24 de setembro de 2012

Guerra às diferenças, uma investida fútil


§  Leo Daniele

Na História da humanidade, exceto nos períodos de decadência, sempre existiram abundantes diferenças, mas em nossos dias estamos vivemos uma radical e truculenta guerra a elas. 

Por exemplo, as diversidades de idades estão relativizadas. O que antigamente era “um homem feito”, hoje frequentemente é, como disse alguém, um “adulto de bolso.” Ou seja, um adulto infantilizado. Quase não conta mais, para os efeitos práticos, que a pessoa tenha ou não atrás de si muitos anos de sabedoria acumulada. Ou, se conta, é para que lhe seja negado emprego por “excesso de idade”, o que, conforme o ramo, já começa a acontecer aos 30 anos. Por mais que coloque de lado qualquer ideia de dignidade e procure parecer jovem, esportiva, risonha, a pessoa não conseguirá ter pleno trânsito, nem na sociedade em geral, nem mesmo entre seus coetâneos. Pleno trânsito quase só possuem os que, por sua condição, têm pouca experiência da vida. 

Afirmou Plinio Corrêa de Oliveira: “Ter a hierarquia do conhecimento invertida é uma experiência completamente nova em nossa sociedade. Por assimilarem a mídia digital com mais rapidez, crianças e jovens hoje têm uma autoridade em relação aos adultos que nunca tiveram”.[1] Por exemplo em termos de cibernética, quase sempre os mais jovens brilham, enquanto os adultos desbotam. 

Fala-se em promover um “homem pardo”, ou um “homem bege”, a saber, a média cromática entre o branco, o preto, o vermelho e o amarelo. Um homem indeterminado, sem raça definida, destituído o quanto possível de características próprias. Assim, a pretexto de acabar com o racismo, seria corrigido um “erro” da natureza. Ora, a natureza é uma obra de Deus. Quem assim pensa, julga ter altura para corrigir a Deus? 

A palavra “unissex”, tão corrente, mostra a tendência à fusão dos sexos, tanto quanto o permita a natureza. A voga do homossexualismo está para os sexos como o “homem bege” está para as raças. E o absurdo chocante do casamento homossexual é apresentado como “normal”, postas de lado absurdamente as diferenças mais primárias e mais evidentes. 

Na França, está sendo aberto o casamento e a adoção aos casais do mesmo sexo como "uma exigência da igualdade", exigência esta publicada no famoso jornal católico La Croix.[2] 

O meio termo em todos os campos é a grande obsessão. Observa Edgar Morin: “O homem se efemina: fica mais sentimental, mais terno, mais fraco. Ao pai autoritário sucede o pai maternal, ao marido-chefe o companheiro [...] Inversamente, a emancipação masculiniza certas condutas femininas: a autodeterminação sociológica adquirida pela mulher se torna autodeterminação psicológica [...] A mulher está presente por toda parte, mas a mãe envolvente desapareceu.”[3] 

Quase não se notam mais as diferenças entre pais e filhos, esposas e concubinas, homens normais e tarados, sóbrios e bêbados, professores e alunos, patrões e empregados, ricos e pobres, índios e “cara-pálidas”, bem educados e cafajestes, civilizados e bárbaros, padres e leigos, história e devaneio, fato e versão, realidade e ficção, música e ruído, obras de arte e brincadeiras de mau gosto. Por vezes, fico pensando que ‒ por mãos humanas e por vezes mãos sacerdotais ‒ até o sagrado vai sendo despido de seus véus de mistério, para poder habitar no vale poluído de uma humanidade em liquidação de si mesma. 

Manifestações de uma tendência ainda mais extremada apontam para amortecer as diferenças existentes entre os homens e os bichos. Fala-se cada vez mais em “direitos” dos animais, constroem-se hotéis para gatos (gatil), escovam-se os dentes de cachorros[4], promove-se suas luxuosas núpcias,[5] depois da morte seus corpos são enterrados em “cemitérios” com direito a lápide e flores, etc. De acordo com o projeto de Código Penal, o abandono de um cão é punido com de 1 a 4 anos de prisão, enquanto o abandono de incapaz, pelas regras atuais, merece apenas de 6 meses a 3 anos de prisão. O cão vale mais. Parece uma brincadeira de péssimo gosto![6]

Assim como muitas doenças apresentam uma fase aguda, à qual sucede um período crônico, talvez se possa dizer que o igualitarismo tem uma fase aguda e uma crônica. Hoje as duas modalidades da doença atacam o organismo humano ao mesmo tempo. A fase aguda, ainda presente, seria representada sobretudo pelo socialismo. Mas agora estaríamos em presença do igualitarismo em sua fase crônica, e portanto mais insidiosa. Pois, como se sabe, tratando-se de doenças, a fase crônica é muitas vezes de cura mais difícil que a aguda. E, além disso, mais difícil de diagnosticar e perceber. 

Os autores pós-modernos, analisando a situação de seu ângulo, chegam a conclusões semelhantes. Por exemplo, Edgar Morin também recorre a uma metáfora médica. Ele fala de um período de neurose, a que se seguiu outro de necrose.[7] Estaríamos no segundo período. É outra maneira de expressar a mesma realidade. 

Tudo se vai tornando amorfo, o que traz uma consequência importante. Os homens individualmente e em conjunto deveriam ser uma imagem de Deus mas, com sua conduta, a humanidade está se jogando na negação dessa imagem. Seria como um paredão de pedra que, em vez de devolver, sob a forma de eco, as palavras pronunciadas, fizesse ouvir sons desagradáveis, injúrias e palavrões. 

A síncope da ordem, o colapso da família, a gangrena da massificação progressiva, a perda de respeito pela vida, a degradação do convívio social, tudo isso configura uma forma de revolta que consiste em conspurcar aquilo que deveria ser uma imagem de Deus. Mas independente do fato bruto e inelutável da existência das diferenças, há quem as pretenda negar. Ou então pregar a “indiferença às diferenças”. 

Não é isso viver fora da realidade? 
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Notas:
[1] “Isto é”, 9-4-2000. 
[2] Christiane Taubira, ministra da Justiça da França (La Croix, 10-9-12). 
[3] Ibid.., I, 140 e 152. 
[4] “O Estado de S.Paulo”, 1-2-99, A9. 
[5] “Mulher gasta R$ 500 mil em casamento de cachorros” (O Estado de S. Paulo, 13-7-12). 
[6] “O homem, dotado de alma espiritual, foi colocado por Deus acima da escala dos seres vivos, como príncipe e soberano do reino animal” – Pio XII, Alocução de 30-11-1941. 
[7] Edgar Morin, Cultura de Massas no Século XX. 2. Vols., “Neurose” e “Necrose” (Rio: Forense Universitária, 3ª ed., 1999).

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