27 de julho de 2024

QUANDO A GUERRA É LEGÍTIMA?


“A paz que tivesse como fruto evitar a guerra e permitir a pacífica e incruenta consumação da injustiça, quando esta poderia ser evitada pela reação das armas, essa paz seria uma suma injustiça aos olhos de Deus e do povo avassalado” 


A covarde e brutal invasão da Ucrânia, ordenada pelo ditador comunista Vladimir Putin [foto], tem semelhança com a invasão da Polônia pelas tropas nazistas em 1º de setembro de 1938 — estopim da II Guerra Mundial. Já em pleno conflito mundial, no “Legionário” de 1º de outubro de 1939, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fez considerações sobre o tema “guerra e paz” que se aplicam bem à invasão russa ordenada pelo novo Führer ao território ucraniano. Diante de tal agressão, ninguém — desde o Papa até o mais simples homem honrado — pode ficar insensível e neutro. Vejamos excertos do artigo: 


“A respeito de paz, há duas atitudes doutrinárias inteiramente diversas, que, infelizmente, o público costuma confundir: 

1) a posição da Igreja Católica, que considera a paz como um bem inestimável, mas admite a guerra em certos casos como um direito e em certos casos até como um dever sagrado; 

2) a posição dos pacifistas extremos que consideram a guerra como um mal insuportável, por isso mesmo a paz como um bem que a qualquer preço se deve conservar.

Não pretendemos tratar senão por alto e, aliás, com um interesse teórico da questão da legitimidade da guerra. Damos, porém, dois exemplos clássicos. Um é o da legítima defesa. O outro é o da guerra sagrada. 

No caso da legítima defesa, a guerra é um direito incontestável. Admita-se um país que, como o Brasil, se compõe de muitas circunscrições territoriais. É óbvio que se uma potência invasora nos arrancasse o Território do Acre, nem por isto o Brasil inteiro pereceria. Ninguém, entretanto, ousaria negar que estaríamos exercendo um direito se pegássemos em armas para escorraçar o invasor. 

Uma rebelião dos nacionalistas italianos e o assassinato do Primeiro-ministro em 1848, obrigaram Pio IX a exilar-se. O quadro retrata a visita do Papa a Nápoles quando voltava a Roma, em setembro de 1849.[Chegada do Papa Pio IX a Nápoles – Salvatore Fergola (1799-1874). Coleção particular].


No caso da guerra sagrada, não existe apenas o direito, existe um dever. Um exemplo característico de caso de guerra sagrada se verificou no século XIX, quando se concebeu o projeto criminoso de despojar o Papa [Pio IX] de toda a soberania temporal, de suprimir todas as fontes de renda de que vivia o Vaticano, e de aproveitar finalmente alguma oportunidade feliz para extinguir de vez o Papado. 

Este projeto, Leão XIII, em suas Encíclicas, o descreve retrospectivamente com uma precisão extraordinária. Ora, atacada a Santa Sé de modo tão violento e tão criminoso, era a própria Igreja que se feria no que ela tem de mais essencial e de mais santo: era a própria civilização que se atingia no que ela possui de mais fundamental: era, pois, todos os povos da Terra que se sentiam duramente golpeados pela iniciativa pérfida. 

Para todo e qualquer país católico, era uma obrigação imperiosa acudir em defesa do Papado. E a maior nódoa da História da Europa foi incontestavelmente a atitude covarde das grandes potências católicas que assistiram de braços cruzados a consumação deste nefando crime. Graças a Deus, porém, não faltaram católicos das mais variadas nacionalidades que se reuniram em um pequeno exército de voluntários e de mártires, o qual, tanto quanto possível, se opôs à investida das forças garibaldinas. A honra dos governos ficou maculada. Mas a honra dos povos foi salva pelo sacrifício espontâneo deste punhado de heróis.

* * * 

Estes os princípios da doutrina católica. Eles se sintetizam todos em um pensamento de Santo Agostinho. Diz o grande doutor que, ao contrário do que já no seu tempo era uma impressão geral, o mais grave dos males da guerra não está na mutilação ou na destruição de corpos perecíveis que, dias mais, dias menos, hão de se corromper dentro das entranhas da terra, na sombra humilde de uma sepultura. 

O grande mal da guerra, maior do que todos os males, está na ofensa que Deus recebe com ela. Porque não se pode conceber um conflito em que ambas as partes sejam inteiramente inocentes. Ao menos uma delas há de ser culpada. E a ofensa que Deus recebe com a injustiça do agressor é, no fundo, o maior mal que uma guerra pode causar.

As tropas alemãs entram na Polônia, em setembro de 1939, na chamada blitzkrieg de Hitler


Ora, se a ofensa que Deus recebe com uma agressão injusta é grande, que dizer-se da ofensa por Ele recebida com a vitória do agressor e com a transformação da injustiça em uma ordem de coisas estável e duradoura que se constitua em permanente injúria à Majestade Divina? 

A paz que tivesse como fruto evitar a guerra e permitir a pacífica e incruenta consumação da injustiça, quando esta pudesse ser evitada pela reação das armas, essa paz seria uma suma injustiça aos olhos de Deus e do povo avassalado, porém inconformável com a desgraça, clamariam vingança com a mesma veemência patética com que clamou por vingança o sangue inocente de Abel. 

Assim, pois, imaginar como imaginam “à outrance” que é preciso a todo custo evitar a guerra, ainda que a paz assim obtida signifique o desaparecimento de povos inteiros, e a injustiça campeando como supremo princípio da ordem internacional, não é outra coisa senão opor à doutrina católica o desmentido mais formal que se lhe possa opor. [...] 

* * * 

A guerra que a Polônia sustentou [contra a invasão nazista] foi uma guerra santa, perante a qual o Papado não poderia permanecer indiferente, porque, em última análise, ela foi ao menos tão agredida quanto a Polônia. 

Ninguém tem dificuldade em compreender que a Igreja tenha pregado diversas cruzadas contra o Islã, quando este ameaçou o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a liberdade religiosa das populações cristãs ali existentes. 

Catedral e Castelo Real de Wawel

A situação da Polônia, para o Vaticano, foi idêntica. De fato, o comunismo e o nazismo são absolutamente tão hostis ao catolicismo como o Islã. E se na Polônia não está o Santo Sepulcro do Salvador, ali estão os Tabernáculos do Santíssimo Sacramento nos quais o Corpo do Senhor repousou de modo não menos real do que no Sepulcro de Jerusalém. Para quem tem Fé, a violação de tais Tabernáculos e, o que é pior do que isto, das próprias Espécies Consagradas, é coisa que dói até o âmago da alma, até aquela região misteriosa de nós mesmos, sumamente íntima e secreta, que São Paulo denominou a juntura da alma e do espírito. 

Ora, como haveria de o Vaticano ser neutro perante esta situação? 

* * * 

Mas, se a Santa Sé não é neutra, como se coloca na posição de apaziguadora? A resposta é simples. Foi o amor à Justiça e à Verdade que a faz tomar posição no conflito. Entretanto, ela continua a desejar ardentemente uma paz que, desfazendo as injustiças já feitas, venha indenizar os países lesados, reparar os danos infligidos à Religião e estabelecer no mapa europeu uma ordem profunda cuja tranquilidade possa ser autenticamente chamada de paz”.

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