8 de agosto de 2024

 

  • ✅  Plinio Maria Solimeo

Certo dia de 2018, uma jovem alemã dirigiu-se à Apotheke Undine, de Andreas Kersten [foto abaixo], em Berlim, pedindo a chamada “pílula do dia seguinte”, que pode provocar o aborto.

Isso era apenas encenação e jogo combinado, pois sabia-se que, por suas convicções religiosas profundas, o farmacêutico Kersten nunca tinha em estoque, nem vendia tal pílula. E sua farmácia era famosa por sua campanha contra os anticonceptivos e o aborto precoce, o que o convertera em alvo de ataque dos ativistas abortistas. Andreas, fingindo não perceber a provocação, ofereceu à cliente um folheto pró-vida.

Segundo a ADF Internacional — que defende a liberdade religiosa dos cristãos —, a jovem denunciou de fato o farmacêutico à Câmara de Farmácia de Berlim, que entrou com um recurso  contra Kersten no Tribunal Administrativo daquela capital.

Em 2020, esse tribunal absolveu o farmacêutico, afirmando que ele tinha direito de seguir sua consciência, que não havia negligenciado seu dever profissional, e que, portanto, podia se opor de boa consciência em tal situação.

Na sentença, o Tribunal alegou que Kersten estava também amparado por uma carta do Ministério Federal da Saúde, a qual estabelece que os farmacêuticos podem exercer o direito de objeção de consciência em determinados casos. Quer dizer, tudo em ordem.

Posteriormente, a Câmara dos Farmacêuticos interpôs recurso desta decisão, mas o Tribunal confirmou o direito de Andreas de agir segundo sua consciência e condenou a Câmara a pagar os honorários do advogado do farmacêutico.

Contudo, no julgamento oral, o juiz responsável pelo caso decidiu que o dever de fornecer qualquer tipo de medicamento, inclusive a pílula potencialmente abortiva, prevalece sobre a liberdade de consciência!

Ora, isso, segundo a mesma ADF Internacional, é contrário ao direito humano universal que protege a consciência.

Seja como for, essa é a primeira sentença na Alemanha na qual um tribunal confirma o direito de um farmacêutico à sua liberdade de consciência.

A sentença do juiz estabeleceu assim um precedente, e confirmou a possibilidade de se invocar a liberdade de consciência na Alemanha, apesar de invocar “a superioridade do desempenho dos deveres profissionais” sobre a própria consciência. Andreas Kersten comentou:

Sinto-me aliviado porque o tribunal rechaçou a sanção solicitada pela Câmara Farmacêutica contra mim. Eu me tornei farmacêutico para promover a saúde e, inclusive, salvar vidas. Não posso conciliar a venda das pílulas do dia seguinte com a possibilidade de acabar com uma vida humana, inclusive prematuramente”. E conclui: “Se bem que fui absolvido, horroriza-me o raciocínio [do juiz] que rechaça amplamente nossa liberdade de consciência. Agora os farmacêuticos podem se ver obrigados a abandonar sua profissão para se manterem fiéis às suas crenças”.

A decisão a favor de Kersten foi publicada em 26 de junho deste ano, “depois de cinco anos de incerteza jurídica”, informou o diretor de Promoção Europeia da ADF Internacional, Félix Böllmann, que esteve envolvido no caso desde o início.

Agora está claro que Andreas Kersten não violou seus deveres profissionais. Acolhemos esta decisão. No entanto, o argumento por detrás da decisão [do juiz] é atroz”, disse, acrescentando ser inconcebível que os farmacêuticos tenham agora de escolher entre suas crenças e sua profissão. E conclui: “Ninguém deveria ser forçado a escolher entre sua consciência e sua profissão. As crenças pessoais e a consciência influenciam todas as áreas da vida de uma pessoa e não são simplesmente estabelecidas num ambiente profissional [...] O parecer do Tribunal Administrativo Superior de Berlim está em contradição direta com o direito internacional. As liberdades fundamentais devem ser garantidas de forma eficaz, e não apenas no papel. O parecer do tribunal contraria a liberdade de consciência”.

A atitude do juiz mostra como o círculo está fechando, até chegar o momento — se é que ainda não chegou — em que essas pílulas sejam livremente vendidas nas farmácias, ao alcance de qualquer adolescente vítima da corrupção diabolicamente organizada e generalizada de nossos dias.

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