31 de julho de 2024

O show de Paris: um ato e guerra contra a Civilização Cristã



✅  Roberto de Mattei

Entre os muitos acontecimentos simbólicos do nosso tempo, o espetáculo grotesco que inaugurou as Olimpíadas de Paris em 26 de julho não pode ser simplesmente descartado como um espetáculo de mau gosto ou uma provocação cultural. É o último ato de guerra contra a Civilização Cristã que teve um dos seus picos históricos na Revolução Francesa. 

No centro da polêmica da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos estava uma coreografia em que a DJ francesa Barbara Butch, conhecida por ter se definido como “gorda, lésbica, queer, judia e orgulhosa disso”, liderava a cena, vestindo uma coroa em forma de halo, cercada por drag queens, a modelo transgênero Raya Martigny e dezenas de dançarinos de sexo incerto, enquanto o cantor Philippe Katerine irrompeu quase nu, pintado de azul e disfarçado de Dionísio [quadro acima]. 

A representação pareceu a muitos uma paródia blasfema da Última Ceia e provocou indignação e protestos de católicos em todo o mundo. O criador do tableau vivant, Thomas Jolly, que também é um personagem abertamente “queer”, para se justificar, afirmou ter se inspirado não na famosa pintura de Leonardo da Vinci [quadro abaixo], mas em um artista desconhecido do século XVII, Jan Harmensz van Bijlert, autor de uma pintura, Le Festin des dieux, que retrata um banquete dos deuses no Olimpo. 



Seja qual for a inspiração, a iniciativa não pode ser atribuída a um diretor artístico bizarro, mas expressa uma mensagem que lhe foi encomendada pelas mais altas autoridades francesas, a começar pelo chefe de Estado. O presidente Emmanuel Macron foi quem, no passado dia 4 de março, se declarou orgulhoso por ter sido a França o primeiro país do mundo a incluir o aborto na sua carta constitucional, definindo este ato como uma mensagem universal. O próprio Macron, na sua arrogância, insensível ao recente desastre eleitoral, quis propor ao mundo uma nova mensagem de “inclusividade” anticristã. Dionísio é o deus “híbrido” das orgias pagãs, da sensualidade desenfreada e da cegueira da razão, e a intenção declarada dos organizadores era substituir o mistério sublime do Cristianismo pela bacanal dionisíaca. 

O ódio ao Cristianismo sempre precisou de representações simbólicas e a Revolução Francesa foi alimentada pela mitologia pagã desde o início. Há uma continuidade evidente entre a paródia blasfema da Última Ceia de 26 de Julho e a entronização da Deusa Razão, ocorrida em 10 de Agosto de 1793 em Paris, sob o disfarce da deusa egípcia Ísis. 

Deste ponto de vista, há também algo de sacrílego no insulto gratuito e vergonhoso à Rainha Maria Antonieta, retratado na performance parisiense de 26 de Julho, enquanto ela segura nas mãos a cabeça guilhotinada [foto ao lado], cantando o hino revolucionário Ça ira. Macron e seus colaboradores queriam reivindicar a Revolução Francesa no seu aspecto mais abjeto: o assassinato da Rainha de França, vítima inocente, como o Rei Luís XVI, do ódio revolucionário, que nos soberanos franceses queria atacar o princípio da realeza social de Cristo. 

Maria Antonieta, a Rainha mais caluniada, mas também a mais amada e até venerada da História, não foi culpada de nenhum crime senão aquele de incorporar uma graça aristocrática incompatível com o igualitarismo revolucionário. Muito foi escrito sobre a sua alegada frivolidade e pouco sobre a sua piedade. No entanto, o espírito religioso da soberana, que emerge nos últimos dias da sua prisão, tem suas raízes numa educação e numa concepção do mundo antitética à revolucionária. O julgamento-farsa perante o Tribunal Jacobino, em 14 e 16 de outubro de 1793, fê-la vítima de acusações difamatórias. Uma imagem do pintor inglês William Hamilton retrata-a com um vestido branco imaculado, saindo da Conciergerie rodeada pelas “tricoteuses”, que pedem sangue novo na Revolução. Henry Sanson, filho do carrasco de Paris, conta nas suas Memórias que ela subiu os degraus da guilhotina com surpreendente majestade, como se fossem os da grande escadaria de Versalhes. As mesmas palavras com que o Papa Pio VI, no discurso Quare lacrymae, de 17 de junho de 1793, definiu Luís XVI como mártir, podem ser aplicadas à Rainha Maria Antonieta. Neste discurso, Pio VI exclamou: 

“Ah França, ah França! Chamada pelos Nossos predecessores de ‘espelho de todo o Cristianismo e pilar seguro da Fé’, vós que no fervor da Fé Cristã e na devoção à Sé Apostólica nunca seguistes as outras Nações, mas sempre as precedestes! Quão longe estais hoje de Nós, com esta alma tão hostil à verdadeira Religião: vós vos tornastes o inimigo mais implacável de todos os adversários da Fé que já existiram!”

O assassinato dos dois soberanos é o ato fundador da República Francesa e a constitucionalização do aborto representa uma continuidade simbólica no assassinato estatal. No entanto, quem quiser identificar a França com o espetáculo blasfemo que abriu os Jogos Olímpicos, estará enganado. A França não é a Praça da Guilhotina, mas a Notre-Dame e a Sainte Chapelle; A França não é Robespierre ou Macron, mas é São Luís e Santa Joana d'Arc. Assim, erraria quem quisesse identificar o espetáculo de degeneração oferecido por Paris nos últimos meses, com a civilização ocidental à qual a França tanto deu. O Ocidente é a história de uma fé religiosa, de um estilo de vida, de uma arte, de uma literatura, de uma música e também de grandes batalhas em defesa da civilização.



Os inimigos externos do Ocidente, que são os herdeiros de Maomé no mundo árabe e os de Lenine na Rússia e na China, não odeiam a decadência do Ocidente, mas o Ocidente como tal: aquele Ocidente que derrotou o Islã em Lepanto e Viena, e acabou com o comunismo em Varsóvia, em 1920, e na Espanha, na década de 1930. 

Os inimigos do Ocidente procuram vingança. Para que isso aconteça, para que ganhem a guerra, sabem que o Ocidente deve deixar de ser cristão, deve regressar às ideias e aos costumes do paganismo, a fim de cair como uma maçã madura, como aconteceu com o Império Romano. Os bárbaros não odiavam a decadência de Roma, mas o poder que os subjugou durante séculos. A conquista da Cidade Eterna pelos godos de Alarico, na noite de 24 de agosto de 410, foi o seu triunfo. São Jerônimo, em Belém, e Santo Agostinho, em Hipona, derramaram profundas lágrimas por este acontecimento simbólico. Quem chora hoje pelas ameaças dos novos bárbaros ao Ocidente? Mas, acima de tudo, quem está disposto a defender o Ocidente em nome dos princípios e instituições que o tornaram grande na História? Mas a força destes valores, que nasce da Verdade de Cristo, é indestrutível. O futuro do mundo não está sob a bandeira de Dionísio, nem sob a do comunismo ou do Islão, mas sob a do único Deus vitorioso, que é Jesus Cristo. A fé e a razão o atestam. 

Como e quando isso acontecerá? Com Deus, tudo é possível na História. Só quem acredita no determinismo histórico cego pensa que “a História não se faz com o se”. A História é feita com “ses” justamente pela riqueza de possibilidades que cada momento presente contém. É por isso que o nosso exame de consciência se baseia nas falhas que cometemos, mas que não fomos obrigados a cometer. Também a História, como a nossa vida, poderia ter sido diferente e poderia seguir, de um momento para o outro, de uma maneira diferente. O que teria acontecido se, em 14 de julho de 1789, os dragões do Príncipe de Lambesc, contrariando a ordem de não derramar sangue que lhes foi dada por Luís XVI, tivessem varrido a turba revolucionária que marchava em direção à Bastilha? A Revolução Anticristã não se iluda. Os dragões do Príncipe de Lambesc estão sempre, de espada na mão, na esquina da História.

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