10 de agosto de 2024

Fim do pensamento e igualdade entre homens e animais

São Tomás – detalhe do afresco “A Virgem e o Menino com São Domingos e São Tomás de Aquino” Fra Angelico (1395–1455). Museu Hermitage, em São Petersburgo (Rússia).


Novos passos alucinados da Revolução que já emergem no horizonte

✅  Juan Antonio Montes

Até agora, o gosto e a capacidade de pensar eram característicos de todas as culturas e civilizações.

Essa vontade de pensar e de valorizar o raciocínio humano está sendo posta em causa por uma nova corrente de filósofos, acadêmicos e pensadores, a qual encontra eco nos meios de comunicação social e, paradoxalmente, nos centros de pensamento de esquerda.

Na Antiguidade, o desenvolvimento sistemático do pensamento começou com os gregos, questionando as causas dos fenômenos que observavam.

Mais tarde, na Idade Média, São Tomás de Aquino e a escola escolástica, apoiando-se nas regras de Aristóteles, responderam às verdades teológicas que permaneciam inexplicadas para os filósofos gregos.

Assim nasceram as universidades, que se disseminaram pelas principais capitais da Europa Ocidental e contribuíram para difundir o pensamento na sociedade daqueles países.

 

O pensamento se distanciando das verdades da Fé

A Encíclica Fides et Ratio, do Papa João Paulo II, demonstra a necessária harmonia entre a verdade da razão e a verdade que nos foi revelada, destacando o papel de São Tomás de Aquino como formador de professores da escolástica: “Neste longo caminho [do pensamento], ocupa um lugar absolutamente especial São Tomás […]. Numa época em que os pensadores cristãos voltavam a descobrir os tesouros da filosofia antiga, e mais diretamente da filosofia aristotélica, ele teve o grande mérito de colocar em primeiro lugar a harmonia que existe entre a razão e a fé. A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus: argumentava ele; por isso, não se podem contradizer entre si”.(1)

Essa harmonia indispensável entre as verdades da Fé e da razão foi rompida com o processo revolucionário, descrito pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu célebre ensaio Revolução e Contra-Revolução.

Com a crescente influência do Humanismo e do Protestantismo, o pensamento humano começou a se afastar da procura das verdades da Fé, relativizando a teologia e centrando as suas preocupações apenas em questões meramente humanas.

Dessa forma, as elucubrações da filosofia renascentista deram origem posteriormente ao “cartesianismo”, que questionava tudo quanto não fosse objeto de conhecimento empírico.(2)

 

Maio de 1968, violência nas ruas de Paris 

Processo de relativização do pensamento tomista

Um erro atrai outro. Foi assim que se passou ao Iluminismo, anterior à Revolução Francesa, que exaltou o pensamento em detrimento da Fé, espalhando um espírito de “deísmo” generalizado nas classes cultas do Antigo Regime.

Mais tarde, chegamos ao Positivismo no século XIX, pelo qual o homem acabou expulsando todas as verdades que não fossem meramente mecânicas e cientificamente verificáveis.

As grandes descobertas científicas do início do século XX confirmaram a falsa impressão de que uma vida fácil fora definitivamente alcançada e se tornara acessível a todos.

A instituição, em 1900, do Prêmio Nobel e o prestígio internacional das Exposições Internacionais levaram o mundo científico ao seu auge de prestígio, disseminando em toda a sociedade a ideia de progresso indefinido.

Porém, já em meados do mesmo século, um movimento de pensadores começou a questionar os pressupostos do pensamento e seus próprios frutos. Tal questionamento irrompeu-se violentamente durante a revolução estudantil na Sorbonne, em 1968.

Curioso paradoxo, a mesma universidade — por cujos corredores passaram São Tomás de Aquino e outros luminares do pensamento escolástico — ouviu, pela primeira vez na história do Ocidente, uma censura à capacidade de pensamento do homem.

Seus slogans promoveram a imaginação e a extinção do pensamento. Eis alguns deles: “Aproveite sem limites”; “A imaginação no poder”; “Seja realista, exija o impossível”; “É preciso explorar sistematicamente o acaso”; “É proibido proibir. A liberdade começa com a proibição”.

 

Desvanecimento das características de ser racional e espiritual

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nos mesmos dias em que esses acontecimentos eclodiam, declarou: “É um impulso universal que sacode a mocidade inteira [...]. Característica singular, é puro impulso, não tem outra coisa a não ser impulso. É, então, uma nova era histórica em que o homem renuncia à razão, renuncia à promoção, e espera, por um instinto, pela ordem das coisas futuras.(3)

Sua previsão se confirmou inteiramente.

A partir daí, essa revolução — apesar de ter sido reprimida pelas forças da ordem e de ter encontrado a oposição de um milhão de franceses — só cresceu, enfraquecendo o gosto pelo pensamento e pelos atos de vontade, deixando que as emoções dirigissem a mentalidade de todas as gerações que se seguiram.

Da mesma forma como as três revoluções anteriores (Protestante, Francesa e Comunista) atacaram as elites e os chefes da sociedade que encontraram à sua frente, essa IV Revolução também encontrou outro “rei” para decapitar.

Esse rei é o homem com suas características de ser racional e espiritual.(4) Sua realeza lhe foi conferida pelo próprio Deus no início da Criação, quando lhe ordenou “governar toda a criação e dominar todos os animais”.(5)

Coube então, a essa IV Revolução, diminuir ao máximo as características espirituais e racionais que conferem ao homem a sua superioridade, para torná-lo igual aos animais e a todos os demais seres vivos.

Veremos como ela está se comportando.

 

Paulo VI descreveu a primeira geração a ser deformada pelos instrumentos de propaganda como “geração da imagem”. 

O animalismo versus o humano

Através de mecanismos de propaganda, tendências que valorizavam os sentimentos, as emoções primárias e a espontaneidade começaram a ser promovidas em detrimento do pensamento e dos aspectos lógicos das pessoas.

Tal propaganda, somada aos recursos da tecnologia, provocou um crescente desinteresse pelos atributos do pensamento, da memorização e do estudo sistemático, frutos do esforço individual e do ascetismo. Paulo VI descreveu a primeira geração a ser deformada por esses instrumentos como “geração da imagem”.

O psiquiatra espanhol Dr. Blasco-Fontecilla referiu-se a essa operação de tentativa de acabar com o pensamento abstrativo como uma “operação deliberada de imbecilização do ser humano” e denunciou que ela foi realizada através dos meios de comunicação, especialmente da televisão, para transformar o ‘homo sapiens’, herdeiro da cultura escrita, no ‘homo videns’, para o qual a palavra está destronada pela imagem.(6)


Como resultado desse nivelamento entre o que os animalistas chamam de ANH (animal não humano) e AH (animal humano), foi crescendo a corrente daqueles segundo os quais ambos os tipos de espécies têm a mesma dignidade e os mesmos direitos. 

Com efeito, se o homem está perdendo a sua capacidade de raciocínio, obviamente está também perdendo, pari passu, a sua diferença com o animal irracional.

Como resultado desse nivelamento entre o que os animalistas chamam de ANH (animal não humano) e AH (animal humano), foi crescendo a corrente daqueles segundo os quais ambos os tipos de espécies têm a mesma dignidade e os mesmos direitos.

Esta tendência de equiparar o humano ao animal foi encorajada não tanto como uma doutrina teórica, mas como um sentimento psicológico de compaixão. Isto levou à constituição de “coletivos anti-especistas autogeridos”, que conseguiram acabar com os zoológicos, considerados por eles como “prisões”.(7)

Enquanto na Alemanha, uma das nações mais “razoáveis” do Ocidente, os direitos dos animais foram introduzidos na Constituição,(8) no Chile a mesma cláusula foi proposta para um projeto de reforma constitucional.(9)

Fazendo eco a esta tendência, o importante Banco Vizcaya Bilbao concedeu no ano passado ao filósofo animalista Peter Singer o prêmio “Fronteiras do Conhecimento”, por sua “contribuição ao progresso moral” e por ter marcado “um ponto de viragem na compreensão e fundamentação da ética, aplicando para o domínio dos animais, com consequências notáveis ​​para a legislação internacional sobre o bem-estar animal”.(10)

Tornando-se universal essa tendência, o Ministério da Agricultura do Chile emitiu uma definição de saúde animal em nada diferente daquela de saúde humana: “O termo ‘bem-estar animal’ designa o estado físico e mental de um animal em relação às condições em que vive e morre. Um animal experimenta bom bem-estar (sic) se estiver saudável, confortável, bem alimentado, seguro e se não sofrer sensações desagradáveis ​​como dor, medo ou inquietação e for capaz de expressar comportamentos importantes para o seu estado físico e bem-estar mental.”(11)

Sobre este propósito de querer equipar o animal ao humano, o jornalista espanhol Julio Llorente escreveu: “Depois de alguns anos de observação cuidadosa concluí que os animalistas não defendem tanto que os animais sejam tratados da mesma forma que os homens, mas que os homens sejam tratados da mesma forma que os animais. É uma redenção ao contrário, uma equalização descendente, semelhante à promovida pelo sistema educativo espanhol.”(12)

Desta forma, a “realeza” do homem e a sua supremacia ontológica perante os demais seres vivos do planeta é cada vez mais posta em causa por essa IV Revolução.

 

Manifestação de feministas radicais 

Ecologia radical e ciência

Somam-se a isso outras correntes ideológicas revolucionárias que fazem parte da mesma força para degradar a “realeza” humana.

Os alarmes não comprovados do fim do mundo como efeito do aquecimento global e outras psicoses ambientais generalizaram a impressão de que o homem é o grande causador desses danos.

A partir daí, e como consequência lógica, expande-se a ideia de que quanto menos o homem intervier nos processos espontâneos da natureza, tanto mais se assegurará o futuro para as novas gerações. Isto é o que se chama teoria do “decrescimento”, apoiada especialmente pelos partidos verdes na Europa e pelos seguidores da ecologia profunda.(13)

Como os estudos científicos geralmente buscam obter o melhor uso dos recursos naturais em benefício do bem-estar humano, eles caem na área das ações “suspeitas” de ambientalistas radicais. Para estes, o melhor seria o homem não se preocupar com o futuro, mas viver o dia a dia preocupado apenas com a sua subsistência imediata.

Ora, uma das principais diferenças entre o homem e o animal é a capacidade de prever do primeiro, em oposição à falta de previsão do animal. Reduzir o homem ao mesmo sistema de imprevisibilidade próprio ao animal é tentar eliminar uma das diferenças características entre uma espécie e outra.

 

Feminismo radical

Uma vez que a IV Revolução tenta reduzir o pensamento à sua expressão mínima, entende-se que pretende exaltar a emoção em todos os aspectos da vida em sociedade, promovendo o papel do feminino e “desconstruindo” o homem como ser primordialmente pensante.

Uma das razões pelas quais as correntes feministas radicais encontraram importante audiência no Ocidente se deve ao fato de que, por sua natureza feminina, as mulheres representam uma psicologia mais emocional, no sentido prático da palavra.

Não nos aprofundaremos neste assunto por tratar-se de questão amplamente estudada, especialmente no que se chama de “ideologia de gênero”.

 

“Conhecimento pós-humano”

A alternativa para o homem de hoje é voltar à “Casa Paterna” da ordem cristã completa e reconciliar-se com aquilo que desastrosamente abandonou.
[
O retorno do filho pródigo – Pompeo Batoni (1708–1787). Museu de História da Arte, em Viena].

Para a última geração do feminismo radical, não se trata mais tanto de exacerbar as diferenças entre homens e mulheres, menosprezando o masculino e priorizando o feminino. Os promotores do que tem sido chamado de “pós-humanismo” deixaram essa discussão para trás e estão atualmente se concentrando numa nova forma de compreender o que chamávamos até agora de humanidade.

A corrente “pós-humanista” pretende incorporar todos os seres vivos numa espécie de simbiose “nômade” e mutável, onde as diferenças, em vez de entrarem em luta, se somam e se diluem, dando origem a um ser híbrido cujos componentes orgânico, técnico, animal e vegetal se unem em permanente evolução.

Seus teóricos constituem uma vasta gama de “pensadores” cujos trabalhos são divulgados em universidades de todo o mundo. Entre os principais expoentes dessa corrente estão feministas como Rosi Braidotti, que afirma: “O conhecimento pós-humano nos fornece um projeto afirmativo e enérgico para confrontar nossa natureza nova, híbrida, tecnológica e pós-humana, e lança as bases para a pesquisa em ciências humanísticas à altura dos desafios contemporâneos.”(14)

Braidotti, que é também acadêmica e docente em diversas universidades e autora de vários livros, considera que “o humano nunca foi uma categoria neutra, mas sempre esteve ligado ao poder e ao privilégio. Portanto, ir além dos antigos esquemas com que o Homem se definia hoje torna-se não só uma necessidade, mas também uma exigência ética. O conhecimento pós-humano é, acima de tudo, uma vocação crítica: o projeto de reconfigurar o conhecimento e a experiência, derrubar o antropocentrismo e analisar criticamente a lógica discriminatória do humanismo”.(15)

O espaço deste artigo não permite elencar todas as teses “pós-humanistas”, mas o que em resumo elas buscam é acabar com a última “realeza” existente: a do homem criado à “imagem e semelhança” de Deus.

Outro expoente desta corrente pós-humanista, o Prof. Fernando Hernández da Universidade de Barcelona, concorda com Braidotti: “O pós-humanismo crítico desafia o antropocentrismo no coração do pensamento ocidental. Questiona a centralidade humana e os discursos que cercam a ideia de um observador situado fora da natureza e da sociedade. […] Natureza e cultura estão interligadas, torná-lo evidente permite-nos romper com este e outros dualismos que determinam as nossas formas de nos relacionarmos com a natureza e conosco.”(16)

Estes novos Robespierres do pensamento e da supremacia humana procuram derrubar a última desigualdade estabelecida por Deus na Criação, acabar com todos os poderes do espírito e mergulhar-nos numa espécie de magma panteísta.

 

O diabo nunca dá o que promete

As promessas do espírito infernal nunca são cumpridas. No final dos tempos medievais, ele prometeu ao homem “ser como Deus”, caso abandonasse o espírito religioso. Ao cair no engodo, a sociedade ex-cristã afastou-se da “casa paterna”.

No momento em que o homem é rebaixado da condição de rei da Criação, soa o chamado da graça, semelhante ao ouvido pelo “filho pródigo” quando comia as bolotas dos porcos.(16)

A alternativa para o homem de hoje é voltar à “Casa Paterna” da ordem cristã completa e reconciliar-se com aquilo que desastrosamente abandonou.

Embora não seja fácil abandonar o que foi cultuado durante tantos séculos, há, no entanto, neste momento histórico, um apelo especial da graça.

Falecido em 1995, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira não conheceu os últimos desenvolvimentos desse pós-humanismo. Contudo, previu as suas piores consequências e apontou a saída para não se cair naquela tentação despersonalizante.

Em conversa com alguns membros da TFP, ele destacou que a única maneira de escapar desta enorme mentira da Revolução era pedir graças místicas à Mãe de Deus.

 “Essa perda do sabor da vida tem uma relação muito íntima com o que eu falava a respeito das graças místicas [...], que é o antídoto para isso. É o único antídoto. Não temos consciência disso porque, como somos católicos, esses favores místicos vêm sem nos darmos muito conta, mas ajudam a tocar a vida”.(17)

Voltemo-nos então para a Santíssima Virgem Rosa Mística, a fim de que nos obtenha de seu Divino Filho a graça de ver a sua beleza, sentir o seu perfume e deixar-nos levar pelos seus sublimes encantos: “Trahe nos Virgo Imaculada, post te curremus in odorem unguentorum tuorum.” (Atrai-nos, Virgem Imaculada; corremos atrás dos teus passos, ao odor dos teus perfumes).

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Notas:

1. “Carta Encíclica Fides et Ratio do Sumo Pontífice João Paulo II aos bispos da igreja católica sobre as relações entre fé e razão”, 43. De 4 de setembro, festa da Exaltação da Santa Cruz, 1998.

2. “As obras filosóficas de Descartes marcaram o ponto de viragem de uma era (o mundo medieval) para dar lugar à modernidade filosófica. A maior parte de suas obras gira em torno da crítica aos métodos de pensamento estabelecidos, da construção de um novo método para encontrar a verdade, do desenvolvimento da dúvida hiperbólica (a “dúvida metódica”, a respeito do método) e do ego que tomo como a primeira verdade óbvia.” https://humanidades.com/rene-descartes/

3. “No trem da Revolução da Sorbonne, o programa de uma nova era história: a renúncia da razão”

4. Conferência de 15-6-68. Destaque nosso.

5. Santo Tomás de Aquino exprime-se a respeito da dignidade do homem da seguinte forma: “Entre todas as outras substâncias, os indivíduos de natureza razoável têm um nome especial. E este nome é uma pessoa” (Summa Theologiae, I, q. 29, a. 1 c.).

6. E Deus os abençoou com estas palavras: "Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre o chão." (Gênesis 1, 28).

7. Dr. Blasco Fontecilla “O crescente predomínio da imagem sobre a palavra, a transformação do homo sapiens herdeiro da cultura escrita pelo homo videns' para quem a palavra é destronada pela imagem. Cf. https://farmacosalud.com/dr-blasco-fontecilla-hay-una-deliberada-imbecilizacion-del-ser-humano/

8. “O movimento animal problematiza o especismo como forma de constituição do ‘Homem’ moderno baseada na submissão e no tratamento desigual de seres sencientes que não pertencem à espécie Homo sapiens. Na América Latina assistimos ao seu surgimento e expansão apenas a partir da primeira década de 2000, a partir de um conjunto de redes coletivas compostas por ativistas e organizações que organizam suas ações para gerar transformações no especismo que colore as diferentes esferas sociais e econômicas. cf. https://nuso.org/articulo/america-latina-movimiento-animalista-y-luchas-contra-el-especismo/#footnote-128. “Desde 2022, a Lei Básica da Alemanha estabelece que a proteção animal é um objetivo do Estado. A Lei de Proteção Animal também regulamenta o tratamento desses seres vivos. Cf. Vegetarianos: os salvadores do planeta? https://www.dw.com/es/comer-carne-vs-derechos-animales-en-alemania-liberamos-a-los-cerdos/a-49643963#:~:text=From%202022%2C%20la %20Lei%20Fundamental,sem%20a%20%22razoável%20%E2%80%9D.

9. Jeremy Rifkin O que podemos aprender com os animais! “Só Harvard e outras 25 faculdades de direito nos Estados Unidos introduziram cursos sobre os direitos dos animais, e cada vez mais casos que representam os direitos dos animais estão a entrar no sistema judicial. A Alemanha tornou-se recentemente o primeiro governo do mundo a garantir os direitos dos animais na sua Constituição. Cf. “El País”, Jeremy Rifkin Tribune.

10. “Steven Pinker e Peter Singer, Prêmio Fronteiras do Conhecimento por seus estudos sobre o progresso humano e a consideração moral dos animais.” cf. https://www.bbva.com/es/steven-pinker-y-peter-singer-premio-fronteras-del-knowledge-por-sus-estudios-sobre-el-progreso-humano-y-la-consideracion- moral-dos-animais/

11. Cf. “Bem-estar animal”. https://www.sag.gob.cl/ambitos-de-accion/bienestar-animal

12. Julio Llorente, https://www.vozpopuli.com/Publicado: 19/03/2023

13. “Jason Hickel oferece num texto recente uma breve definição de decrescimento, como ‘uma redução planeada na utilização de energia e recursos destinada a trazer a economia de volta ao equilíbrio com o mundo. a fim de reduzir as desigualdades e melhorar o bem-estar humano. https://www.ciperchile.cl/2022/01/06/decrecimiento/

14. Cf. “Conhecimento pós-humano”. https://www.gedisa.com/ficha.aspx?idcol=300&cod=302680&titulo=El-knowledge-posthumano&aut=Braidotti,%20Rosi#.X0TxYcgzZPY

15. Ib.

16. Prof. Fernando Hernández Universidade de Barcelona, Catedrático de Belas Artes. "Pensar la educación (y las humanidades) desde el posthumanismo". https://www.youtube.com/watch?v=bTLGdzryNf0

17. Lucas 15, 11-32

18. Plinio Corrêa de Oliveira, Conversa gravada em 13-3-93.

8 de agosto de 2024

 

  • ✅  Plinio Maria Solimeo

Certo dia de 2018, uma jovem alemã dirigiu-se à Apotheke Undine, de Andreas Kersten [foto abaixo], em Berlim, pedindo a chamada “pílula do dia seguinte”, que pode provocar o aborto.

Isso era apenas encenação e jogo combinado, pois sabia-se que, por suas convicções religiosas profundas, o farmacêutico Kersten nunca tinha em estoque, nem vendia tal pílula. E sua farmácia era famosa por sua campanha contra os anticonceptivos e o aborto precoce, o que o convertera em alvo de ataque dos ativistas abortistas. Andreas, fingindo não perceber a provocação, ofereceu à cliente um folheto pró-vida.

Segundo a ADF Internacional — que defende a liberdade religiosa dos cristãos —, a jovem denunciou de fato o farmacêutico à Câmara de Farmácia de Berlim, que entrou com um recurso  contra Kersten no Tribunal Administrativo daquela capital.

Em 2020, esse tribunal absolveu o farmacêutico, afirmando que ele tinha direito de seguir sua consciência, que não havia negligenciado seu dever profissional, e que, portanto, podia se opor de boa consciência em tal situação.

Na sentença, o Tribunal alegou que Kersten estava também amparado por uma carta do Ministério Federal da Saúde, a qual estabelece que os farmacêuticos podem exercer o direito de objeção de consciência em determinados casos. Quer dizer, tudo em ordem.

Posteriormente, a Câmara dos Farmacêuticos interpôs recurso desta decisão, mas o Tribunal confirmou o direito de Andreas de agir segundo sua consciência e condenou a Câmara a pagar os honorários do advogado do farmacêutico.

Contudo, no julgamento oral, o juiz responsável pelo caso decidiu que o dever de fornecer qualquer tipo de medicamento, inclusive a pílula potencialmente abortiva, prevalece sobre a liberdade de consciência!

Ora, isso, segundo a mesma ADF Internacional, é contrário ao direito humano universal que protege a consciência.

Seja como for, essa é a primeira sentença na Alemanha na qual um tribunal confirma o direito de um farmacêutico à sua liberdade de consciência.

A sentença do juiz estabeleceu assim um precedente, e confirmou a possibilidade de se invocar a liberdade de consciência na Alemanha, apesar de invocar “a superioridade do desempenho dos deveres profissionais” sobre a própria consciência. Andreas Kersten comentou:

Sinto-me aliviado porque o tribunal rechaçou a sanção solicitada pela Câmara Farmacêutica contra mim. Eu me tornei farmacêutico para promover a saúde e, inclusive, salvar vidas. Não posso conciliar a venda das pílulas do dia seguinte com a possibilidade de acabar com uma vida humana, inclusive prematuramente”. E conclui: “Se bem que fui absolvido, horroriza-me o raciocínio [do juiz] que rechaça amplamente nossa liberdade de consciência. Agora os farmacêuticos podem se ver obrigados a abandonar sua profissão para se manterem fiéis às suas crenças”.

A decisão a favor de Kersten foi publicada em 26 de junho deste ano, “depois de cinco anos de incerteza jurídica”, informou o diretor de Promoção Europeia da ADF Internacional, Félix Böllmann, que esteve envolvido no caso desde o início.

Agora está claro que Andreas Kersten não violou seus deveres profissionais. Acolhemos esta decisão. No entanto, o argumento por detrás da decisão [do juiz] é atroz”, disse, acrescentando ser inconcebível que os farmacêuticos tenham agora de escolher entre suas crenças e sua profissão. E conclui: “Ninguém deveria ser forçado a escolher entre sua consciência e sua profissão. As crenças pessoais e a consciência influenciam todas as áreas da vida de uma pessoa e não são simplesmente estabelecidas num ambiente profissional [...] O parecer do Tribunal Administrativo Superior de Berlim está em contradição direta com o direito internacional. As liberdades fundamentais devem ser garantidas de forma eficaz, e não apenas no papel. O parecer do tribunal contraria a liberdade de consciência”.

A atitude do juiz mostra como o círculo está fechando, até chegar o momento — se é que ainda não chegou — em que essas pílulas sejam livremente vendidas nas farmácias, ao alcance de qualquer adolescente vítima da corrupção diabolicamente organizada e generalizada de nossos dias.

3 de agosto de 2024

Revolução Cultural na arte culinária, o confronto entre a excelência e a barbárie


Duas culturas, duas épocas: acima, uma tradicional refeição italiana. Embaixo, a nova tendência, um prato sortido de uma colorida variedade de insetos...

Em torno da mesa, o requinte, fruto da Civilização e a degradação, fruto da Revolução. 
Sacralidade, tradição e cultura 
X 
Igualitarismo, ecologia, anticultura 

✅ Fonte: Revista Catolicismo, Nº 884, Agosto/2024 


É incontestável a importância das refeições na reunião familiar e na vida social, assim como na formação cultural e civilizatória de um povo. Além do regalo da boa comida, a mesa propicia a alegria de viver entre semelhantes e o deleite espiritual, uma vez que alimenta não apenas o corpo, mas também a alma. Ademais, a boa mesa ocasiona as boas prosas — infelizmente cada vez mais emudecidas pelo vício das TVs ligadas o tempo inteiro e dos onipresentes celulares & cia. 

Em torno da mesa, do forno, do fogão, das caçarolas, de uma garrafa de vinho ou da simples cesta de pães, cria-se ambiente favorável à união da família. Trocando ideias com os filhos, os pais vão lhes transmitindo as tradições ancestrais, as regras de etiqueta e cortesia, a arte da conversa e das boas maneiras — por exemplo, a não mastigar com a boca aberta, a não falar com a boca cheia etc. 

Os bons costumes adquiridos na infância permanecem por toda a vida: os filhos saberão se comportar bem quando convidados para um jantar ou banquete social; como receber convidados; exercer atividades diplomáticas, fazer ou restabelecer amizades, resolver problemas complicados, decidir questões importantes. 

O Divino Mestre não somente nos ensinou que “Quando dois ou mais se reunirem em meu nome, Eu estarei no meio deles” (Mt 18, 20), como nos deu magnos exemplos relativos à sacralidade da mesa. Basta nos lembrarmos das Bodas de Caná, quando, a rogos de Maria, Ele operou seu primeiro milagre, transmutando a água em vinho — o melhor dos vinhos daquela celebração social —, ou da instituição da Sagrada Eucaristia, na Última Ceia com os Apóstolos na Quinta-feira Santa. 

Em oposição às quintessências culinárias, surgem em nossos dias as imposições “gastronômicas” da Nova (des)Ordem Mundial, propostas pelos mentores da ecologia marxista e insufladas pela mídia da mesma corrente ideológica. Esta faz intensa propaganda das novas “proteínas do futuro” para “salvar a biodiversidade do planeta”: a ingestão (indigesta e nojenta) de larvas e coisas semelhantes. 

Chamam de entomafagia o consumo de insetos — grilos, besouros, lagartas, gafanhotos, baratas, minhocas e outros vermes repugnantes. Com esse “cardápio”, segundo eles, se diminuiriam os gases do efeito estufa liberados pelos bovinos durante o processo de ruminação, evitando assim o “aquecimento global”, tão noticiado com fake-news e exagerado nos dados para causar pânico. 

Trata-se de uma Revolução Cultural na gastronomia para impor coisas desvairadas, anticulturais e atentatórias ao bom gosto, cuja importância e acuidade de análise do colaborador da revista Catolicismo Nelson Ribeiro Fragelli levou a direção a colocá-la como matéria de capa da edição de agosto.

31 de julho de 2024

O show de Paris: um ato e guerra contra a Civilização Cristã



✅  Roberto de Mattei

Entre os muitos acontecimentos simbólicos do nosso tempo, o espetáculo grotesco que inaugurou as Olimpíadas de Paris em 26 de julho não pode ser simplesmente descartado como um espetáculo de mau gosto ou uma provocação cultural. É o último ato de guerra contra a Civilização Cristã que teve um dos seus picos históricos na Revolução Francesa. 

No centro da polêmica da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos estava uma coreografia em que a DJ francesa Barbara Butch, conhecida por ter se definido como “gorda, lésbica, queer, judia e orgulhosa disso”, liderava a cena, vestindo uma coroa em forma de halo, cercada por drag queens, a modelo transgênero Raya Martigny e dezenas de dançarinos de sexo incerto, enquanto o cantor Philippe Katerine irrompeu quase nu, pintado de azul e disfarçado de Dionísio [quadro acima]. 

A representação pareceu a muitos uma paródia blasfema da Última Ceia e provocou indignação e protestos de católicos em todo o mundo. O criador do tableau vivant, Thomas Jolly, que também é um personagem abertamente “queer”, para se justificar, afirmou ter se inspirado não na famosa pintura de Leonardo da Vinci [quadro abaixo], mas em um artista desconhecido do século XVII, Jan Harmensz van Bijlert, autor de uma pintura, Le Festin des dieux, que retrata um banquete dos deuses no Olimpo. 



Seja qual for a inspiração, a iniciativa não pode ser atribuída a um diretor artístico bizarro, mas expressa uma mensagem que lhe foi encomendada pelas mais altas autoridades francesas, a começar pelo chefe de Estado. O presidente Emmanuel Macron foi quem, no passado dia 4 de março, se declarou orgulhoso por ter sido a França o primeiro país do mundo a incluir o aborto na sua carta constitucional, definindo este ato como uma mensagem universal. O próprio Macron, na sua arrogância, insensível ao recente desastre eleitoral, quis propor ao mundo uma nova mensagem de “inclusividade” anticristã. Dionísio é o deus “híbrido” das orgias pagãs, da sensualidade desenfreada e da cegueira da razão, e a intenção declarada dos organizadores era substituir o mistério sublime do Cristianismo pela bacanal dionisíaca. 

O ódio ao Cristianismo sempre precisou de representações simbólicas e a Revolução Francesa foi alimentada pela mitologia pagã desde o início. Há uma continuidade evidente entre a paródia blasfema da Última Ceia de 26 de Julho e a entronização da Deusa Razão, ocorrida em 10 de Agosto de 1793 em Paris, sob o disfarce da deusa egípcia Ísis. 

Deste ponto de vista, há também algo de sacrílego no insulto gratuito e vergonhoso à Rainha Maria Antonieta, retratado na performance parisiense de 26 de Julho, enquanto ela segura nas mãos a cabeça guilhotinada [foto ao lado], cantando o hino revolucionário Ça ira. Macron e seus colaboradores queriam reivindicar a Revolução Francesa no seu aspecto mais abjeto: o assassinato da Rainha de França, vítima inocente, como o Rei Luís XVI, do ódio revolucionário, que nos soberanos franceses queria atacar o princípio da realeza social de Cristo. 

Maria Antonieta, a Rainha mais caluniada, mas também a mais amada e até venerada da História, não foi culpada de nenhum crime senão aquele de incorporar uma graça aristocrática incompatível com o igualitarismo revolucionário. Muito foi escrito sobre a sua alegada frivolidade e pouco sobre a sua piedade. No entanto, o espírito religioso da soberana, que emerge nos últimos dias da sua prisão, tem suas raízes numa educação e numa concepção do mundo antitética à revolucionária. O julgamento-farsa perante o Tribunal Jacobino, em 14 e 16 de outubro de 1793, fê-la vítima de acusações difamatórias. Uma imagem do pintor inglês William Hamilton retrata-a com um vestido branco imaculado, saindo da Conciergerie rodeada pelas “tricoteuses”, que pedem sangue novo na Revolução. Henry Sanson, filho do carrasco de Paris, conta nas suas Memórias que ela subiu os degraus da guilhotina com surpreendente majestade, como se fossem os da grande escadaria de Versalhes. As mesmas palavras com que o Papa Pio VI, no discurso Quare lacrymae, de 17 de junho de 1793, definiu Luís XVI como mártir, podem ser aplicadas à Rainha Maria Antonieta. Neste discurso, Pio VI exclamou: 

“Ah França, ah França! Chamada pelos Nossos predecessores de ‘espelho de todo o Cristianismo e pilar seguro da Fé’, vós que no fervor da Fé Cristã e na devoção à Sé Apostólica nunca seguistes as outras Nações, mas sempre as precedestes! Quão longe estais hoje de Nós, com esta alma tão hostil à verdadeira Religião: vós vos tornastes o inimigo mais implacável de todos os adversários da Fé que já existiram!”

O assassinato dos dois soberanos é o ato fundador da República Francesa e a constitucionalização do aborto representa uma continuidade simbólica no assassinato estatal. No entanto, quem quiser identificar a França com o espetáculo blasfemo que abriu os Jogos Olímpicos, estará enganado. A França não é a Praça da Guilhotina, mas a Notre-Dame e a Sainte Chapelle; A França não é Robespierre ou Macron, mas é São Luís e Santa Joana d'Arc. Assim, erraria quem quisesse identificar o espetáculo de degeneração oferecido por Paris nos últimos meses, com a civilização ocidental à qual a França tanto deu. O Ocidente é a história de uma fé religiosa, de um estilo de vida, de uma arte, de uma literatura, de uma música e também de grandes batalhas em defesa da civilização.



Os inimigos externos do Ocidente, que são os herdeiros de Maomé no mundo árabe e os de Lenine na Rússia e na China, não odeiam a decadência do Ocidente, mas o Ocidente como tal: aquele Ocidente que derrotou o Islã em Lepanto e Viena, e acabou com o comunismo em Varsóvia, em 1920, e na Espanha, na década de 1930. 

Os inimigos do Ocidente procuram vingança. Para que isso aconteça, para que ganhem a guerra, sabem que o Ocidente deve deixar de ser cristão, deve regressar às ideias e aos costumes do paganismo, a fim de cair como uma maçã madura, como aconteceu com o Império Romano. Os bárbaros não odiavam a decadência de Roma, mas o poder que os subjugou durante séculos. A conquista da Cidade Eterna pelos godos de Alarico, na noite de 24 de agosto de 410, foi o seu triunfo. São Jerônimo, em Belém, e Santo Agostinho, em Hipona, derramaram profundas lágrimas por este acontecimento simbólico. Quem chora hoje pelas ameaças dos novos bárbaros ao Ocidente? Mas, acima de tudo, quem está disposto a defender o Ocidente em nome dos princípios e instituições que o tornaram grande na História? Mas a força destes valores, que nasce da Verdade de Cristo, é indestrutível. O futuro do mundo não está sob a bandeira de Dionísio, nem sob a do comunismo ou do Islão, mas sob a do único Deus vitorioso, que é Jesus Cristo. A fé e a razão o atestam. 

Como e quando isso acontecerá? Com Deus, tudo é possível na História. Só quem acredita no determinismo histórico cego pensa que “a História não se faz com o se”. A História é feita com “ses” justamente pela riqueza de possibilidades que cada momento presente contém. É por isso que o nosso exame de consciência se baseia nas falhas que cometemos, mas que não fomos obrigados a cometer. Também a História, como a nossa vida, poderia ter sido diferente e poderia seguir, de um momento para o outro, de uma maneira diferente. O que teria acontecido se, em 14 de julho de 1789, os dragões do Príncipe de Lambesc, contrariando a ordem de não derramar sangue que lhes foi dada por Luís XVI, tivessem varrido a turba revolucionária que marchava em direção à Bastilha? A Revolução Anticristã não se iluda. Os dragões do Príncipe de Lambesc estão sempre, de espada na mão, na esquina da História.

29 de julho de 2024

Filipinas, último bastião antidivorcista do mundo

Localização República das Filipinas

  
Plinio Maria Solimeo 

A República das Filipinas é um país asiático situado num arquipélago de 7.641 ilhas, tendo como capital Manila, em cuja área se encontra Quezon, a maior cidade. 

O país tem uma população de mais de 100 milhões de habitantes. Colonizado por espanhóis, durante mais de 300 anos fez parte de seu Império, tornando-se majoritária e profundamente católico. Recebeu seu nome do rei Felipe II, da Espanha, sendo o único país no mundo, juntamente com a Cidade do Vaticano, no qual o divórcio ainda está proibido. 

Complexo Batasang Pambansa,
na Cidade Quezon,
sede da Câmara dos Deputados

Em maio do corrente ano, uma imensa pressão internacional levou sua Câmara de Representantes a aprovar um projeto de lei que legalizaria o divórcio absoluto no país. 

Isso provocou forte reação na Conferência Episcopal filipina. Seu presidente, o Arcebispo Sokratis Villegas, afirmou: 
“O casamento deveria ser um esforço contínuo. Se facilitarmos o divórcio, é possível que os casais não tentem mais superar suas diferenças, porque existirá uma solução fácil para as incompatibilidades.” 
As tentações para o divórcio são muito fortes, bafejadas pela televisão, revistas, jornais e novelas que se espalham seu lixo pelo mundo, promovendo direta ou indiretamente o rompimento do vínculo conjugal. 

Na Câmara dos Representantes das Filipinas está também em trâmite um projeto de lei que reconheceria o divórcio entre um cidadão estrangeiro e uma filipina concedido em outro país, sem necessidade de processo judicial, o que permitiria à última voltar a se casar. 

“Isto é obra do demônio. É o tipo de lei que vai contra a ordem de Deus e é imoral”, declarou com conhecimento de causa o Arcebispo Ramon Arguelles, da Arquidiocese de Lipa.

Em abril de 2018, a Revista Veja, de São Paulo, publicou esta notícia, mostrando como também o Judiciário estava facilitando o divórcio nas Filipinas: 
“Os juízes do Supremo aprovaram por dez votos a favor, três contra e uma abstenção, a solicitação de uma filipina que em 2011 se separou no Japão de seu companheiro, um cidadão japonês, mas não pôde formalizar o processo em seu país, onde o divórcio é considerado ilegal.”
Voltando à medida da Câmara dos Representantes, outras enérgicas vozes do Episcopado se fizeram ouvir. Por exemplo, Dom Alberto Uy, Bispo de Tagbilaran, na região central das Filipinas, em entrevista no dia 16 de maio à Rádio Veritas, administrada por católicos, instou os membros do Congresso a reconsiderarem a proposta de lei do divórcio e, em vez de aprová-la, “concentrarem-se na promoção de políticas e programas que apoiem o casamento, fortaleçam as famílias, e protejam o bem-estar de todos os membros da sociedade”. 
Dom Alberto argumentou que uma “sociedade que valoriza famílias fortes e estáveis é uma sociedade próspera”. E acrescentou, com muita propriedade, na sua entrevista à Rádio Veritas: “O divórcio enfraquece o tecido da sociedade ao corroer os alicerces da unidade familiar. Conduz à fragmentação social, ao aumento da pobreza, e a uma série de outros males sociais. Ao promover o divórcio, estamos contribuindo para o colapso da coesão social e a erosão dos valores morais.” 
El Santo Niño de Cebu
Por sua vez, a Arquidiocese de Cebu anunciou que faria um evento no dia 27 de julho, para protestar contra a aprovação do divórcio. Constaria de uma procissão saindo do Círculo Fuente Osmeña a Basílica Menor del Santo Niño de Cebu, onde o Arcebispo Dom José Palma celebraria o Santo Sacrifício. Afirmou esse Prelado: 
“No fundo de nossos corações está a sinceridade de nossas intenções. É um agradecimento ao Senhor pelo dom da família, pelo dom do sacramento, e pelo dom de tantos que se tornaram testemunhas do casamento que contribuiu para o bem-estar de muitas famílias.” E acrescentou: “Para nós, isso não é hipocrisia. Para nós, é a sinceridade do nosso coração dizer ‘obrigado’ a muitos casais que, apesar de muitas dificuldades, acreditam na graça de Deus de que ‘podemos seguir em frente.” 
Por sua vez, o bispo auxiliar da mesma Arquidiocese, Dom Midyphil Billones, afirmou que o fato de as Filipinas ainda proibirem o divórcio é motivo de orgulho: 
“Em vez de ficarmos inseguros e envergonhados, deveríamos levantar a cabeça como cristãos, [...] nas Filipinas podemos ser o último bastião da esperança”. Acrescentou: “E quando fizermos isso, talvez possamos nos tornar um farol de esperança para o resto do mundo. Não é um belo motivo para continuar e dar mais chances ao amor?”.

Procissão junto à Basílica del Sto Niño de Cebu 


Um exemplo para o Episcopado brasileiro e do mundo inteiro, a Arquidiocese de Cebu não ficou só em palavras. Agindo de maneira análoga à que a TFP, por iniciativa do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, agiu em 1966, ao coletar mais de um milhão de assinaturas contra a introdução do divórcio no Brasil, a referida Arquidiocese organizou uma campanha de coleta de assinaturas em todas as suas paróquias, tendo reunido até há pouco mais de 122 mil firmas, que serão submetidas ao Senado, juntamente com um documento de oposição ao divórcio. 

Apesar de a Comissão Episcopal continuar categórica em sua postura contra o divórcio, a deterioração e a paganização geral da sociedade amoleceram de tal modo a opinião pública filipina, que esta já começou a se dividir em sua oposição ao divórcio, havendo uma polarização entre os os pró e os contra essa prática, como mostram pesquisas divulgadas nos últimos meses. 

Basílica del Santo Niño de Cebu
Segundo os dados fornecidos pelo Partido Gabriela — um tanto suspeitos, porque ele luta pelo divórcio e também pela igualdade de gênero —, há um notável aumento das solicitações de anulação de casamento: de 4.520 em 2001 para 10.500 em 2011. 

Cumpre notar que esses pedidos de “anulação de casamento”, se de um lado demonstram a fragilidade a que chegou a instituição matrimonial, de outro revelam um desejo de se separar seguindo os trâmites da Igreja. 

Que Deus proteja esse valoroso país em sua luta pela defesa da fidelidade conjugal, e o torne exemplo a todas as outras nações do globo que curvaram a cabeça diante dessa investida infernal. 
 ____________ 
Fontes: 
* https://cruxnow.com/church-in-asia/2024/07/philippines-archdiocese-to-hold-prayer-rally-to-oppose-legalizing-divorce 

* https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/10548/Filipinas%3A+o+%C3%BAnico+pa%C3%ADs%2C+al%C3%A9m+do+Vaticano%2C+que+n%C3%A3o+permite+o+div%C3%B3rcio 

* https://veja.abril.com.br/mundo/pela-primeira-vez-filipinas-reconhece-divorcio-legalmente

27 de julho de 2024

QUANDO A GUERRA É LEGÍTIMA?


“A paz que tivesse como fruto evitar a guerra e permitir a pacífica e incruenta consumação da injustiça, quando esta poderia ser evitada pela reação das armas, essa paz seria uma suma injustiça aos olhos de Deus e do povo avassalado” 

23 de julho de 2024

SÃO CHARBEL MAKHLOUF

 


Um verdadeiro cedro do Líbano 


  Plinio Corrêa de Oliveira 

Charbel Makhlouf, falecido em 1898, santo contemplativo de uma ordem religiosa do rito melquita, no Líbano, entrou muito jovem no convento, tendo vivido em isolamento e meditação completos. 

Tem-se a impressão, observando-se seus olhos, de que eles são duas janelas abertas para o Céu. Olhos de um escuro profundo –– ou talvez castanho, mas muito escuro –– que refletem profundidade; e no fundo dessa profundidade há algo de sublime e celestial. Vê-se que ele olha para o Céu, o qual reflete-se em seu olhar, e que peregrinando dentro do olhar dele encontra-se o Céu. É uma verdadeira maravilha. 

Seu nariz é caracteristicamente o de um árabe. A barba é de um branco venerável, nívea. Dir-se-ia que são flocos de neve que lhe pendem do rosto. Ela abre-se e deixa passar um tanto o que está em seu interior, uma certa forma de graça e de leveza, que não sei como descrever. Parece algo como um jogo de estalactites e estalagmites dentro de uma gruta. 

Suas sobrancelhas lembram as asas de um condor. Mas, convém acentuar, o olhar é o mais importante do conjunto da fisionomia. Ele absorve o resto. Quando se examina esses olhos, não se pensa em outra coisa. São de uma estabilidade, uma resolução, uma seriedade, uma elevação enorme! São de um homem que, se o mundo todo cair sobre ele, não se move. E, caso seja seu dever mover-se contra o mundo inteiro, atuará com serenidade. Um homem deste tipo move o mundo! É das fisionomias que mais aprecio contemplar. 


Compõe a fisionomia esse gorro preto, que considero extraordinariamente significativo. É um gorro vagamente em forma de cone, e parece feito de pele. Talvez seja confeccionado com lã, porque a batina, que é preta, parece ser do mesmo tecido. E o preto do gorro está em consonância com o escuro do fundo do olhar. Dir-se-ia que algo do olhar espalha-se por todo o gorro. Este é luminosamente escuro, e sua forma deixa entrever a altura de seu pensamento, até atingir o próprio Deus. 

São Charbel Makhlouf é como um verdadeiro cedro do Líbano! 
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Excertos de conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em 21 de maio de 1973. Sem revisão do autor.

22 de julho de 2024

A Igreja e a homossexualidade: a história de uma capitulação

 


Luigi Casalini

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 883, Julho/2023

Foi por covardia ou cumplicidade — ou ambos — que o Cardeal Fernández, com o apoio do Papa Francisco, publicou em 2023 a Declaração Fiducia Supplicans?

É impossível não fazer essa pergunta depois de ler o pequeno ensaio de Julio Loredo e José Ureta, Uma brecha na barragem — Fiducia Supplicans sucumbe à pressão do lobby homossexual.

Os autores não levantam essa questão espinhosa. Eles se limitam a fornecer um relato documentado do cabo de guerra entre o Vaticano e o lobby homossexual, uma vez que este último, na década de 1970, decidiu forçar a Igreja a mudar sua doutrina sobre a atração pelo mesmo sexo (“objetivamente desordenada”) e as relações homossexuais (“intrinsecamente desordenadas” e até mesmo “depravadas”). Como resultado, a Igreja deveria fazer uma “releitura” aggiornatata [atualizada] da Bíblia à luz de Freud, o grande profeta da sexologia contemporânea.

Em Uma brecha na barragem, Loredo e Ureta argumentam que os católicos devem permanecer firmes em um inflexível non possumus, porque “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens” (Atos 5,29). De acordo com eles, se essa resistência às autoridades eclesiásticas levar a uma divisão na Igreja, “não será culpa daqueles que desejam o depósito da fé intacto, mas sim daqueles que procuram ‘reinterpretá-lo’ com base nos supostos desenvolvimentos da ciência moderna e na ‘evolução’ antropológica da humanidade”.

 

No processo diabólico, chega-se a querer justificar a pedofilia

Covardia? Cumplicidade? Ou ambos? A resposta cabe aos leitores, depois de lerem o livro. O certo é que o novo trabalho de Loredo e Ureta, já traduzido para sete idiomas e destinado à distribuição em todos os cinco continentes, desencadeará uma controvérsia tão acalorada como sua obra anterior O processo sinodal: Uma caixa de Pandora.

A “quinta coluna” teológica que abriu as primeiras rachaduras não deixou de ser mencionada nesse pequeno volume. Os jesuítas McNeill, Charles Curran e o oblato André Guindon argumentaram abertamente que era Deus o responsável direto pela atração homossexual e pelo amor que a acompanha. Portanto, a Igreja só poderia abençoar a união estável de parceiros homossexuais, por ser essa um espelho do desvelo de Deus pela humanidade.

Um capuchinho holandês menos conhecido, Herman van de Spijker, foi mais longe, reconhecendo aos encontros noturnos furtivos em um parque, o mérito de acalmar as tensões pessoais e contribuir muito para o amadurecimento dos invertidos.

Mas a ignomínia final vai para o Padre Guindon, que consegue a prodigiosa façanha de justificar relacionamentos pedófilos, os quais só seriam traumáticos para a criança por causa da reação histérica dos pais, obcecados pelo preconceito e pela atitude possessiva!

Uma conivência com a pedofilia retomada mais tarde por um anúncio no Kerken Leben, o semanário dos bispos flamengos, com a cumplicidade do Cardeal Daneels, o grande eleitor do Papa Francisco na máfia de Sankt-Gall, que desviou o olhar para o outro lado. Não é de surpreender que ele tenha feito o mesmo quando seu bom amigo Dom Roger Vangheluwe, ex-bispo de Bruges reduzido ao estado laical, foi acusado de abusar sexualmente de um sobrinho durante treze anos, desde que o menino tinha apenas cinco anos.

 

Recusa do ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade

Cardeal Godfried Danneels 

Todos esses escritos nauseabundos são rapidamente passados em revista, juntamente com as atividades pseudo-pastorais de figuras como o Padre Robert Nugent e a Irmã Jeannine Gramick, que chegam a dizer que somente os homossexuais que aderem ao ensino tradicional são obrigados a confessar seus pecados contra o Sexto Mandamento. Para seu rebanho nos grupos Dignity e New Ways Ministry, que assumiram sua identidade LGBT, é suficiente confessar suas violações voluntárias do compromisso básico de viver uma vida de amor altruísta...

Um longo capítulo de Uma brecha na barragem narra a contra ofensiva da Congregação para a Doutrina da Fé, quando era chefiada pelo Cardeal Joseph Ratzinger, contra todas essas aberrações doutrinárias que desprezavam os textos muito claros das Escrituras e o ensino constante do Magistério.

Atenção especial é dada à Carta Homosexualitas Problema “sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais”, publicada em 1986, que pedia aos bispos do mundo “que sejam particularmente vigilantes com relação aos programas que, de fato, tentam exercer pressão sobre a Igreja a fim de que ela mude a sua doutrina, embora às vezes, verbalmente neguem que seja assim”. As sucessivas condenações dos autores heterodoxos são analisadas, bem como a proibição imposta ao Padre Nugent e à Irmã Gramick de continuarem suas atividades dentro dos grupos dos quais eram capelães, tendo em vista o fato de terem se recusado a assinar uma declaração confirmando sua adesão interior ao ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.

 

Todos são bem-vindos... desde que cumpram as exigências de Deus

O Cardeal Joseph Ratzinger já alertava,
em 1986, aos bispos do mundo
para “que fossem particularmente
vigilantes com relação aos programas que,
de fato, tentam exercer pressão
 sobre a Igreja a fim de que ela
mude a sua doutrina, embora às vezes,
verbalmente neguem que seja assim”

Loredo e Ureta também se propuseram a dissecar o binômio “desafio-chantagem” usado pelo lobby homossexual para forçar a mão dos bispos, seja revelando sua orientação sexual, seja forçando-os a se distanciarem publicamente das posições da Santa Sé, sob pena de obrigá-los a “sair do armário” contra a própria vontade.

O caso mais emblemático é o do Cardeal Basil Hume, que se apressou em escrever uma carta afirmando que a amizade homossexual pode ser “uma forma de amar” e que não devemos generalizar ao atribuir culpa subjetiva sobre atos genitais homossexuais. O ativista do movimento Out Rage, Peter Tatchell, pôde se gabar ao New York Times: “Estamos definindo a agenda”.

Se tudo isso produziu rachaduras no dique católico que ainda se mantinha firme contra as ondas da revolução homossexual, foi o Papa Francisco quem abriu uma brecha, desde seu famoso “Quem sou eu para julgar” até o apelo na JMJ de Lisboa para incluir “todos, todos, todos”, sem levar em conta sua condição de pecadores públicos.

Apelo que foi objeto das flechas afiadas de Dom Rob Mutsaerts, o corajoso bispo auxiliar de S'Hertogenbosch (Holanda), em seu prefácio ao livro. Sem rodeios, ele afirma que, por certo, todos são bem-vindos... desde que cumpram as exigências de Deus. No inferno, diz ele, a situação é diferente.

“No inferno, as coisas são diferentes: todos são incondicionalmente bem-vindos. O slogan do diabo é: Come as you are [“Venha do jeito que você é”]; não precisa mudar, pedir perdão, nem erguer uma palha para ajudar a outros em suas necessidades: ‘todos, todos, todos’ são bem-vindos ao inferno”.

 Mas não acho que nosso bom bispo holandês seja agora tão bem-vindo a Santa Marta como o foram a Irmã Gramick e o Padre James Martin. É mais provável que ele tenha o mesmo destino de seu colega Dom Joseph Strickland, o que lhe dará mais tempo para escrever em seu blog, o que não seria tão ruim...

 

Exigem uma mudança no Catecismo da Igreja Católica

Padre James Martin

A brecha aberta pelo Papa Francisco foi rapidamente atravessada pelos bispos alemães e belgas
, que promoveram cerimônias litúrgicas para abençoar as uniões homossexuais, e ainda pelo Cardeal Schönborn, o qual deseja conceder a todos os casais “irregulares”, incluindo os de parceiros do mesmo sexo, nada mais nada menos que o status teológico concedido pelo Concílio Vaticano II aos “irmãos separados”.

De acordo com o Arcebispo de Viena, que aproveitou a festa da Assunção para abençoar seu amigo Gery Kezlere e o parceiro homossexual deste no final da refeição, as uniões civis incluem aspectos positivos de compromisso mútuo, mais sólidos do que os de uma simples coabitação, o que as aproxima do casamento sacramental.

O teólogo suíço Daniel Bogner vai ainda mais longe. Ele acredita que é necessário repensar o sacramento do matrimônio e libertá-lo de sua “embalagem de perfeição” e de “uma lógica escalonada que distingue entre um sacramento de ‘forma plena’ e uma oferta barata de bênção para formas ‘inferiores’ de amor”.

Se a espúria “bênção pastoral” do Cardeal Tucho Fernández causou tanto alvoroço na África e em outros lugares, não é difícil imaginar a convulsão que sofrerá a Igreja Católica se aprovar, como muitas denominações protestantes já o fizeram, um pseudo-casamento homossexual. Ou uma mudança no Catecismo da Igreja Católica para dizer que a orientação homossexual não é desordenada, mas “ordenada de forma diferente”, como deseja o Padre Martin.

De fato, a doutrina que rejeita a homossexualidade faz parte do magistério ordinário universal da Igreja e, como tal, é irreformável. Em consequência, é absolutamente inaceitável a ideia de que as relações homossexuais podem ter algo que valha a pena santificar com um sacramento ou bênção, como os Cardeais Hollerich, Schönborn, Fernández & Co. com o apoio secreto de Francisco procuram impor.

 


O Vaticano continuará a se submeter ao lobby LGBT?

Alguns acharão que esta obra não é suficientemente profunda, porque simplesmente relata as ofensivas do lobby LGBT e seus cúmplices nos círculos católicos e as respectivas respostas — primeiro mais fortes e depois mais fracas ou mesmo cúmplices, do Vaticano e de vários episcopados —, sem fornecer uma análise detalhada de cada argumento ou incidente. Outros acharão, ao contrário, que o livro não foi escrito com uma caneta ágil, como se fosse um romance, devido à preocupação óbvia dos autores de permanecerem objetivos e bem documentados.

De qualquer forma, para os leitores mais velhos, como eu, a leitura do livro os fará lembrar de certos episódios que os enfureceram na época, mas que depois desapareceram de sua memória, como a declaração escandalosa de Mario Mieli, fundador do Fronte Unitario Omosessuale Rivoluzionario Italiano, sobre a contribuição feita à emancipação humana por perversões sexuais como sadismo, masoquismo, pederastia, gerontofilia e zoofilia.

Os leitores mais jovens, que não vivenciaram o tumulto da era pós-68, encontrarão uma perspectiva histórica que os ajudará a entender até que ponto a Fiducia Supplicans representa uma capitulação incomum do Vaticano diante da pressão do movimento homossexual dentro e fora da Igreja.

*   *   *


 

Como o lobby homossexual conseguiu que a Associação Americana de Psiquiatria tomasse uma decisão política

 


Na entrevista que deu ao Journal of Gay & Lesbian Mental Health, na edição de fevereiro de 2003[1], o Dr. Robert L. Spitzer [foto], principal agente da retirada da homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais (DSM-III), da Associação Americana de Psiquiatria (AAP), ofereceu detalhes muito elucidativos sobre o caráter não científico, mas político, da decisão, bem como do papel que o lobby homossexual nela desempenhou.

Tudo começou num simpósio sobre o tratamento da homossexualidade promovido pela Association for the Advancement of Behavior Therapy, cuja sessão inaugural foi interrompida, dez minutos após começar, pelo protesto de um grupo de ativistas homossexuais que acusavam os organizadores de os classificarem como “casos patológicos”. O Dr. Spitzer foi falar com um deles, chamado Ron Gold, e no curso da conversa explicou que era membro da Força Tarefa sobre Nomenclatura e Estatísticas da AAP, responsável pela edição do Manual de Diagnóstico. Gold pediu para que os ativistas fossem ouvidos por essa comissão.

Em sua apresentação, os ativistas reclamaram que as discriminações e ataques de que eram vítimas provinham do fato de a homossexualidade estar incluída no Manual. “Não tenho certeza se eles disseram isso explicitamente”, relata o Dr. Spitzer, “mas estava implícita a ideia de que a única maneira pela qual os homossexuais poderiam superar a discriminação dos direitos civis seria que a psiquiatria reconhecesse que a homossexualidade não era uma doença mental.[2]

Após a reunião, o Dr. Spitzer propôs que a AAP organizasse um simpósio sobre o assunto, o qual se realizou durante a reunião anual de 1973, no Havaí. Em vista desse simpósio, ele teve muitos contatos com Ron Gold e seus colegas. Movido por um sentimento de compaixão, começou então a pensar em uma fórmula que desse um fundamento científico ao seu desejo de ajudá-los. Porém, ele próprio reconhece que a fórmula que propôs deveu-se mais a considerações subjetivas e políticas do que propriamente clínicas:

“Quanto disso resultou da verdadeira lógica científica? Eu gostaria de pensar que em parte foi assim. Mas, com certeza, em grande parte deveu-se apenas à sensação de que estavam certos! Que, se quisessem ter sucesso em superar a discriminação, isso claramente precisava mudar.”[3]

Para contornar o entrechoque entre a visão tradicional de que a homossexualidade era uma doença que deveria ser tratada e o argumento de que era apenas uma variação normal, ele pôs como pressuposto que a psiquiatria nunca definiu o conceito de desordem mental. Intuitivamente, poder-se-ia dizer que o que todas essas patologias têm em comum é que os que delas padecem não são habitualmente muito felizes. Ora, a aceitar o que dizem os ativistas, ou seja, que há homossexuais que não se sentem angustiados por serem homossexuais, então poder-se-ia alegar: Aqui está uma definição de transtorno mental que faz algum sentido; e, nesta base, a homossexualidade não deveria estar no DSM-II.”[4]

Na entrevista, o Dr. Spitzer reconheceu que em parte isso foi político”, pois sabia que não havia como fazer os membros ou a AAP aceitarem a remoção total da categoria [homossexual]” do manual, mas que muitos aceitariam sua substituição pelo novo conceito de distúrbio de orientação sexual”, aplicável unicamente a “um homossexual insatisfeito” e que precisa de tratamento.[5]

Foi assim que o pequeno grupo da Comissão de Nomenclatura, e depois, sucessivamente, o Conselho de Investigação e Desenvolvimento, a Assembleia de Secções Distritais, o Comité de Referência e, finalmente, o Conselho de Curadores da Associação Americana de Psiquiatria aprovaram a exclusão da homossexualidade do Manual de Transtornos Mentais.

 

Deus cria homossexuais?


Todos os autores citados neste capítulo partem do pressuposto ou aceitam implicitamente a ideia de que Deus dá a uma minoria de pessoas a sua orientação homossexual, a qual não seria, neles, “intrinsecamente desordenada”, como ensina o Catecismo da Igreja Católica (par. 2357).

Esse argumento é falso na medida em que pressupõe, pelo menos no caso da homossexualidade, que não há distinção entre Deus — Causa Primeira de todas as coisas — e as causas segundas que agem no universo criado. Ora, essa formulação falseia o conceito católico de Providência, segundo o qual Deus não é o Autor direto de todo o mal físico e moral que há no mundo, mas apenas o permite por razões, para nós misteriosas, de sua divina sabedoria. Portanto, as relações de Deus com os males que afetam a humanidade não são de maneira alguma positivas, mas somente negativas. Isso é verdade tanto em relação às ações livres das criaturas quanto às não livres:

“Até o mal, o pecado, recai verdadeira e propriamente sob a Providência de Deus. Pois ele não ocorreria sem sua permissão e assistência física. [...]

“O mesmo se deve dizer da Providência divina com relação às ações não livres das criaturas. Aqui também, embora determine e dirija todas elas rumo a uma unidade final harmoniosa, Deus permite que as causas segundas subsistam em suas imperfeições essenciais e acidentais; Ele não impede tais causas de ficarem paralisadas e, em muitos casos, de não alcançarem seu efeito ideal. E isso acontece não apenas no mundo vegetal e animal, mas também no mundo humano e, neste último, não apenas no âmbito corpóreo, mas também no psíquico. [...] Também aqui podemos adivinhar as razões. Assim como Deus não deseja interferir na liberdade, Ele não deseja privar as causas segundas de sua ação própria, mas, ao contrário, elevá-las à dignidade de cooperadoras (SummaTheologica, I, 22, 3).As deficiências que daí podem resultar no ser humano não são de tal natureza que impeçam o homem de alcançar seu fim último.”[6]

Ora, até Marshall Kirk and Hunter Madsen, em seu “manifesto homossexual” de 1989, intitulado After the Ball, reconhecem a interferência de causas segundas no desenvolvimento da atração por pessoas do mesmo sexo: “Sustentamos que, para todos os efeitos, os homossexuais devem ser considerados como tendo ‘nascido homossexuais’, embora a orientação sexual, para a maioria dos seres humanos, pareça ser o produto de uma interação complexa entre predisposições inatas e fatores ambientais durante a infância e o início da adolescência.”.[7]

 

 

 

“Os ativistas dos direitos dos homossexuais pressionaram fortemente para que a sociedade lhes reconhecesse o casamento civil. Estes mesmos ativistas também procuraram obter da igreja a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo para afirmar a legitimidade de sua atividade sexual e como um eventual passo para obter o reconhecimento de suas relações como sendo conjugais.”

+ Dom Joseph Naumann,
arcebispo de Kansas City

 

 

 

“Abençoar uma realidade contrária à criação não é apenas impossível, é uma blasfêmia.”

+ Cardeal Gerhard Müller,
prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé

 

 

 

Não se pode abençoar uniões que a própria Igreja diz não estarem conformes ao plano de Deus”

+ Cardeal Daniel Sturla,
arcebispo de Montevidéu

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“Não estamos fazendo oposição ao Papa Francisco mas nos opondo de maneira firme e radical a uma heresia que está minando seriamente a Igreja, o Corpo de Cristo, por ser contrária à fé e à tradição católica”

+ Cardeal Robert Sarah,
prefeito emérito da Congregação para o Culto divino,
dirigindo-se aos bispos da África

 



[1]Cfr. Jack Drescher, “An Interview with Robert L. Spitzer, MD”, Journal of Gay & Lesbian Psychotherapy 7, n. 3 (Fevereiro de 2003), https://www.researchgate.net/profile/Jack- Drescher/publication/244889348_An_interview_with_Robert_L_Spitzer_MD/links/5413bc2f0cf2bb7347db270f/An-interview-with-Robert-L-Spitzer-MD.pdf

[2] Idem, p. 101.

[3]Ibid., pp. 101–102.

[4]Ibid., p. 102.

[5]Ibid., p. 103.

[6]Bernhardt Bartmann, Précis de théologie dogmatique (Mulhouse: Ed. Salvator, 1941), 1941, p.287.

[7] Marshall Kirk and Hunter Madsen, Ater the Ball: How America Will Conquer Its Fear & Hatred of Gays in the ‘90s (New York: Doubleday, 1989), p. 184, https://albertmohler.com/2004/06/03/after-the-ball-why-the-homosexual-movement-has-won/