Audiência de São Pio X no Pátio de São Dâmaso, em 1904
“A sua palavra era
trovão, era espada, era bálsamo [...]. Com seu olhar de águia, mais perspicaz e mais seguro do que a visão
estreita de pensadores míopes, via o mundo tal qual era, via a missão da Igreja
no mundo, via com olhos de santo Pastor, o dever que lhe incumbia no seio de
uma sociedade descristianizada, de uma cristandade contaminada, ou ao menos
infiltrada dos erros do tempo e perversão do século” (Palavras do Papa Pio XII
a respeito de São Pio X).
✅ Paulo Roberto Campos
A
Santa Igreja celebra neste ano três importantes efemérides relacionadas a um
grande Papa, que foi também um grande defensor da Fé, um grande Santo. Falamos
de São Pio X. 110 anos de seu falecimento, em 20 de agosto de 1914; 80 anos da
exumação de seu corpo, encontrado incorrupto, em 19 de maio de 1944; 70 anos de
sua canonização por Pio XII, em 29 de maio de 1954.
O
governo pontifício de São Pio X (1903-1914) foi marcado pelo profundo combate
que empreendeu com inteligência e destemor contra os erros que se infiltravam na
Igreja, sobretudo os erros do modernismo,
heresia dissimulada e perniciosíssima para a Cristandade e com muitos traços
semelhantes ao progressismo impulsionado maximamente pelo Concílio
Vaticano II (1962-1965), convocado por João XXIII e encerrado no Pontificado de
Paulo VI.1
Eis
que em nossos dias o progressismo
(dito católico) atinge o clímax na tentativa de “modernizar” e deturpar os
dogmas, o Magistério perene e as tradições católicas — tradições majestosas que
tanto aborrecem os progressistas
“teólogos da libertação”.
O
Movimento Modernista pretendia uma
reforma na Igreja sob o pretexto de uma suposta necessidade de renovações, de
progresso e de seguir as leis da evolução nos costumes e até na Fé.
De
uma bondade e afabilidade angelicais em relação aos filhos fiéis da Igreja,
entretanto de uma firmeza e intrepidez igualmente angélicas, São Pio X primeiramente
repreendeu e exortou os seguidores de tal movimento à conversão, acolheu os
convertidos e depois — não obtendo o arrependimento — os condenou com vigor
como um Anjo empunhando a espada de fogo da ortodoxia.
No Decreto Lamentabili
sane exitu, de 3 de julho
de 1907, São Pio X condenou formalmente 65 proposições modernistas relativas à natureza da Igreja, à revelação, aos
sacramentos, à divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a erros na exegese da
Sagrada Escritura e na interpretação de dogmas.
Medalha comemorando a Encíclica Pascendi Dominici Gregis com a qual São Pio X condenou o Movimento Modernista |
Inimigos ocultos no próprio seio da Igreja
Como nem com o Decreto nem com as medidas mais suaves os modernistas não se emendaram, mas continuaram arrogantes na conduta e obstinados no erro, dois meses depois o Romano Pontífice se viu obrigado a tomar medidas mais severas. Aprofundou a problemática, escrevendo sua magistral Encíclica sobre os erros do modernismo, a Pascendi Dominici Gregis, de 8 de setembro de 19072, que marcou profundamente os ambientes católicos e intelectuais do século XX.
Considerado como sendo um dos maiores lances na
História da Igreja, o documento, redigido com ‘mão de ferro sob luvas de
pelica’, fulminou a artimanha, uma verdadeira conspiração interna concebida pelo
Movimento Modernista que visava debilitar a Religião Católica
apresentando-a não tanto como obra divina, mas humana, ou de meras concepções
filosóficas.
A fim de contestar os erros
do modernismo, afirma o santo autor:
“Exige que sem demora falemos, é antes de tudo que os fautores do erro
já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, o que é muito para
sentir e recear, se ocultam no próprio seio da Igreja, tornando-se destarte
tanto mais nocivos quanto menos percebidos.
“Aludimos, Veneráveis Irmãos, a muitos membros do laicato católico e
também, coisa ainda mais para lastimar, a não poucos do clero que, fingindo
amor à Igreja e sem nenhum sólido conhecimento de filosofia e teologia, mas,
embebidos antes das teorias envenenadas dos inimigos da Igreja, blasonam,
postergando todo o comedimento, de reformadores da mesma Igreja; e cerrando
ousadamente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de
Cristo, sem pouparem sequer a mesma pessoa do divino Redentor que, com audácia
sacrílega, rebaixam à craveira de um puro e simples homem”.3
São
Pio X estigmatizou tal heresia como sendo a “síntese de todas as heresias”:
“Não se trata de doutrinas vagas e desconexas, mas
de um corpo uno e compacto de doutrinas em que, admitida uma, todas as demais
também o deverão ser. Por isso, também quisemos servir-nos de uma forma quase
didática, e nem recusamos os vocábulos bárbaros, que os modernistas adotam. Se, pois, de uma só vista de olhos atentarmos
para todo o sistema, a ninguém causará pasmo ouvir-Nos defini-lo, afirmando ser
ele a síntese de todas as heresias”.4
Erros do Modernismo serpeavam nos meios católicos
Na citada encíclica resta evidenciado que aquele
movimento articulava uma pérfida (e muito poderosa) conjuração anticatólica,
organizada por pessoas muito labiosas que se apresentavam dissimuladas de
católicas e davam aos “erros do Modernismo” uma aparência de verdade.
Assim, iludiam mais facilmente muitos fiéis, redobrando o malefício às almas com
a pregação de concepções contrárias à doutrina católica, teorias protestantizantes
conformes à “reforma” revolucionária do heresiarca Matin Lutero.Carta Pastoral do Cardeal
Arcebispo do Rio de
Janeiro
comunicando ao clero e aos
fiéis da
arquidiocese a
Encíclica de São Pio X
(1908)
“Já vimos essas ideias condenadas pelo Concílio
Vaticano I [convocado pelo bem-aventurado Papa Pio IX em 1869]. Veremos ainda como, com semelhantes
teorias, unidos a outros erros já mencionados, se abre caminho para o ateísmo”.5
Abrasado com o zelo que deve ter o Vigário de
Cristo na Terra, o modernismo foi fulminado como sendo uma seita dos
mais perigosos inimigos da Igreja, agindo dentro d’Ela. E por essas razões seus
líderes foram desmascarados, alguns excomungados e interditadas suas
publicações, jornais, livros etc.
Na época, eles galgavam postos-chaves junto à
hierarquia eclesiástica, elevavam-se nos púlpitos e nas cátedras, agiam tanto
nos confessionários quanto nas ruas, para introduzir na Igreja a mania das
novidades, os erros do mundo moderno. Eram lobos vorazes disfarçados de dóceis ovelhas
para enganar os fiéis (mas incautos) católicos, além de menosprezarem as belas
e seculares tradições da Igreja, sugerindo-lhes “reformas” opostas às tradições
da Cristandade e à doutrina de sempre ensinada no Evangelho.
Condenados
aqueles que arrastam outros ao erro
O Pontífice afirmou que os modernistas infiltraram
na Igreja para mais eficazmente destruí-la, relativizando e adulterando seu
ensino perene e infalível:
“Não se afastará, portanto, da verdade quem os tiver como os
mais perigosos inimigos da Igreja. Estes, em verdade, como dissemos, não já
fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos conselhos; e por isto, é
por assim dizer nas próprias veias e entranhas d’Ela que se acha o perigo,
tanto mais ruinoso quanto mais intimamente eles a conhecem. Além de que, não
sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as mesmas raízes que são a Fé e suas
fibras mais vitais, é que meneiam eles o machado”.6
Assim
deve proceder o Bom Pastor na defesa de suas ovelhas, usando seu cajado para
expulsar os lobos do redil. Referindo-se aos modernistas, o Pastor dos Pastores, com palavras da Escritura, os increpa:
“Devido
ao inimigo do gênero humano, nunca faltaram homens de perverso dizer (At 20,30), vaníloquos e
sedutores (Tit 1,10), que
caídos eles em erro arrastam os demais ao erro (2 Tim 3,13). Contudo, há mister confessar que nestes
últimos tempos cresceu sobremaneira o número dos inimigos da Cruz de Cristo, os
quais, com artifícios de todo ardilosos, se esforçam por baldar a virtude
vivificante da Igreja e solapar pelos alicerces, se dado lhes fosse, o mesmo
reino de Jesus Cristo. Por isto já não Nos é lícito calar para não parecer
faltarmos ao Nosso santíssimo dever, e para que se Nos não acuse de descuido de
nossa obrigação, a benignidade de que, na esperança de melhores disposições,
até agora usamos.
“Cegos,
na verdade, a conduzirem outros cegos, são esses homens que inchados de
orgulhosa ciência, deliram a ponto de perverter o conceito de verdade e o
genuíno conceito religioso, divulgando um novo sistema, com o qual, arrastados
por desenfreada mania de novidades, não procuram a verdade onde certamente se
acha; e, desprezando as santas e apostólicas tradições, apegam-se a doutrinas
ocas, fúteis, incertas, reprovadas pela Igreja, com as quais homens
estultíssimos julgam fortalecer e sustentar a verdade (Gregório XVI, Encíclica Singulari Nos 7 julho 1834)”7.
Semelhança dos modernistas com os
progressistas atuais
Logo na primeira parte deste artigo destacamos a luta do
Santo Pontífice contra o Movimento
Modernista. A razão se deve à grande semelhança com a luta que hoje travamos
contra o progressismo. Os neomodernistas — também estes
infiltrados nos ambientes (incredibile
dictu, mesmo nos mais altos) da
Santa Igreja — continuam a ação, e herdaram os mesmos erros daquele movimento
condenado no início do século XX.
Mas
o governo de São Pio X não se restringiu a esse combate para destruir os
inimigos, foi também um frutuoso período de muitas construções de fortalezas
espirituais visando “Restaurar o Reinado
Social de Jesus Cristo”. [vide
quadro no final].
No mínimo, precisaríamos de um livro para elencar os grandes
lances desse glorioso Pontificado, por exemplo, seus trabalhos dedicados à
reorganização do Código de Direito
Canônico — depois promulgado pelo sucessor, o Papa Bento XV. Um monumento
inaugurado por Pio XI, em 28 de junho de 1923, sintetiza em títulos algo do
período de São Pio X no Vaticano. Na base da imagem do santo há oito painéis em
bronze representando atributos primordiais daquele curto período de 11 anos:
· * Papa da Eucaristia;
· * Defensor da Fé;
· * Apoiador da França Católica;
· * Patrono das Artes;
· * Guardião dos Estudos Bíblicos;
· * Reorganizador do Direito Canônico;
· * Reformador da Música Sacra;
· * Pai dos Órfãos e dos Abandonados.
O Papa por excelência
do Santíssimo Sacramento
Pelo menos de passagem, poderíamos discorrer um pouco sobre o primeiro título, “O Papa da Eucaristia”. Um dos pilares de seu Pontificado foi seu desempenho incrementando enormemente a devoção ao Santíssimo Sacramento. Ele incentivou ao máximo essa devoção, aconselhou a comunhão quotidiana e a comunhão às crianças. A tal ponto que passou para a História com a honra de tal título.
“A sagrada comunhão é
o caminho mais curto e seguro para o Céu”, afirmava São Pio X. Declarou que
“todos os fiéis têm liberdade de receber a sagrada comunhão com frequência e
até diariamente, como é desejo de Jesus Cristo e de Sua Igreja; e que,
portanto, não se deve negá-la a ninguém, que se aproxime da Sagrada Mesa em estado de graça e com reta e devota intenção”.
Certa
vez uma senhora da alta sociedade perguntou ao Papa: “Que posso fazer pela Igreja de Deus?”. — “Ensinai o catecismo”, foi a sua resposta.8
O
Santo Padre foi um apóstolo da Primeira Comunhão às crianças. Propagou em todos
os países o ensino do catecismo a elas, a fim de que desde cedo conhecessem as
noções elementares da doutrina católica e pudessem comungar a partir da “idade
da discrição” (fase em que os pequenos alcançam a capacidade de discernir entre
o certo e o errado). Para a Primeira Comunhão bastava que elas “soubessem
distinguir entre o ‘Pão Eucarístico’ e o ‘pão material ordinário’”, e que se exigisse delas apenas que tivessem
“certo conhecimento dos rudimentos da fé”.
O
próprio Papa pessoalmente ensinava o catecismo às crianças, insistia na prática
da confissão frequente e as preparava para a Primeira Comunhão. Numa dessas catequeses,
recomendou-lhes que fossem “obedientes e
desprendidos de vós mesmos, aplicados na oração e no estudo, diligentes para
com Deus e seu santo serviço, mas principalmente assíduos na recepção dos
sacramentos e na devoção à santa eucaristia, esse deverá ser o apostolado junto
aos vossos companheiros”.9
Com
seu apostolado da Sagrada Hóstia dificultou que as heresias modernistas e jansenistas se expandissem nos meios católicos. O jansenismo10 negava a
infinita misericórdia de Deus, o que diminuía a confiança n’Ele e esfriava o
fervor da devoção ao Santíssimo Sacramento.
Pelo
contrário, São Pio X assegurou: “A devoção à Eucaristia é a mais nobre de
todas as devoções, porque tem o próprio Deus por objeto; é a mais salutar
porque nos dá o próprio autor da graça; é a mais suave, pois suave é o Senhor. Se os anjos pudessem sentir inveja, nos
invejariam porque podemos comungar”.
O defensor da fé católica entrega sua alma a Deus
Nos
primórdios da Primeira Guerra Mundial, em 20 de agosto de 1914, os grandes
sinos do Vaticano anunciaram que o Santo Papa havia morrido. Uma morte um tanto
suspeita e misteriosa, pois aqueles que com ele conviviam, que conheciam seu
estado de saúde, não esperavam esse trágico desfecho, apesar de sua saúde
debilitada e de sua enorme preocupação com os rumos que poderiam tomar a Grande
Guerra que acabava de eclodir.
Contudo, os líderes modernistas pareciam esperar tal
desfecho. Eles se exultaram com a morte do santo, pois assim ficavam livres
para agir sem aquele obstáculo quase intransponível. Alguns autores chegam a suspeitar
de uma morte “encomendada”.
O
último gesto de São Pio X foi beijar um crucifixo que segurava muito
devotamente. “Das mãos de seu amigo, Mons. Bressan, recebeu [São Pio X] devota
e alegremente os últimos sacramentos. ‘Seja feita a vontade do Senhor, a Ele
sem reservas me entrego’, foram as suas últimas palavras.
Respondia ainda às orações,
que junto dele se faziam, mas a sua voz ia se enfraquecendo cada vez mais, até
extinguir-se completamente. Na noite de 19 para 20 [de agosto] não lograva mais
falar. Reconhecia, porém, os que o rodeavam, apertava-lhes a mão,
abençoando-os. De quando em quando traçava um largo sinal da cruz. Logo depois
de uma e um quarto da madrugada entregou sua nobre alma ao Criador. Era o dia
20 de agosto de 1914. Morreu como tinha vivido: tranquilo e resignado”.11
Corpo encontrado
incorrupto e assim se mantém até hoje
Três décadas após sua morte, no dia 19
de maio de 1944, exatamente há 80 anos, abriram o sarcófago de São Pio X na
presença dos prelados membros do Tribunal
do Processo Apostólico. Para admiração de todos, seu corpo foi encontrado
incorrupto, sem que tivesse sido embalsamado — como era costume — devido a um pedido
expresso dele. O Papa João XXIII observa
o
corpo incorrupto de São Pio X
Um
dos presentes documentou:
“Abrindo o caixão, encontraram o corpo
intacto, vestido com as insígnias papais tal como foi enterrado 30 anos antes.
Sob a firme pele que cobria a face, o contorno do crânio era claramente
reconhecível. As cavidades dos olhos pareciam escuras, mas não vazias; estavam
cobertas pelas pálpebras muito enrugadas e afundadas. O cabelo era branco e
cobria o topo da cabeça completamente. A cruz peitoral e o anel pastoral
brilhavam reluzentes. Em seu último testamento, Pio X pediu especialmente que
seu corpo não fosse tocado e que o tradicional embalsamamento não fosse
realizado. Apesar disso, seu corpo estava excelentemente preservado. Nenhuma
parte do esqueleto estava descoberta, nenhum osso exposto. Enquanto o corpo
estava rígido, os braços, cotovelos e ombros estavam totalmente flexíveis. As
mãos eram belas e magras, e as unhas nos dedos estavam perfeitamente
preservadas”.
O fato
prodigioso de seu corpo ter sido encontrado incorrupto na exumação, e assim
permanecer até hoje, o que pode representar para nós? — Além de um evidente grande
milagre, poder-se-ia dizer que se trata de símbolo de um Pontificado que
combateu todo tipo de corrupção e um sinal de Deus de que o ensinamento desse
seu Vigário na Terra foi sempre fundamentado na doutrina incorruptível
da Santa Igreja de Deus.
Na lápide de seu sarcófago original, uma modesta inscrição foi gravada:
“Papa Pio X,
pobre e contudo rico, manso e humilde de coração, defensor invicto da fé católica,
desejoso de instaurar tudo em Cristo, falecido piedosamente aos 20 de agosto do
ano do Senhor de 1914”.12
Beatificação e
canonização do Paladino da Igreja
Por
ocasião da beatificação do Santo Pontífice (3 de junho de 1951), o Papa Pio XII
falou da virtude da fortaleza e da arguta percepção dos acontecimentos; grandes
dons que a Providência Divina prodigalizou a seu santo predecessor:
“A
sua palavra era trovão, era espada, era bálsamo: comunicava-se intensamente a
Vida a Igreja e tinha eficácia para ser ouvida fora e ao longe; vinha cheia de
irresistível vigor, graças não só à substância incontestável do conteúdo, como
também ao seu profundo e penetrante calor. Sentia-se nela arder a alma de um
Pastor que vivia em Deus e de Deus, sem outro fim senão conduzir a Ele os seus
cordeiros e as suas ovelhas [...].
“Com seu olhar de águia, mais perspicaz e mais
seguro do que a visão estreita de pensadores míopes, via o mundo tal qual era,
via a missão da Igreja no mundo, via com olhos de santo Pastor, o dever que lhe
incumbia no seio de uma sociedade descristianizada, de uma cristandade
contaminada, ou ao menos infiltrada dos erros do tempo e perversão do século.
“Iluminado pela claridade da verdade eterna, guiado
por uma consciência delicada, lúcida, de rígida firmeza, tinha ele,
frequentemente acerca do dever do momento e das resoluções a tomar, intuições
cuja exatidão perfeita desconcertava os que não eram dotados das mesmas luzes”.13
Três anos
depois, o mesmo Papa Pio XII declarou à multidão na Praça de São Pedro, lotada
para assistir a canonização de São Pio X, em 29 de maio de 1954:
“A santidade, que se revela inspiração e guia dos empreendimentos de Pio X, brilhou ainda mais fulgurantemente nas suas ações quotidianas. Foi primeiro em si mesmo que realizou, antes de realizá-lo nos outros. Seu programa: reunir tudo, reconduzir tudo à unidade em Cristo. Como humilde pároco, como bispo, como Sumo Pontífice, esteve sempre convencido de que a santidade à qual Deus o destinou era a santidade sacerdotal. Que santidade pode de fato agradar mais a Deus por parte de um sacerdote da nova Lei, senão aquela que convém a um representante do Supremo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo, Aquele que deixou à Igreja a memória contínua, a renovação perpétua do sacrifício da Cruz na Santa Missa, até que Ele venha para o julgamento final; Aquele que mediante o sacramento da Eucaristia se entregou como alimento para as almas: ‘Quem comer deste pão viverá para sempre’?” 14
Desde os primórdios, a Igreja tem assegurada a
vitória
Neste ano em que se comemora o centésimo
décimo aniversário do passamento de São Pio X da Terra para o Céu; o octogésimo
de sua exumação e o septuagésimo de sua canonização, desejaríamos que inúmeras
homenagens oficiais da Santa Igreja lhe fossem prestadas. Entretanto, com muita
dor e tristeza, somos obrigados a reconhecer que nosso desejo certamente não
será realizado. Por quê?
Infelizmente, como é de conhecimento de
nossos leitores — e sobre isso nunca é suficiente insistir —, retomando o mesmo
processo iniciado pelos modernistas, a Igreja passa por um misterioso
processo de autodemolição “golpeada
também pelos que d’Ela fazem parte”, e que Ela “atravessa hoje
um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a
autodemolição”, como confessou Paulo VI em alocução aos alunos do Seminário
Lombardo, em 7 de dezembro de 1968.15
Quatro anos depois, o mesmo Paulo VI confirmou,
na Alocução Resistite fortes in fide,
que “por alguma fissura tenha
penetrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”.16
Transcorridos 110 anos do final de um
Pontificado que barrou a entrada da “fumaça de satanás” — a “autodemolição” em
sua época —, vemos que os neomodernistas
escancaram as janelas e as portas do Templo de Deus para a entrada da fumaça
diabólica.
Eles parecem levar a Igreja ao paroxismo
no processo de autodemolição com o estabelecimento de uma “nova-igreja”, na
qual no próprio Vaticano se cultuou um ídolo pagão, a Pachamama, que nada tem a ver com a Santa Igreja Católica
Apostólica Romana como instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas, apesar de tudo, d’Ele temos assegurada,
desde os primórdios da Igreja, a vitória final, quando prometeu que “portae inferi non praevalebunt” — as
portas do inferno não prevalecerão.
O atual e sinistro mar de demolições no
qual navega a Barca de Pedro,
parecendo naufragar de um momento para outro, não nos mete medo. Pelo
contrário, nos dá mais coragem para continuar a navegação, para lutar ainda
mais pela completa realização do lema de São Pio X no sentido da plena
restauração da Igreja e do Mundo, o que se alcançará com o Reinado do Imaculado
Coração de Maria, como profetizado em Fátima em 1917.
Que São Pio X, o grande Papa Defensor da
Fé, interceda do Céu por nós, e obtenha que Deus envie seus Anjos para colocarem
freio nesse processo revolucionário universal, antecipem o desmantelamento dos
inimigos da Igreja, e realizem o quanto antes o nosso pedido, feito diariamente
no Pai-Nosso: “Venha a nós o Vosso reino,
seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu”.
Síntese biográfica
Nascido em Riese (Lombardia) no dia 2 de junho de 1835, Giuseppe Melchiorre Sarto — assim se chamava o futuro Papa São Pio X — foi sucessivamente Vigário em sua cidade natal, Cônego em Treviso, Bispo de Mântua e Patriarca de Veneza. Eleito Papa no dia 4 de agosto de 1903, foi o 257º Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica. Exerceu seu glorioso Pontificado até seu último dia nesta terra de exílio, que deixou aos 79 anos, em 20 de agosto de 1914. Pio XII o beatificou em 3 de junho de 1951 e o canonizou exatamente há 70 anos, em 29 de maio de 1954.
Restaurar o Reinado Social de Jesus Cristo
“Instaurare omnia in Christo” (Restaurar
todas as coisas em Cristo) era o dístico do seu pontificado e resumo
de seu prodigioso empenho: restaurar o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Era a principal solução que indicava o Santo Padre: “Se alguém pedir
uma palavra de ordem, sempre daremos esta e não outra: Restaurar todas as
coisas em Cristo”.
Objetivo que definiu claramente com suas
indefectíveis palavras expressas na Encíclica Notre Charge Apostolique*, de 25
de agosto de 1910:
“Devemos repetir com toda energia nestes tempos de anarquia social
e intelectual, quando cada um se faz passar por mestre e legislador: a Cidade
não pode ser edificada de outra forma senão como Deus a construiu; a sociedade
não pode ser estabelecida a menos que a Igreja estabeleça as bases e
supervisione o trabalho; não, a civilização não é algo a ser inventado, nem a
Cidade Nova para ser construída nas nuvens; ela existiu e ainda existe: é a
civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de ser instaurada e
restaurada continuamente contra os ataques incessantes de utópicos insanos, revoltados
e malfeitores. OMNIA
INSTAURARE IN CHRISTO”.
(*) https://www.papalencyclicals.net/pius10/p10notre.htm
Notas:
1.
O Concílio Vaticano II foi classificado por Plinio Corrêa de Oliveira como “uma das maiores calamidades, se não a maior,
da História da Igreja”. “O êxito dos
êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio
enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio
Vaticano II a respeito do comunismo. […] Seu silêncio sobre o comunismo deixou
aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode estar inscrita,
enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro da Vida. É penoso
dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste sentido, o Concílio Vaticano
II como uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. A
partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “fumaça de
Satanás”, que se vai dilatando dia a dia mais, com a terrível força de expansão
dos gases. Para escândalo de incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo
entrou no sinistro processo da como que autodemolição”. (Plinio Corrêa de
Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Editora Artpress, São Paulo, Parte III,
capítulo II, 4, A, pp. 166-168).
2. A respeito da monumental Encíclica Pascendi
Dominici Gregis, Catolicismo
publicou uma série de três artigos de seu principal colaborador, o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira. Artigos que os leitores podem conferir na edição de
setembro/2007.
3. Os trechos aqui transcritos (entre aspas) da Encílica Pascendi
Dominici Gregis foram extraídos
como publicados no site oficial do Vaticano, disponíveis no link: https://www.vatican.va/content/pius-x/pt/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html
4. Ibid.
5. Ibid.
6. Ibid.
7. Ibid.
8. Constantino
Kempf S.J., A Santidade da Igreja,
oitava edição do original alemão, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre,
1936, p. 25.
9. Ibid. p. 26.
10. Heresia
que constituiu uma corrente semiprotestante no interior da Igreja. Era de um
rigorismo hirto e despropositado. Tal heresia, uma das mais perniciosas da
História da Igreja, foi instituída pelo holandês Cornélio Jansênio, bispo de
Ypres (1636). Este negava a infinita misericórdia de Deus e defendia a
predestinação. Infectou grande parcela de bispos, sacerdotes e leigos na França
e em outros países da Cristandade. A heresia jansenista foi condenada por
diversos Papas, entre os quais Inocêncio X, na bula papal Cum occasione (1653).
Mesmo assim, a heresia projetou-se nos séculos XVIII e XIX, e só foi debelada
quando São Pio X publicou o decreto favorecendo a comunhão frequente.
11. Constantino Kempf S.J.,
op. cit. p. 27.
12. Ibid. p. 23.
13. Breve por ocasião da
Beatificação de Pio X, Documentos Pontifícios, n° 83, Vozes, 1958, 2ª edição.
14.
https://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1954/documents/hf_p-xii_spe_19540529_pio-x.html
15. Em alocução aos alunos do Seminário Lombardo, no dia 7 de dezembro
de 1968, Paulo VI afirmou que “a Igreja
atravessa hoje um momento de inquietação. Alguns praticam a autocrítica,
dir-se-ia até a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e
complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num
florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande
assembleia conciliar. Há ainda este aspecto na Igreja, o do florescimento. Mas,
posto que bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu, fixa-se a atenção
mais especialmente sobre o aspecto doloroso. A Igreja é golpeada também pelos
que d´Ela fazem parte” (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia
Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188).
16. Cfr. Alocução “Resistite fortes in fide” (29 de junho de 1972), Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, p. 707.
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