✅ Plinio Maria Solimeo
O espanhol Jesus Ignacio Falgueras Salinas [foto abaixo], bacharel
em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, licenciado na
mesma matéria ‘magna cum laude’ pela Universidade Pontifícia de Salamanca,
e atual catedrático de História da Filosofia Moderna e Contemporânea na
Universidade de Málaga, escreveu na revista Burgense (número 38 de 1997),
longo e interessante estudo para demonstrar a tese de que Nossa Senhora não
era, como muito se propala, uma “simples
mulher do povo, com a mesma escassa cultura e formação e com a estreiteza de
horizontes” no restrito âmbito doméstico em que viveria.
Não podendo no espaço disponível acompanhar todos os muitíssimos e interessantes argumentos que ele dá ao longo do seu estudo, nos restringiremos a pegar somente alguns que nos chamaram mais a atenção.
Comenta ele por exemplo que, quando o Arcanjo São
Gabriel apareceu a Nossa Senhora e anunciou que Ela seria a Mãe de Deus [quadro acima], Ela
lhe fez a pergunta: “como se daria isso,
pois tinha resolvido permanecer virgem?”. Por outro lado, o sacerdote Zacarias,
pai do futuro São João Batista, quando o mesmo arcanjo lhe anunciou que teria
um filho, também lhe fez uma pergunta semelhante: “como se daria isso, pois tanto ele quanto sua mulher já eram avançados
em anos?”
Nota Dom Ignacio que as perguntas são parecidas, mas
o sentido de ambas muito diferente: Zacarias pede um sinal porque parece duvidar
que lhe fosse possível, à sua idade e à de sua mulher, procriar. O que supõe
duvidar do poder de Deus de fazer o que lhe fora anunciado. Por isso lhe foi
infligido um castigo.
“Já a pergunta de Maria Santíssima mereceu outro tratamento, pois Ela não duvida de que o que se lhe anuncia seja possível para Deus, mas quer se certificar da procedência divina da mensagem e pede um esclarecimento. Antes de crer, é necessário examinar diligentemente a ‘quem’ e no ‘que’ se crê. Assim, a fé de Maria não é uma fé cega, mais é inteiramente inteligente, pois Ela pensa tudo isto sem nenhuma demora assim que ouve e entende a primeira mensagem do anjo, sem que a presença angélica perturbe em nada a nitidez de sua inteligência iluminada pela fé. Maria demonstra assim ter o altíssimo dom do discernimento de espíritos, ao mesmo tempo que uma portentosa claridade, rapidez e penetração no mais alto e difícil: averiguar qual é a vontade de Deus”. Isso não ocorreria se Ela fosse uma simples e ignorante mulher do povo.
O erudito teólogo vai
ainda mais longe em suas elucubrações:
“A colaboração que Maria sabe que lhe é pedida é total, afeta a integridade de seu ser. É-lhe pedido entrar em um plano divino que supera toda compreensão humana, e que afeta toda a Humanidade. Não há, nem nunca houve, alguém a quem haja sido comunicado um mistério mais difícil de entender, pois para nós é mais difícil entender que Deus se faça homem, que inclusive [o dogma da] Trindade de Pessoas em Deus. Com efeito, é natural e crível que a divindade seja em si mesma superior a toda compreensão; mas que a divindade se abaixe até se fazer homem é algo em princípio não crível, já que a distância entre Deus e a criatura é maior do que a que existe entre o ser e o não-ser. A máxima dificuldade de intelecção estriba, para nós, em que Deus se faça criatura, ao que se acrescenta que, entre as criaturas, ele já fazer-se homem [no seio de uma Virgem]. Sem embargo Maria, uma vez ouvida a resposta do anjo, compreende a intrínseca vinculação de sua isenção do Pecado Original e da maternidade que se lhe propõe, e não tarda nem um instante em se decidir: ‘Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra’”.
Voltamos a
insistir: isso tudo é de um nível tão elevado e sublime, que ultrapassaria as
cogitações de uma mera dona de casa, ainda que muito dotada intelectualmente.
O teólogo Falgueras analisa outra objeção: no episódio da Perda e do Encontro do Menino Jesus no Templo, às palavras do Divino Infante, Maria e José “ficaram surpresos”. Explica ele que a Vulgata usa aqui o verbo admirar. E pondera que:
“Admirar é atender concentradamente à verdade; quer dizer, abrir a mente à verdade, acolhê-la e dirigir a ela toda a atenção para se deixar penetrar por ela. Essa pureza de atenção à palavra de Deus é o que mereceu à Virgem o ser eleita como Mãe da Palavra encarnada. Sua abertura, acolhimento e concentração em fazê-la própria, a tornou digna de ser não só habitada corporalmente pelo Verbo encarnado, mas de ser Mãe e receptora ativa e livre da mesma. Como soube dizer magistralmente Santo Agostinho, Maria foi mãe antes com seu espírito do que com seu corpo; frente ao louvor de sua maternidade corporal, Ela deve ser considerada feliz porque guardou a Palavra. Pois Maria amava a seu Filho já antes de que se encarnasse e durante toda sua vida porque, ‘se alguém me ama, guardará minhas palavras’ (Jo 14,15,21,23; 15, 7-10). E isso é o que Ela sempre fez. A admiração de Maria, longe de ser pois sintoma de ignorância, é o que a converteu por graça divina em Sapientiae incarnatae Genitrix, Mãe da Sabedoria encarnada”
Acrescenta Dom Ignacio que, nesse episódio da perda no Templo, “Temos a primeira dor que conhecemos que perfurará o coração de Maria, e que a profecia que Simeão lhe tinha anunciado, e que começa a se cumprir. E que Maria vê com surpresa como, a razão de toda sua felicidade, seu Filho, se torna para Si uma causa de dor. Esta dor está associada à busca de Jesus, mas não é a simples dor angustiante dos pais que temem pela vida ou pela liberdade do filho, mas sobretudo a dor de ter sido afastada livre e conscientemente da vida e presença de seu Filho. Isto é o que Maria não entende e que pergunta. A sua pergunta contém assim um pedido de luz, mas também a detecção de algo incrível: não foram outros, mas o próprio Jesus quem, livre e conscientemente, causou a dor de seus pais, por algo que eles não fizeram, algo que eles nunca teriam evitado, mas que teriam compartilhado com Ele com alegria”.
Concluímos este rápido apanhado do
suculento estudo com o episódio das Bodas de Caná.
As Bodas de Caná. 1562-63. Por Paolo Veronese, atualmente no Museu do Louvre (Paris). |
A cena é muito conhecida. Nossa Senhora, seu Filho e alguns dos Apóstolos participavam de umas bodas na cidadezinha de Caná da Galiléia. Maria Santíssima, vendo que o vinho estava acabando, para poupar um vexame aos noivos, alerta seu divino Filho.
“Diante da aparente indiferença da resposta de Cristo ‘o que nos importa isso a ti e a mim?, e antes de tudo e mais além do ‘ainda não chegou minha hora’ Maria sabe descobrir o apaixonado desejo de pôr fogo ao mundo com suas obras e palavras que arde no coração de seu Filho, e também no amor redentor do Pai: ambos estão dispostos a adiantar os passos para o começo da vida pública de Jesus. Maria, que conhece os segredos de Deus e a oportunidade do momento, toma a iniciativa, se adianta a seu Filho, e O incita à sua terceira epifania: a vida pública. Por que Ela se adianta à decisão de seu Filho? Porque quer ser Ela quem o lance à vida pública. Não só quer ser condutora, quer positivamente pôr fim à vida doméstica de seu Filho. Ela renuncia de modo voluntário ao privilégio de convivência de que havia desfrutado durante tantos anos, a fim de que seu Filho se dedique aos assuntos de seu Pai e seja conhecido por todos. Trata-se da primeira manifestação da maternidade universal de Maria: Ela nos entrega a seu Filho para que O possamos conhecer e amar a todos os homens como Ela conhece e ama. Não se reserva para si seu próprio Filho: ama-nos mais que a si mesma. Assim esta iniciativa de Maria não é mais do que um adiantamento da entrega que Ela fez de seu Filho ao pé da cruz”
* * *
Diante
de tanta grandeza, só nos resta exclamar como o fazia um hino muito popular na
Igreja antes do Vaticano II:
“Salve ó Mãe, Salve ó Virgem Santíssima, do universo portento e primor: mais esplêndida glória que a tua, tem só Deus do universo Senhor!”.
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