31 de julho de 2024

O show de Paris: um ato e guerra contra a Civilização Cristã



✅  Roberto de Mattei

Entre os muitos acontecimentos simbólicos do nosso tempo, o espetáculo grotesco que inaugurou as Olimpíadas de Paris em 26 de julho não pode ser simplesmente descartado como um espetáculo de mau gosto ou uma provocação cultural. É o último ato de guerra contra a Civilização Cristã que teve um dos seus picos históricos na Revolução Francesa. 

No centro da polêmica da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos estava uma coreografia em que a DJ francesa Barbara Butch, conhecida por ter se definido como “gorda, lésbica, queer, judia e orgulhosa disso”, liderava a cena, vestindo uma coroa em forma de halo, cercada por drag queens, a modelo transgênero Raya Martigny e dezenas de dançarinos de sexo incerto, enquanto o cantor Philippe Katerine irrompeu quase nu, pintado de azul e disfarçado de Dionísio [quadro acima]. 

A representação pareceu a muitos uma paródia blasfema da Última Ceia e provocou indignação e protestos de católicos em todo o mundo. O criador do tableau vivant, Thomas Jolly, que também é um personagem abertamente “queer”, para se justificar, afirmou ter se inspirado não na famosa pintura de Leonardo da Vinci [quadro abaixo], mas em um artista desconhecido do século XVII, Jan Harmensz van Bijlert, autor de uma pintura, Le Festin des dieux, que retrata um banquete dos deuses no Olimpo. 



Seja qual for a inspiração, a iniciativa não pode ser atribuída a um diretor artístico bizarro, mas expressa uma mensagem que lhe foi encomendada pelas mais altas autoridades francesas, a começar pelo chefe de Estado. O presidente Emmanuel Macron foi quem, no passado dia 4 de março, se declarou orgulhoso por ter sido a França o primeiro país do mundo a incluir o aborto na sua carta constitucional, definindo este ato como uma mensagem universal. O próprio Macron, na sua arrogância, insensível ao recente desastre eleitoral, quis propor ao mundo uma nova mensagem de “inclusividade” anticristã. Dionísio é o deus “híbrido” das orgias pagãs, da sensualidade desenfreada e da cegueira da razão, e a intenção declarada dos organizadores era substituir o mistério sublime do Cristianismo pela bacanal dionisíaca. 

O ódio ao Cristianismo sempre precisou de representações simbólicas e a Revolução Francesa foi alimentada pela mitologia pagã desde o início. Há uma continuidade evidente entre a paródia blasfema da Última Ceia de 26 de Julho e a entronização da Deusa Razão, ocorrida em 10 de Agosto de 1793 em Paris, sob o disfarce da deusa egípcia Ísis. 

Deste ponto de vista, há também algo de sacrílego no insulto gratuito e vergonhoso à Rainha Maria Antonieta, retratado na performance parisiense de 26 de Julho, enquanto ela segura nas mãos a cabeça guilhotinada [foto ao lado], cantando o hino revolucionário Ça ira. Macron e seus colaboradores queriam reivindicar a Revolução Francesa no seu aspecto mais abjeto: o assassinato da Rainha de França, vítima inocente, como o Rei Luís XVI, do ódio revolucionário, que nos soberanos franceses queria atacar o princípio da realeza social de Cristo. 

Maria Antonieta, a Rainha mais caluniada, mas também a mais amada e até venerada da História, não foi culpada de nenhum crime senão aquele de incorporar uma graça aristocrática incompatível com o igualitarismo revolucionário. Muito foi escrito sobre a sua alegada frivolidade e pouco sobre a sua piedade. No entanto, o espírito religioso da soberana, que emerge nos últimos dias da sua prisão, tem suas raízes numa educação e numa concepção do mundo antitética à revolucionária. O julgamento-farsa perante o Tribunal Jacobino, em 14 e 16 de outubro de 1793, fê-la vítima de acusações difamatórias. Uma imagem do pintor inglês William Hamilton retrata-a com um vestido branco imaculado, saindo da Conciergerie rodeada pelas “tricoteuses”, que pedem sangue novo na Revolução. Henry Sanson, filho do carrasco de Paris, conta nas suas Memórias que ela subiu os degraus da guilhotina com surpreendente majestade, como se fossem os da grande escadaria de Versalhes. As mesmas palavras com que o Papa Pio VI, no discurso Quare lacrymae, de 17 de junho de 1793, definiu Luís XVI como mártir, podem ser aplicadas à Rainha Maria Antonieta. Neste discurso, Pio VI exclamou: 

“Ah França, ah França! Chamada pelos Nossos predecessores de ‘espelho de todo o Cristianismo e pilar seguro da Fé’, vós que no fervor da Fé Cristã e na devoção à Sé Apostólica nunca seguistes as outras Nações, mas sempre as precedestes! Quão longe estais hoje de Nós, com esta alma tão hostil à verdadeira Religião: vós vos tornastes o inimigo mais implacável de todos os adversários da Fé que já existiram!”

O assassinato dos dois soberanos é o ato fundador da República Francesa e a constitucionalização do aborto representa uma continuidade simbólica no assassinato estatal. No entanto, quem quiser identificar a França com o espetáculo blasfemo que abriu os Jogos Olímpicos, estará enganado. A França não é a Praça da Guilhotina, mas a Notre-Dame e a Sainte Chapelle; A França não é Robespierre ou Macron, mas é São Luís e Santa Joana d'Arc. Assim, erraria quem quisesse identificar o espetáculo de degeneração oferecido por Paris nos últimos meses, com a civilização ocidental à qual a França tanto deu. O Ocidente é a história de uma fé religiosa, de um estilo de vida, de uma arte, de uma literatura, de uma música e também de grandes batalhas em defesa da civilização.



Os inimigos externos do Ocidente, que são os herdeiros de Maomé no mundo árabe e os de Lenine na Rússia e na China, não odeiam a decadência do Ocidente, mas o Ocidente como tal: aquele Ocidente que derrotou o Islã em Lepanto e Viena, e acabou com o comunismo em Varsóvia, em 1920, e na Espanha, na década de 1930. 

Os inimigos do Ocidente procuram vingança. Para que isso aconteça, para que ganhem a guerra, sabem que o Ocidente deve deixar de ser cristão, deve regressar às ideias e aos costumes do paganismo, a fim de cair como uma maçã madura, como aconteceu com o Império Romano. Os bárbaros não odiavam a decadência de Roma, mas o poder que os subjugou durante séculos. A conquista da Cidade Eterna pelos godos de Alarico, na noite de 24 de agosto de 410, foi o seu triunfo. São Jerônimo, em Belém, e Santo Agostinho, em Hipona, derramaram profundas lágrimas por este acontecimento simbólico. Quem chora hoje pelas ameaças dos novos bárbaros ao Ocidente? Mas, acima de tudo, quem está disposto a defender o Ocidente em nome dos princípios e instituições que o tornaram grande na História? Mas a força destes valores, que nasce da Verdade de Cristo, é indestrutível. O futuro do mundo não está sob a bandeira de Dionísio, nem sob a do comunismo ou do Islão, mas sob a do único Deus vitorioso, que é Jesus Cristo. A fé e a razão o atestam. 

Como e quando isso acontecerá? Com Deus, tudo é possível na História. Só quem acredita no determinismo histórico cego pensa que “a História não se faz com o se”. A História é feita com “ses” justamente pela riqueza de possibilidades que cada momento presente contém. É por isso que o nosso exame de consciência se baseia nas falhas que cometemos, mas que não fomos obrigados a cometer. Também a História, como a nossa vida, poderia ter sido diferente e poderia seguir, de um momento para o outro, de uma maneira diferente. O que teria acontecido se, em 14 de julho de 1789, os dragões do Príncipe de Lambesc, contrariando a ordem de não derramar sangue que lhes foi dada por Luís XVI, tivessem varrido a turba revolucionária que marchava em direção à Bastilha? A Revolução Anticristã não se iluda. Os dragões do Príncipe de Lambesc estão sempre, de espada na mão, na esquina da História.

29 de julho de 2024

Filipinas, último bastião antidivorcista do mundo

Localização República das Filipinas

  
Plinio Maria Solimeo 

A República das Filipinas é um país asiático situado num arquipélago de 7.641 ilhas, tendo como capital Manila, em cuja área se encontra Quezon, a maior cidade. 

O país tem uma população de mais de 100 milhões de habitantes. Colonizado por espanhóis, durante mais de 300 anos fez parte de seu Império, tornando-se majoritária e profundamente católico. Recebeu seu nome do rei Felipe II, da Espanha, sendo o único país no mundo, juntamente com a Cidade do Vaticano, no qual o divórcio ainda está proibido. 

Complexo Batasang Pambansa,
na Cidade Quezon,
sede da Câmara dos Deputados

Em maio do corrente ano, uma imensa pressão internacional levou sua Câmara de Representantes a aprovar um projeto de lei que legalizaria o divórcio absoluto no país. 

Isso provocou forte reação na Conferência Episcopal filipina. Seu presidente, o Arcebispo Sokratis Villegas, afirmou: 
“O casamento deveria ser um esforço contínuo. Se facilitarmos o divórcio, é possível que os casais não tentem mais superar suas diferenças, porque existirá uma solução fácil para as incompatibilidades.” 
As tentações para o divórcio são muito fortes, bafejadas pela televisão, revistas, jornais e novelas que se espalham seu lixo pelo mundo, promovendo direta ou indiretamente o rompimento do vínculo conjugal. 

Na Câmara dos Representantes das Filipinas está também em trâmite um projeto de lei que reconheceria o divórcio entre um cidadão estrangeiro e uma filipina concedido em outro país, sem necessidade de processo judicial, o que permitiria à última voltar a se casar. 

“Isto é obra do demônio. É o tipo de lei que vai contra a ordem de Deus e é imoral”, declarou com conhecimento de causa o Arcebispo Ramon Arguelles, da Arquidiocese de Lipa.

Em abril de 2018, a Revista Veja, de São Paulo, publicou esta notícia, mostrando como também o Judiciário estava facilitando o divórcio nas Filipinas: 
“Os juízes do Supremo aprovaram por dez votos a favor, três contra e uma abstenção, a solicitação de uma filipina que em 2011 se separou no Japão de seu companheiro, um cidadão japonês, mas não pôde formalizar o processo em seu país, onde o divórcio é considerado ilegal.”
Voltando à medida da Câmara dos Representantes, outras enérgicas vozes do Episcopado se fizeram ouvir. Por exemplo, Dom Alberto Uy, Bispo de Tagbilaran, na região central das Filipinas, em entrevista no dia 16 de maio à Rádio Veritas, administrada por católicos, instou os membros do Congresso a reconsiderarem a proposta de lei do divórcio e, em vez de aprová-la, “concentrarem-se na promoção de políticas e programas que apoiem o casamento, fortaleçam as famílias, e protejam o bem-estar de todos os membros da sociedade”. 
Dom Alberto argumentou que uma “sociedade que valoriza famílias fortes e estáveis é uma sociedade próspera”. E acrescentou, com muita propriedade, na sua entrevista à Rádio Veritas: “O divórcio enfraquece o tecido da sociedade ao corroer os alicerces da unidade familiar. Conduz à fragmentação social, ao aumento da pobreza, e a uma série de outros males sociais. Ao promover o divórcio, estamos contribuindo para o colapso da coesão social e a erosão dos valores morais.” 
El Santo Niño de Cebu
Por sua vez, a Arquidiocese de Cebu anunciou que faria um evento no dia 27 de julho, para protestar contra a aprovação do divórcio. Constaria de uma procissão saindo do Círculo Fuente Osmeña a Basílica Menor del Santo Niño de Cebu, onde o Arcebispo Dom José Palma celebraria o Santo Sacrifício. Afirmou esse Prelado: 
“No fundo de nossos corações está a sinceridade de nossas intenções. É um agradecimento ao Senhor pelo dom da família, pelo dom do sacramento, e pelo dom de tantos que se tornaram testemunhas do casamento que contribuiu para o bem-estar de muitas famílias.” E acrescentou: “Para nós, isso não é hipocrisia. Para nós, é a sinceridade do nosso coração dizer ‘obrigado’ a muitos casais que, apesar de muitas dificuldades, acreditam na graça de Deus de que ‘podemos seguir em frente.” 
Por sua vez, o bispo auxiliar da mesma Arquidiocese, Dom Midyphil Billones, afirmou que o fato de as Filipinas ainda proibirem o divórcio é motivo de orgulho: 
“Em vez de ficarmos inseguros e envergonhados, deveríamos levantar a cabeça como cristãos, [...] nas Filipinas podemos ser o último bastião da esperança”. Acrescentou: “E quando fizermos isso, talvez possamos nos tornar um farol de esperança para o resto do mundo. Não é um belo motivo para continuar e dar mais chances ao amor?”.

Procissão junto à Basílica del Sto Niño de Cebu 


Um exemplo para o Episcopado brasileiro e do mundo inteiro, a Arquidiocese de Cebu não ficou só em palavras. Agindo de maneira análoga à que a TFP, por iniciativa do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, agiu em 1966, ao coletar mais de um milhão de assinaturas contra a introdução do divórcio no Brasil, a referida Arquidiocese organizou uma campanha de coleta de assinaturas em todas as suas paróquias, tendo reunido até há pouco mais de 122 mil firmas, que serão submetidas ao Senado, juntamente com um documento de oposição ao divórcio. 

Apesar de a Comissão Episcopal continuar categórica em sua postura contra o divórcio, a deterioração e a paganização geral da sociedade amoleceram de tal modo a opinião pública filipina, que esta já começou a se dividir em sua oposição ao divórcio, havendo uma polarização entre os os pró e os contra essa prática, como mostram pesquisas divulgadas nos últimos meses. 

Basílica del Santo Niño de Cebu
Segundo os dados fornecidos pelo Partido Gabriela — um tanto suspeitos, porque ele luta pelo divórcio e também pela igualdade de gênero —, há um notável aumento das solicitações de anulação de casamento: de 4.520 em 2001 para 10.500 em 2011. 

Cumpre notar que esses pedidos de “anulação de casamento”, se de um lado demonstram a fragilidade a que chegou a instituição matrimonial, de outro revelam um desejo de se separar seguindo os trâmites da Igreja. 

Que Deus proteja esse valoroso país em sua luta pela defesa da fidelidade conjugal, e o torne exemplo a todas as outras nações do globo que curvaram a cabeça diante dessa investida infernal. 
 ____________ 
Fontes: 
* https://cruxnow.com/church-in-asia/2024/07/philippines-archdiocese-to-hold-prayer-rally-to-oppose-legalizing-divorce 

* https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/10548/Filipinas%3A+o+%C3%BAnico+pa%C3%ADs%2C+al%C3%A9m+do+Vaticano%2C+que+n%C3%A3o+permite+o+div%C3%B3rcio 

* https://veja.abril.com.br/mundo/pela-primeira-vez-filipinas-reconhece-divorcio-legalmente

27 de julho de 2024

QUANDO A GUERRA É LEGÍTIMA?


“A paz que tivesse como fruto evitar a guerra e permitir a pacífica e incruenta consumação da injustiça, quando esta poderia ser evitada pela reação das armas, essa paz seria uma suma injustiça aos olhos de Deus e do povo avassalado” 

23 de julho de 2024

SÃO CHARBEL MAKHLOUF

 


Um verdadeiro cedro do Líbano 


  Plinio Corrêa de Oliveira 

Charbel Makhlouf, falecido em 1898, santo contemplativo de uma ordem religiosa do rito melquita, no Líbano, entrou muito jovem no convento, tendo vivido em isolamento e meditação completos. 

Tem-se a impressão, observando-se seus olhos, de que eles são duas janelas abertas para o Céu. Olhos de um escuro profundo –– ou talvez castanho, mas muito escuro –– que refletem profundidade; e no fundo dessa profundidade há algo de sublime e celestial. Vê-se que ele olha para o Céu, o qual reflete-se em seu olhar, e que peregrinando dentro do olhar dele encontra-se o Céu. É uma verdadeira maravilha. 

Seu nariz é caracteristicamente o de um árabe. A barba é de um branco venerável, nívea. Dir-se-ia que são flocos de neve que lhe pendem do rosto. Ela abre-se e deixa passar um tanto o que está em seu interior, uma certa forma de graça e de leveza, que não sei como descrever. Parece algo como um jogo de estalactites e estalagmites dentro de uma gruta. 

Suas sobrancelhas lembram as asas de um condor. Mas, convém acentuar, o olhar é o mais importante do conjunto da fisionomia. Ele absorve o resto. Quando se examina esses olhos, não se pensa em outra coisa. São de uma estabilidade, uma resolução, uma seriedade, uma elevação enorme! São de um homem que, se o mundo todo cair sobre ele, não se move. E, caso seja seu dever mover-se contra o mundo inteiro, atuará com serenidade. Um homem deste tipo move o mundo! É das fisionomias que mais aprecio contemplar. 


Compõe a fisionomia esse gorro preto, que considero extraordinariamente significativo. É um gorro vagamente em forma de cone, e parece feito de pele. Talvez seja confeccionado com lã, porque a batina, que é preta, parece ser do mesmo tecido. E o preto do gorro está em consonância com o escuro do fundo do olhar. Dir-se-ia que algo do olhar espalha-se por todo o gorro. Este é luminosamente escuro, e sua forma deixa entrever a altura de seu pensamento, até atingir o próprio Deus. 

São Charbel Makhlouf é como um verdadeiro cedro do Líbano! 
____________ 
Excertos de conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em 21 de maio de 1973. Sem revisão do autor.

22 de julho de 2024

A Igreja e a homossexualidade: a história de uma capitulação

 


Luigi Casalini

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 883, Julho/2023

Foi por covardia ou cumplicidade — ou ambos — que o Cardeal Fernández, com o apoio do Papa Francisco, publicou em 2023 a Declaração Fiducia Supplicans?

É impossível não fazer essa pergunta depois de ler o pequeno ensaio de Julio Loredo e José Ureta, Uma brecha na barragem — Fiducia Supplicans sucumbe à pressão do lobby homossexual.

Os autores não levantam essa questão espinhosa. Eles se limitam a fornecer um relato documentado do cabo de guerra entre o Vaticano e o lobby homossexual, uma vez que este último, na década de 1970, decidiu forçar a Igreja a mudar sua doutrina sobre a atração pelo mesmo sexo (“objetivamente desordenada”) e as relações homossexuais (“intrinsecamente desordenadas” e até mesmo “depravadas”). Como resultado, a Igreja deveria fazer uma “releitura” aggiornatata [atualizada] da Bíblia à luz de Freud, o grande profeta da sexologia contemporânea.

Em Uma brecha na barragem, Loredo e Ureta argumentam que os católicos devem permanecer firmes em um inflexível non possumus, porque “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens” (Atos 5,29). De acordo com eles, se essa resistência às autoridades eclesiásticas levar a uma divisão na Igreja, “não será culpa daqueles que desejam o depósito da fé intacto, mas sim daqueles que procuram ‘reinterpretá-lo’ com base nos supostos desenvolvimentos da ciência moderna e na ‘evolução’ antropológica da humanidade”.

 

No processo diabólico, chega-se a querer justificar a pedofilia

Covardia? Cumplicidade? Ou ambos? A resposta cabe aos leitores, depois de lerem o livro. O certo é que o novo trabalho de Loredo e Ureta, já traduzido para sete idiomas e destinado à distribuição em todos os cinco continentes, desencadeará uma controvérsia tão acalorada como sua obra anterior O processo sinodal: Uma caixa de Pandora.

A “quinta coluna” teológica que abriu as primeiras rachaduras não deixou de ser mencionada nesse pequeno volume. Os jesuítas McNeill, Charles Curran e o oblato André Guindon argumentaram abertamente que era Deus o responsável direto pela atração homossexual e pelo amor que a acompanha. Portanto, a Igreja só poderia abençoar a união estável de parceiros homossexuais, por ser essa um espelho do desvelo de Deus pela humanidade.

Um capuchinho holandês menos conhecido, Herman van de Spijker, foi mais longe, reconhecendo aos encontros noturnos furtivos em um parque, o mérito de acalmar as tensões pessoais e contribuir muito para o amadurecimento dos invertidos.

Mas a ignomínia final vai para o Padre Guindon, que consegue a prodigiosa façanha de justificar relacionamentos pedófilos, os quais só seriam traumáticos para a criança por causa da reação histérica dos pais, obcecados pelo preconceito e pela atitude possessiva!

Uma conivência com a pedofilia retomada mais tarde por um anúncio no Kerken Leben, o semanário dos bispos flamengos, com a cumplicidade do Cardeal Daneels, o grande eleitor do Papa Francisco na máfia de Sankt-Gall, que desviou o olhar para o outro lado. Não é de surpreender que ele tenha feito o mesmo quando seu bom amigo Dom Roger Vangheluwe, ex-bispo de Bruges reduzido ao estado laical, foi acusado de abusar sexualmente de um sobrinho durante treze anos, desde que o menino tinha apenas cinco anos.

 

Recusa do ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade

Cardeal Godfried Danneels 

Todos esses escritos nauseabundos são rapidamente passados em revista, juntamente com as atividades pseudo-pastorais de figuras como o Padre Robert Nugent e a Irmã Jeannine Gramick, que chegam a dizer que somente os homossexuais que aderem ao ensino tradicional são obrigados a confessar seus pecados contra o Sexto Mandamento. Para seu rebanho nos grupos Dignity e New Ways Ministry, que assumiram sua identidade LGBT, é suficiente confessar suas violações voluntárias do compromisso básico de viver uma vida de amor altruísta...

Um longo capítulo de Uma brecha na barragem narra a contra ofensiva da Congregação para a Doutrina da Fé, quando era chefiada pelo Cardeal Joseph Ratzinger, contra todas essas aberrações doutrinárias que desprezavam os textos muito claros das Escrituras e o ensino constante do Magistério.

Atenção especial é dada à Carta Homosexualitas Problema “sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais”, publicada em 1986, que pedia aos bispos do mundo “que sejam particularmente vigilantes com relação aos programas que, de fato, tentam exercer pressão sobre a Igreja a fim de que ela mude a sua doutrina, embora às vezes, verbalmente neguem que seja assim”. As sucessivas condenações dos autores heterodoxos são analisadas, bem como a proibição imposta ao Padre Nugent e à Irmã Gramick de continuarem suas atividades dentro dos grupos dos quais eram capelães, tendo em vista o fato de terem se recusado a assinar uma declaração confirmando sua adesão interior ao ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.

 

Todos são bem-vindos... desde que cumpram as exigências de Deus

O Cardeal Joseph Ratzinger já alertava,
em 1986, aos bispos do mundo
para “que fossem particularmente
vigilantes com relação aos programas que,
de fato, tentam exercer pressão
 sobre a Igreja a fim de que ela
mude a sua doutrina, embora às vezes,
verbalmente neguem que seja assim”

Loredo e Ureta também se propuseram a dissecar o binômio “desafio-chantagem” usado pelo lobby homossexual para forçar a mão dos bispos, seja revelando sua orientação sexual, seja forçando-os a se distanciarem publicamente das posições da Santa Sé, sob pena de obrigá-los a “sair do armário” contra a própria vontade.

O caso mais emblemático é o do Cardeal Basil Hume, que se apressou em escrever uma carta afirmando que a amizade homossexual pode ser “uma forma de amar” e que não devemos generalizar ao atribuir culpa subjetiva sobre atos genitais homossexuais. O ativista do movimento Out Rage, Peter Tatchell, pôde se gabar ao New York Times: “Estamos definindo a agenda”.

Se tudo isso produziu rachaduras no dique católico que ainda se mantinha firme contra as ondas da revolução homossexual, foi o Papa Francisco quem abriu uma brecha, desde seu famoso “Quem sou eu para julgar” até o apelo na JMJ de Lisboa para incluir “todos, todos, todos”, sem levar em conta sua condição de pecadores públicos.

Apelo que foi objeto das flechas afiadas de Dom Rob Mutsaerts, o corajoso bispo auxiliar de S'Hertogenbosch (Holanda), em seu prefácio ao livro. Sem rodeios, ele afirma que, por certo, todos são bem-vindos... desde que cumpram as exigências de Deus. No inferno, diz ele, a situação é diferente.

“No inferno, as coisas são diferentes: todos são incondicionalmente bem-vindos. O slogan do diabo é: Come as you are [“Venha do jeito que você é”]; não precisa mudar, pedir perdão, nem erguer uma palha para ajudar a outros em suas necessidades: ‘todos, todos, todos’ são bem-vindos ao inferno”.

 Mas não acho que nosso bom bispo holandês seja agora tão bem-vindo a Santa Marta como o foram a Irmã Gramick e o Padre James Martin. É mais provável que ele tenha o mesmo destino de seu colega Dom Joseph Strickland, o que lhe dará mais tempo para escrever em seu blog, o que não seria tão ruim...

 

Exigem uma mudança no Catecismo da Igreja Católica

Padre James Martin

A brecha aberta pelo Papa Francisco foi rapidamente atravessada pelos bispos alemães e belgas
, que promoveram cerimônias litúrgicas para abençoar as uniões homossexuais, e ainda pelo Cardeal Schönborn, o qual deseja conceder a todos os casais “irregulares”, incluindo os de parceiros do mesmo sexo, nada mais nada menos que o status teológico concedido pelo Concílio Vaticano II aos “irmãos separados”.

De acordo com o Arcebispo de Viena, que aproveitou a festa da Assunção para abençoar seu amigo Gery Kezlere e o parceiro homossexual deste no final da refeição, as uniões civis incluem aspectos positivos de compromisso mútuo, mais sólidos do que os de uma simples coabitação, o que as aproxima do casamento sacramental.

O teólogo suíço Daniel Bogner vai ainda mais longe. Ele acredita que é necessário repensar o sacramento do matrimônio e libertá-lo de sua “embalagem de perfeição” e de “uma lógica escalonada que distingue entre um sacramento de ‘forma plena’ e uma oferta barata de bênção para formas ‘inferiores’ de amor”.

Se a espúria “bênção pastoral” do Cardeal Tucho Fernández causou tanto alvoroço na África e em outros lugares, não é difícil imaginar a convulsão que sofrerá a Igreja Católica se aprovar, como muitas denominações protestantes já o fizeram, um pseudo-casamento homossexual. Ou uma mudança no Catecismo da Igreja Católica para dizer que a orientação homossexual não é desordenada, mas “ordenada de forma diferente”, como deseja o Padre Martin.

De fato, a doutrina que rejeita a homossexualidade faz parte do magistério ordinário universal da Igreja e, como tal, é irreformável. Em consequência, é absolutamente inaceitável a ideia de que as relações homossexuais podem ter algo que valha a pena santificar com um sacramento ou bênção, como os Cardeais Hollerich, Schönborn, Fernández & Co. com o apoio secreto de Francisco procuram impor.

 


O Vaticano continuará a se submeter ao lobby LGBT?

Alguns acharão que esta obra não é suficientemente profunda, porque simplesmente relata as ofensivas do lobby LGBT e seus cúmplices nos círculos católicos e as respectivas respostas — primeiro mais fortes e depois mais fracas ou mesmo cúmplices, do Vaticano e de vários episcopados —, sem fornecer uma análise detalhada de cada argumento ou incidente. Outros acharão, ao contrário, que o livro não foi escrito com uma caneta ágil, como se fosse um romance, devido à preocupação óbvia dos autores de permanecerem objetivos e bem documentados.

De qualquer forma, para os leitores mais velhos, como eu, a leitura do livro os fará lembrar de certos episódios que os enfureceram na época, mas que depois desapareceram de sua memória, como a declaração escandalosa de Mario Mieli, fundador do Fronte Unitario Omosessuale Rivoluzionario Italiano, sobre a contribuição feita à emancipação humana por perversões sexuais como sadismo, masoquismo, pederastia, gerontofilia e zoofilia.

Os leitores mais jovens, que não vivenciaram o tumulto da era pós-68, encontrarão uma perspectiva histórica que os ajudará a entender até que ponto a Fiducia Supplicans representa uma capitulação incomum do Vaticano diante da pressão do movimento homossexual dentro e fora da Igreja.

*   *   *


 

Como o lobby homossexual conseguiu que a Associação Americana de Psiquiatria tomasse uma decisão política

 


Na entrevista que deu ao Journal of Gay & Lesbian Mental Health, na edição de fevereiro de 2003[1], o Dr. Robert L. Spitzer [foto], principal agente da retirada da homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais (DSM-III), da Associação Americana de Psiquiatria (AAP), ofereceu detalhes muito elucidativos sobre o caráter não científico, mas político, da decisão, bem como do papel que o lobby homossexual nela desempenhou.

Tudo começou num simpósio sobre o tratamento da homossexualidade promovido pela Association for the Advancement of Behavior Therapy, cuja sessão inaugural foi interrompida, dez minutos após começar, pelo protesto de um grupo de ativistas homossexuais que acusavam os organizadores de os classificarem como “casos patológicos”. O Dr. Spitzer foi falar com um deles, chamado Ron Gold, e no curso da conversa explicou que era membro da Força Tarefa sobre Nomenclatura e Estatísticas da AAP, responsável pela edição do Manual de Diagnóstico. Gold pediu para que os ativistas fossem ouvidos por essa comissão.

Em sua apresentação, os ativistas reclamaram que as discriminações e ataques de que eram vítimas provinham do fato de a homossexualidade estar incluída no Manual. “Não tenho certeza se eles disseram isso explicitamente”, relata o Dr. Spitzer, “mas estava implícita a ideia de que a única maneira pela qual os homossexuais poderiam superar a discriminação dos direitos civis seria que a psiquiatria reconhecesse que a homossexualidade não era uma doença mental.[2]

Após a reunião, o Dr. Spitzer propôs que a AAP organizasse um simpósio sobre o assunto, o qual se realizou durante a reunião anual de 1973, no Havaí. Em vista desse simpósio, ele teve muitos contatos com Ron Gold e seus colegas. Movido por um sentimento de compaixão, começou então a pensar em uma fórmula que desse um fundamento científico ao seu desejo de ajudá-los. Porém, ele próprio reconhece que a fórmula que propôs deveu-se mais a considerações subjetivas e políticas do que propriamente clínicas:

“Quanto disso resultou da verdadeira lógica científica? Eu gostaria de pensar que em parte foi assim. Mas, com certeza, em grande parte deveu-se apenas à sensação de que estavam certos! Que, se quisessem ter sucesso em superar a discriminação, isso claramente precisava mudar.”[3]

Para contornar o entrechoque entre a visão tradicional de que a homossexualidade era uma doença que deveria ser tratada e o argumento de que era apenas uma variação normal, ele pôs como pressuposto que a psiquiatria nunca definiu o conceito de desordem mental. Intuitivamente, poder-se-ia dizer que o que todas essas patologias têm em comum é que os que delas padecem não são habitualmente muito felizes. Ora, a aceitar o que dizem os ativistas, ou seja, que há homossexuais que não se sentem angustiados por serem homossexuais, então poder-se-ia alegar: Aqui está uma definição de transtorno mental que faz algum sentido; e, nesta base, a homossexualidade não deveria estar no DSM-II.”[4]

Na entrevista, o Dr. Spitzer reconheceu que em parte isso foi político”, pois sabia que não havia como fazer os membros ou a AAP aceitarem a remoção total da categoria [homossexual]” do manual, mas que muitos aceitariam sua substituição pelo novo conceito de distúrbio de orientação sexual”, aplicável unicamente a “um homossexual insatisfeito” e que precisa de tratamento.[5]

Foi assim que o pequeno grupo da Comissão de Nomenclatura, e depois, sucessivamente, o Conselho de Investigação e Desenvolvimento, a Assembleia de Secções Distritais, o Comité de Referência e, finalmente, o Conselho de Curadores da Associação Americana de Psiquiatria aprovaram a exclusão da homossexualidade do Manual de Transtornos Mentais.

 

Deus cria homossexuais?


Todos os autores citados neste capítulo partem do pressuposto ou aceitam implicitamente a ideia de que Deus dá a uma minoria de pessoas a sua orientação homossexual, a qual não seria, neles, “intrinsecamente desordenada”, como ensina o Catecismo da Igreja Católica (par. 2357).

Esse argumento é falso na medida em que pressupõe, pelo menos no caso da homossexualidade, que não há distinção entre Deus — Causa Primeira de todas as coisas — e as causas segundas que agem no universo criado. Ora, essa formulação falseia o conceito católico de Providência, segundo o qual Deus não é o Autor direto de todo o mal físico e moral que há no mundo, mas apenas o permite por razões, para nós misteriosas, de sua divina sabedoria. Portanto, as relações de Deus com os males que afetam a humanidade não são de maneira alguma positivas, mas somente negativas. Isso é verdade tanto em relação às ações livres das criaturas quanto às não livres:

“Até o mal, o pecado, recai verdadeira e propriamente sob a Providência de Deus. Pois ele não ocorreria sem sua permissão e assistência física. [...]

“O mesmo se deve dizer da Providência divina com relação às ações não livres das criaturas. Aqui também, embora determine e dirija todas elas rumo a uma unidade final harmoniosa, Deus permite que as causas segundas subsistam em suas imperfeições essenciais e acidentais; Ele não impede tais causas de ficarem paralisadas e, em muitos casos, de não alcançarem seu efeito ideal. E isso acontece não apenas no mundo vegetal e animal, mas também no mundo humano e, neste último, não apenas no âmbito corpóreo, mas também no psíquico. [...] Também aqui podemos adivinhar as razões. Assim como Deus não deseja interferir na liberdade, Ele não deseja privar as causas segundas de sua ação própria, mas, ao contrário, elevá-las à dignidade de cooperadoras (SummaTheologica, I, 22, 3).As deficiências que daí podem resultar no ser humano não são de tal natureza que impeçam o homem de alcançar seu fim último.”[6]

Ora, até Marshall Kirk and Hunter Madsen, em seu “manifesto homossexual” de 1989, intitulado After the Ball, reconhecem a interferência de causas segundas no desenvolvimento da atração por pessoas do mesmo sexo: “Sustentamos que, para todos os efeitos, os homossexuais devem ser considerados como tendo ‘nascido homossexuais’, embora a orientação sexual, para a maioria dos seres humanos, pareça ser o produto de uma interação complexa entre predisposições inatas e fatores ambientais durante a infância e o início da adolescência.”.[7]

 

 

 

“Os ativistas dos direitos dos homossexuais pressionaram fortemente para que a sociedade lhes reconhecesse o casamento civil. Estes mesmos ativistas também procuraram obter da igreja a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo para afirmar a legitimidade de sua atividade sexual e como um eventual passo para obter o reconhecimento de suas relações como sendo conjugais.”

+ Dom Joseph Naumann,
arcebispo de Kansas City

 

 

 

“Abençoar uma realidade contrária à criação não é apenas impossível, é uma blasfêmia.”

+ Cardeal Gerhard Müller,
prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé

 

 

 

Não se pode abençoar uniões que a própria Igreja diz não estarem conformes ao plano de Deus”

+ Cardeal Daniel Sturla,
arcebispo de Montevidéu

­­­­­­­­­­

 

 

“Não estamos fazendo oposição ao Papa Francisco mas nos opondo de maneira firme e radical a uma heresia que está minando seriamente a Igreja, o Corpo de Cristo, por ser contrária à fé e à tradição católica”

+ Cardeal Robert Sarah,
prefeito emérito da Congregação para o Culto divino,
dirigindo-se aos bispos da África

 



[1]Cfr. Jack Drescher, “An Interview with Robert L. Spitzer, MD”, Journal of Gay & Lesbian Psychotherapy 7, n. 3 (Fevereiro de 2003), https://www.researchgate.net/profile/Jack- Drescher/publication/244889348_An_interview_with_Robert_L_Spitzer_MD/links/5413bc2f0cf2bb7347db270f/An-interview-with-Robert-L-Spitzer-MD.pdf

[2] Idem, p. 101.

[3]Ibid., pp. 101–102.

[4]Ibid., p. 102.

[5]Ibid., p. 103.

[6]Bernhardt Bartmann, Précis de théologie dogmatique (Mulhouse: Ed. Salvator, 1941), 1941, p.287.

[7] Marshall Kirk and Hunter Madsen, Ater the Ball: How America Will Conquer Its Fear & Hatred of Gays in the ‘90s (New York: Doubleday, 1989), p. 184, https://albertmohler.com/2004/06/03/after-the-ball-why-the-homosexual-movement-has-won/