenas Letras, Asuncion de la Santissima Virgen, pp. 471 a 489, B.A.C.,
Madrid (1953).
4.
“Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino
dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que
desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt 16, 18-19).
5.
Munificentissimus Deus, § 44 e 45.
6.
https://www.youtube.com/watch?v=S3qnNZ78k3M
7.
Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 14 de
agosto de 1965. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 896, Agosto/2025.
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Assunção da Virgem Matteo di Giovanni (1474). The National Gallery (Londres) |
ORAÇÃO A NOSSA SENHORA ASSUNTA AO CÉU
[Composta
pelo Papa Pio XII]
Oh Virgem Imaculada, Mãe de
Deus e dos homens. Cremos com todo o fervor de nossa fé em tua triunfante
Assunção em alma e corpo ao Céu, onde és aclamada rainha por todo o coro dos
Anjos e por todos os Santos, e a eles nos unimos para louvar e bendizer o Senhor
que Te exaltou sobre todas as demais criaturas: para oferecer-se a veemência de
nossa devoção e de nosso amor. Sabemos que teu olhar, que maternalmente
acaricia a humilde e sofredora humanidade de Cristo na Terra, se sacia no Céu
na contemplação da gloriosa humanidade da sabedoria incriada, e que o gozo da
tua alma, ao contemplar face a face a adorável Trindade faz com que teu coração
palpite com beatífica ternura.
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Coroação de Nossa Senhora Fra Angelico (1395–1455). Museu do Louvre, Paris. |
E nós, pobres pecadores, nós, a quem o corpo se sobrepõe aos anseios da alma, nós Te imploramos que purifique nossos sentidos, de maneira a que aprendamos, cá embaixo, a deleitar-nos em Deus, tão-somente em Deus, no encanto das criaturas. Estamos certos de que teus olhos misericordiosos fixar-se-ão em nossas misérias e em nossas angústias: em nossas lutas e em nossas fraquezas; que teus lábios sorrirão sobre nossas alegrias e em nossas vitórias; que Tu ouvirás a voz de Jesus dizer-Te de todos nós, como o fez Ele de seu amado discípulo: Aqui está teu filho.
E nós, que Te invocamos, Mãe nossa, nós
Te tomamos como o fez João, como guia forte e consolo de nossa mortal vida. Nós
temos a vivificante certeza de que teus olhos, que choraram na Terra, banhada
pelo sangue de Jesus, voltar-se-ão uma vez mais para este mundo presa da
guerra, de perseguições, de opressão dos justos e dos fracos. E, em meio à
escuridão deste vale de lágrimas, nós esperamos de tua luz celestial e de tua
doce piedade, consolo para as aflições de nossos corações, para atribulações da
Igreja e de nosso país.
Cremos finalmente que na glória, na qual Tu reinas, vestida de sol e coroada de estrelas Tu és, depois de Jesus, o gozo de todos os Anjos e todos Santos. E nós, que nesta Terra passamos como peregrinos, animados pela fé na futura ressurreição, olhamos para Ti, nossa vida, nossa doçura, nossa esperança. Atraí-nos para Ti com a mansidão de tua voz, para ensinar-nos um dia, depois de nosso exílio, a Jesus, bendito fruto de teu seio, ó graciosa, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!
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