NUMA
GUERRA, QUAL É A
POSIÇÃO
CATÓLICA?
“Seria
de pasmar se as pessoas que amam verdadeira e seriamente a Religião Católica
não indagassem quais os efeitos de uma possível guerra sobre as atividades e as
próprias condições de vida da Igreja em nosso século”
✅ Plinio Corrêa de Oliveira
Catolicismo, abril de 1951
Inútil
seria enumerar os muitos motivos que tornam iminente uma nova guerra mundial.
São eles tantos, tão graves, tão evidentes, que já passaram do conhecimento das
chancelarias para os parlamentos, dos parlamentos para a imprensa, e daí para a
rua, de tal forma que todos hoje, homens, instituições, governos, vivem em
função da guerra.
Não
há pessoa de critério e responsabilidade que, fazendo planos para o futuro, não
tome em consideração as modificações que uma possível guerra imporia à marcha
regular de suas previsões.
Seria, pois, de
pasmar que as pessoas que amam verdadeira e seriamente a Religião Católica,
também não indagassem quais os efeitos de uma possível guerra sobre as
atividades e as próprias condições de vida da Igreja em nosso século. Para
tratar deste assunto que tortura tantas almas zelosas é que deliberamos
publicar em Catolicismo este estudo. É óbvio que não poderemos
considerar senão os aspectos mais gerais do complexíssimo problema. As questões
de pormenor alongariam desmedidamente os quadros, de per se já tão
vastos de nosso trabalho.
Esta
provável guerra terá algumas notas preponderantes, que influirão em todos os
seus outros aspectos.
Primeiramente,
será “mundial” num sentido muito mais real e profundo do que o conflito de
14-18 [Primeira Guerra Mundial], ou mesmo o de 39-45 [Segunda Guerra]. De um
lado, os campos de operações militares serão muito mais numerosos.
Todas
estas circunstâncias exigirão uma participação militar e econômica muito mais
efetiva, das próprias nações que não forem diretamente atacadas em seus
cidadãos e seus territórios. O esforço de guerra mobilizará pois, de um modo ou
de outro, os recursos do mundo inteiro.
Em segundo lugar, esta guerra em
que todas as nações talvez tomem parte, será principalmente uma guerra entre
duas nações. Os russos e americanos de tal maneira se avantajam em força e
poder sobre os respectivos aliados que a vitória de qualquer dos dois blocos
não será senão o triunfo da nação-líder do bloco vencedor.
Em
terceiro lugar, a guerra será ideológica. Se a nação vencedora for a Rússia,
imporá ela ao mundo seu modo de pensar, de sentir e de viver. Contra esta
perspectiva se armam as nações que não estão dispostas a renunciar às suas
tradições, seus costumes e sua própria alma nacional. Em outros termos, há duas
civilizações, duas culturas, dois mundos ideológicos inteiramente distintos e
antagônicos, em presença um do outro. E a sobrevivência da hegemonia mundial da
cultura ocidental será impossível se a vitória couber ao bloco liderado pelos
bolchevistas.
Em
quarto lugar, vem uma decorrência do que acabamos de dizer. Se a guerra for
ideológica e se a questão ideológica que estiver na raiz da luta for a questão
social, é bem de ver com que facilidade em vários países se manifestará a
tendência de complicar com uma guerra de classes intestina, a guerra mundial.
É, pois, possível que a guerra mundial seja agravada por uma revolução social
que, se não for mundial, por certo poderá ser internacional.
Em
quinto lugar, tudo leva a crer que a guerra será científica e trará consigo
possibilidades de destruição ainda não bem conhecidas pelo público, mas por
certo muito amplas. A técnica será mobilizada contra o homem, e poderá
determinar convulsões, destruições e hecatombes inimagináveis. Há quem pense
que a própria civilização humana poderá desaparecer da Terra. Sem responder
pela afirmativa nem pela negativa, aceitamos a hipótese muito menos improvável
de que, simplesmente, as destruições acarretem para civilização um retrocesso
que ainda é prematuro tentar medir.
Este
o quadro das perspectivas sombrias que a guerra abre diante de nós.
A
Igreja e o comunismo
Cumpre-nos
examinar agora que influências estas perspectivas podem ter sobre a segurança,
esplendor e dilatação da Cristandade. Para isto, analisemos a posição da URSS e
dos EUA perante a Igreja. Comecemos pela URSS. As relações entre o comunismo e
a Igreja são tema já mil vezes versado. Parece-nos, entretanto, que muito
raramente se tem posto nos seus verdadeiros termos o problema.
Segundo
a doutrina católica, Deus pôs os homens neste mundo para O amar e servir, e
assim conquistar a visão beatífica e a vida eterna. Mas Deus não deixou a nosso
critério servi-Lo como bem entendêssemos. Ele promulgou uma Lei que não revogou
e jamais revogará, a mesma para todos os homens, em todos os lugares e todos os
tempos até a consumação dos séculos. Esta Lei nos manda professar a verdadeira
Religião, guardar a pureza segundo nosso estado, respeitar a propriedade
alheia, e acatar com amor toda a superioridade legítima, como é
arquetipicamente a do intelectual sobre o trabalhador manual.
Assim,
não nos é lícito constituir um estado de coisas baseado sobre a impiedade, o
adultério, o latrocínio e a revolta, e esperar que a Igreja acabe se acomodando
com isto. Para que tal acomodação fosse possível, seria mister, ou que a Igreja
abandonasse a Lei de Deus, ou que Deus reformasse sua própria Lei. Ora, quem
admite qualquer destas duas hipóteses, cai em heresia. A Igreja condena como
herética a simples suposição de que algum dia a Lei no todo ou em parte seja
modificada por Deus ou abandonada por Ele.
Como
se vê, a oposição entre o Comunismo de um lado o Catolicismo de outro é a maior
que se possa imaginar. Ora, os soviéticos não se limitam a viver segundo estes
princípios. Desejam reformar ao sabor deles toda a face da Terra. Prova-o a
existência, em todos os países, de partidos comunistas mantidos e dirigidos por
Moscou; e principalmente a bolchevização brutal de todas as regiões que, deste
ou daquele modo, caíram sob o jugo russo, como aconteceu temporariamente com a
Espanha e o México, e aconteceu com a Romênia, a Bulgária, a Hungria, a
Tchecoslováquia, a Polônia e a China.
Em
outros termos, a guerra de conquista da URSS contra o mundo ocidental é
estritamente uma guerra ideológica, uma espécie de cruzada cuja vitória
significará o fim da civilização atual e a revogação do edito de Milão com o
qual, em 313, Constantino reconheceu à Igreja o direito de existir.
Em
consequência, os católicos têm de lutar em nosso século contra os comunistas,
como lutaram do século XI ao século XVII contra os sarracenos. Somos obrigados
a levar a cabo contra a foice e o martelo uma verdadeira cruzada. Isto é
perfeitamente claro. Significa isto que todos os inimigos da URSS são cruzados,
e que podemos ver em Truman, por exemplo, um Godofredo de Bouillon?
A Igreja e os EUA
Eis outra
grave questão. A primeira coisa que se deve dizer sobre ela é que não é nova.
De fato, ela já se pôs aos cruzados medievais. Tinham estes no Império Romano
do Oriente, um aliado natural. Com efeito, os maometanos haviam feito da
monarquia bizantina sua bigorna preferida.
Contra
ela eram seus melhores golpes. O desejo de a destruir era sua mais alta ambição,
que iam satisfazendo com método implacável, e que chegaram a realizar no século
XV quando as tropas de Constantino XIII, os Dracosès, foram dizimadas sob os muros
e pelas ruas de Constantinopla pelos soldados vitoriosos de Maomé II.
Dada
a orientação implacável e ferozmente antibizantina da política muçulmana, tudo
levaria a crer que os cruzados da Europa Ocidental obtivessem o apoio do
Império do Oriente para a reconquista dos Lugares Santos, tanto mais que os
bizantinos, como cristãos, tinham os mesmos motivos religiosos do que os
cruzados para se interessar pela libertação do Santo Sepulcro.
É
bem verdade que os cruzados eram católicos, e os bizantinos greco-cismáticos.
Mas não seria o caso de fazer calar os motivos de dissensão entre cristãos, à
vista do adversário comum, formidável, e sanhudamente anticristão? A resposta
só poderia ser pela afirmativa. Fez-se o acordo.
E a
colaboração entre cismáticos e cruzados funcionou tão mal que não haveria
talvez nenhum exagero em se afirmar que melhor teria sido para estes enfrentar
os muçulmanos sem qualquer auxílio bizantino. É que, em mais de uma ocasião
decisiva, o Império do Oriente, receoso de um excessivo poderio dos ocidentais,
se mancomunou com os muçulmanos, deixando inopinadamente os cruzados — falhos
do auxílio prometido — frente a frente com o inimigo.
O
que nos ensina este fato histórico? Que jamais deve haver alianças entre
católicos e acatólicos? Seria levar longe demais a tese. Pio XI, segundo se
conta, afirmava que, se devesse colaborar com o próprio demônio para o bem da
Igreja, aceitaria a colaboração. Mas... e entra aí o pormenor que os cruzados
não tomaram na devida consideração, o demônio é sempre demônio, mesmo quando
acidentalmente nos serve de instrumento.
Os
pactos de aliança temporária que façamos com ele não o transformarão em Anjo de
luz. E toda a cooperação com ele só não será absolutamente ruinosa se nos
lembrarmos sempre das reticências muito consideráveis com que se deve agir em
relação a tal colaborador!
Não
queremos forçar a nota. O exemplo não pode ser aplicado ao problema de uma
cooperação mundial de todas as forças anticomunistas senão com uma imensidade
de nuances que seria gravemente injusto não explicitar cuidadosamente.
Mas, de qualquer forma através deste exemplo, temos sempre os dois princípios
de qualquer colaboração com os adversários da Igreja:
a)
em tese, é possível;
b)
nunca deve ser feita sem cautelas e reservas muito importantes, à falta das
quais a cooperação pode ser quase tão onerosa como a própria derrota.
No
caso presente, a cooperação não é apenas possível, mas necessária. Quando nos
falam na eventualidade de grupos se constituírem como uma terceira força na
hipótese de uma luta soviético-americana, temos vontade de sorrir. Com efeito,
dir-se-ia que não estamos vitalmente interessados no êxito da luta. Se os
soviéticos vencerem, as potências do grupo neutro serão conquistadas num abrir
e fechar de olhos. Lutando para esmagar a URSS, os norte-americanos lutarão
pelo destino de todas as nações livres do mundo. Seria, pois, inconcebível que
estas presenciassem a luta de braços cruzados.
Entretanto,
não se segue daí que a cooperação com os americanos deva ser aceita pelo mundo
católico sem cautelas, nem condições, nem apreensões. Lembremos, antes de tudo,
que o anticomunismo americano é muito heterogêneo em sua composição. Há
anticomunistas que o são por um sincero horror ao bolchevismo. Mas há os que o
são num espírito pagão, de mera preservação de situações pessoais vantajosas.
Há
ainda os que são anticomunistas pelo desejo de acrescer a prosperidade das
grandes empresas americanas. Como há também os que veem na URSS não tanto uma
potência ideologicamente hostil, mas um agressor que põe em risco a estabilidade
da pátria. Entre os anticomunistas americanos, há sindicalistas ferrenhos, que
desejam para sua pátria uma organização econômica e social. Há políticos que
não têm o menor desejo de extirpar o comunismo de qualquer canto da Europa
desde que daí não se irradie para a América. E há até os que veem de muito bom
grado os comunistas como aliados, desde que sejam anti-stalinistas.
Bem
se vê que os católicos, aceitando lealmente a cooperação americana, e sobretudo
prestando aos americanos apoio decidido face ao adversário comum, não podem
viver esta cooperação com chefes e soldados americanos como os cruzados —
irmanados na mesma Fé e combatendo todos por um mesmo ideal — podiam colaborar
entre si sob a direção de um católico da envergadura de Godofredo de Bouillon.
Muito pelo contrário!
Não
basta ganhar a guerra, é preciso ganhar a vitória
E
concluamos estas considerações lembrando que o espírito com que se combate é o
espírito com que se vence; o espírito com que se vence é o espírito com que se
organiza a vitória.
Se,
na refrega iminente, as nações católicas e latinas não conservarem a
consciência muito viva de sua missão providencial, do imenso futuro histórico
que representam, das tradições de civilização e cultura inestimáveis que
possuem; se as nações católicas e especialmente as nações latinas não se
lembrarem de que, pobres ou ricas, armadas ou desarmadas, têm direito a ocupar
pelo próprio fato destas tradições e desta missão um lugar de primeiríssimo
realce na direção do mundo, de sorte que toda a ordem internacional que se
construa sem elas seja considerada fundamentalmente injusta e inaceitável; se,
pois, estas nações não se munirem das melhores garantias de que tal será sua
situação depois da vitória, terão transgredido, por ingenuidade, por moleza,
por imprevidência, o mais sagrado de seus deveres.
Imaginemos
por um instante o que seria uma vitória americana conquistada sem a
participação de nós católicos, ou sem a garantia de que na mesa da paz nossa
participação nos traria um justo lugar de honra e de poder. O que viria a ser
esta paz? Algo de imensamente melhor do que a vitória de Moscou, isto é certo.
Assim,
pois, a verdadeira fórmula da colaboração deve ser esta: fervorosa, porém não
ingênua ou incondicional.
Isto
mais claro se tornará se considerarmos outra característica do conflito que se
aproxima. A guerra será mundial, dizíamos, e será sobretudo a vitória de uma
nação, URSS ou EUA. Equivale isto a dizer que, se vencerem os EUA, praticamente
serão eles os únicos vencedores, e seu poder será imensamente maior do que o de
César ou de Carlos V. Não haverá outros grupos que possam atender esta
soberania mundial, se antes e durante a colaboração com o adversário comum não
forem tomadas as necessárias precauções.
Este,
pois, é o momento em que as nações latinas — o grande bloco ibero-americano
sobretudo — jogarão as cartas para saber se podem, ou não, ganhar a vitória.
Porque, começado o conflito, a hora da diplomacia terá passado, e será preciso
lutar ou morrer.
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