30 de janeiro de 2025

SÃO JOÃO BOSCO

 

Dom Bosco em 1880 

No dia 31 deste mês comemoramos a festa de Dom Bosco, o Apóstolo da Juventude, que provou a eficácia e o valor de uma educação autenticamente católica.


  Plinio Maria Solimeo

 

“A vida de Dom Bosco é tão densa, tão variada e tem tão múltiplas facetas que, a quem se acerca para contemplá-la ou estudá-la, sempre lhe ficará na sombra alguma face importante do poliedro”[i].

         Com efeito, a Providência “o havia dotado prodigiosamente: pobreza e humildade de berço, mas lar cristianíssimo e amante do trabalho; uma mãe santa; de engenho pronto e vivo, presença agraciada e simpática; memória felicíssima; vontade a toda prova; robustez física invejável, força hercúlea, agilidade pasmosa, sensibilidade delicadíssima, acessível a todo o belo e bom; coração ‘segundo o coração de Deus’ e, posto que haveria de ser ‘pai dos órfãos’, sente o peso da orfandade paterna quando tem dois anos”[ii].

         Além disso, “Deus Nosso Senhor comprouve em fazer dele como um resumo dos carismas que adornaram a vida dos santos nas centúrias passadas. Porque Dom Bosco curava os enfermos com sua bênção, lia as consciências e o futuro, multiplicava os pães, as castanhas, as nozes para seus filhos, as medalhas e estampas para os devotos, e até as hóstias sagradas para que os fiéis não ficassem sem comungar. Teve várias vezes o dom da bilocação, ressuscitou três mortos, e os animais obedeciam, submissos, a seus mandatos. Mas sobretudo convertia os pecadores e ajudava eficacissimamente os bons a conservarem sua inocência”[iii].

         Isso de tal maneira que, como afirma Pio XI,“em Dom Bosco, o sobrenatural tinha chegado a ser natural, o extraordinário, ordinário, e a legenda áurea dos séculos passados, realidade presente”[iv].

         Tudo isso torna muito difícil tratar da vida desse santo em tão pouco espaço, além do mais porque São João Bosco é um dos santos dos quais se tem mais abundante bibliografia. Além de suas Memórias do Oratório e outros escritos seus nos quais há dados biográficos, temos os 19 volumes das Memórias Biográficas, organizadas por seu secretário e biógrafo, o Pe. João Batista Lemoyne.

Esse historiador da Congregação Salesiana teve farto material à sua disposição pois, além dos escritos do Santo, quando entrou no Oratório “viu que vários dos mais inteligentes filhos de Dom Bosco recolhiam cuidadosamente quanto de notável observavam nele, e que anotavam taquigraficamente seus discursos, conferências e o que mais os impressionava nas palavras que caíam de seus lábios, mesmo nas conversações familiares”[v]. Além do que, como secretário do santo, teve a oportunidade de consultá-lo sobre o farto material que tinha em mãos para essa obra.

Por isso, como já focalizamos a vida desse santo em nossa revista[vi], limitamo-nos hoje a ressaltar apenas alguns aspectos da influência de sua santa mãe em sua formação moral e religiosa, que o ajudou na prática da virtude e a alcançar a santidade.

 

Influência de uma mãe santa

São João Bosco nasceu num lar profundamente cristão. Seu pai,

 Francisco, era um camponês justo e temente a Deus, de fé profunda e caridade extrema. Na doença fulminante que lhe ceifou a vida aos 34 anos, ele se preparou cristãmente para a morte, recomendando à sua esposa e aos filhos que tivessem confiança na Providência, que não lhes faltaria. Em seu testamento, apesar dos poucos bens que deixava, estipulou que fossem rezadas 40 Missas pelo eterno descanso de sua alma.

         Sua viúva, “Mamãe Margarida”, então com 29 anos, ficou com a responsabilidade de cuidar da família de cinco membros: sua sogra também Margarida; Antônio, filho do primeiro casamento de Francisco, então com 9 anos; e seus dois filhos, José, com quatro anos e João, com apenas dois anos de idade.

         Profundamente religiosa, como dissemos, a influência da mãe sobre o filho caçula foi decisiva para a sua formação moral e religiosa. “Parece que a paciência e a doce firmeza de Mamãe Margarida influenciaram São João Bosco, e que toda uma parte da amenidade deste, de seus métodos afáveis, deve ser atribuído aos modos de sua mãe, à sua maneira de ordenar e de prescrever, sem gritos nem tumulto [...] Margarida terá sido uma dessas grandes educadoras natas que impõem sua vontade à maneira de doce implacabilidade”[vii].

         Com o tempo, essa amenidade e doçura que a mãe legou ao filho o tornaram um santo queridíssimo, não só de seus alunos, mas de todo o povo, grandes e pequenos.

Pois Nosso Senhor lhe deu “a irradiação da santidade e, com a irradiação, a influência, mediante uma simpatia mais única que rara. Em seus últimos anos sobretudo, as pessoas, ao vê-lo, sentiam-se atraídas; e os simples exclamavam: ‘Parece-se a Nosso Senhor!’; e os mais teólogos: ‘Quão bom deve ser Nosso Senhor, se Dom Bosco é tão bom!’. As crianças corriam para ele como atraídas por um ímã. E as multidões se aglomeravam à sua passagem para olhá-lo e pedir-lhe uma palavra, um sorriso ou... um milagre: o taumaturgo do século XIX”[viii].



Devoção a Nossa Senhora

         O eminente líder e batalhador católico, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, comentou que a bondade e a doçura de sua mãe, Lucilia, o haviam ajudado possantemente a compreender e a ter uma filial devoção a Nossa Senhora. O mesmo ocorreu com São João Bosco, como dizem seus biógrafos: “João Bosco é um fanático da Virgem. Mamãe Margarida lhe revelou, pelo seu exemplo, a bondade, a ternura, a solicitude de Mamãe Maria. As duas mães se confundem em seu coração. Dom Bosco será um dos grandes campeões de Maria, seu edificador, seu encarregado de negócios”[ix] .

Durante a carestia de 1817


Quando seu pai faleceu, uma carestia sem precedentes abatera-se sobre a Itália no ano de 1817, levando a miséria por toda parte. Milhares de famílias abandonavam os campos, indo procurar nas cidades o alimento. Dom Bosco diz em suas memórias “Encontravam-se pessoas mortas nos campos com a boca cheia de erva, com a qual tinham tentado aquietar sua fome raivosa”[x].

Durante essa carestia, Mamãe Margarida tinha que fazer das tripas coração para prover de alimentos a família. Agradecido, narra o filho: “Pode imaginar-se o quanto sofreria e se cansaria minha mãe durante ano tão calamitoso. Mas uma grande economia e o cuidado nas coisas mais miúdas, unidos a um trabalho esgotante, junto com a ajuda verdadeiramente providencial, contribuíram para salvar aquela crise de alimentos”[xi].

         Alguém propôs àquela viúva jovem e enérgica um novo casamento. Ela respondeu: “Deus me deu um marido, e o retomou; deixou-me três filhos ao morrer, e eu seria uma mãe cruel se os abandonasse quando mais necessitam de mim[xii].

         São João Bosco diz que “seu maior cuidado foi o de instruir seus filhos na religião, ensiná-los a obedecer, e mantê-los ocupados em trabalhos compatíveis com sua idade”. Desde muito pequeno, ela reunia o caçulinha com os outros dois irmãos, “Punha-me de joelhos com eles, de manhã e à noite, e todos juntos rezávamos as orações e a terceira parte do rosário”. Quando ele aprendeu a ler, “Em casa ela fazia-me rezar, ler um bom livro, e me dava aqueles conselhos que uma mãe engenhosa sabe dar oportunamente a seus filhos”[xiii].

Aos sete anos de idade, como era costume na época, São João Bosco fez a sua primeira confissão. “Recordo que ela me preparou para minha primeira confissão: acompanhou-me à igreja, confessou-se antes que eu, recomendou-me ao confessor, e depois me ajudou a dar as graças. Seguiu ajudando-me até que me julgou capaz de fazê-lo dignamente eu só”[xiv].

 

Dom Bosco abençoa alguns de seus alunos. 

“Guarda-te de cometer sacrilégios”

         Quando Dom Bosco fez 11 anos, deveria preparar-se para a Primeira Comunhão. Mas havia um problema: “ademais da distância da igreja, não conhecia o pároco, e devia limitar-me exclusivamente à instrução religiosa de minha boa mãe. E como ela não desejava deixar-me crescer mais sem praticar este grande ato de nossa religião, ela mesma acertou as coisas para preparar-me como melhor pôde e soube”[xv].

No dia da Primeira Comunhão, ela disse ao filho: “Meu querido filho! Este é um dia muito grande para ti. Estou persuadida de que Deus tomou verdadeira posse de teu coração. Promete-lhe que farás quanto possas para conservar-te bom até o fim de tua vida. No sucessivo, comunga com frequência, mas guarda-te bem de fazer sacrilégios. Diga tudo na confissão. Sê sempre obediente, vá de bom grado ao catecismo e aos sermões; mas, por amor de Deus, foge como da peste daqueles que têm más conversas[xvi].

         São João Bosco afirma que “minha mãe me queria muito, e eu tinha nela uma confiança tão ilimitada, que não teria atrevido a mover um pé sem seu consentimento. Ela sabia tudo [sobre seu apostolado com os amiguinhos], observava tudo, e me deixava fazer”[xvii].

 

“Propaga sempre a devoção a Maria”

Ao entrar no seminário maior, São João Bosco deixou as vestes seculares e vestiu a batina. Mamãe Margarida lhe disse então: “Tu vestiste o hábito sacerdotal; experimento todo o consolo que uma mãe pode ter pela fortuna de seu filho. Mas lembra-te de que não é o hábito o que honra teu estado, mas a prática da virtude. Se chegares a duvidar de tua vocação, por amor de Deus, não desonres este hábito. Tira-o em seguida. Prefiro ter um pobre camponês a um filho sacerdote descuidado de seus deveres. Quando vieste ao mundo, te consagrei à Santíssima Virgem; quando começaste os estudos, te recomendei a devoção a esta nossa Mãe; agora te recomendo ser todo dela; ama aos companheiros devotos de Maria; e se chegas a ser sacerdote, recomenda e propaga sempre a devoção a Maria[xviii].

         Nos primórdios do Oratório, Dom Bosco viu-se apurado para atender a tantas solicitações para cuidar de seus birichinni[xix]. Ele necessitava de alguém que o secundasse, com quem pudesse partilhar mais íntima e decididamente sua obra. Pensou então em sua mãe, que vivia aprazivelmente na casa do seu irmão José, junto aos netos. Ele pediu-lhe esse sacrifício. E Margarida aceitou. “E, se bem que chorando, recolheu seu anel nupcial, seu traje de noiva, suas poucas joias, seu pobre enxoval; e, a pé, com a cesta no braço, acompanhou o filho desde Becchi a Turim. Era o dia 3 de novembro de 1846. A obra de Dom Bosco começava a ser uma família”[xx].

 

Ataúde-relicário com o corpo de São João Bosco, na Basílica de Maria Auxiliadora, em Turim

Na glória celeste

Na noite de 24 para 25 de novembro de 1856 falecia Mamãe Margarida. Vendo aproximar-se a morte, ela disse a seu filho: “Deus sabe quanto te amei no curso de minha vida. Tenho a consciência tranquila; cumpri meu dever em tudo quanto pude. Talvez pareça que usei demasiado rigor alguma vez, mas não foi assim. Era a voz do dever que o impunha. Diga a nossos filhinhos que trabalhei por eles e que lhes tenho maternal carinho. Encomendo-te também que roguem por mim e que façam ao menos uma vez a santa comunhão por minha alma”.

“Mamãe Margarida foi uma verdadeira mãe para nossos meninos. Assegurou para sempre ao Oratório e à nossa obra em geral o espírito de família. Foi ela, sem pretender, a inventora das ‘Boas Noites’”[xxi].

         Conta Dom Bosco que, logo depois de sua morte, sua mãe começou a aparecer-lhe com frequência. Uma das vezes, quando ela lhe apareceu toda resplandecente de glória, o filho pediu-lhe que lhe desse ao menos uma pálida ideia da felicidade que ela gozava no Céu.

Dom Bosco prossegue: “Ela sorriu. E se tornou toda resplandecente, cheia de majestade, coberta com um manto preciosíssimo. Detrás dela havia um imponente coro de bem-aventurados. Ela pôs-se a cantar, e com ela, o coro. Era seu canto um cântico de amor a Deus de indizível harmonia e doçura; e ia direto ao coração; o invadia, transformava-o sem violentá-lo. Era a harmonia de mil e mil vozes e de todos os tons, com a variedade de tonalidades, de modulações e vibrações, às vezes forte, às vezes imperceptíveis, combinados com tal arte, que é impossível explicá-lo. Terminado o canto, voltou-se para mim dizendo-me: ‘Espero-te ali. Devemos estar sempre juntos’. E desapareceu”[xxii].



[i] Cardeal Pedro Maffi, citado pelo Pe. Rodolfo Fierro, S.D.B., Biografia e Escritos de San Juan Bosco, Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1968, Introdução Geral, p. 3.

[ii] Pe. Rodolfo Fierro, S.D.B., op.cit. p. 5.

[iii] Id. ib.p. 8.

[iv] Discurso de 3 de abril de 1932. Op. cit. p. 11.

[v] Op.cit. p. 5.

[vi] Catolicismo n. 625, de janeiro/2003.

[vii]La Varende, “Don Bosco”, Le Livre de Poche Chrétien, Arthème Fayard, Paris, pp. 15 e 21.

 

[viii] Rodolfo Fierro, op. cit. p. 8.

[ix]La Varende, op. cit. pp. 15 e 21.

 

[x] São João Bosco, Memórias do Oratório, BAC, 74.

[xi] Id. ib. p. 75.

[xii] Id. ib.

[xiii] Id. ib. pp. 75 e 82.

[xiv] Id. ib.

[xv] Id., p. 81.

[xvi] Id. p. 82.

[xvii] Id. p. 81.

[xviii] Id. P. 115.

[xix] Plural de “birichinno”, garoto, gaiato (Dizionario Portoghese-Italiano, Italiano-Portoghese, Carlo Parlagreco e Maria Cattarini, Antonio Vallardi Editore, Milano, 1960.

 

[xx] Rodolfo Fierro, op. cit. pp. 19-20.

[xxi] Memórias, p. 226.

[xxii] Id. p. 228.

 

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