22 de maio de 2024

Eis a minha maior confiança e toda a razão da minha esperança

 

A Virgem da Humildade – Fra Angelico (ca. 1433-35).
 Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, Madri


(Oração composta por São Bernardo de Claraval)

 

Ó doce Virgem Maria, minha augusta soberana, minha amável Senhora, minha Mãe amorosíssima, ó doce Virgem, eu coloquei em Vós toda minha esperança e não serei confundido.

Doce Virgem Maria, creio tão firmemente que do alto do Céu Vós velais dia e noite sobre mim e sobre aqueles que esperam em Vós; estou tão intimamente convencido de que jamais pode faltar nada quando se espera tudo de Vós, que resolvi viver doravante sem nenhuma apreensão, e descarregar inteiramente sobre Vós as minhas iniquidades.

Doce Virgem Maria, Vós me estabelecestes na mais inabalável confiança.

Oh, mil vezes obrigado por uma graça tão preciosa. Ficarei daqui por diante em paz sob o vosso coração tão puro.

Não pensarei mais senão em Vos amar, em Vos obedecer, enquanto Vós gerireis, Vós mesma, minha boa Mãe, os meus mais caros interesses.

Ó doce Virgem Maria, que entre os filhos dos homens, uns esperem sua felicidade de sua riqueza, outros a procurem em seus talentos; que outros se apoiem sobre a inocência de sua vida ou sobre o rigor de sua penitência, ou sobre o fervor de suas orações, ou sobre o grande número de suas boas obras.

Por mim, ó Mãe, esperarei só em Vós, só em Vós depois de Deus. E todo o fundamento de minha esperança será mesmo minha confiança em vossa bondade materna.

Doce Virgem Maria, os maus poderão roubar-me a reputação e o pouco de bem que possuo. As doenças poderão tirar-me as forças e a faculdade exterior de Vos servir. Eu poderei mesmo, infelizmente, minha terna Mãe, perder vossas boas graças pelo pecado.

Mas minha amorosa confiança em vossas maternais bondades, esta jamais perderei. Eu conservarei essa confiança inabalável até o meu último suspiro. Todos os esforços do inferno não a roubarão.

Morrerei repetindo mil vezes vosso nome bendito e fazendo repousar sobre vosso Imaculado Coração toda a minha esperança.

E se estou tão firmemente seguro de esperar sempre em Vós, não é senão porque Vós mesma me ensinastes, ó doce Virgem, que Vós sois toda misericórdia?

Estou, portanto, seguro, ó boa e amorosa Mãe, de que Vos invocarei sempre, e de que Vós me consolareis.

Eu Vos agradecerei sempre, porque Vós sempre me aliviareis. Vos servirei sempre, porque Vós sempre me ajudareis.

Vos amarei sempre, porque Vós sempre me amareis. Obterei tudo de Vós, porque vosso amor, sempre generoso, irá além de minha esperança.

Sim, é somente de Vós, ó doce Virgem, que, apesar de minhas faltas, espero o único bem que desejo, o meu Jesus, no tempo e na eternidade.

É somente de Vós, porque sois Vós que meu Divino Salvador escolheu para me dispensar todos os favores, para me conduzir seguramente até Ele.

Sim, sois Vós, Mãe, que depois de ter aprendido a participar das humilhações e sofrimentos de vosso Divino Filho, me introduzireis na glória e nas delícias, para O louvar e bendizer, junto a Vós e convosco, pelos séculos dos séculos. Assim seja.

Eis a minha maior confiança e toda a razão da minha esperança. Ecce mea maxima fiducia et tota ratio spei mei.

Imagem de São Bernardo
na casa natal,
 em Fontaine-lès-Dijon, França.
 (Foto Frederico Viotti) 


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COMENTÁRIOS DA ORAÇÃO

Em uma conferência no dia 3 de janeiro de 1967, Plinio Corrêa de Oliveira comenta essa abrasadora e belíssima oração de São Bernardo de Claraval, que reproduzimos como homenagem e agradecimento a Nossa Senhora neste mês de maio consagrado a Ela. 

A oração foi extraída da obra Acte d'aveugle abandon et d'amoureuse confiance en la douce Vierge Marie. Cfr. “Livre d'Or – Manuel complet de la parfaite dévotion à la très sainte Vierge d'après S. Louis-Marie de Montfort", 6ª edição, Pères Montfortains, Louvain, 1960, pp. 689-692.

 

No auge da tormenta, é hora de preparar o incenso para cantar o “Magnificat”

Quando o sofrimento chegar ao auge, Nossa Senhora intervirá e nos salvará. Devemos ter uma confiança inabalável, durante a vida e na hora de nossa morte.

A oração é verdadeiramente maravilhosa! Ela tem as características da oração de São Bernardo: com um misto de humildade e de arrojo, de ternura e de fogo, de varonilidade, que é difícil encontrar reunidas nas expressões de um só homem.

De um lado, a ternura para com Nossa Senhora chega ao último limite a que pode chegar. Sobretudo, chega ao último limite a persuasão da ternura d’Ela para conosco.

De outro lado, no modo de cantar a ternura d’Ela, há uma espécie de audácia nessa ternura, de audácia encorajada por essa ternura, estimulada por essa ternura, que faz exatamente dessa oração uma obra-prima, porque tem toda a suavidade própria a uma pomba, mas com voo de águia.

Vai até o Coração Imaculado de Maria diretamente. E com uma liberdade, com um desembaraço — eu ousaria dizer, com uma familiaridade cheia de veneração —, mas de intimidade, que verdadeiramente causa espanto.

Ele fala aqui da virtude da confiança e mostra no que essa virtude consiste. Mostra as razões dessa virtude. Consiste fundamentalmente em saber que Nossa Senhora é toda ternura, que n’Ela não há senão ternura.

Quer dizer, não há severidade, não há juízo, não há justiça, não existe outra coisa n’Ela a não ser isso. E como isso é assim e essa é a disposição d’Ela em relação a todos os homens, é lógico, é forçoso, é inevitável que cada homem que sabe que isso é assim, tenha n’Ela uma confiança sem limites.

Uma confiança no quê? Em duas gamas: em primeiro lugar, quanto à vida terrena; em segundo lugar, quanto à vida eterna.

Confiança de que Nossa Senhora vai gerir os interesses dele nesta vida. E é uma confiança que abrange, portanto, de algum modo, também os interesses terrenos verdadeiramente ditos.

É verdade que São Bernardo era religioso e que não tinha, nesse sentido, interesse terreno. Ele tinha voto de pobreza, de castidade e de obediência; os interesses materiais dele estavam todos atendidos no convento.

Mas é verdade também que ele fala aqui em termos gerais, não só para o religioso, mas é uma oração que qualquer fiel pode repetir e fazê-la sua. E aqui se entende que nós, nos nossos próprios interesses terrenos, naquilo que eles têm de legítimo, de santificante, devemos confiar em Nossa Senhora.

*   *   *

Devemos pedir a Nossa Senhora que Ela faça por nós aquilo que não somos capazes de fazer.

Todos sabemos que a Providência tem desígnios insondáveis e que pode, portanto, querer nos sujeitar, de um momento para o outro, a um sofrimento que nós não prevemos.

Sabemos também que a Providência quer, genericamente, daqueles a quem Ela ama, que passem por muitos sofrimentos. Sabemos, portanto, que nesta vida temos de sofrer.

Sem embargo disso, há interesses terrenos que por um movimento interno da graça, por um certo senso das proporções, nós sabemos e vemos que, muito provavelmente, a Providência não quer que se percam nem que se imolem. Esses interesses nós devemos entregar a Nossa Senhora.

Ela velará por eles, os apoiará, os protegerá, de tal maneira que não temos de estar com ansiedade, com “torcidas”, com sofreguidão e falta de distância psíquica.

No momento pior das nossas angústias e preocupações, devemos nos lembrar daquilo que diz o Abbé Saint-Laurent no Livro da Confiança: quando a tormenta tiver chegado ao auge, é hora de preparar o incenso e todo o necessário para cantar o “Magnificat”. Porque quando o sofrimento chegar ao auge, Nossa Senhora intervirá e nos salvará. Quer dizer, essa é uma confiança inabalável.

Confiança que cresce de ponto quando não se trata de nossos interesses terrenos individuais, mas das questões de apostolado.

Nossa Senhora quer nosso apostolado — Ela tem dado disso mil provas e está multiplicando essas provas continuamente —, e se Ela quer nosso apostolado, Ela levará o apostolado ao sucesso.

E não temos que nos colocar no ponto de vista péssimo: “Eu, por mim, resolvo os assuntos comuns do apostolado com minhas forças e minha capacidade. Nossa Senhora resolva o extraordinário”.



Nossa Senhora, como Medianeira onipotente junto a Deus, resolve tudo. Eu preciso de auxílio d´Ela para as coisas grandes e pequenas. Para as corriqueiras, como para as enormes.

E ainda que as coisas de apostolado possam parecer muito complicadas, muito comprometidas, eu devo confiar em que Ela resolva; eu ponho a minha confiança n’Ela e não penso noutra coisa.

Isso se aplica ainda mais à nossa vida espiritual. Nossa Senhora nos chamou, nos chama à santidade. Se Ela nos chama para a santidade, Ela não interromperá a obra que Ela começou e nos levará até lá, se soubermos confiar.

Alguém dirá: “Dr. Plinio, belas palavras… Na realidade, elas são vácuas e não correspondem a nada, porque se eu pecar eu estou criando obstáculos à ação de Nossa Senhora. E se eu estou criando obstáculos à ação d’Ela, não posso supor que Ela vá me santificar. Quer dizer, o senhor está dizendo uma coisa que é muito bonita, mas que não vale nada, não tem consistência. É uma quimera”.

A resposta está aqui mesmo em São Bernardo. Ainda que alguém tenha a dor enorme de ter gravemente ofendido Nossa Senhora, é preciso continuar a confiar n’Ela. Porque se desconfiar d’Ela, estará tudo perdido. A porta do Céu é Ela! E se nós, pela nossa falta de confiança, fecharmos a porta do Céu, nós mesmos nos condenamos.

*   *   *

Se, pelo contrário, continuarmos a confiar em Nossa Senhora contra toda esperança, Ela pelo menos receberá de nós essa forma de glória, que é a do pecador que confia n’Ela. É uma forma de glória, mesmo sendo o pecado um atentado à glória d’Ela.

O pecador que continua a confiar n’Ela dá-lhe uma forma de glória que nenhum justo pode dar, e que é exatamente a glória da confiança daquele que ofendeu.

Ter confiança, esperar contra toda esperança, mesmo dentro das dificuldades de nossa vida espiritual, é o que São Bernardo recomenda intensamente.

Lembremo-nos das palavras de São Francisco Xavier de que o pior do pecado — ainda que seja um horror — não é tanto o pecado, mas é o fato de o pecador perder a confiança em Deus. Aí é que vem o pior pecado.

Porque enquanto confia, o caminho ainda está aberto, tudo é possível. Mesmo para o pecado do tíbio, aquele sobre o qual Nosso Senhor disse: “Eu te vomitarei da minha boca”.

Coroação da Virgem – Fra Filippo Lippi, séc XV.
Catedral de Santa Maria Assunta, Espoleto (Itália)


Na oração, São Bernardo fala da vida eterna: quando chegar a hora da morte, ele confia que a confiança dele seja tal, que morra com o coração recostado sobre o Imaculado Coração de Maria. É expressão, naturalmente simbólica, mas é uma admirável expressão que tem um valor enorme.

Lembra aquela posição de São João Evangelista Jesus na Última Ceia, recostado sobre o Sagrado Coração de Jesus ouvindo as suas pulsações, perguntando quem é que haveria de traí-Lo.

São Bernardo revela uma esperança muito grande de que Nossa Senhora, na hora da morte, nos ajudará. Ela poderá diminuir os horrores desse transe, nos dar uma morte cheia dos sentimentos da presença d’Ela, se isso for para sua maior glória e para o bem de nossa alma.

Ainda que nossa morte deva ser muito árida, que essa aridez possa ser para o bem de nossa alma, para nós irmos para o Céu, passarmos o menor tempo possível no Purgatório, irmos para o mais alto possível do Céu, e que os sofrimentos da hora da morte nos ajudem a salvar muitas almas.

Este é o pensamento admirável contido na oração de São Bernardo.

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