28 de março de 2025

Edições, em várias línguas, do livro A liberdade da Igreja no Estado comunista.

 

Há possibilidade de diálogo e coexistência pacífica entre a Igreja e regime comunista? À imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja conta com apóstolos de uma doçura inexaurível, mas também com polemistas admiráveis.

  

·         Plinio Corrêa de Oliveira

 

Em meados dos anos 1960, uma histórica polêmica foi travada entre Catolicismo e os periódicos poloneses do grupo Pax, “Kierunki” e “Zycie i Mysl”. De um lado Plinio Corrêa de Oliveira e de outro Zbigniew Czaikowski. Cartas abertas, réplicas e tréplicas foram reproduzidas por nosso mensário e por publicações da Polônia, alcançando repercussões em outros periódicos do País e do exterior.

Tal polêmica girou em torno do livro A liberdade da Igreja no Estado comunista (1963), de autoria do Prof. Plinio, particularmente sobre a possibilidade ou não de coexistência pacífica entre a Igreja e o regime comunista.

Trecho de uma das réplicas, que julgamos muito oportuno para nossos leitores nos tempos atuais, segue para apreciação. Foi publicado primeiramente em nossa edição de novembro de 1965.

*   *   *

“A má fé, seja ela inteiramente consciente ou não, provoca, com toda a justiça, a indignação do homem virtuoso. E se é verdade que em certas ocasiões é melhor não manifestar essa indignação, a fim de atrair a outra parte pela doçura, em outros casos não é senão pela indignação que a má fé se deixa desarmar.

Isto explica por que Jesus Cristo foi, para com os fautores do erro ou os pecadores, ora de uma doçura comovedora, ora de uma severidade fulminante. Isto explica igualmente que, em face do erro ou do mal, a Igreja tenha contado, em todos os séculos, com apóstolos de uma doçura inexaurível, e também com polemistas admiráveis.

Portanto, a proscrição da polêmica é antinatural, contrária aos direitos da verdade, do bem, e, ainda, aos interesses de numerosas almas mergulhadas no erro e no mal.

Não se trata de proscrever toda discussão, senão somente os tipos de discussão que não podem ser compreendidos no termo “diálogo” lato sensu. Esta objeção não modifica em nada o que vem de ser dito. O calor da discussão, da polêmica até, pode ser legítimo e indispensável.

Em princípio, o diálogo lato sensu deve ser preferido às outras formas de discussão, tal como a discussão deve, ela mesma, ser preferida à polêmica. É precisamente neste sentido que Paulo VI, na Encíclica Ecclesiam Suam, insiste tão especialmente sobre a oportunidade particular do colóquio, nas condições atuais.

Para qualquer cristão que o seja verdadeiramente de alma e coração, a doçura é sempre preferível à severidade, e a paz à guerra. No que elas têm de militante, as formas calorosas de discussão e a polêmica não devem ser empregadas a não ser quando o diálogo lato sensu se mostra ineficaz. Disto não se conclui, de modo nenhum, que os filhos da Igreja militante devam renunciar a empregar a discussão “militante” e a polêmica quando uma ou outra for exigida pela natureza mesma das coisas.

Uma leitura atenta da Ecclesiam Suam, aliás, prova facilmente que o Santo Padre não teve absolutamente o desejo de proscrever a discussão militante ou a polêmica, não obstante proponha aos fiéis que usem sobretudo o colóquio.

Isto me conduz a uma outra observação. No texto latino da Ecclesiam Suam, o Papa emprega a palavra “colloquium” e evita dizer “dialogus”. Nada há de surpreendente nisto. O termo “diálogo” tem dado ocasião a um perigoso equívoco que me cabe agora descrever.

Porque em certos meios pretendeu-se proscrever toda e qualquer discussão, chegou-se, sem perceber, a empregar a palavra “diálogo”, não mais no sentido de uma discussão muito cordial, mas unicamente no de uma simples troca de pontos de vista, de impressões ou de informações.

Assim, as relações entre pessoas que professam sistemas ideológicos opostos restringiram-se a um estilo que está em contradição com o fundo mesmo da realidade. Cada parte, no diálogo stricto sensu, apresenta seus argumentos, e a outra parte os combate, por sua vez, com outros argumentos. Mas, em essência, esta troca de argumentos não é uma discussão, em nenhum sentido do termo. Nenhuma das partes se aplica a persuadir a outra e a trazê-la para o seu próprio campo ideológico.

Não há, propriamente, vitória, derrota, ou luta doutrinária, nem mesmo sob as numerosas formas perfeitamente cordiais que esta pode revestir. Há apenas a afirmação de uma tese e de uma antítese. Afirmação dolorosa por vezes, prolongada, mas quão paciente e cortês! Da fricção destas afirmações nascerá, pouco a pouco, um processo de elucidação ao longo do qual cada parte precisará melhor sua própria posição, despojando-a das escórias acidentais que lhe velavam a expressão plena.

Mas, ó alegria, no termo final deste processo se patenteia que a tese e a antítese, clarificadas e simplificadas, não são mais do que uma e mesma coisa. A síntese, que estava em gestação na tese e na antítese, nasce enfim para a luz do dia.

Catolicismo, novembro de 1965


Não há, pois — tal como dizíamos — verdadeira discussão, nem vitória, nem derrota. O diálogo não é, essencialmente, senão um “ludus”. Eis o conceito estranho que se dá ao termo “diálogo” em meios “superecumênicos” e outros.

Desse modo, como se vê, o vocábulo em questão foi noyauté, isto é, substituiu-se ao seu conteúdo original um conteúdo hegeliano. Para os entusiastas deste gênero do diálogo, não há mais verdade absoluta, nem erro. Deslizando sobre a palavra “diálogo”, na maioria das vezes sem se dar conta disso, eles imergem no relativismo evolucionista de Hegel.

De Hegel sim, o mestre de Marx. Não é difícil perceber quanto este deslizar é proveitoso para a doutrina marxista.

Assim, concebe-se facilmente que, para os marxistas, os católicos devem ser divididos, nesse particular, em duas categorias:

1 – os que não “deslizaram”, aqueles que têm fé numa doutrina historicamente revelada, objetiva e absolutamente verdadeira, e que, pois, rejeitam o relativismo hegeliano;

2 – os outros, que “deslizaram”, e para os quais a doutrina católica e a doutrina marxista não são, uma em face da outra, mais do que constelações de teses e de antíteses, contendo cada uma, ao mesmo tempo que as escórias das formulações impuras, a síntese que através delas forceja dialeticamente por vir à luz. Os primeiros são inimigos irredutíveis, em toda a extensão do termo. Contra eles não se emprega a discussão nem a polêmica, mas o campo de concentração, a prisão ou o pelotão de fuzilamento. Os outros são, no fundo, colaboradores, que aceitam a base filosófica do marxismo — isto é, a doutrina relativista — e que, esgrimindo na aparência contra este, mantêm com ele o jogo absolutamente pacífico do diálogo, e o ajudam, por meio da fricção, a destilar na tese e na antítese de hoje a síntese de amanhã.

Eis, pois, onde pode conduzir o abuso, habilmente imaginado por uns, ingenuamente aceito por outros, da palavra diálogo”.

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