Aceitação do sofrimento e conquista da felicidade em união com o Menino Jesus
- Plinio Maria Solimeo
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 844, abril/2021*
Às 10 horas da manhã do dia 31 de outubro de 1938 falecia em São Paulo uma adolescente de 14 anos. Fato que seria sem importância transcendental se Maria Teresa — ou Teresinha, como era chamada — não tivesse morrido em odor de santidade. Era filha do famoso advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista Paulo Setúbal, membro da Academia Brasileira de Letras.
Os surpreendentes fatos da vida desta menina permaneceram desconhecidos do público por mais de 70 anos, considerados como “segredo da família Setúbal”. Por uma feliz série de coincidências, chegou às minhas mãos uma cópia das anotações sobre Teresinha, feitas por sua mãe por expressa determinação do seu confessor, Cônego José de Melo. A família concedeu-me licença para revelar o seu conteúdo.
Completando na própria carne o que falta aos sofrimentos de Cristo
Depois que Nosso Senhor padeceu e morreu na cruz para nos salvar, nada há de mais precioso no mundo que sua cruz. E isso com tudo o que ela significa de sofrimentos e tribulações. Pois Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24).
Por isso os santos consideram o sofrimento como um ‘oitavo sacramento’. Aceito com espírito sobrenatural, ele nos une a Nosso Senhor e ao que Ele sofreu por nós, como diz São Paulo: “Completo em minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1, 24). Quer dizer, “Cristo, portanto, deve ainda sofrer nos seus membros, no seu Corpo místico; e enquanto este não tiver alcançado a medida dos sofrimentos fixados por Deus, pode-se dizer que ainda falta alguma coisa à Paixão de Cristo”.[1]
O nosso mundo ateizado e amante dos prazeres não o compreende, e tem verdadeiro horror ao sofrimento. Pois, como diz ainda São Paulo, “a linguagem da cruz é loucura para os que se perdem; mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina” (1 Cor 1, 18). Por isso, acrescenta: “Quanto a mim, não pretendo jamais me gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6, 14), porque “tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rm 8, 18).
É por essa razão que Deus Nosso Senhor suscita em todas as épocas almas que se oferecem ao Eterno Pai como vítimas expiatórias, para associar seus sofrimentos aos de Cristo Jesus, por sua Igreja. Só assim se pode compreender que tantas almas inocentes sofram tanto nesta terra, aparentemente sem nenhum motivo.
Teresinha Setúbal foi uma dessas almas de escol. E apenas sob este prisma podemos entender a razão dos sofrimentos inauditos e da “paixão” dolorosa dessa adolescente, falecida com tão pouca idade.
Ardente apologia da Fé e da Pureza
Paulo Setúbal nasceu em Tatuí, no interior de São Paulo, no dia 1º de janeiro de 1893. Órfão de pai aos quatro anos, fez seus primeiros estudos em sua cidade natal. Mudando-se para São Paulo, cursou o ginasial no Colégio Nossa Senhora do Carmo, dos Irmãos Maristas. Em sua adolescência recebeu as más influências dos colegas de seu irmão mais velho, ateus e debochados. Assim desencaminhou-se e perdeu a fé.
Depois de várias vicissitudes, casou-se com a virtuosa Da. Francisca de Sousa Aranha, com quem teve três filhos: Maria Vicentina, Olavo Egídio e Maria Teresa. A caçula nasceu no dia 23 de abril de 1924, em São Paulo. Da. Francisca foi o instrumento de que a Divina Providência se serviu para trazer o célebre escritor de volta à Igreja. Paulo Setúbal faleceu prematuramente aos 44 anos, de tuberculose, no dia 4 de maio de 1937. Escrevia então a história de sua conversão, que não pôde concluir.
Sobre Confiteor, livro póstumo do grande escritor, disse o eminente líder católico Plinio Corrêa de Oliveira:
“O livro de Paulo Setúbal é muito mais do que o histórico de uma alma, ou até mesmo de uma geração. Ele é a própria história viva e empolgante do drama espiritual do Brasil contemporâneo. Todos aqueles que têm qualquer parcela de responsabilidade pelos destinos do Brasil — pais de família, professores, sociólogos, estadistas — deveriam ler a extraordinária experiência íntima de Paulo Setúbal. Através de suas páginas de sangue, não é apenas um homem que chora e que sofre. Confiteor é o grito lancinante de gerações inteiras que foram desviadas de Deus: o grito não apenas da geração de Paulo Setúbal, mas de todas as outras que se lhe têm seguido até aqui, e ainda de algumas outras que virão. […] Confiteor é a ardente apologia da Fé e da Pureza que ele lança, do fundo da sepultura, mas também do alto da glória dos justos, à mocidade de sua terra”.[2]
Aos cinco anos, resolução de “dar-se ao Menino Jesus”
Teresinha mostrou-se desde muito cedo inclinada à virtude.
Da. Francisca afirma: “Fomos para com ela muito severos; mas ela respondia sempre com a maior generosidade, e quanto mais se pedia, mais ela dava”.[3] Isso porque a menina “soube sempre se dominar. Só mais tarde é que compreendi como tudo lhe tinha custado. Tinha a sua força de vontade, a sua energia, ao lado da maior doçura e meiguice. Tudo dela se obtinha pela obediência. Não me lembro de uma só falta sua. […] Nunca, nenhum dever a fez recuar. Ela compreendia perfeitamente o que era o dever, e nunca hesitou diante de um sacrifício”.
É de se notar que Teresinha nunca falava das graças sobrenaturais de que era objeto. Mas recebeu do Menino Jesus ordem de comunicá-las à mãe. Só a ela e ao confessor Teresinha abria sua alma.
Quando Teresinha tinha por volta de cinco anos, a família mudou-se para a Suíça por um ano. Aprendeu então com facilidade o francês e o alemão. Foi na Suíça que ela, apesar da pouca idade, fez a resolução “de se dar ao Menino Jesus”.
Por essa época ela começou também a se preocupar com o pai e com a mãe, conforme confidência feita mais tarde à mãe: “Fiquei tão triste vendo que Papai e Mamãe não queriam o Menino Jesus como eu imaginava [que deveria ser], e desde então essa foi a minha grande preocupação. Papai, só depois que ele se foi é que fiquei sossegada. [Na época] sofri muito, Mamãe, pois eu não podia falar com ninguém. Quem poderia me compreender naquele tempo?”. Lembremos que Teresinha tinha na ocasião apenas cinco anos de idade.
Pelo episódio do romance com partes imorais, que Paulo Setúbal queria publicar (veremos depois alguns pormenores), constata-se que sua conversão não tinha sido ainda completa, o que justifica os receios de sua filhinha.
Senti o Céu dentro do meu coração
Aos sete anos Teresinha começou seus estudos em casa. Com a maior facilidade aprendeu a ler e a escrever. No dia 28 de agosto de 1932, aos oito anos de idade, fez a Primeira Comunhão: “Foi o dia da ‘minha felicidade’. Eu senti o Céu dentro do meu coração, entreguei-me ao Menino Jesus, e compreendi tudo”. Por “tudo”, como explicou depois à mãe, estava o desejo de ser missionária, a consideração dos sofrimentos que teria como partilha, e a convicção de que morreria jovem.
Teresinha teve a felicidade de ver o pai comungar também nesse dia, mas comenta que isso ainda não era tudo o que ela queria.
Como presente de Primeira Comunhão, Paulo Setúbal lhe deu um livrinho de orações, no qual escreveu: “Teresa: O dia de hoje, minha filhinha, é o dia de ouro de tua vida. Mais tarde, quando fores moça, hás de ter outros dias belos e grandes. Nenhum, porém, tão puro como este, nenhum tão comovedor, nenhum tão santo. Guarda-o, pois, no coração, com carinho e amor. E que Deus te proteja”. Nestas poucas palavras, destaque-se a exímia pena do escritor!
Teresinha queria, a partir de então, comungar todos os dias. Mas a mãe só o permitiu uma vez por mês. A menina comenta: “Fiquei tristíssima. Não disse nada, mas pedi [ao Menino Jesus]: ‘Faça, meu Jesus, que essa Comunhão seja como se eu comungasse todos os dias’. E foi sempre assim. Eu queria comungar para ter a felicidade de receber Jesus. Mas eu O sentia sempre comigo. Era igual”.
Tudo regulado pelo Menino Jesus
O período dos oito aos doze anos foi para Teresinha de muita luta. Mas também de muitas bênçãos, pois o Menino Jesus estava continuamente ao seu lado. Dirá ela: “Desde manhã até a noite, tudo era regulado por Ele. Tive muitas lutas, o meu temperamento não queria obedecer, tinha vontade de fazer a minha vontade. Lutei muito, mas sempre fiz o que Ele queria. Ele estava sempre juntinho a mim […]. Tudo, minha mamãezinha, tudo, até as mais pequeninas coisas eram reguladas por Ele. Estávamos sempre os dois juntinhos. […] Nunca, nunca desobedeci, mesmo nas menores coisas; nas mais pequeninas coisas fiz sempre a vontade do Menino Jesus”.
Em seu amor pelos membros padecentes de Cristo, aprendeu logo a tricotar e costurar, a fim de fazer roupinhas para as crianças pobres. Afirma a mãe: “O dia inteiro passava com um trabalho na mão. Não me lembro de a ter visto desocupada”.
Um dia em que Teresinha estava acamada, e sua mãe lhe fazia companhia, esta teve de sair a chamado do pai. Com toda a naturalidade, Teresinha contou depois: “Fiquei muito triste de ficar sozinha, Mamãe, quando senti que Nossa Senhora sentou-se no seu lugar. Ela pegou minha cabeça, pôs no colo, e eu dormi”. Essa é a primeira, mas não a única vez, que a Mãe de Deus a visita e consola.
Conta sua mãe que em maio de 1936 “começaram as dores de cabeça que a faziam sofrer muito. Dores contínuas, que duraram até a ocasião de sua moléstia, isto é, por mais de um ano. Mas ela não se queixava, e a sua vida era a mesma”. Nesse mês de sofrimento, no qual não pôde comungar, Teresinha viu muitas vezes na hóstia, durante a Elevação da Missa, Jesus coroado de espinhos.
Papai precisa rasgar o livro que está escrevendo
Há um comovente episódio que Paulo Setúbal narra com emoção no capítulo segundo de seu Confiteor.[4] Pressionado pelo editor para apresentar um novo livro, ele pegou em seus guardados o manuscrito de um romance escrito provavelmente antes de sua conversão, reviu-o e o deu à sua esposa para datilografar. Esta logo observou que não ficava bem a ele, uma vez que estava praticando a religião, publicar tal romance.
O escritor falou então com um sacerdote, que também foi contrário à publicação. Mas depois Setúbal determinou-se a entregar os originais ao editor, pensando: “Ser católico é uma coisa, e ser carola é outra”. Indo visitar Teresinha, que estava acamada, esta lhe disse à queima-roupa: “Eu queria que Papai rasgasse aquele livro que Papai está escrevendo”.
Comenta Setúbal: “Meu coração bateu descompassado no peito. Olhei a menina com olhos regurgitados de assombro. E não era para menos. Eu podia esperar tudo da minha filha, tudo, mas não podia esperar, jamais, ouvir da sua boca de criança, descuidosa e cândida, um pedido tão sério e tão estonteante como aquele. Eu tive, naquele minuto, a sensação viva, a sensação absolutamente nítida, de que ali, na cama, naquela frágil enferma que me falava com a sua voz de mel, não estava mais a minha pequerrucha, aquela que eu amava com tão desbordante e tão cálida ternura: estava ali, isso sim, falando pela boca inocente de minha filhinha, um anjo do Senhor, um anjo loiro, um anjo fino e leve que, mandado pelo Céu, viera, com a força da sua ingenuidade, ajudar o homem novo, ainda tão fraco em mim, a vencer aquele poderoso homem velho que campeava ovante dentro do meu ser”.
O mais impressionante, como revela Setúbal, é que a menina nada sabia sobre o romance, nem sequer o tinha visto ou lido. Tivera, portanto, uma revelação sobrenatural.
Vendo o pai titubear, Teresinha fez-lhe uma proposta: “Papai me dá todos os anos um presente de Natal, não é? O presente de Natal, Papai bem sabe, é o presente de que eu mais gosto na minha vida. Pois bem: neste ano, como presente de Natal, Papai vai fazer o que eu pedi”.
Resumindo as belas páginas do Confiteor: Paulo Setúbal foi buscar os originais do livro, e juntamente com a filha o desfizeram em mil pedaços. No Natal desse ano deu à filha uma bomboneira comum, na qual tinha colocado as cinzas do romance queimado. Teresinha “compreendeu imediatamente. Olhou-me com um olhar fulgurante. Olhar em que fuzilava a chispa a mais eloquente. Mas não disse palavra. Acercou-se apenas de mim, beijou-me e, trêmula, abraçou-me com um abraço apertado”. Para uma criança dessa idade (Teresinha devia ter então 10 anos) isso não ocorre sem uma grande virtude.
Consagre-se inteiramente à minha Mãe
No fim de 1936, Nosso Senhor disse a Teresinha: “Quero que te dês e consagres inteiramente à minha boa e querida Mãe, a fim de que Ela te purifique, santifique, e te traga a mim”. Sem saber como deveria fazê-lo, aguardou até o Pe. Melo ir à sua casa para visitar seu pai. Sabendo que Teresinha estava doente, foi vê-la. E na conversa recomendou-lhe que lesse o Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora, de São Luís Grignion de Montfort (que ainda não havia sido canonizado). Teresinha leu o livro diversas vezes, com muito cuidado. E no dia 3 de novembro de 1937 fez a sua consagração a Nossa Senhora como escrava de amor.
Em janeiro de 1937 o Menino Jesus disse a Teresinha que esse ano seria para ela de grandes sofrimentos. A menina comentou com a mãe: “E eu, que tinha achado 1936 tão difícil”. Em abril o pai ficou doente, vindo a falecer prematuramente no dia 4 de maio de 1937. Foi um golpe terrível para a menina.
Missionária através do sofrimento
Achando-a tão piedosa, a mãe quis ensinar-lhe a fazer meditação, e deu-lhe para isso um livro com um método. Teresinha não conseguiu segui-lo. E explicou à mãe que não lhe era possível limitar sua meditação aos quinze minutos diários, como a mãe lhe recomendava, pois passava o dia inteiro meditando.
Acamada em outubro de 1937, ela recebeu a Comunhão na sala em que costumava passar o dia deitada. Nesse momento, olhando o crucifixo da parede, só viu do Crucificado a cabeça coroada de espinhos. Começaram então novamente para ela as terríveis dores de cabeça, tão fortes que nenhum analgésico, nenhuma injeção sedativa conseguia aplacar.
O Menino Jesus apareceu-lhe então: “Ele me perguntou se eu queria sofrer ainda mais. Eu disse que sim. Mamãe, se a senhora soubesse como sou feliz, […] por dentro é felicidade. Às vezes, é muito raro, fico um pouco cansada. Imediatamente Jesus me diz: Coragem, confiança!”.
Devido às pungentes dores, ela passava as noites sem conseguir dormir. Só dormia por obediência, quando a mãe lhe dava ordem de dormir, e então ela obtinha do Menino Jesus autorização para o sono necessário.
Apesar de saber que iria morrer cedo, Teresinha tinha tanto anseio em trabalhar pela salvação das almas, que às vezes lhe vinha a vontade de ser curada. Assim, um dia perguntou à mãe se, no caso de sarar, ela a autorizaria a ser missionária. Queria ser Missionária de Maria Imaculada, e ir para as Índias cuidar dos leprosos.
Fez a mãe prometer que nunca a mandaria chamar, nem nunca iria visitá-la, para que seu sacrifício fosse mais completo. Entretanto o Menino Jesus “prometeu-me que eu não seria missionária na Terra, mas me faria missionária do Céu”. A mãe lhe perguntou: “Quando Jesus te prometeu, ficaste alegre, filhinha?”. Ela respondeu: “Não, Mamãe. Eu vi que não podia sofrer nas Missões. E eu queria sofrer, sofrer muito […] muito”.
‘Enfant gâtée’ do Menino Jesus
Teresinha oferecia muito dos seus sofrimentos pela conversão dos médicos, que no entanto muito a faziam sofrer. Dizia que eles eram “meus pagãos”. Um dia pediu à mãe que rezasse muito por um deles, que no momento estaria numa grande luta, e precisava de orações. Esse médico estava na Europa, e ela nada poderia saber sobre isso, a não ser por uma comunicação sobrenatural.
A missão reparadora de Teresinha deveria estender-se até o fim de sua curta vida. No dia de Natal de 1937, ela disse à mãe: “Se eu quisesse, Ele [o Menino Jesus] me levaria [para o Céu]. Mas Ele preferia que eu sofresse mais por alguém ou alguma coisa, e fizesse alguns servicinhos ainda”.
Um dia em que Teresinha sofria de maneira mais especial, a mãe lhe enxugou com um lenço algumas lágrimas de dor. Ela lhe disse então: “Guarde esse lencinho, mãezinha. A senhora ainda um dia terá com ele grande consolação”.
Outro dia em que as dores de cabeça eram mais cruciantes, ela comentou com a mãe, com um sorriso: “Eu sou um ‘enfant gâtée’ [menina mimada]do Menino Jesus. Até estou ficando mal habituada. Ele faz tudo o que quero. Ele me disse hoje que me quer muito, muito bem”.
Os sofrimentos continuavam terríveis. Os médicos resolveram fazer punções, uma na espinha, outra na cabeça. Teresinha sofreu tudo com muita serenidade, agradecendo aos médicos o trabalho que estavam tendo. Sobre essas dolorosas punções, ela comentou com a mãe:
“O Dr. X não largou a minha mão. Se Papai estivesse ao meu lado, não poderia ter sido mais carinhoso do que ele foi. Quiseram me amarrar, e ele disse que não precisava. Quando entrei na sala, um tomou o meu pulso […] depois o outro. Começaram cortando o cabelo. Depois as injeções na cabeça […] depois o aparelho […] Ah! Mamãe, que dor! Apertei a mão, e imediatamente o Dr. X fez parar. [Mas depois] fizeram nova injeção”. Depois a mãe lhe perguntou: “Filhinha, como você sofreu! […] Como você aguentou?” E ela respondeu: “Ah! Mamãe, o Menino Jesus estava comigo, senão eu não aguentaria aquela dor. Era impossível”.
Mas esses sofrimentos corajosamente suportados tinham suas compensações, como contou à mãe. Num “sonho”, Nossa Senhora lhe apareceu com o Menino Jesus no colo, mas ela só viu o Menino: “Estava lindo, lindo, sorrindo, e me abraçou e me beijou”.
Noutro dia, depois da punção na cabeça, outro “sonho”: Nossa Senhora lhe apareceu outra vez com o Menino Jesus de pé em seu colo. Abriu-lhe os braços, abraçou-a, e Nossa Senhora colocou a cabecinha de Teresinha nos ombros do Menino Jesus, que a beijou muito contente.
Um dia Teresinha comentou ingenuamente com a mãe:
— Nossa Senhora tem muitos anjinhos, e eu pedi um a Ela. Um muito lindo.
— Mas, para quê?
— Olhe, Mamãe. O meu Anjo da Guarda tem muito trabalho para tomar conta de mim, com meu gênio, para eu ser paciente. Então o pequeno é para os ‘negócios’. É o caixa. Mas acho que o coitadinho perdeu a chave e até a caixa. Eu gasto tudo, e sempre adiantado. […] Estou sempre pobre”.
Teresinha via sempre o anjinho, como disse à mãe. Em sua generosidade, aceitava sofrer por todos os que estavam em necessidade.
Soyez toujours mon enfant
Em outro dia Teresinha perguntou à mãe:
— São Francisco de Sales era padre?
— Sim, era bispo.
Teresinha comentou então que o viu no dia de sua festa, e ele falou com ela em francês: “Soyez toujours mon enfant” (Seja sempre minha filha).
Acometida por ânsias de vômito, passou a não tolerar nenhum alimento. Depois de oito dias sem tomar qualquer alimento, o médico comentou com a mãe: “Não me conformo em ver Teresa morrer de fome. Não sei o que fazer, ela tem alguma coisa diferente”. Outro médico comentou que a sua doença era “sobrenatural”, pois não tinha explicação científica.
Além de não poder comer, Teresinha estava paralisada na cama, só podendo mexer uns dedos. Com toda a família desolada, a mãe lhe recomendou que pedisse ao Menino Jesus sua cura. Ela deu depois a resposta: “Perguntei ao Menino Jesus, e Ele me disse que [eu teria] dois meses [de melhora]”. E assim foi, pois logo depois pediu para jantar e comeu com apetite. Sobretudo começou novamente a se movimentar com naturalidade. O médico exclamou: “Foi um milagre! Foi um milagre!”
No carnaval de 1938 começaram os soluços. Teresinha sofria horas a fio, pois todos os remédios e injeções experimentados não davam resultado. Comentou com a mãe: “Não se incomode, Mamãe, não é nada! Estes dias tanto ofendem ao Menino Jesus. […] É preciso que eu me ofereça para reparar. Tão poucos lembram-se d’Ele nestes dias”.
Em abril Teresinha disse à mãe: “Durante dois meses estive bem, comi, dormi, fiz o que prometi. Agora não sei o que vai acontecer, mas sinto que não estou firme nesta Terra. Estou presa por um fio. A qualquer hora arrebenta o fio”.
Em meio aos enjoos e dores, tomando injeções contínuas, remédios para o coração etc., ela se preocupava com os outros. “Mamãe precisa rezar por ‘meus pagãos’”.
— Mas eu rezo, filhinha.
— Sim, mas é pouco. É preciso muito, muito para salvar-se uma alma!
Em maio ela piorou tanto, que lhe foi administrada a Extrema Unção. Renovou então sua consagração a Nossa Senhora, e a mãe lhe disse: “Teresinha, não é possível continuar assim. Peça ao Menino Jesus para aliviar as suas dores”. Com grande esforço ela respondeu: “Só se for sua vontade”. Entretanto, não era vontade do Menino Jesus. Seu estoque de sofrimentos não tinha chegado ainda ao fim.
Devido às fortes dores de cabeça, todo barulho, toda conversa no quarto lhe causavam os mais acerbos sofrimentos. Passava noites sem dormir. Nunca se queixava, nunca se impacientava. A mãe perguntou-lhe um dia:
— Teresa, é sempre na sexta-feira que você sofre mais, não é?
— A senhora reparou nisso? É verdade. Foi sempre assim. Sempre sofri mais nas sextas-feiras, mesmo quando não o demonstrava por fora. Era por dentro.
Num sábado de sofrimentos maiores, a mãe exclamou:
— Mas hoje é sábado!
— Ora, mamãezinha, hoje é para Nossa Senhora.
Sobre o sofrimento, Teresinha disse à mãe: “O que nos falta é fé e confiança. Agora as mães já compreendem a necessidade de os filhos sofrerem. É tão triste só se preocuparem em fazer os filhos engordarem, comerem, dormir, e às vezes estudar. […] E se esquecem do mais importante, que é Deus”.
Vendo Jesus coroado de espinhos
Teresinha tinha horror às injeções, mas por vezes tinha que tomar várias por dia. A mãe afirmou não compreender como ela podia suportá-las, e ela explicou: “Veja como é fácil. Como tenho horror às injeções, e como sempre quem as faz é o Dr. Y, ofereço por ele tudo o que sofro com elas, para sua conversão e felicidade.
Havia ainda outra ajuda para suportar tão tremendos sofrimentos: “Aqui no quarto, quando o padre levanta a Hóstia [para lhe dar a comunhão], muitas vezes vejo Jesus coroado de espinhos. […] Um dia o padre dividiu a hóstia, e vi Jesus na metade que me deu”.
A mãe perguntou-lhe: “Como o Menino Jesus te chama?”. Ela esclareceu: “Sempre me chama Teresinha. Só quando o caso é muito importante, aí já sei, Ele me diz: ‘Minha pequena Maria Teresa’”.
Foi por essa época que ela fez à mãe esta confidência, surpreendente numa adolescente: “Nunca, mamãe, nunca me olhei no espelho. Eu não sei a cor de meus olhos. Não sei de que jeito eu sou. Uma vez ou outra, para me pentear, tinha licença [do Menino Jesus] para dividir o cabelo. Só o cabelo, e nada mais. O resto eu não sei”.
Em meados de agosto, vendo que os sofrimentos da filha aumentavam cada vez mais, Da. Francisca exclamou:
— Como você está sofrendo hoje! O que será isso?
— É impressão sua, mãezinha. Porque, olhe: nos dias de grande dor, eu recebo grandes graças para suportá-las; e quando são pequenas as dores, as graças também.
Teresinha passou o mês de outubro sem poder alimentar-se. Só tolerava algumas gotas de guaraná por dia. Sua boca ficava muito seca, tinha muita sede, mas não podia beber. Foram experimentadas injeções de morfina, heroína etc., sem nenhum efeito.
No final de outubro, à mãe que sofria muito vendo o sofrimento da filha, ela disse: “Ouça, minha mamãezinha, eu sou a menina a mais feliz, veja bem, a mais feliz do mundo”.
No dia 30 de outubro, sentindo seu fim aproximar-se, Teresinha pediu à mãe: “Fica um pouquinho comigo, sim, Mamãe, minha mamãezinha”. Na noite de 30 para 31 ela sofria muito, às vezes com gemidos. Às 10 horas da manhã do dia 31, partiu silenciosamente para o Céu. Por toda a eternidade, terá como companhia o Menino Jesus, a quem tanto amara.
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[1] Pe. Matos Soares, Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, 1980, p. 1287, nota.
[2] O Legionário, 26 de setembro de 1937.
[3] Todos os dados aqui citados são da cópia dos manuscritos de Da. Francisca Setúbal.
[4] Paulo Setúbal, Confiteor, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1937.
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