25 de abril de 2023

O SONHO E A GRANDEZA DA “PEQUENA” TERESA


Continuação do post de 24-4-2023

Na sua obra História de uma Alma — os manuscritos autobiográficos, considerados “best-sellers da espiritualidade cristã” —, Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face revela que ansiava ardentemente ser não “apenas” uma santa carmelita, mas, como num elevado voo de águia, ter a alma de um Profeta, Doutor da Igreja, Apóstolo, Cruzado, Sacerdote, Mártir etc., tudo ao mesmo tempo, para poder amar e se dedicar ainda mais a Deus.

Sua grandeza de alma era tal, que somente uma missão não  lhe bastava; gostaria de realizar todos os heroísmos de todos os santos, inclusive ser flagelada e crucificada como Jesus Cristo.

Ela comenta que tudo isso poderia ser “loucuras” ou “devaneios”, mas seu amor por Nosso Senhor era tão grande, que desejava ser muitíssimo mais.

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Nota: Pode parecer erro, mas no texto que segue optamos por manter a grafia e a pontuação exatamente como no livro citado no final*, que repete de modo exato, como nas páginas originais manuscritas por Santa Teresinha, inclusive com as palavras em itálico e/ou em maiúsculas conforme ela escreveu — de modo entusiasmado, mas muitas vezes apressadamente e esgotada.

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Santa Teresinha, no Carmelo,
 no papel de Santa Joana d’Arc,
 na obra de teatro escrita
por ela mesma
(“Récréation pieuse”). 

“Ó meu Bem-Amado! Esta graça [amor e gratidão] era apenas o prelúdio de graças maiores, ainda, com que querias cumular-me. Deixa-me, meu único Amor, t’as relembrar, hoje... Hoje, o sexto aniversário de nossa união... [profissão dos votos] Ah! Perdoa-me, Jesus, se devaneio, querendo repetir meus desejos, minhas esperanças que tocam o infinito. Perdoa-me e cura minh’alma, dando-lhe o que ela espera!!!

“Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser, por minha união contigo, a mãe das almas, isto deveria bastar-me... Não é assim... Estes três, privilégios, Carmelita, Esposa e Mãe são, sem dúvida, minha vocação. Entretanto, sinto em mim outras vocações. Sinto-me com a vocação de GUERREIRO, de PADRE, de APÓSTOLO, de DOUTOR, de MÁRTIR. Enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar por ti, Jesus, todas as obras mais heroicas... Sinto em minh’alma a coragem de um Cruzado, de um Zuavo pontifício. Quisera morrer sobre um campo de batalha pela defesa da Igreja...

“Sinto em mim a vocação de SACERDOTE. Com que amor, ó Jesus, eu te traria em minhas mãos, quando, à minha voz, tivesses descido do Céu... Com que amor te daria às almas!... Mas ah! embora desejando ser Sacerdote, admiro e invejo a humildade de S. Francisco de Assis, e sinto a vocação de imitá-lo, recusando a sublime dignidade do Sacerdócio.

“Ó Jesus! meu amor, minha vida... como aliar estes contrastes? Como realizar os desejos de minha pobre almazinha?...

“Ah! apesar de minha pequenez, quisera esclarecer as almas como os Profetas, os Doutores, tenho a vocação de ser Apóstolo... Quisera percorrer a terra, pregar teu nome e implantar no solo infiel tua Cruz gloriosa. Mas, ó meu Bem-Amado, uma só missão não me bastaria. Quisera, ao mesmo tempo, anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até nas ilhas mais afastadas... Quisera ser missionária, não somente durante alguns anos, mas quisera tê-lo sido desde a criação do mundo e sê-lo até a consumação dos séculos... Quisera, sobretudo, ó meu Bem-Amado Salvador, derramar meu sangue, por ti, até a última gota...

“O Martírio, eis o sonho de minha juventude. Este sonho de minha juventude. Este sonho cresceu comigo nos claustros do Carmelo... Sinto, todavia, que nisto ainda, meu sonho é uma loucura, pois não me limito a desejar um gênero de martírio... Para satisfazer-me precisaria de todos... Como tu, meu Esposo Adorado, quisera ser flagelada e crucificada... Quisera ser esfolada como S. Bartolomeu... Como S. João, ser mergulhada no azeite fervendo. Quisera sofrer todos os suplícios infligidos aos mártires... Como Sta. Inês e Sta. Cecília, quisera apresentar meu pescoço à espada e como Joana D´Arc, minha irmã, quisera, sobre a fogueira, murmurar teu nome, Ó JESUS...

“Evocando os tormentos que serão a partilha dos cristãos no tempo do Anticristo, meu coração exulta e quisera que estes tormentos me fossem reservados... Jesus, Jesus, se quisesse escrever todos os meus desejos, ser-me-ia preciso tomar o livro da vida, onde são relatadas as ações de todos os Santos e essas ações quisera tê-las realizado por ti...

“Ó meu Jesus! O que vais responder a todas as minhas loucuras?... Haverá uma alma mais pequenina, mais impotente do que a minha?... Entretanto, por causa mesmo de minha fraqueza, aprouve-te, Senhor, cumular meus pequenos desejos infantis, e hoje, queres realizar outros desejos, maiores que o universo...

“Na hora da oração, fazendo-me estes desejos sofrer um verdadeiro martírio, abri as epístolas de S. Paulo, a fim de procurar alguma resposta. Os cap. XII e XIII da primeira epístola aos Coríntios caíram-me sob os olhos... Li, no primeiro, que todos não podem ser apóstolos, profetas, doutores, etc... que a Igreja é composta de diferentes membros e que o olho não pode ser, ao mesmo tempo, a mão... [Cf. I Cor., XII, 12-29]. A resposta era clara, mas não satisfazia meus desejos, não me dava a paz... Como Madalena, inclinando-se, sempre, junto ao túmulo vazio, acabou por encontrar o que procurava, assim descendo até as profundezas de meu nada elevei-me tão alto que pude atingir meu fim... [São João da Cruz, Poesias: Segundo Cântico sobre um êxtase. Sem me desanimar, continuei a leitura e esta frase aliviou-me “Procurai com ardor os DONS MAIS PERFEITOS, mas vou mostrar-vos, ainda, uma via mais excelente.” [I Cor. XII, 31]. E o Apóstolo explica como os dons mais PERFEITOS nada são sem o AMOR... e que a Caridade é a VIA EXCELENTE que conduz, seguramente, a Deus.

“Encontrei, enfim, o repouso... Considerando o corpo místico da Igreja, não me reconheci em nenhum dos membros descritos por S. Paulo, ou antes, queria reconhecer-me em todos... A caridade deu-me a chave de minha vocação. Compreendi que se a Igreja tinha um corpo, composto de diferentes membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tinha um Coração, e que este Coração era ARDENTE DE AMOR. Compreendi que só o Amor fazia agir os membros da Igreja, e que se o Amor viesse a se extinguir, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires recusariam derramar seu sangue... Compreendi que o AMOR ENCERRA TODAS AS VOCAÇÕES, QUE O AMOR É TUDO, ABRAÇA TODOS OS TEMPOS E TODOS OS LUGARES... NUMA PALAVRA, QUE ELE É ETERNO!”.

“No excesso de minha alegria delirante, exclamei então: ó Jesus, meu Amor... encontrei, enfim, minha vocação... MINHA VOCAÇÃO É O AMOR!

“Sim, encontrei meu lugar na Igreja, e este lugar, ó meu Deus, fostes Vós que m’o destes... No Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor... assim serei tudo... assim será realizado meu sonho!!!.”

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* Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscritos Autobiográficos. Tradução do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e Santa Teresinha, Cotia, SP, 1960, pp. 244-247. 

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