O Anjo anuncia a Ressurreição – Fra Angélico (1440-42). Convento di San Marco, Florença |
Morte e Ressurreição do Divino Crucificado
Na Semana Santa do ano passado, reproduzimos parte do capítulo
7º do livro Jesus Cristo, Vida, Paixão e
Triunfo, de autoria do missionário redentorista francês Padre Augustin
Berthe*. Os textos então selecionados
narravam as dores padecidas por Nosso Senhor na Via Dolorosa, carregando a
pesada cruz até o alto do Calvário, enquanto era escarnecido pelo populacho
aliciado pelos chefes dos sacerdotes fariseus. Quase desfalecido sob o peso da
cruz, naquele caminho de dor Ele foi consolado por sua Mãe Santíssima num
encontro — o mais pungente da História — que O reanimou a prosseguir até a
plena consumação de seu holocausto, a fim de redimir o gênero humano.
Como matéria de capa para a Semana Santa deste ano,
continuaremos a narração do Padre Berthe após a Crucifixão e Ressurreição,
contidas no capítulo 8º do mesmo livro**.
Verdadeiramente Jesus ressuscitou, como haviam anunciado os profetas
e também Ele próprio, em sua vida terrena. Em nossos dias, podemos venerar uma
sagrada relíquia, na qual se comprova cabal e cientificamente que nosso
Redentor ressuscitou. Essa relíquia, o Santo Sudário, é o lençol fúnebre que
serviu de mortalha para o sepultamento do corpo do Filho de Deus. Desde o
século XIV, ele é guardado com toda segurança na catedral
de Turim, Itália [Vide Catolicismo, abril/1983, abril/1988,
abril/2001 e março/2002].
Da Redação de
Catolicismo
____________
* O Pe. Augustin Berthe, C.SS.R. nasceu a 15 de agosto de 1830
em Merville, diocese de Cambrai (França). Faleceu em Roma em 22 de novembro de
1907. Ordenado sacerdote em 1854, tornou-se grande missionário e pregador da
sua Congregação. Foi professor de Retórica, reitor de diversas casas
redentoristas na França e consultor geral da Congregação em Roma. Escreveu
numerosos artigos e livros, publicados em diversas línguas com tiragens muito
elevadas.
** Os subtítulos foram inseridos por nós.
Ressurreição – Nicolas Bertin, séc. XVII. Oberschlesisches Landesmuseum, Ratingen (Alemanha) |
Após
a Crucifixão, o triunfo de nosso Redentor
“Não venhais procurar entre os mortos um Vivo. Jesus
já não está aqui; ressuscitou, conforme prometeu. Lembrai-vos, pois, do que Ele
vos dizia na Galileia: É preciso que o Filho do Homem seja entregue aos
pecadores. Será crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia” (Lc 24, 5-10).
No momento em
que Jesus exalou o último suspiro, um cataclismo súbito transtornou toda a
natureza. O último brado do Deus moribundo ecoou até os abismos. A terra pôs-se
a tremer, como se a mão do Criador cessasse de mantê-la em equilíbrio. As
rochas se partiram em consequência daquelas espantosas comoções. Até a rocha do
Calvário, sobre a qual se levantava a Cruz do Salvador, fendeu-se violentamente
até o mais profundo.
No vale de
Josafá abriram-se os sepulcros, e muitos mortos ressuscitaram, aparecendo
envoltos nos seus longos sudários pelas ruas de Jerusalém, espalhando por toda parte
o espanto e a consternação. Era Deus que forçava todos, vivos e mortos, a
proclamarem a divindade do seu Filho.
No Templo, o
terror ainda era maior. Os sacerdotes, que acabavam de imolar as vítimas,
pararam perturbados até o íntimo da alma, enquanto o povo estarrecido esperava
pelo final do estranho cataclismo. De repente ouviu-se um ruído sinistro do
lado do Santo dos Santos. Voltaram-se todos os olhos para o véu de jacinto,
púrpura e escarlate que fechava a entrada do santuário impenetrável, onde Deus
se manifestava uma vez por ano ao sumo sacerdote. O véu misterioso se rasgou de
alto a baixo, rompendo assim a antiga aliança para ceder o lugar à nova (Mt 27,
51; Lc 23, 45).
Sacerdotes,
cessai de imolar vítimas figurativas. A única vítima agradável ao Senhor, vós a
imolastes no Calvário! Povo de Israel, escutai a profecia de Daniel: “Depois de 70 semanas de anos, será morto o
Messias. O povo que o há de renegar já não será para o futuro o seu povo; a
oblação e o sacrifício hão de cessar; a abominação da desolação morará no
Templo, e a desolação perdurará até o fim” (Dan 9, 26-27). Sacerdotes e
doutores, as 70 semanas de anos passaram. Junto ao véu rasgado do santuário,
confessai que crucificastes o Messias, o Filho de Deus!
Jesus Cristo na Cruz – Simon de Vos (1603–1676). Coleção Privada. |
Era verdadeiramente o Filho de Deus
Em meio a essas
cenas de desolação, um silêncio lúgubre reinava no Calvário, entrecortado de
tempos em tempos pelos gritos lancinantes que davam os dois ladrões. Depois da
morte de Jesus, as santas mulheres tinham-se afastado um pouco, com Maria e o
apóstolo João.
Só o centurião,
imóvel no meio dos seus soldados, não podia despregar os olhos do divino
Crucificado. Ainda lhe ecoava aos ouvidos o último brado que Jesus dera, e a
vista dos prodígios operados na sua morte acabou de lhe abalar o coração.
Dirigindo-se, pois, a todos os que se encontravam no Calvário, exclamou: “Era um justo, era em verdade o Filho de
Deus”. E todas as testemunhas daquele drama sublime, impressionadas até o
íntimo da alma, voltaram para as suas casas batendo no peito, e dizendo como
aquele romano: “Sim, era verdadeiramente
o Filho de Deus” (Lc 23, 47-49).
O mesmo brado se
ouviu das profundezas do inferno. Quando Jesus deu o último suspiro, Satanás
compreendeu seu erro. Tinha amotinado a Sinagoga contra o Justo, e aquele Justo
era o Filho de Deus. Quisera o demônio, com ódio insensato, aquela morte que no
entanto dava a vida ao gênero humano; e assim trabalhara, sem o saber, para
remir aqueles filhos de Adão que considerava como seus perpétuos escravos. Gritava
ele desesperado: “Era o Filho de Deus, e eu
o servi nos seus desígnios!”.
Naquele momento
pôde Satanás ver a alma de Jesus separada do seu corpo, quando descia ao
misterioso limbo onde, desde longos séculos, esperavam-na os filhos de Deus.
Ali se encontravam os patriarcas e profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, David e
todos os justos que tinham desejado a vinda do Salvador, e n’Ele tinham posto a
sua esperança. Ao entrar naquele templo dos santos, Jesus foi acolhido com um
brado tal, que ecoou naquele momento ao pé da cruz e nos infernos: “É Ele! É o Filho de Deus! É o Redentor que
nos vem anunciar a nossa próxima libertação!”.
Preparação para o sepultamento de Jesus
Nesse meio
tempo, alguns soldados enviados por Pilatos subiam silenciosamente o monte
Calvário. Os romanos abandonavam às aves de rapina os cadáveres dos
supliciados, mas a lei dos judeus proibia deixá-los suspensos no patíbulo
depois do pôr-do-sol. Como ia se iniciar o Sábado, tornava-se ainda mais
urgente respeitar as prescrições legais. Os príncipes dos sacerdotes pediram então
a Pilatos que mandasse recolher os três supliciados, e em seguida depor seus
corpos.
Para esta última
execução, subiam ao Gólgota aqueles soldados armados de enormes maças. Aproximaram-se
de um dos ladrões e lhe partiram as pernas e o peito. A mesma sorte coube ao
segundo ladrão. Chegando perto de Jesus, logo notaram na palidez do rosto, na inclinação
da cabeça e na rigidez dos membros, que algumas horas antes Ele deixara de
viver. Julgaram inútil, portanto, quebrar-lhe as pernas.
Contudo, para
maior segurança, um soldado Lhe trespassou o lado com uma lança. O ferro
atingiu o coração, e da ferida saiu água e sangue. Deste modo se cumpriu a
palavra da Escritura: “Fixarão os seus
olhos n’Aquele a Quem crucificaram”; e também esta, concernente ao Cordeiro
Pascal: “Nem um só dos meus ossos se há
de quebrar” (Ex 12, 46; Sl 34, 21).
O apóstolo João,
que estava com as santas mulheres, viu todos os pormenores desta cena
misteriosa. Viu entrar o ferro da lança no Coração de Jesus, viu correr o
sangue e a água — aquelas duas fontes de vida saídas do Divino Coração: a água
batismal que regenera as almas, e o sangue eucarístico que as vivifica. E João
deu testemunho do que tinha visto, a fim de a todos inspirar fé e amor (Jo 19,
31-37).
Para concluir o seu ofício, dispunham-se os
soldados a desprender os supliciados e enterrá-los, como de costume, com os
instrumentos do seu suplício. Apresentaram-se então dois homens, que haviam pedido
o corpo de Jesus. Um deles, José de Arimateia, pertencia à nobreza e tinha voz
no Supremo Conselho. Amigo como era da justiça, e afável e bom por natureza,
recusara associar-se à negra conspiração tramada contra Jesus. No íntimo, era
discípulo do Salvador e esperava o Reino de Deus, mas o terror inspirado pelo Sinédrio
o havia impedido de manifestar a sua fé.
Ao morrer o
Salvador, José de Arimateia concebeu o desígnio de Lhe dar honrosa sepultura.
Animado subitamente de uma coragem heroica, não receou ir ter com Pilatos e
pedir-lhe o Corpo de Jesus. Muito tinha o governador romano por que se
penitenciar a respeito do Crucificado e dos seus amigos. Acedeu de bom grado ao
que lhe era pedido, mas quis primeiro certificar-se da morte, pois lhe parecia
demasiado prematura. Chamou o centurião encarregado de guardar os supliciados,
e ouvindo dele que Jesus já não vivia, ordenou-lhe que entregasse o corpo a
José.
Com José ia
Nicodemos, aquele doutor da lei que, desde a sua conversa noturna com Jesus, nunca
tinha deixado de O defender das injustas acusações dos chefes do povo. José
levava um sudário para amortalhar o corpo, e Nicodemos uma composição de mirra
e aloés para O embalsamar. Com o auxílio de João e de mais alguns discípulos,
despregaram da Cruz o Corpo do Salvador; e depois, carregando o precioso Corpo,
foram colocá-lo sobre uma pedra a alguns passos da Cruz.
E ali, afinal,
as santas mulheres puderam contemplar o rosto inanimado do Mestre, a quem
tinham seguido com tanta dedicação. Ali pôde a Mãe de Jesus banhar com suas
lágrimas as sagradas chagas e cobri-las de beijos. Mas foi preciso concluir bem
depressa aquelas demonstrações de dor e ternura, pois o sol estava no ocaso e
ia começar o sábado.
Sepultamento de Nosso Senhor – Sisto Badalocchio (1585–1647). Galleria Borghese, Roma. |
Cerimonial junto ao Santo Sepulcro
José estendeu
sobre a pedra o sudário, que devia servir de mortalha. Colocaram o corpo sobre
aquele lençol, cobriram-no de perfumes conforme o costume judaico, e por fim
cobriram com as extremidades do lençol fúnebre os membros e a cabeça do seu
muito amado Mestre.
Perto do lugar
onde Jesus foi crucificado, num jardim pertencente a José de Arimateia, havia
um sepulcro aberto na rocha, o qual ainda não fora utilizado. Deu-se José por
feliz em poder consagrá-lo à sepultura do Salvador.1 Estava dividido em dois compartimentos abertos na rocha,
que se comunicavam entre si.
Num nicho feito
no segundo destes compartimentos foi posto o corpo do Salvador, como muito bem observaram
Maria Madalena e as santas mulheres, pois tinham combinado voltar ao sepulcro, logo
depois de passado o sábado, para proceder com menos precipitação ao embalsamamento
de Jesus (Lc 23, 50-56; Jo 19, 38-42).
Tendo assim prestado os últimos
serviços ao seu bom Mestre, saíram os discípulos do monumento e rolaram para a
entrada uma pedra enorme, com o fim de lhe impedir o acesso. Depois, com o
coração triste, os olhos marejados de lágrimas e oprimidos pelo peso da dor,
entraram na cidade. Maria e as santas mulheres tiveram também de resignar-se a
deixar o Calvário. Foram encerrar-se no cenáculo, para lá passar o dia de sábado.
Hipocrisia, temor e fúria dos deicidas
Tudo parecia
concluído. O Profeta de Nazaré morrera na cruz, como um vil escravo. Os
apóstolos, aterrorizados, tinham desaparecido. Umas quantas mulheres, depois de
O terem seguido até o sepulcro, voltaram para as suas casas derramando
lágrimas.
Dir-se-ia que os
príncipes dos sacerdotes e os fariseus triunfavam incontestavelmente. Contudo, estranhamente,
pareciam temer ainda Aquele personagem prodigioso, que tantas vezes os tinha
espantado com o seu poder. Aquelas trevas que envolveram a cidade durante a sua
agonia; aquele tremor de terra no momento da sua morte; aquele véu do Santo dos
Santos — foram para eles como presságios sinistros. O que mais os inquietava é
que o Crucificado anunciara sua ressurreição três dias depois da sua morte.
Era tal o pavor
deles diante dessas ameaças, que sem se importar com o descanso sabático foram
logo ter com Pilatos, e disseram-lhe:
— Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor,
quando ainda vivia, anunciou que ressuscitaria ao terceiro dia depois da sua
morte. Fazei-nos, pois, o favor de mandar guardar o seu sepulcro até o fim do
terceiro dia, para os seus discípulos não lhe retirarem o cadáver e dizerem
depois ao povo que ressuscitou dentre os mortos. Pois este segundo erro ainda
seria mais perigoso que o primeiro.
Pilatos execrava
aqueles homens, sobretudo depois que eles lhe extorquiram uma sentença que a
sua consciência lhe censurava como um crime. Por isso respondeu-lhes com
desprezo: “Tendes a vossa guarda: ide lá,
e mandai guardar esse sepulcro como bem vos parece” (Mt 27, 62-66).
Os príncipes dos sacerdotes e os chefes
do povo foram ao jazigo onde repousava o corpo do Crucificado. Selaram a pedra
que defendia a entrada e colocaram soldados à volta do monumento, a fim de
impedirem que alguém se aproximasse. Feito isto, retiraram-se plenamente
seguros. Parecia-lhes impossível que um morto tão bem preso e tão bem guardado
lhes pudesse escapar.
Já se tinham esquecido de que Jesus, no
Horto de Getsêmani, tinha prostrado ao chão os soldados, ao simplesmente pronunciar
o próprio Nome; e bem poderia, se quisesse, prostrá-los de novo junto do
sepulcro. Deus assim dispunha que eles tomassem aquelas ridículas precauções, a
fim de que os próprios judeus fossem obrigados a verificar oficialmente o
triunfo do Crucificado!
Ressurreição de Jesus Cristo
Ao predizer a sua morte na cruz, Jesus
acrescentou que ressuscitaria ao terceiro dia: “Destruam este templo (referia-se Ele ao templo do seu Corpo), e Eu o reconstruirei em três dias”. E
até aos fariseus, que Lhe pediam um prodígio do Céu para provar a sua
divindade, anunciou-lhes que o grande sinal da sua missão divina seria a sua
Ressurreição: “Assim como Jonas ficou
três dias e três noites no ventre da baleia, assim ficará o Filho do Homem três
dias no seio da terra”. Este é o milagre por excelência, o milagre que há
de lançar o mundo aos pés do Filho de Deus. Jesus anunciou, é preciso que a sua
palavra se cumpra.
Mas a guarda romana, composta de 16
soldados, vigiava cuidadosamente o Crucificado do Gólgota. De três em três
horas, novas sentinelas iam render as que tinham acabado o seu turno. O Filho
de Deus esperava, na paz e silêncio do sepulcro, o momento fixado pelos
decretos eternos.
Ao romper da aurora do terceiro dia, voltando
do limbo a sua alma, reuniu-se ao corpo. Sem nenhum movimento na colina, Cristo
glorificado saiu do sepulcro, e os guardas sequer perceberam que estavam vigiando
um sepulcro vazio.
Momentos depois começava a terra a tremer
violentamente. Um anjo desceu do Céu, à vista dos soldados aturdidos, rolou a
pedra que fechava a entrada da gruta, e sentou-se sobre ela como um triunfador
no seu trono. O seu rosto brilhava como o relâmpago, o seu vestido era alvo
como a neve, os olhos despediam chamas e fixavam os guardas, que caíram com o
rosto no chão, quase mortos de pasmo. Era o Anjo da Ressurreição, que descia do
Céu para anunciar a todos que Jesus, o grande Rei, o vencedor da morte e do
inferno, acabava de sair do sepulcro.
Conluio para negar a Ressurreição
Passado aquele primeiro momento de
assombro, os guardas fora de si fugiram para a cidade, e foram contar aos
príncipes dos sacerdotes os fatos prodigiosos de que tinham sido testemunhas. Os
sacerdotes, apavorados e desconcertados, conferenciaram logo entre si sobre o
modo como poderiam ocultar a verdade ao povo, e de antemão pô-lo de pé atrás
contra as manifestações que sem dúvida ocorreriam.
Mandando imediatamente convocar os anciãos,
não encontraram melhor artifício para se livrar do caso do que subornar os
soldados a peso de dinheiro. Prometeram a cada um deles uma soma avultada, se
estivessem dispostos a explicar ao povo que, enquanto eles dormiam, os
discípulos de Jesus tinham levado o corpo do seu Mestre.
Os soldados objetaram que, se Pilatos ouvisse
falar do furto do cadáver, teriam de lhe dar contas de como procederam. Respondeu-lhes
o Conselho que se encarregava de desculpá-los perante o governador. Deste modo,
livres de perigo, os soldados se apossaram do dinheiro que lhes deram, e
propalaram entre os judeus a fábula ridícula do suposto roubo. Com isto nada
mais conseguiam do que desonrar-se, pois era bem fácil lançar-lhes em face: Se vocês estavam dormindo, como dizem, não poderiam
ver nem ouvir nada durante o sono. Como então se atrevem a afirmar que os
discípulos levaram o cadáver?2
O dia da Ressurreição terá um nome
particular: Domingo, o Dia do Senhor, o dia do eterno aleluia, porque “nesse dia a Vida e a Morte combateram num
assombroso duelo, e o Senhor da Vida venceu a morte. O Senhor ressuscitou
verdadeiramente! Aleluia!”. Assim hão de cantar os filhos do Reino que
Jesus, saído do sepulcro, vai agora estabelecer no mundo inteiro e perpetuar
até o fim dos séculos.
Um Anjo anuncia a Ressurreição
Depois da prisão
do Mestre, os apóstolos esconderam-se todos, salvo João, que não desamparou a
Virgem Maria durante a Paixão. Dos outros, nenhum apareceu no Calvário, sequer
para levar Jesus ao sepulcro. Durante três dias, conservaram-se cuidadosamente
escondidos, pois receavam que os tomassem por cúmplices do Crucificado. Pouca
razão tinha o Sinédrio para supô-los capazes de ir roubar o corpo, eles que nem
se atreviam a aparecer nas ruas.
No sábado,
restabelecida a calma na cidade, dirigiram-se um após outro ao cenáculo,
consternados e aniquilados. Parecia-lhes que estava tudo perdido. O passado se
lhes afigurava um sonho, o Reino futuro uma quimera, e Jesus um mistério
impenetrável que os confundia e oprimia.
O coração não podia
desapegá-los de um Mestre cuja dedicação e inefável ternura bem conheciam, mas
não sabiam o que pensar daquele taumaturgo que de repente se tornara impotente
contra os sinedritas, a ponto de se deixar prender, condenar e crucificar por
eles, como um vil criminoso! Desanimados e desesperançados, choravam e se
lamentavam no meio das Santas Mulheres, enquanto João lhes contava as
plangentes cenas do pretório e do Calvário.
Passou-se assim
o dia do sábado, sem que nenhuma esperança lhes reanimasse as almas abatidas.
Começava já o terceiro dia após a morte de Jesus, e ninguém pensava na
Ressurreição. O Salvador repousava no sepulcro.
As Santas
Mulheres, em vez de esperarem diante do sepulcro para vê-Lo sair,
preocupavam-se em embalsamá-Lo, já que o tinham feito na véspera muito às
pressas. Terminado o sábado, foram elas comprar perfumes para O amortalhar com
mais cuidado, e evitar assim que se corrompesse prematuramente.
Quanto aos
apóstolos, estavam todos num estado de marasmo e esquecimento, sem esperança
nem fé, quando já o Anjo da Ressurreição tinha posto em fuga os guardas
espantados. Os acontecimentos provaram bem quanto o escândalo da cruz os tinha
tornado incrédulos.
Mal raiou a
aurora do domingo, Maria Madalena, Maria de Cleofas e Salomé saíram de
Jerusalém e foram para o Calvário com as mãos cheias de perfumes, muito
preocupadas em saber quem retiraria a enorme pedra que impedia o acesso à gruta
sepulcral.
Mais impaciente,
Madalena tomou a dianteira. Mas ao chegar ao sepulcro, espantou-se quando viu a
pedra já removida, e a entrada completamente livre. Persuadida de que tinham
roubado o corpo, deixou as companheiras, e sem perda de tempo correu ao
cenáculo para contar aos apóstolos o que vira: “Levaram o corpo do Mestre, e
não sabemos onde O puseram”.
Enquanto isso suas
duas companheiras, chegando ao sepulcro, penetraram na câmara onde tinha sido
depositado o Corpo de Jesus. À direita do sepulcro viram um anjo, cujo aspecto
majestoso e vestes cintilantes encheram-nas de assombro. Disse-lhes o anjo: “Não temais: sei que vindes procurar Jesus,
o Crucificado. Já não está aqui. Ressuscitou, como havia dito. Vinde e vede o
lugar onde foi deposto. Ide já e dizei aos discípulos de Jesus que Ele irá adiante
de vós para a Galileia. Lá é que O vereis, como Ele vos prometeu”. As duas
mulheres, trêmulas e assustadas, saíram do sepulcro e fugiram, sem se atrever a
contar a outros a mínima palavra sobre aquela aparição (Mt 28, 1-7).
Aparição de Jesus a Santa Maria Madalena
Pedro e João,
ouvindo o relato de Madalena, foram com ela ao sepulcro de Jesus. João, sendo
mais novo e mais ágil, chegou primeiro, espreitou o interior da sepultura, viu
as mortalhas postas no chão, porém não entrou. Alguns instantes depois chegou
Pedro, e penetrou no jazigo para certificar-se do que tinha ocorrido. Viu as
faixas a um lado, e o sudário que cobria o corpo dobrado à parte.
Depois entrou
João no sepulcro, fez as mesmas observações e concluíram ambos, como Madalena,
que tinham roubado o corpo. Nenhum deles imaginou que Jesus tivesse
ressuscitado, pois um espesso véu, como diz o próprio São João, lhes toldava o
espírito, de tal modo que as profecias da Escritura sobre a morte e
ressurreição do Messias eram para eles letra morta. Desorientados, voltaram ao
cenáculo, procurando explicar aquela misteriosa desaparição.
Maria Madalena,
porém, não pôde resignar-se a ir com eles. Sentada junto do Sepulcro, pôs-se a
chorar, pensando ansiosa onde teriam ocultado o corpo do seu Mestre. E com os
olhos banhados em lágrimas, de novo se inclinava para examinar com mais atenção
o interior do jazigo, quando dois anjos lhe apareceram, dizendo:
— Mulher, por que choras?
— Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.
Ao proferir
estas palavras, sentiu passos atrás de si. Voltou-se de repente, e encontrou-se
em presença de um ‘desconhecido’, que lhe perguntou também:
— Mulher, por que choras?
Era o Divino
Ressuscitado, mas ela não O reconheceu. Pensou tratar-se do jardineiro, e
absorta sempre no seu primeiro pensamento, respondeu:
— Senhor, se o levaste, dize-me onde O puseste,
e eu irei buscá-lo.
Como não haveria
Jesus de abrir os olhos àquela Madalena penitente, que Ele tinha visto chorar
ao pé da cruz, e que agora tornava a encontrar, inconsolável, junto do seu
sepulcro? Com aquele acento divino que penetra até o mais profundo da alma,
pronunciou Jesus esta simples palavra:
“Maria!”. E ela, pelo tom daquela voz que tantas vezes a comovera,
reconheceu Jesus.
— Meu bom Mestre! – exclamou ela,
transportada de alegria, e logo Lhe caiu aos pés, abraçando-os. Agarrava-se Àquele
a Quem acabava de achar, como se Ele lhe fosse fugir ainda. Disse-lhe Jesus:
— Não me detenhas. Em breve, é certo, vos
deixarei para voltar ao meu Pai, mas esse momento ainda não chegou. Vai já ter
com os meus irmãos, e dize-lhes: Não tardarei em subir para meu Pai e vosso
Pai, para meu Deus e vosso Deus (Jo 20, 11-17).
Nosso Senhor aparece às Santas Mulheres. Catedral de Notre-Dame, Paris. [Foto: Frederico Viotti]. |
Aparição de Jesus às Santas Mulheres
Deste modo
apareceu Jesus primeiro a Maria Madalena, para com este favor incomparável
recompensar o incomparável amor da Santa penitente. Apareceu igualmente ao
grupo das Santas Mulheres, que não O tinham desamparado nas suas dores. Pouco
depois da partida de Madalena, foram ao sepulcro Joana, esposa de Chusa, e
outras mulheres da Galileia, pensando encontrar lá o Corpo do seu Mestre e
prestar-Lhe as últimas honras. Mas não O encontrando, ficaram junto do sepulcro
grandemente consternadas. Aos seus olhos se apresentaram dois anjos em trajes
resplandecentes de luz. Elas baixaram os olhos, cheias de temor, porém um dos
mensageiros celestes animou-as:
— Não venhais procurar entre os mortos um Vivo.
Jesus já não está aqui; ressuscitou, conforme prometeu. Lembrai-vos, pois, do
que Ele vos dizia na Galileia: É preciso que o Filho do Homem seja entregue aos
pecadores. Será crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia (Lc 24, 1-10).
De fato, por
estas palavras do anjo as Santas Mulheres lembraram-se perfeitamente de que
Jesus lhes predissera a sua morte e ressurreição. O anjo acrescentou:
— Voltai depressa a Jerusalém, e dizei aos
discípulos e a Pedro que Jesus ressuscitou e irá adiante de vós para a Galileia.
Iam pressurosas
anunciar esta boa nova, quando de repente um homem as fez parar, e disse: Mulheres, Deus vos salve. Era o próprio Jesus. Elas o reconheceram e se lançaram
aos seus pés, abraçando-os, e adoraram com amor o seu Senhor e seu Deus.
Consolou-as o bom Mestre, e disse-lhes antes de se despedir:
— Agora não temais. Ide dizer a meus irmãos
que vão para a Galileia, onde Me verão” (Mt 28, 6-10).
Tais são os
fatos pelos quais Jesus, desde a aurora de domingo, se manifestou às Santas
Mulheres, a quem constituiu testemunhas da sua Ressurreição junto dos seus
apóstolos. Mas, a fim de que ninguém pudesse tachar de credulidade aos que em
breve deviam pregar Jesus ressuscitado ao mundo, permitiu Deus que os
apóstolos, obstinados na sua cegueira, rejeitassem os testemunhos daquelas
Santas Mulheres, sem deles querer saber.
Madalena, a
primeira a voltar do sepulcro com o coração a transbordar de alegria, entrou no
cenáculo exclamando:
— Vi o Senhor! Vi-O com os meus olhos, e eis o
que me encarregou de vos dizer.
No entanto, por
mais que afirmasse e contasse detalhadamente as circunstâncias da aparição com
que Jesus a favoreceu, em nada quiseram crer os apóstolos e discípulos
presentes no cenáculo. Em vão as suas companheiras, a quem foi concedido igual
favor, vieram por seu turno afirmar que tinham visto, ouvido e adorado o
Salvador ressuscitado. Trataram-nas como alucinadas e visionárias. Só Deus
podia tirar os apóstolos do abismo de desalento e desesperança em que os
mergulhara a Paixão e Morte do seu Mestre (Mc 16, 9-11).
Aparição de Jesus a alguns discípulos
Na tarde daquele
mesmo dia, dois daqueles discípulos incrédulos tomaram a resolução de voltar
para as suas casas. O que mais os partidários do Crucificado podiam esperar em
Jerusalém, senão insultos e perseguições? Eles habitavam em Emaús, pequena
aldeia escondida entre montes, a uns 100 quilômetros de distância de Jerusalém.
Pensavam eles que lá encontrariam, a par de um refúgio, o esquecimento das suas
amargas decepções.
Enquanto
caminhavam desconsolados e abatidos, conversavam, como era natural, acerca dos
tristes acontecimentos daqueles últimos dias. E procuravam inutilmente
achar-lhes uma explicação, quando um desconhecido que ia na mesma direção se
aproximou com ar benévolo. Era Jesus, mas com uma aparência que não lhes permitiu
reconhecê-lo, e perguntou:
— Qual é o assunto da vossa conversa? Pareceis dominados por uma grande tristeza.
Parece que esta
pergunta os surpreendeu, pois um dos dois caminhantes, chamado Cleofas, perguntou:
— Tu és o único forasteiro em Jerusalém que
ignora o sucedido lá durante estes últimos dias?
— Então, o que foi?
— Ora, foi o fim trágico de Jesus de Nazaré,
aquele Profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo.
Tereis sabido, sem dúvida, como os príncipes dos sacerdotes e os nossos anciãos
O entregaram aos tribunais, O condenaram à morte e O crucificaram. Ora, nós
esperávamos que fosse Ele o Redentor de Israel.
O desconhecido
ia ouvindo com atenção, e o seu olhar interrogativo parecia perguntar aos
discípulos por que perderam a confiança. Cleofas acrescentou:
— Hoje é o terceiro dia depois que estes fatos
se passaram. E o que poderíamos nós esperar? Verdade é que esta manhã, desde a
aurora, umas mulheres nos contaram certas coisas estranhas. Tendo ido ao
sepulcro de Jesus, não encontraram nele o corpo. Pretenderam até ter visto uns
anjos que lhes teriam afirmado a ressurreição d’Ele. Movidos pelo que elas
diziam, foram alguns dos nossos ao sepulcro e verificaram a exatidão das suas
palavras. O sepulcro estava realmente vazio, mas não encontraram Jesus.
Mal tinha Cleofas
exposto as suas dúvidas, quando o desconhecido, fitando os dois discípulos e
animando-se gradualmente, exclamou:
— Ó homens cegos, como é duro o vosso coração,
e quão vagarosos sois em dar fé às palavras dos profetas! Pois não era
necessário que morresse Cristo, e assim entrasse na sua glória?
Em seguida,
começando por Moisés, referiu todas as profecias que falavam do Messias e
explicou-lhes o sentido das Escrituras, com tal encanto e autoridade, que os
dois incrédulos ficaram arrebatados de admiração. Quando se aproximavam da aldeia
de Emaús, o desconhecido parecia querer continuar a sua viagem. Os dois
discípulos, porém, pediram-Lhe que passasse a noite em casa deles:
— Ficai conosco, porque já é tarde e o sol está se pondo.
Jesus cedeu às
suas instâncias. No entanto, durante a refeição da tarde, Jesus tomou o pão,
benzeu-o, partiu-o e apresentou-o aos seus dois companheiros. De repente se
abriram os olhos deles, e reconheceram o bom Mestre. Mas Ele desapareceu da sua
presença.
Aparição de Jesus aos Apóstolos
Ficando a sós,
Cleofas e o amigo sentiram-se tomados por uma santa alegria:
— Não é verdade que o coração nos ardia cá
dentro, quando Ele pelo caminho nos falava e explicava as Escrituras?
E não esperaram até
o dia seguinte para comunicar a grande nova aos seus irmãos. Retomando logo o
caminho de Jerusalém, entraram no cenáculo, onde encontraram os apóstolos com
certo número de discípulos. Continuavam a conversar sobre os sucessos do dia, e
contavam que, além das aparições às Santas Mulheres, tinha Jesus aparecido ao
apóstolo Pedro. Referiram detalhadamente os discípulos de Emaús o que lhes
sucedera naquela tarde, e como tinham reconhecido o Mestre ao partir o pão.
Estas narrativas estimulavam os incrédulos, mas sem chegarem a convencê-los (Lc
24, 13-35).
À hora da
refeição, puseram-se os apóstolos à mesa, com as portas da sala cautelosamente
fechadas, porque receavam que os fariseus os acusassem de ter roubado o Corpo
de Jesus. Enquanto discutiam energicamente entre si os novos testemunhos a favor
da Ressurreição, Jesus apareceu subitamente no meio deles, e disse:
— A paz seja convosco. Não temais, sou Eu a
Quem vedes.
Perturbados e
atemorizados, no primeiro momento os apóstolos, sem poderem crer nos olhos e
ouvidos, tomaram-no por um fantasma. Ele os repreendeu:
— Por que vos perturbais desse modo, e pensamentos vãos vos passam pelo espírito?
Vede as minhas mãos e os meus pés, tocai-os, e vereis bem que é o vosso Mestre
Quem vos fala. Um espírito não tem carne nem ossos como os que Eu tenho.
Enquanto dizia
isto, mostrava-lhes as mãos, os pés e a chaga do lado. Apesar da imensa alegria
que os invadia, ainda pareciam duvidar, e Ele perguntou:
— Tendes alguma coisa de comer?
Eles Lhe
ofereceram uma posta de peixe frito e um favo de mel, que Jesus comeu na
presença deles (Lc 24, 36-43).
Jesus revela a missão dos apóstolos
Desvanecidas então
todas as suas dúvidas, os apóstolos caíram de joelhos aos pés do Mestre, com
demonstrações de júbilo e amor indescritíveis. Disto se aproveitou Jesus para
repreendê-los, com suavidade, da falta de fé que os impedira de crer nos
primeiros testemunhos da sua Ressurreição. Em seguida, recapitulando todos os
fatos da Paixão, por eles tão mal compreendidos, lembrou-lhes os seus divinos
ensinamentos:
— Quando Eu ainda estava convosco, disse-vos
muitas vezes que devia cumprir-se tudo o que de Mim está escrito nos livros de
Moisés, dos Profetas e Salmos; e que, por conseguinte, era preciso que Cristo
sofresse e ressuscitasse ao terceiro dia depois da sua morte, para que depois,
em seu Nome, se pregasse a penitência e perdão dos pecados a todas as nações, a
começar por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destes grandes acontecimentos”
(Lc 24, 44-48).
Não só deviam
ser testemunhas de Cristo, mas também os depositários do seu poder,
encarregados de dispensar às almas as graças que Ele lhes merecera com a sua
morte. Naquele mesmo cenáculo já os tinha constituído sacerdotes do sacramento
do seu amor. Hoje, que de novo com eles se encontrava, depois de ter oferecido
o seu Sangue pela remissão dos pecados, ia fazer deles ministros do sacramento
da penitência e reconciliação.
Continuando a
conversar com eles, Jesus tomou uma atitude grave e solene, e com um tom de voz
cheio de majestade, disse-lhes de novo:
— A paz esteja convosco. Como o meu Pai Me
enviou, assim Eu vos envio a vós.
Depois soprou
sobre eles, dizendo:
— Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes,
ser-lhes-ão retidos.
Tendo assim
comunicado aos apóstolos o poder divino de lavar as almas no seu precioso
Sangue, desapareceu Jesus, deixando-os a todos reconfortados (Jo 20, 21-23).
A incredulidade de São Tomé – Duccio di Buoninsegna (1255–1319). Museo dell’Opera del Duomo, Siena. |
Incredulidade de São Tomé – ver para
crer
Tomé, um dos 12,
não se encontrava com os seus companheiros quando Jesus lhes apareceu. Logo que
entrou, começaram todos a dizer-lhe alvoroçados: “Vimos o Senhor”. Porém Tomé, muito incrédulo, respondeu que não
aceitaria outro testemunho que não fosse o dos sentidos:
— Se eu não Lhe vir nas mãos as aberturas dos
pregos, e se não Lhe meter o dedo pelas chagas e a minha mão na abertura do
lado, não hei de crer.
Tendo feito esta
declaração, persistiu na sua incredulidade, apesar da insistência de todos os
seus irmãos. Oito dias depois, lá estavam ainda os discípulos reunidos no
cenáculo, e Tomé com eles. De repente, não obstante estarem fechadas as portas,
Jesus apareceu de novo no meio da assistência, e disse: A paz esteja convosco! Logo, dirigindo-se ao incrédulo,
interpelou-o nestes termos:
— Tomé, olha as minhas mãos e mete aqui o teu
dedo; aproxima a tua mão e mete-a na chaga do meu lado. E agora não sejas
incrédulo, mas homem de fé.
Vencido pela
evidência, exclamou Tomé:
— Meu Senhor e meu Deus!
Cheio de júbilo
e de amor, Tomé caiu de joelhos aos pés de Jesus, que prosseguiu:
— Tomé, tu creste porque viste. Bem aventurados
os que crêem sem ter visto! (Jo 21, 24-29).
Não é possível
levar a incredulidade mais longe do que fizeram os apóstolos. Sobre este fato
capital da Ressurreição – predito muitas vezes, e pelo qual consequentemente
deviam esperar — recusaram acreditar no testemunho dos anjos, de Maria
Madalena, das Santas Mulheres, dos dois discípulos que acabavam de ver Jesus
ressuscitado e conversar com Ele, e até no testemunho dos seus próprios olhos.
Só depois de O
terem tocado e de O terem visto comer, eles caíram de joelhos aos pés de Jesus.
E ainda então, quando todas as testemunhas oculares, apóstolos e discípulos contaram
a Tomé que viram e ouviram Jesus ressuscitado, e que com eles comera, este
insistiu em dizer que não acreditaria antes de meter ele mesmo o dedo nas
chagas das mãos e na abertura do lado. Jesus prestou-se a todas essas
exigências, Tomé introduziu as suas mãos nas chagas de Jesus, em presença de
todos os seus irmãos, e afinal caiu de joelhos, exclamando: Meu Senhor e meu Deus!
É claro que
Jesus permitiu esta incredulidade cega, e verdadeiramente inexplicável, porque
quis fazer dos seus apóstolos testemunhas irrecusáveis da sua Ressurreição. Quando
fossem por todo o mundo pregar a Ressurreição de Jesus, ninguém poderia tachar
de credulidade esses homens que se mostraram tão incrédulos, nem acusar de
impostura esses apóstolos que, depois de terem desamparado o seu Mestre no
momento da sua Paixão, afinal se deixaram degolar, para com isso atestar a
verdade da Ressurreição.
Avançam os estandartes do Rei
A
vida dos homens e a sua ação terminam geralmente com a morte. Mas a vida de
Jesus e o seu reinado na Terra, ao contrário, começam no momento em que Ele
morreu pela salvação do mundo.
Naquele dia, seu
Pai O investiu na realeza sobre essa raça de Adão, que Jesus acabava de
arrancar à morte e ao inferno. E por isso a cruz, que foi o instrumento da sua
vitória, tornar-se-á o estandarte do seu reinado — Vexilla Regis — e por ela converterá todos os povos: judeus,
romanos, idólatras e bárbaros. Por isso Jesus suspirava pelo batismo de sangue:
Quando for levantado entre o céu e a
terra, atrairei todos a Mim (Jo 12, 32).
No dia de Páscoa,
ao sair do túmulo, Jesus não encontraria quem acreditasse na sua Ressurreição.
A única exceção era a sua Mãe, a Mãe das Dores, a única cuja fé não naufragara
no momento da Paixão. Ao pé da cruz, Maria viu sofrer e morrer o seu Filho, mas
sua fé não sofreu o menor eclipse. Naqueles três dias de trevas havia apenas uma
alma luminosa, portanto, para fundar o seu Reino. Ela nunca esqueceu que o seu
Jesus, seu Filho e seu Deus, ressuscitaria ao terceiro dia, como anunciara.
Por isso, ao mencionar
as diversas aparições de Jesus aos apóstolos incrédulos, para reavivar sua fé, cala-se
a Escritura sobre as aparições inegáveis de Jesus a Maria. Desnecessárias, para
esse efeito, Àquela cuja fé jamais vacilara. Houve três dias, portanto — especialmente
o sábado, quando Jesus jazia no Sepulcro — em que Maria era sozinha a Igreja
nascente. Ao lado do novo Adão, a nova Eva, a Mãe dos crentes.
Em oito dias
Jesus conquistou os seus apóstolos, as Santas Mulheres e certo número de
discípulos que, tendo-O visto com os olhos, aderiram a Ele de todo o coração e
se tornaram os zelosos missionários da sua Ressurreição. Durante aquela
primeira semana, a Igreja inteira estava encerrada no cenáculo.
Para fazê-la
crescer, era preciso deixar Jerusalém, onde só podiam reunir-se a portas
fechadas, para não excitar o furor dos deicidas. Logo após as festas pascais,
retomaram os apóstolos o caminho da Galileia, segundo a ordem de Jesus. Naquele
país querido do seu coração, Ele devia passar ainda 40 dias na Terra para consolar
os seus, fortificá-los, dar-lhes as últimas instruções sobre o Reino de Deus.
A pesca milagrosa na Galileia
Enquanto
esperavam que o Mestre se manifestasse de novo, retomaram os apóstolos as suas
ocupações ordinárias. Uma tarde, achavam-se nas margens do lago sete dentre
eles — Simão Pedro, Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu com mais outros dois.
O mar estava favorável. Pedro disse aos companheiros:
— Vou pescar.
— E nós vamos contigo – responderam os
outros.
Subiram a uma
barca e lançaram as redes. Mas, apesar dos seus esforços, nada apanharam
durante toda a noite. Chegada a manhã, avistaram um homem de pé na praia, que parecia
interessado no que faziam. Era Jesus, mas eles não O reconheceram. Disse-lhes
Ele em tom familiar:
— Rapazes, tendes algum peixe que se coma?
Ante a resposta
negativa, ele determinou:
— Deitai a rede à direita da barca, e logo achareis.
Obedeceram, pois
grande parecia a segurança daquele homem. Logo a rede encheu-se com tal
quantidade de peixes, que mal a podiam erguer. Ao ver aquela pesca
verdadeiramente prodigiosa, João sentiu o coração a dizer-lhe que era o bom
Mestre: É o Senhor! — disse ele a
Pedro. Este, sempre impetuoso, vestiu a túnica e atirou-se ao mar para chegar
mais depressa aonde Jesus estava. Os outros aproximaram a barca, distanciada apenas
uns cento e trinta metros, e arrastaram a rede cheia de peixes. Descendo à
praia, viram uns carvões acesos, sobre este fogo um peixe a assar, e ao lado
pão. Convidou-os Jesus a tomar parte na refeição que lhes tinha preparado:
— Trazei alguns dos peixes que agora
pescastes.
Correu Pedro à
barca, e quando tirou a rede para terra, encontrou 153 grandes peixes. Apesar
daquele peso enorme, malha nenhuma da rede se rompeu. Disse-lhes então Jesus:
— Aproximai-vos agora, e comei.
São Pedro eleito Vigário de Cristo na
Terra
Juntaram-se
todos à volta de Jesus. Como outrora, o bom Mestre tomou o pão e o distribuiu,
e também o peixe. Já não havia, porém, a doce familiaridade dos passados dias.
Na presença do divino Ressuscitado, os temerosos apóstolos estavam calados, e
não se atreviam a fazer uma pergunta. Esperaram que ele se dignasse a tomar a
palavra (Jo 21, 1-14).
Uma vez que Ele tinha
patenteado aos seus olhos, por duas vezes, a verdade da Ressurreição, o fim
desta terceira aparição era lembrar-lhes a grande missão que lhes confiava, e
sobretudo mostrar a missão de Pedro como chefe designado da sua Igreja.
Terminada a refeição, dirigindo-se Jesus a Pedro, fez-lhe esta pergunta:
— Simão, filho de João, tu me amas mais que
estes?
Pedro
compreendeu a pungente alusão. Tinha afirmado que permaneceria fiel, mesmo que todos
os seus companheiros abandonassem o Salvador, e Jesus pedia-lhe contas daquela
palavra de jactância, que ele tão cedo desmentira com a sua tríplice negação.
Profundamente humilhado, respondeu com simplicidade:
— Senhor, Vós sabeis que vos amo.
— Apascenta os meus cordeirinhos! – disse-lhe
Jesus.
Depois, como se
receasse não ter sondado bem o coração do apóstolo, antes de lhe confiar aquela
função de pastor, perguntou-lhe segunda vez:
— Simão, filho de João, tu me amas?
Não perguntava
se O amava mais que os outros, mas se O amava realmente. Ao pensar que Jesus
parecia duvidar do seu amor, Pedro humilhou-se ainda mais profundamente, e
apelou para Aquele que lia no íntimo dos corações.
— Senhor, Vós bem sabeis que vos amo.
— Apascenta os meus cordeiros! – respondeu-lhe
Jesus.
Contudo, o olhar
do Salvador continuava pregado no apóstolo. Pela terceira vez, interpelou-o
solenemente:
— Simão, filho de João, amas-me tu de coração?
Desta vez, a
confusão cedeu lugar à tristeza. Pedro pareceu pedir misericórdia:
— Senhor, Vós sabeis tudo, Vós bem sabeis
quanto vos amo.
— Apascenta as minhas ovelhas! –
repetiu-lhe Jesus.
Por esta última
palavra, compreendeu Pedro que Jesus lhe tinha querido fazer expiar a tríplice
negação com uma tríplice proclamação de amor. E à medida que as proclamações
lhe saíam do coração, mais humildes e mais ardentes, colocava-lhe o Divino
Pastor sob o cajado os cordeirinhos, os cordeiros e as ovelhas, isto é, todo o
seu rebanho.
E ficava Pedro
sendo aquilo que Jesus lhe indicara em Cesareia de Filipe: o fundamento visível
do novo Reino, o Pastor Universal, o Vigário de Cristo na Terra. Por isso ardia
Pedro em desejo de dizer — e desta vez do mais íntimo do coração — que estava
disposto a todas as dedicações e sacrifícios por amor da glória do seu Mestre e
salvação do rebanho que Ele se dignara confiar-lhe.
Mas Jesus não
lhe deu tempo. Adiantando-se ao seu pensamento, disse-lhe:
— Pedro, em verdade te digo, quando eras novo,
cingias-te a ti mesmo e ias para onde bem te parecia. Mas dia virá em que, já
velho, estenderás os braços e outro te cingirá e levará para onde tu não
queres.
Era isto
anunciar-lhe o martírio. Pedro pôde ver de antemão as cadeias que o haviam de
prender, os carrascos a arrastarem-no ao suplício e os seus braços estendidos
na cruz. Disse-lhe então Jesus: Segue-me!
E Pedro avançou atrás das pegadas do seu Mestre, decidido a sofrer tudo por
amor d’Ele.
A alguma distância
os seguia o apóstolo João, o discípulo privilegiado de Jesus, companheiro
inseparável de Pedro. Quis Pedro saber se o seu amigo compartilharia as
provações que Jesus acabava de lhe fazer entrever. Designando aquele que os
seguia, perguntou Pedro:
— E este, o que lhe reservais, Senhor?
Jesus deu-lhe
esta misteriosa resposta:
— Se Eu quero que ele fique neste mundo até
que Eu venha, que te importa isso a ti? Quanto a ti, segue-Me.
Por ocasião
destas palavras, correu entre os irmãos o rumor de que João não morreria, e que
seria arrebatado ao Céu. Ora, Jesus dissera simplesmente que João não haveria
de morrer antes de ver o Filho do Homem manifestar o seu poder pelo castigo da
cidade deicida. Pedro morreria de morte violenta, à imitação de Jesus, mas João
ficaria neste mundo até o dia em que a morte, por ordem do Mestre, lhe rompesse
os fios da existência (Jo 21, 15-23).
Missão de expandir a Igreja por todo o
mundo
Tais foram as
particularidades que assinalaram aquela aparição de Jesus nas margens do lago
da Galileia. E por muitas vezes, durante aqueles 40 dias, apareceu deste modo,
quer aos apóstolos reunidos, quer a um deles em particular. Tiago menor,
parente de Jesus, gozou deste insigne favor (I Cor 15, 7). Estas manifestações
ensinaram aos antigos discípulos que Jesus tinha verdadeiramente ressuscitado,
como anunciara, e com isto o número dos crentes foi crescendo dia a dia.
Antes de deixar
este mundo, ordenou Jesus aos apóstolos que se reunissem todos num monte
próximo, no cimo do qual, em presença da sua Igreja nascente, a missão de
propagar e governar o Reino de Deus seria conferida solenemente aos 12 que
escolhera. No dia fixado, dirigiram-se os apóstolos para o monte designado,
seguidos de mais 500 discípulos (I Cor 15, 6), vindos da Galileia e de Jerusalém.
A Igreja, que
havia alguns dias estava toda encerrada no cenáculo, já cobria agora todo o
planalto do monte. De repente apareceu Jesus no meio da assembleia, e todos
caíram de joelhos diante d’Ele e O adoraram como seu Deus e Salvador. Alguns,
contudo, mal podiam crer nos seus olhos e pensavam se não teriam diante de si
algum espírito ou fantasma. Mas Jesus bem depressa lhes dissipou todas as
dúvidas.
Com a autoridade
e majestade de Deus, tomou a palavra no meio da multidão silenciosa e admirada.
Dirigindo-se aos apóstolos e a todos os que deviam trabalhar com eles na preparação
do seu Reino, disse:
— Todo o poder Me foi dado no Céu e na Terra.
Ide, pois, pelo mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Ensinai todas as
nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinai a
guardar os Mandamentos que vos dei. Quem crer e for batizado, será salvo. Quem
não crer, será condenado! (Mc 16, 15-16; Mt 28, 18-20).
E ao ver os seus
representantes levarem a todos os povos o seu Evangelho, o seu Batismo e os
seus Mandamentos, conferiu-lhes Jesus, com o dom dos milagres, o sinal autêntico
da sua divina missão:
— Os que em Mim crerem terão o poder de
expulsar os demônios em meu Nome, falarão línguas novas, não temerão o veneno
da serpente nem quaisquer outros; porão as mãos nos doentes e os doentes
ficarão curados (Mc 16, 17-18).
Armados destes
poderes prodigiosos, os apóstolos converterão os homens de boa vontade. Mas
quem os defenderá contra os malvados e sectários, dispostos a tratá-los como
trataram o seu Mestre? Ao terminar o seu discurso, exclamou Jesus:
— Não temais. Eis que Eu estarei sempre
convosco até a consumação dos séculos (Mt 28, 20).
E desapareceu
depois desta solene promessa, deixando os apóstolos e discípulos cheios de
confiança na vitória do seu Mestre. Pois, afinal, quem será capaz de vencer
Aquele que venceu a morte?
____________
Notas:
1.
1. As cinco últimas estações da Via
Sacra: o despojamento das vestes, a crucifixão, o levantamento da cruz, a pedra
da unção ou preparação do corpo para a sepultura e o sepulcro acham-se encerradas
dentro da Basílica do Santo Sepulcro.
2.
2. Todos conhecem o dilema que Santo
Agostinho pôs àqueles infelizes guardas: “Se
dormíeis, como sabeis que furtaram o corpo? Se não dormíeis, por que o
deixastes furtar?”
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