3 de dezembro de 2023

Sinodalidade, colegiado, pirâmide invertida e tribalismo eclesiástico

Alguns dos participantes do sínodo posam no fim de uma das jornadas. 

Numa “igreja sinodal”, uma inversão de valores e uma substituição da hierarquia católica por um colegiado, incluindo leigos de ambos os sexos, com poderes iguais ou superiores aos do clero 

  Paulo Roberto Campos
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 876, Dezembro/2023

Convocada pelo Papa Francisco, a 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos — o tão recente e já de triste e infeliz memória Sínodo sobre a Sinodalidade — reuniu no Vaticano de 4 a 28 de outubro quase 500 pessoas dos cinco continentes, para discutir questões relativas ao futuro da Igreja. Encerrou-se sem decisões, apenas lançando um “Relatório Síntese”, e prometendo voltar à carga em outubro de 2024. 

Muitos ficaram decepcionados e lamentaram o fato de que essa assembleia nada tenha decidido. Nós, pelo contrário, demos graças a Deus por isso! Boa parte do mundo católico estava muito temerosa de eventuais mudanças na doutrina da Igreja e de modificações em questões próprias à moral sexual. A permissão da comunhão a divorciados, de “casamentos” entre duplas do mesmo sexo, a ordenação de homens casados, o “diaconato feminino”, e até, futuramente, ordenações de mulheres ao sacerdócio foram assuntos que também vieram à baila e especialmente preocuparam os católicos. O maior temor, contudo, era de que tal assembleia desse início a um processo de radical “democratização” da Igreja, rompendo sua estrutura hierárquica a favor de uma “igreja sinodal” com os leigos na direção deliberando questões próprias às autoridades eclesiásticas. 

Na nova igreja “democratizada”, sonhada pelas correntes progressistas e os “teólogos” da libertação, o pretenso “povo de Deus” tomaria as decisões no lugar do clero, dos bispos e do próprio Papa, podendo chegar até mesmo a escolher “democraticamente” um novo Pontífice, como se escolhe um presidente da República. 

Em nome de um “coletivo dos fiéis”, essa “igreja sinodal” atuaria à maneira de um laicato tribalista, com suas experiências sentidas ou reveladas misticamente, inspiradas por gurus, num ambiente próprio ao pentecostalismo protestante ou à magia-fetichista-tribal. Ou seja, uma completa negação do sacerdócio hierárquico como estabelecido por Deus para sua Igreja, ao qual cabe ensinar, dirigir e santificar os fiéis. 

A “igreja sinodal” não seria dirigida pela cabeça, a autoridade legitimamente constituída, mas pela base, ao estilo das “comunidades eclesiais de bases” — nome originado de sovietes —, que dirigem “auscultando” o “povo de Deus”, e não atendendo ao mandado de Nosso Senhor Jesus Cristo aos Apóstolos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). 
Pirâmide Invertida no Museu do Louvre



Uma “pirâmide invertida”, uma “igreja ao avesso” 


Ela seria, portanto, uma igreja igualitária, cuja base é superior ao vértice, como numa “pirâmide invertida” — para usar a expressão do Papa Francisco —, que nos faz lembrar da Pirâmide Invertida no Museu do Louvre, mandada construir em 1981 pelo ex-presidente socialista francês François Mitterrand. O Papa afirmou: “Mas nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base”[1]. 

Seria uma catolicidade ao avesso, uma “reinvenção da igreja”, não considerando o Papa como infalível, mas sim esse colegiado do “povo de Deus”. Na realidade, não se trata aqui de todo o povo, constituído pelos fiéis católicos, mas de uma minoria barulhenta e revoltada de progressistas radicais. 

A esse propósito, é oportuno recordar as palavras ditas há um ano pelo Cardeal Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé “Eles sonham com outra Igreja que nada tem a ver com a fé católica. [...] e procuram abusar desse processo para levar a Igreja Católica, não apenas em outra direção, mas à destruição da Igreja Católica”.[2]

A primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade não aprovou as barbaridades elencadas neste artigo, mas iniciou o processo (irreversível?) para se chegar ao ponto tão sonhado pela “Teologia da Libertação”. Conseguirá esse intento na sua segunda sessão, em outubro de 2024? Deus não permita tal dano à Santa Igreja, que “em suas instituições, em sua doutrina, em suas leis, em sua unidade, em sua universalidade, em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um verdadeiro espelho no qual se reflete nosso Divino Salvador. Mais ainda, Ela é o próprio Corpo Místico de Cristo”.[3] 
Cardeal Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: “Eles sonham com outra Igreja que nada tem a ver com a fé católica. [...] e procuram abusar desse processo para levar a Igreja Católica, não apenas em outra direção, mas à destruição da Igreja Católica”.


A realização de alguns prognósticos 

Em sua obra-magna Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de Oliveira, depois de tratar da IV Revolução — no sentido de um movimento que visa eliminar os restos de civilização católica e impulsionar uma “civilização” tribalista — discorre sobre o plano revolucionário de se impulsionar também o igualitarismo dentro da Igreja, transformando-a numa espécie de “Tribalismo eclesiástico”, sem ordem hierárquica. 

A respeito, reproduzimos alguns trechos dessa obra, por tratar-se de prognósticos feitos há décadas, que estão se cumprindo se os compararmos com os projetos do recente Sínodo. 

Tribalismo eclesiástico — Pentecostalismo 

“Falemos da esfera espiritual. Bem entendido, também ela a IV Revolução quer reduzir ao tribalismo. E o modo de o fazer já se pode bem notar nas correntes de teólogos e canonistas que visam transformar a nobre e óssea rigidez da estrutura eclesiástica, como Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu e 20 séculos de vida religiosa a modelaram magnificamente, num tecido cartilaginoso, mole e amorfo, de dioceses e paróquias sem circunscrições territoriais definidas, de grupos religiosos em que a firme autoridade canônica vai sendo substituída gradualmente pelo ascendente dos ‘profetas’ mais ou menos pentecostalistas, congêneres, eles mesmos, dos pajés do estruturalo-tribalismo, com cujas figuras acabarão por se confundir. Como também com a tribo-célula estruturalista se confundirá, necessariamente, a paróquia ou a diocese progressista-pentecostalista. 

“Desmonarquização” da autoridade eclesiástica 

“Nesta perspectiva, que tem algo de histórico e de conjectural, certas modificações de si alheias a esse processo poderiam ser vistas como passos de transição entre o status quo pré-conciliar e o extremo oposto aqui indicado. Por exemplo, a tendência ao colegiado como modo de ser obrigatório de todo poder dentro da Igreja e como expressão de certa ‘desmonarquização’ da autoridade eclesiástica, a qual ipso facto ficaria, em cada grau, muito mais condicionada do que antes ao escalão imediatamente inferior. 

“Tudo isto, levado às suas extremas consequências, poderia tender à instauração estável e universal, dentro da Igreja, do sufrágio popular, que em outros tempos foi por Ela adotado às vezes para preencher certos cargos hierárquicos; e, num último lance, poderia chegar, no quadro sonhado pelos tribalistas, a uma indefensável dependência de toda a Hierarquia em relação ao laicato, suposto porta-voz necessário da vontade de Deus. ‘Da vontade de Deus’, sim, que esse mesmo laicato tribalista conheceria através das revelações ‘místicas’ de algum bruxo, guru pentecostalista ou feiticeiro; de modo que, obedecendo ao laicato, a Hierarquia supostamente cumpriria sua missão de obedecer à vontade do próprio Deus”.[4]

A invariável confiança da alma católica 

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
Em face dessa calamitosa situação dentro da Santa Igreja, cumpre-nos, a exemplo do Prof. Plinio, não esmorecermos em absolutamente nada nossa fé, mas fortificá-la ainda mais: 

“Em meio a esse caos, só algo não variará. É, em meu coração e em meus lábios, como no de todos os que veem e pensam comigo, a oração: “Ad te levavi oculos meos, qui habitas in coelis. Ecce sicut oculi servorum in manibus dominorum suorum, sicut oculi ancillae in manibus dominae suae; ita oculi nostri ad Dominam Matrem nostram donec misereatur nostri”.[5] É a afirmação da invariável confiança da alma católica, genuflexa, mas firme, em meio à convulsão geral. 

“Firme com toda a firmeza dos que, em meio da borrasca, e com uma força de alma maior do que esta, continuarem a afirmar do mais fundo do coração: ‘Credo in Unam, Sanctam, Catholicam et Apostolicam Ecclesiam’, ou seja, Creio na Igreja Católica, Apostólica, Romana, contra a qual, segundo a promessa feita a Pedro, as portas do inferno não prevalecerão.”  
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Notas: 
1. https://encurtador.com.br/owNX6 
2. Cardeal Müller sobre o Sínodo sobre a Sinodalidade: "Uma tomada hostil da Igreja de Jesus Cristo ... Temos de resistir'| Registro Nacional Católico (ncregister.com) 
3. Trecho da Via Sacra composta por Plinio Corrêa de Oliveira, publicada por Catolicismo em março de 1951. 
4. Revolução e Contra-Revolução, Artpress, Parte III, Cap. III, E (e Posfácio de 1992), São Paulo, 2012. 
5. "Levanto meus olhos para ti, que habitas nos Céus. Assim como os olhos dos servos estão fixos nas mãos dos seus senhores e os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim nossos olhos estão fixos na Senhora, Mãe nossa, até que Ela tenha misericórdia de nós" (Cfr. Ps. 122, 1-2). *
Para uma visão de conjunto do Sínodo sobre a Sinodalidade, recomendamos a leitura da matéria principal da revista Catolicismo em sua edição de outubro passado e do muito oportuno livro O caminho sinodal, uma caixa de Pandora — 100 perguntas e 100 respostas.

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