9 de setembro de 2012

Revolução Francesa e a supressão do ornato nos trajes

Sob o pretexto da “simplicidade” a Revolução Francesa tentou extirpar o requinte e os ornatos elegantes que distinguiam as pessoas
Dentro de nossa campanha “Não deixe a cortesia morrer”, retomamos hoje ao tema desenvolvido pelo escritor francês, Prof. Frédéric Rouvillois, em seu livro “A HISTÓRIA DA POLIDEZ — de 1789 aos nossos dias”.

No post abaixo, do dia 26 último (“Uma infernal Revolução para extirpar a memória do Antigo Regime”), tratamos do empenho dos mentores da Revolução Francesa em abolir qualquer forma de cortesia que lembrasse os bons modos da “Velha França”, e de que maneira, no processo revolucionário do século XVIII, colaboraram vários movimentos — entre os quais o nascente movimento feminista radical — para a implantação do trato igualitário em todas as relações sociais. 

No presente post transcrevo trechos nos quais o autor mostra o papel do vestuário na Revolução Francesa — trajes desprovidos de belos ornatos, para contribuírem na propagação das ideias igualitárias. 
Com a Revolução Francesa o vestuário "simplificado" perdeu a elegância do Antigo Regime
“Assim como se manifesta de forma ostensiva nas relações sociais, a antipolidez revolucionária pretende também reger os comportamentos individuais, quer se trate de aparência quer de atitudes.

Tal é o princípio que domina, nessa época [segunda metade do séc. XVIII], a filosofia do vestuário. Em tal matéria, a simplicidade tornou-se a regra. A vestimenta, observa Prévost, deve ser sempre apropriada não em nome da elegância, mas da higiene. Se cada nação tem suas modas, ‘é mais digno do homem livre não seguir nenhuma que seja molesta ou faça o corpo adotar posições incômodas’.

Mas o que importa aqui, por trás da vestimenta, é a ideologia, que impõe evitar os ornamentos, pois ‘é dessa espécie de magia que se serviam os tiranos para nos submeter’.(1)



Vestuário "Revolução Francesa"
Vestuário "Ancien Régime"
Potencialmente, o traje é repleto de significado, em sua forma, sua cor e seus ornamentos. É por essa razão que, na grande tradição da utopia, certos revolucionários sonham em impor um uniforme comum às crianças, e, no limite — por que não? —, a todos os cidadãos. [...]

Certamente, admite Prévost, alguma elegância é permitida, mas dentro de limites muito estritos, porque, entre os republicanos, ‘o supérfluo dos trajes’ é uma ofensa ao Estado, e o luxo, um crime contra a sociedade.(2)

Em outras palavras, vestir certos trajes em certos lugares ou em determinados momentos pode ter conotações explicitamente políticas e contra-revolucionárias. A municipalidade de Saint-Georges-La-Montaigne, pequena vila do departamento de Vienne, decreta assim que qualquer um que, aos domingos e em festas, se vista de maneira mais aprumada ou mais esmerada que nos dias de trabalho, infringindo desse modo as novas normas do tempo, impostas pelo calendário republicano, será considerado suspeito e, em caso de recidiva, perseguido como tal.(3) [...]

Em Châtillon-sur-Seine, certo Huguenin, funileiro de profissão, foi condenado a dez dias de prisão por ter vestido, no domingo, ‘um belo traje de tecido verde-maçã, com belos botões nacarados’.‘Não sou eu que estou na prisão, mas meu traje’.(4) Esse rigor, porém, nem sempre é praticável, e em Paris, por exemplo, relata um espião, em janeiro, depois em fevereiro de 1794: ‘Os espetáculos se ressentem ainda do velho domingo, a afluência do povo é maior e a vestimenta mais apurada’, sem que seja possível usar de severidade...(5) [...]

 Em contrapartida, perfume e maquiagem, acessórios luxuosos e narcísicos, são julgados politicamente suspeitos. Em ‘A cidade do sol’ — utopia comunista escrita no início do século XVII pelo italiano Campanella — pune-se com a morte, como culpados de embuste, aqueles que usam máscaras sobre o rosto. Sob a Revolução Francesa não se vai tão longe, mas reprova-se esse gênero de prática, mesmo depois do fim do episódio robespierrista; assim, o bom pai de família republicana, posto em cena por Henriquez, repreende asperamente sua filha, maquiada demais para ser honesta.(6)

Alguns meses depois, em dezembro de 1793, um espião relatava, a esse propósito, uma opinião que ele parecia endossar: ‘Desejar-se-ia que o uso do pó-de-arroz, indigno dos sans-culottes e dos republicanos, fosse severamente proscrito em toda a extensão da República’.(7)

De fato, o contraste com o Antigo Regime salta aos olhos...
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Notas: 
1. Prévost, Véritable Civilité républicaine a la usage des citoyens des deux sexes présentée à la Convention nationale, Rouen, Imprimerie Pierre Lecomplte, ano II da República, p. 3. 
2. Prévost, Véritable Civilité républicaine, op. cit., pp. 3 e 4. 
3. Citado por N. Pellegrin, Les Vêtements de la liberté, Aix-en-Provence, Alinéa, 1989, p. 73. 
4. Ibid., p. 98. 
5. Citado por P. Caron, Paris pendant la Terreur, op. cit., t. II, p. 320, e t. III, p. 284. 
6. L.-M. Henriquez, Principes de civilité républicaine, op. cit., p. 8. 
7. Relatório Latour-Lamontagne, citado por P. Caron, Paris pendant la Terreur, op. cit., t. II, p. 68.

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